1.1.1 O perfil das mulheres
da casa de Dona Francisca Carolina
Para
entender o perfil das mulheres que têm participação nos embates e arranjos
políticos do início do século XX em Goiás, trabalha-se o aspecto biográfico,
e leva-se em consideração a nova postura
da história política, evitando, assim, a
exaltação dos chefes políticos, com seus problemas e seus humores, e se busca,
através do relato das pessoas e da
sociedade, uma maneira de restituir um lugar
para os esquecidos da história, em especial, nesta pesquisa, as mulheres
que tinham relações com o Poder (RÉMOND, 1996, p. 18).
Ao se
levarem em conta os estudos organizados por René Rémond, verifica-se que o
fenômeno da biografia teve seu florescimento na França em 1970, quando foi
mostrada uma nova maneira, através de Philippe Leiwain, para situar o sujeito
no tempo, interrogando a época através do indivíduo, sua história religiosa,
intelectual e social (LEIWAIN, 1996, p.
141).
Procura-se
evitar a biografia dos tempos passados, em que predominava o elogio (LEIWAIN,
1996, p. 149), não deixando de ordenar, em função de uma vivência, documentos
que podem provir de testemunhos para uma história a ser feita. Assim, este
trabalho não escapa aos julgamentos do autor, que participa da construção
resultante, seja da hipótese, seja da afirmação e que serão confirmadas ou
fabricadas, mesmo que isto faça correr o risco de erro como um apelo à verdade
(LEIWAIN, 1996, p. 174).
Por ser um
empreendimento de homologação, seja do conhecimento adquirido, seja das ideias
prontas, seja das relações, a biografia reassume uma função a meio caminho
entre o particular e o coletivo. É como um exercício para identificar uma
figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação, analisar relações
entre o desígnio pessoal e forças convergentes ou concorrentes e fazer o
balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios. Enfim, captar a
realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida (LEIWAIN, 1996,
p. 165).
Nesse
aspecto, o trabalho apresenta como novidade a identificação dessas mulheres que
participaram das relações de poder que antecederam a emancipação de Santa Rita
do Paranaíba e vai confrontar essa participação dentro da sociedade, desde a
infância, passando pela educação, pela participação religiosa, social e intelectual,
assim como os gestos e fatos que tiveram a participação dessas pessoas.
A partir
da figura de Francisca Carolina de Nazareth Moraes abrem-se as portas da
visibilidade de participação nos espaços privados. Se o poder está na instituição
da Igreja Católica no tempo do Império, as mulheres estão presentes nas cerimônias
da Igreja Católica e se o poder está disposto na ocupação de cargos públicos na
Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, presentes estão o coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes ao lado de Dona Francisca. Quando o poder se manifesta através
dos comerciantes e dos políticos, Dona Francisca está presente ao lado do
marido comerciante, capitalista, vice-presidente do Estado e Intendente de Morrinhos.
A sua casa é o símbolo do poder político em Goiás quando o presidente do Estado
é seu genro.
Percebe-se
na figura de Dona Francisca Carolina, uma mulher forte e bem sucedida. Já tinha
boas condições financeiras com parte da herança de seu pai falecido em 1886, no
então distrito de Santa Rita do Paranaíba e com a morte de seu segundo marido
em 1905, marca de vez o seu papel de protagonismo e presença nas relações de
poder. É com ela herdeira que seu filho, o bacharel Hermenegildo Lopes de
Moraes exerce o mandato de deputado federal e também é eleito presidente do
Estado, assim como seu genro era o principal interlocutor da política goiana
até 1909.
Dona
Francisca Carolina de Nazareth de Moraes juridicamente obteve a emancipação com
a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes. Não estava mais sob o poder
paternal ou marital, mas mesmo assim não teve participação nos processos
eleitorais, diferente do que ocorreu em relação aos aspectos econômicos, já que
administrou a herança recebida do coronel, que se somou à parte já recebida em
1886 de seu pai, o capitão Manoel Martins Marquez em Santa Rita do Paranaíba.
