sábado, 5 de janeiro de 2013

FALANDO SOBRE PATRIMÔNIO HISTÓRICO





IDÉIAS DO PROFESSOR LEONARDO BARCI CASTRIOTA SOBRE PATRIMONIO E PRESERVAÇÃO
 
A preservação e o conceito tradicional de patrimônio
Preservação
"manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada."
(Carta de Burra, ICOMOS,1980)

 
Concepção restrita e limitada do patrimônio
Patrimônio arquitetônico
"coleção de objetos", identificados e catalogados por peritos, como representantes significativos da arquitetura do passado e, como tal, dignos de preservação, passando os critérios adotados aqui pelo caráter de excepcionalidadeda edificação, àqual se atribuía valor histórico e/ou estético


Patrimônio cultural
produtos da cultura erudita, derivados via de regra de grupos e segmentos sociais dominantes


Tipo de objeto
edificações, estruturas e outros artefatos individuais, invocando-se como razões para sua preservação a excepcionalidadedo bem.
Marco legal
o tombamento, instrumento introduzido no Brasil na década de 30, pensado inicialmente para proteger bens excepcionais
Tipo de ação
predomínio do Estado

Tipo de profissionais envolvidos: majoritariamente arquitetos e historiadores

 
Quando se pensa em preservar, alguém logo aparece falando em patrimônios e tombamentos. Também se consagrou a crença de que cabia ao governo resguardar o que valia a pena. Como? Através de especialistas que teriam o direito (o
poder-saber) de analisar edifícios e de pronunciar veredictos. Esses técnicos praticariam uma espécie de ação sacerdotal. Atribuíam caráter distintivo a um determinado edifício e logo tratavam de sacralizá-lofrente aos respectivos contextos profanos.

(Carlos Nelson Ferreira dos Santos, "Preservar não étombar, renovar não épôr tudo abaixo", 1986)


 
Conceito de patrimônio
ampliação
Patrimônio arquitetônico

 
tanto o conceito de
arquitetura, quanto o próprio campo de estilos e espécies de edifícios considerados dignos de
preservação expandem-se paulatinamente (tripla
expansão desse conceito: cronológica, tipológica e geográfica.

(Françoise Choay)
 
Patrimônio cultural

Antropologia - a noção de
cultura deixa de se relacionar exclusivamente à
chamada cultura erudita, passando a englobar também
as manifestações populares e a moderna cultura de massa.


 
Tipo deobjetodo monumento isolado a grupos de edificações históricas, à paisagem urbana e aos espaços públicos.



 
Patrimônio ambiental urbano
não se pensa apenas na edificação, no monumento isolado, testemunho de um momento singular do passado, mas torna-se necessário, antes de mais nada, perceber as relações que os bens naturais e culturais apresentam entre si, e como o meio ambiente urbano éfruto dessas relações.




Conservação

o termo conservação designaráos cuidados a serem dispensados a um bem para preservar-lhe as características que apresentem uma significação cultural. De acordo com as circunstâncias, a conservação
implicaráou não a preservação ou a restauração, além da manutenção; ela poderá, igualmente, compreender obras mínimas de reconstrução ou adaptação que atendam às necessidades e exigências práticas. (Carta de Burra, ICOMOS, 1980)

complementando o entendimento sobre Patrimônio
Este trabalho pretende mostrar a trajetória do conceito de Patrimônio, desde  as noções iniciais com a Revolução Francesa, depois a mudança para Monumento e e o rápido retorno para novamente Patrimônio, assim como seu uso pelo Estado para construção das identidades nacionais, o alargamento do conceito com novos objetos, chegando até os dias atuais. Procura-se conceituar o Patrimônio e ao mesmo tempo mostrar esta trajetória no decorrer do tempo a partir do século XVIII. Também é levada em consideração a situação do Brasil, que tem no movimento modernista e no Governo Vargas o marco inicial da discussão das ideias sobre Patrimônio.
 
Palavras-chave: Memória, Monumento, Monumento Histórico, Patrimônio, Patrimônio Histórico.
 
INTRODUÇÃO
 
Inicialmente verifica-se que na construção do conceito de Patrimônio, a palavra está ligada a comunidade nos  finais do século XVIII com a Revolução Francesa, quando se procura a destruição dos vestígios que ligavam ao velho regime e também com a guarda de obras em museus, tendo a visão de atribuir um valor simbólico aos bens guardados e sua utilização com a denominação de monumento e monumento histórico. Será acompanhado ainda o desenvolvimento e alargamento do conceito, que inicialmente está ligado a algumas edificações, templos e castelos, se alargando no final do século XX, quando vai englobar outros bens intangíveis.
Além de fixar o conceito de patrimônio, o trabalho em sua segunda parte mostra a trajetória histórica do conceito e conclui mostrando como se dá este desenvolvimento no Brasil, a partir da semana de Arte Moderna em 1922 e da implantação de uma nova política para a conservação do Patrimônio formulada a partir do governo Vargas na década de 30.
 