Figura 2 – Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes
Fonte – Museu Municipal de
Morrinhos
Francisca Carolina de Nazareth Moraes nasceu em Santa
Rita do Paranaíba no dia 24/11/1843. Filha do fazendeiro Manoel Martins
Marquez, que faleceu em 1886 e de Hipóllita Maria de Nazareth, falecida no
final da década de 1850. Viveu sua adolescência no pequeno arraial no sul de
Goiás, local onde grande parte da população morava na zona rural. Constituiu a
primeira família com Alcebíades José da Silveira no início da década de 1860,
com intensa participação católica: costumava levar os filhos para participar dos eventos religiosos, sendo
figura constante na Paróquia de Santa Rita de Cássia, que havia sido criada em
1852 (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Foi mãe de três filhos no primeiro casamento, com Alcebíades
José da Silveira, sendo Maria Carolina
da Silveira a primogênita, cujo nascimento se deu no então distrito de Santa
Rita do Paranaíba em 30/10/1862. Aos nove anos, Maria Carolina mudou-se com a
mãe para Morrinhos e anos mais tarde contraiu casamento com o sócio e caixeiro do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, major da guarda nacional Pedro Nunes da Silva em
07/02/1883, com quem teve treze filhos e
tornou-se primeira dama de Morrinhos na década de 1890, tendo executado
destacado trabalho social, que lhe valeu o nome de “mãe da pobreza” na região,
conforme dados colhidos no Museu municipal da cidade de Morrinhos.
Figura 3 – Maria Carolina Silveira Nunes e filhos
Fonte: (AMORIM, 1998, p. 171)
Por volta de 1865, quando Dona Francisca contava com vinte e
dois anos nasceu o segundo filho, com o nome de Galdino da Silveira Marquez, que
após a infância voltou para Santa Rita do Paranaíba e ocupou cargos públicos,
como o de Inspetor escolar e nas eleições trabalhava nas mesas eleitorais
atendendo os interesses da família.
Um ano depois nasceu Anna Theodora da Silveira Amorim, que
também seguiu para Morrinhos com cinco anos, em 1871, onde conheceu mais
tarde Pacífico do Amorim, também sócio e
caixeiro do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes. Casou-se com o futuro Intendente de Pouso
Alto, hoje Piracanjuba, que exerceu naquela cidade os cargos de tabelião,
delegado, juiz municipal e também intendente.
O esposo de Anna Theodora da Silveira Amorim era filho
natural do professor e funcionário público da Recebedoria de Santa Rita do
Paranaíba, José Fleury Alves do Amorim, irmão de Padre Félix Fleury Alves do
Amorim, primeiras autoridades no então distrito de Santa Rita do Paranaíba.
Figura 4 – Anna Theodora da
Silveira Amorim
Fonte: Museu Municipal de Morrinhos
Do segundo casamento, com o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, nasceu em 1870, em Santa Rita do Paranaíba, o homônimo do pai, e depois
de se mudar para Morrinhos, teve em 1873, Francisco Lopes de Moraes e encerrou
o período de maternidade, então com 40
anos em 1884, ocasião em que nasceu
Amélia Augusta de Moraes em 27 de agosto.
Francisca Carolina de Nazareth Moraes fugiu do padrão das
mulheres da época em Goiás que se casavam muito cedo e os filhos eram em
sequência e em grande número. Teve apenas três filhos no primeiro casamento e
quatro no segundo. Era bem religiosa, participava das atividades comerciais,
tendo inclusive fazendas em seu nome e não estudou além das primeiras letras,
apesar de seus pais serem fazendeiros. Esteve sempre ao lado do esposo, o
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, ajudou a cuidar dos bens, dos filhos e
dos netos e ajudou a administrar a fortuna da família. Também foi primeira-
dama.