        
 
1.1 O  que é Patrimônio
 
Quando se falava em patrimônio, originalmente esta palavra estava ligada a estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma determinada sociedade estável, com raízes no tempo e espaço. Com o tempo e diversas variações, o conceito considerado “nômade”,  chega aos dias atuais com uma trajetória diferente, remetendo a uma instituição e a uma mentalidade. (CHOAY,  2001, p. 11).
Era considerado no direito romano, como uma “herança do pai” e podia ser conceituado, segundo (CASTRIOTA, 2009, p. 83), como “complexo de bens que tinham algum valor econômico, que podiam ser objeto de apropriação privada.”
 Já a expressão Patrimônio Histórico, tem como referência um bem destinado ao conjunto de uma comunidade, constituindo-se de uma diversidade de objetos que se conjugam por seu passado em comum, tais como obras e obras primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes (CHOAY, 2001, p. 11).
Inicialmente sua origem no século XVIII está ligada ao desenvolvimento da Revolução Francesa com a visão de atribuir um valor simbólico aos bens guardados em museus, enquanto outros eram destruídos  por sua suposta ligação ao regime passado. Inicialmente tratado como patrimônio, logo em seguida passa a ser denominado como Monumento (CABRAL, 2011, p. 26).
Monumento é visto como objeto cultural universal com a função  de mobilizar a memória  coletiva e afirmar a identidade da nação, enquanto Monumento Histórico é visto como a reconstituição posterior decorrente da ideia da necessidade de conservação. É escolhido pelo valor histórico e/ou artístico, tipologias que seguem inalteradas até o final da Segunda Guerra Mundial. ( 2011, p. 28).
Para (FONSECA, 2005, p. 53), em nome do interesse público, o Estado neste século XVIII assume a proteção legal de determinados bens, simbolicamente capazes de representar a ideia de Nação.
Assim, consideramos que o conceito está ligado a sociedade e as condições que ela encerra, pois a sociedade envolve o que é Patrimônio e o que precisa resguardar.
Historicamente, o termo estava mais ligado a objetos mais restritos e relacionados a vida de todos, como as edificações de Igrejas, de templos, resumindo em vestígios da antiguidade, edificações religiosas da Idade Média e alguns castelos. O Monumento era visto como obra criada pelo homem e edificado com o objetivo de conservar na memória presente e viva para as gerações futuras. (FONSECA, 2005, p. 54).
Com o Renascimento, o Monumento tem modificado o seu significado, passando a incluir toda obra tangível de valor histórico e artístico.
As noções modernas de Patrimônio ocorrem a partir do momento em que surge a ideia de estudar e conservar uma edificação pela razão de ser testemunho da história e/ou obra de arte.
A partir de 1950, o paradigma sobre Patrimônio é alterado, englobando todas as formas de edificar e outros tipos de construções, sejam urbanas, rurais, eruditas, populares e utilitárias, entre outras.
Depois de 1960, o termo definitivamente se generaliza em substituição a Monumento histórico e nos finais do século XX se expande mais ainda, possibilitando englobar bens intangíveis, como práticas, expressões, representações e saberes-fazer. (CABRAL, 2011 p. 28).
 
 
1.2 A perspectiva histórica na construção do Patrimônio
 
 
Inicialmente a noção de patrimônio está ligada a ideia de preservação, tanto envolvendo o papel da memória e  da tradição de se construir identidades coletivas, como também a utilização pelos Estados modernos para reforçar a ideia de Nação. (FONSECA, 2005,  p.51).
Até o século XV, desenvolve-se o sentimento de preservação, através de movimentos isolados dos antiquários, em que os bens são pensados com o caráter artístico de rememoração.
O termo é legitimado a partir do final do século XVIII, quando o Estado assume em nome do interesse público, a proteção legal de determinados bens, capazes de simbolizarem a nação (2005, p. 51) e valor de conhecimento.
Com a evolução do conceito, passa-se ter a ideia da posse coletiva do exercício da cidadania, inspirando então a denominação de Patrimônio, como um conjunto de bens de valor cultural de propriedade do conjunto de cidadãos, que constituem a Nação (2005, p.58)
É neste período que ocorre uma crise do paradigma conceitual até então existente onde os principais valores atribuídos aos bens patrimoniais eram o valor histórico e artístico (2005, p.52).
Já no século XX, o conceito está ligado a bens culturais, sendo que a partir da segunda metade dele, associa-se a outros tipos de bens, ao uso, tipos de edificação, tradições e outros.
As noções modernas  começam a ser destacadas no momento em que se passa estudar e conservar um edifício pela única razão de ser um testemunho da história e/ ou de uma obra de arte (2005, p. 53)
Este fato possibilita duas ações: primeiro em relação ao objeto, que para conservar, não se deve tocar e o outro está ligado a historicidade, onde os valores histórico e artístico caminham juntos.
 