Vivendo
em família tradicionalmente católica, foi batizada em Minas Gerais na cidade de
Monte Alegre. Os registros relacionados ao seu primeiro casamento com
Alcebíades José da Silveira marcam o nascimento e batizado de três filhos,
sendo a primeira Maria Carolina em 1862, o filho Galdino Marquez em 1865 e a terceira
filha em 1866 de nome Anna Theodora (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Ainda
nos registros de batizados da Paróquia de Santa Rita de Cássia (FERREIRA e
PINHEIRO, 2009), mostra-se a presença de Francisca e seu primeiro marido
Alcebíades em uma cerimônia perante o Padre Félix, irmão de José Félix do
Amorim, no mês de outubro de 1863, em um ato de reconhecimento da paternidade
feito por seu sogro, José Manoel da Silveira, em relação a um menino chamado Alexandre,
filho de mãe solteira. Nesta ocasião é também registrada a primeira aparição de
Hermenegildo Lopes de Moraes, naquele tempo ainda solteiro e testemunha no
evento, futuro marido de Francisca após a morte de Alcebíades José da Silveira
(FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 218).
Os
vestígios nos registros de batizados e casamentos na Igreja Católica de Santa
Rita do Paranaíba apontam que Francisca conhecera o coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes pelos idos de 1863, em eventos na Igreja Católica, e após o falecimento
de seu primeiro esposo, casou-se com o coronel em 1869, tendo o primeiro filho
Hermenegildo Lopes de Moraes nascido em 06/10/1870 em Santa Rita do Paranaíba.
Com a morte do pai Manoel Martins Marquez em 1886, herdou uma fazenda em
Santa Rita do Paranaíba. No segundo casamento, teve ainda em Morrinhos os
filhos Francisco Lopes de Moraes, nascido em 09/03/1873, Alfredo Lopes de
Moraes em 23/11/1880 e a caçula Amélia Augusta de Moraes, nascida em
27/08/1884.
A mudança de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, de Santa Rita
do Paranaíba para Morrinhos, teria se dado por motivo de saúde no início de
1871, já que o Arraial vivia uma epidemia de malária (AMORIM, 1998, p. 81), fato que motivou
a mudança do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que seguiu com a esposa, o
filho de um ano, Hermenegildo Lopes de Moraes, e ainda as três crianças do
primeiro casamento com quatro, cinco e oito anos.
O
casamento de Dona Francisca e o coronel Hermenegildo se realizou às quatro
horas da tarde do dia 04 de novembro de 1869, quando se travava a Guerra do
Paraguai, ele com 36 anos e com boa situação financeira adquirida nos anos em
que foi administrador da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, comerciante e
fazendeiro na região de Santa Rita do Paranaíba até 1871 (PINHEIRO e FERREIRA,
2009, p. 219).
O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, além do primeiro emprego público
na Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, foi ainda Inspetor Paroquial em 1869
e 1871. O coronel teve uma atuação destacada como fornecedor de mantimentos e
tropas a partir de Santa Rita do Paranaíba no início de 1865, onde se estabeleceu
como comerciante e fazendeiro, fazendo fortuna com a Guerra do Paraguai entre
1865 e 1870.
O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes era um empreendedor. O seu casamento
em 1869 com Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, filha de Manoel Martins
Marquez, um importante fazendeiro da região e finalmente, no ano de 1870, o
nascimento de seu primeiro filho, que leva o seu nome, foram os fatos marcantes
que encerraram sua passagem pelo então distrito de Santa Rita do Paranaíba.
Após mudar-se para Vila Bela de Morrinhos, que iria se emancipar,
torna-se seu primeiro intendente e principal líder político. A partir de
Morrinhos, aumenta em muito sua fortuna com empréstimo de dinheiro e compra de
fazendas e aumento do comércio, tornando-se vice-presidente do Estado de 1895 a
1905.
Em Morrinhos foi o primeiro intendente e criou uma estrutura de poder
que permitia o controle do sul de Goiás, com parentes ocupando cargos públicos
no distrito de Santa Rita do Paranaíba, em Morrinhos e Piracanjuba. Costumava
viajar para os estados de Minas e São Paulo e até para o exterior a passeio,
conforme alguns relatos do período. Mas se caracterizava mesmo como grande
fazendeiro, comerciante e capitalista do Estado de Goiás.
A morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 15 de maio de 1905,
após cinco anos sofrendo doença cardíaca, pode ser considerada o marco de
emancipação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, considerando a vultosa
fortuna herdada do marido, correspondente à metade de todos os bens, conforme
disciplinava a Legislação no período. Constava do inventário os seguintes bens
em 1905:
Quadro 1 – Relação de bens
herdados por Francisca Carolina de Nazareth
Bens
|
Valor
|
Bens móveis
|
21:342$500
|
Bens imóveis
|
256:045$810
|
Bens semoventes (gado,
cavalos, burros)
|
81:600$000
|
Caderneta de poupança
|
10:000$000
|
Titulos da dívida pública
|
740:000$000
|
Dívida ativa
|
630:077$324
|
Lucros das casas
comerciais
|
15:689$842
|
Valor da Herança: 1.774:775$476
mil contos de réis
|
|
Fonte: (AMORIM, 1998)
Observa-se, pela relação de bens herdados por Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, que os três
principais itens da herança referem-se a títulos da dívida pública oriundos de
empréstimos aos governos. Dívida ativa era constituída por créditos através de
empréstimos que seu esposo, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, fazia às
pessoas da região e que acabou incrementando também o terceiro item relativo
aos bens imóveis, já que muitas dívidas certamente foram pagas com fazendas.
Nos estudos de inventários e partilhas no sul de Goiás
no período estudado, o doutorando Hamilton Afonso de Oliveira mostra as
diferentes situações entre as mulheres herdeiras, ocorrendo que muitas viúvas,
após a morte dos esposos fazendeiros, ficavam em situação de pobreza, perdendo
as fazendas para pagar as dívidas (OLIVEIRA, 2006, p. 134). Situação diferente
ocorreu no caso de Dona Francisca Carolina, que
herdou parte das fazendas, inclusive algumas recebidas em cobrança pelo
marido no tempo que exercia a função de capitalista emprestando dinheiro.
Enquanto Francisca Carolina de Nazareth Moraes se destacou
pela administração da fortuna herdada, primeiro a parte de seu pai, em 1886, e
finalmente com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, sua filha
Amélia Augusta de Moraes Almeida é visível pelas participações em processos
políticos junto com o esposo José Xavier de Almeida.
Diferentemente de sua mãe, Amélia Augusta de Moraes
Almeida, natural de Morrinhos, caçula da família de quatro irmãos do segundo
casamento de Francisca, viveu sua infância a partir da residência da família, centro do poder de Goiás, na zona
urbana de Morrinhos, onde contava com boas condições de vida na cidade.
Além de receber educação diferenciada em relação às
primeiras letras, contando com professor exclusivo em sua casa, teve a
oportunidade de avançar nos estudos através do curso normal em uma escola na
cidade mineira de Uberaba.
Amélia Augusta de Moraes é uma das mulheres que mais
tiveram relações com a política nos
primeiros anos da República em Goiás, porque sempre esteve presente com seu
esposo, José Xavier de Almeida. Apesar da geração de muitos filhos, participou
ativamente das viagens e dos eventos no palácio do Governo. Esteve presente na
chegada e na saída do poder em 1909.
Figura 5 – Amélia Augusta de
Moraes e José Xavier de Almeida
Fonte: (AMORIM, 1998, p. 170).
Amélia
Augusta de Moraes Almeida nasceu em 27 de agosto 1884 e fez os estudos das
primeiras letras em Morrinhos, primeiro em casa e depois em uma escola de
meninas. Fez os primeiros anos do curso normal em Minas Gerais, na cidade de
Uberaba, por volta de 1899 e 1900, ocasião em que conheceu seu futuro marido
José Xavier de Almeida, com quem se casou tanto por ato civil, obrigatório na
época, quanto por ato religioso em Morrinhos, no mês de maio de 1901 e se mudou
para a sede do governo na capital do Estado a partir de agosto do mesmo ano
(BRITTO, 1994, p. 298).