1.3  O conceito de Patrimônio do Brasil
 
            No Brasil, o conceito de Patrimônio tem influência do movimento modernista de 1922 e do governo Vargas,  que convidou intelectuais para defender buscar um identidade coletiva. Representa a criação de uma cultura hegemônica, propiciando a identificação dos cidadãos com a Nação.
            Neste contexto, no conceito de Patrimônio predomina mais o valor estético do que histórico.  As ideias que são trazidas com a Semana da Arte Moderna, falam da modernização do Brasil como um todo e de uma nova linguagem que representasse este movimento moderno. A cidade de Ouro Preto-MG, por exemplo, e vista como um símbolo da identidade nacional, mais pelos valores estéticos em detrimento do valor histórico.
            Este período é marcado pela temática da preservação, com a preocupação  de salvação dos vestígios do passado da Nação,  quando se deve proteger os monumentos e objetos, principalmente do século XVIII, que seria uma manifestação de uma possível civilização brasileira, inclusive com a revalorização do Barroco local em Ouro Preto.
             O Estado, ainda  na década de 30, através de Vargas com o apoio dos intelectuais modernistas, elaboram e incrementam as políticas de preservação do Patrimônio, dentro de uma agenda de construção da identidade nacional. Entre as principais ações, destaca-se em 1933 a consagração de Ouro Preto-MG como monumento nacional e em 1936 a criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1937, dá se o tombamento da cidade, levando em consideração principalmente o valor artístico, olhando os aspectos estéticos em detrimento da história local.
              A partir de 1950, tanto o governo como a sociedade perdem o interesse sobre o assunto patrimônio em razão de um pensamento voltado para o desenvolvimento econômico.
              Na década de 1960, o assunto volta a ter importância, agora com a revalorização, sendo considerado instrumento de integração nacional e turístico.
              Já nos anos 70 ocorrem mudanças na formulação da ideia de Patrimônio, com uma nova concepção de identidade nacional com o alargamento e inclusão de novos agentes.. Para entender os critérios que estão por trás, qual valor artístico e histórico, tem-se então um conceito alargado que abrange um conjunto maior de valores, já que a cidade agora tem outros valores, como a paisagem, os costumes, as tradições.
            O Patrimônio então não é pensado mais somente com os valores históricos e artísticos, mas através de outros e com novos objetos, como a arte popular, ações, atitudes e memórias. Agora como Patrimônio material não se fala mais só de um lugar,  mas  diversas ações, edifícios, manifestações religiosas e populares,  incluídas  nesta denominação.
           
 
 
 
1.4 Conclusão
 As leituras e debates ocorridos durante os seminários quando foi estudada a questão do Patrimônio no mundo e no Brasil, com destaque para a trajetória histórica, dentro do programa da disciplina História e Estudos Culturais, permitiram compreender a evolução do conceito de Patrimônio desde sua origem até os dias atuais. Inicialmente com a denominação de Monumento e sua ligação com a Revolução Francesa, o conjunto de objetos restritos a edificações e alguns bens principalmente da antiguidade, depois para reforço das identidades nacionais e afirmação da Nação pelos Estados Modernos, até chegar aos conceitos mais modernos e ligados ao final do século XX, quando ocorreu um grande alargamento conceitual, até abranger bens intangíveis e com outros valores, além do artístico e histórico, considerados nos primórdios da elaboração conceitual.
                  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS
 
 


 

 

CABRAL, Clara Bertrand. Apontamentos sobre patrimônio e cultura. In: CABRAL, Clara Bertand. Patrimônio cultural imaterial; convenção da UNESCO e seus contextos. Lisboa/Portugal: Arte e comunicação, 2011.

 

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Alternativas contemporâneas para políticas de preservação in: CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural, conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Ana Blume, 2009.

 

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira  Machado. – São Paulo: Estação Liberdade: Editora UNESP, 2001.

 

FONSECA, Maria Cecília Londres. A construção do Patrimônio: perspectiva histórica. In: FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetórias da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Minc./Iphan, 2005

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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