Participou ativamente ao lado de José Xavier
de Almeida da vida política do esposo nas festividades, nas reuniões políticas,
nas ações sociais e nas viagens. Após seu marido deixar a presidência do Estado
de Goiás e ser eleito deputado federal novamente em 1905, após ter três filhos,
entre os quais uma menina natimorta, seguiu com o marido para o Rio de Janeiro,
deixando os filhos pequenos aos cuidados da avó. Voltavam sempre para a casa da
mãe nos recessos parlamentares, e o verão passavam em Petrópolis, no Estado do
Rio de Janeiro.
Em 1908 participou com o marido da escolha dos
candidatos a deputados, senadores e presidência da República, já que ele era membro
da executiva do partido que fazia essa a escolha. Nesta ocasião deixou o Rio de
Janeiro e veio para Goiás.
Em maio de 1909, quando iniciou o Movimento
que se tornaria um golpe político que deporia o grupo político liderado por seu
marido, Amélia Augusta de Moraes estava junto com José Xavier de Almeida;
inclusive essa passagem marca o fim de seu poder político em Goiás, conforme
narra Maria Seixo de Britto (BRITTO, 1974, p. 305-306):
[...] Com a vitória para o
Senado, Xavier de Almeida e D.Amélia preparavam-se para retornar a Morrinhos,
onde deixariam, com a avó materna, os filhos José e Hermenegildo e, de lá,
rumariam para o Rio, levando Álvaro e Paulo. Marcou-se o dia da partida de
Goiás. Tudo ajeitado para a longa viagem a cavalo. O ex-presidente, agora
Senador, é sigilosamente, avisado de que lhe preparavam uma demonstração de
desafeto,à hora da partida.
Xavier de Almeida não era homem de confusão nem violência, mas também não era covarde. O casal guardou reserva sobre o aviso e com isso, certamente, poupou o sacrifício de muitos amigos e correligionários, que sem dúvida, reagiriam em sua defesa. Poderiam deixar a cidade na calada da noite. Poderiam percorrer as vias mais afastadas e menos movimentadas para esta viagem de que participavam mulheres e crianças. Mas, não, saíram em plena luz do dia e pelo principal caminho, às 11 horas, após o almoço, que lhes oferecera o presidente Rocha Lima. No Largo da Matriz, onde está o Palácio do Governo, havia alguma aglomeração. Grupos formados em vários pontos. Uns com intuito de dizerem adeus e levar votos de boa viagem aos seus benfeitores; muitos simplesmente para assistirem à partida do ex-presidente; enquanto numerosos outros eram adversários mal intencionados.Gente miúda e gente graúda. Era chegado o momento do desabafo, da demonstração de desagrado. Cochichos e olhares maliciosos faziam pairar no ar uma atmosfera de apreensão. Xavier de Almeida trajava-se com esmero: montaria branca e amplo chapéu do Chile. Cavalheirescamente ajudou sua admirável esposa, elegantemente vestida com uma bata de cor clara, a ajeitar-se no seu silhão conduzido por Vesúvio, altaneiro e luzidio cavalo preto.Uma espanhola, babá das crianças, levava consigo a menor. Terminadas as despedidas com votos de feliz viagem, deram sinal de partida. Mal começou o cortejo pelo lado do terraço do Palácio, irromperam-se assobios, estalos de bombinhas, traques baianos e foguetes de vaia. Um manifestante mais ousado atira uma carteira de traques na cabeça do Vesúvio. D. Amélia não se perturba: ao contrário, mantém sua postura nobre e firme como o seu caráter. Ela percebera de onde partira aquele indigno, inconsequente e desprezível insulto. Mas, sem deter-se, sem indecisão, firmou-se em seu animal, que tão bem sabia cavalgar, e, num gesto altivo e resoluto, levantou o chicotinho preso ao pulso por um correntinha de prata, e num rápido açoite, pôs em marcha seu cavalo, embora pudesse punir o insultante. Um foguete atinge a garupa do animal montado pelo fiel camarada baiano, alcunhado de Charuteiro, que levava consigo no colo o pequeno Hermenegildo. Assustado o cavalo dispara pela rua do Horto acima, por detrás da igreja da Boa Morte. Só muito distante, o bom cavaleiro consegue sofreá-lo. Tudo feito à moda do tempo. Eram coisas da época.
E, assim, uma grande Dama e um dos maiores homens público de Goiás deixavam a Metrópole para jamais a ela retornar (BRITTO, 1974, p. 305-306).
Xavier de Almeida não era homem de confusão nem violência, mas também não era covarde. O casal guardou reserva sobre o aviso e com isso, certamente, poupou o sacrifício de muitos amigos e correligionários, que sem dúvida, reagiriam em sua defesa. Poderiam deixar a cidade na calada da noite. Poderiam percorrer as vias mais afastadas e menos movimentadas para esta viagem de que participavam mulheres e crianças. Mas, não, saíram em plena luz do dia e pelo principal caminho, às 11 horas, após o almoço, que lhes oferecera o presidente Rocha Lima. No Largo da Matriz, onde está o Palácio do Governo, havia alguma aglomeração. Grupos formados em vários pontos. Uns com intuito de dizerem adeus e levar votos de boa viagem aos seus benfeitores; muitos simplesmente para assistirem à partida do ex-presidente; enquanto numerosos outros eram adversários mal intencionados.Gente miúda e gente graúda. Era chegado o momento do desabafo, da demonstração de desagrado. Cochichos e olhares maliciosos faziam pairar no ar uma atmosfera de apreensão. Xavier de Almeida trajava-se com esmero: montaria branca e amplo chapéu do Chile. Cavalheirescamente ajudou sua admirável esposa, elegantemente vestida com uma bata de cor clara, a ajeitar-se no seu silhão conduzido por Vesúvio, altaneiro e luzidio cavalo preto.Uma espanhola, babá das crianças, levava consigo a menor. Terminadas as despedidas com votos de feliz viagem, deram sinal de partida. Mal começou o cortejo pelo lado do terraço do Palácio, irromperam-se assobios, estalos de bombinhas, traques baianos e foguetes de vaia. Um manifestante mais ousado atira uma carteira de traques na cabeça do Vesúvio. D. Amélia não se perturba: ao contrário, mantém sua postura nobre e firme como o seu caráter. Ela percebera de onde partira aquele indigno, inconsequente e desprezível insulto. Mas, sem deter-se, sem indecisão, firmou-se em seu animal, que tão bem sabia cavalgar, e, num gesto altivo e resoluto, levantou o chicotinho preso ao pulso por um correntinha de prata, e num rápido açoite, pôs em marcha seu cavalo, embora pudesse punir o insultante. Um foguete atinge a garupa do animal montado pelo fiel camarada baiano, alcunhado de Charuteiro, que levava consigo no colo o pequeno Hermenegildo. Assustado o cavalo dispara pela rua do Horto acima, por detrás da igreja da Boa Morte. Só muito distante, o bom cavaleiro consegue sofreá-lo. Tudo feito à moda do tempo. Eram coisas da época.
E, assim, uma grande Dama e um dos maiores homens público de Goiás deixavam a Metrópole para jamais a ela retornar (BRITTO, 1974, p. 305-306).
Amélia Augusta de Moraes teve onze filhos, começando logo no
primeiro ano de casamento, em 1902, quando teve José Xavier de Almeida Júnior
na capital do Estado. Um ano depois nasceria Helena, que não sobreviveu e foi
sepultada na cidade de Goiás. No terceiro ano do governo de seu esposo nasceu,
em 1904, Hermenegildo. Após deixar o governo, muda com seu esposo, então
deputado federal para o Rio de Janeiro, quando, em 1906, nasceu Álvaro.
Em 1908 Amélia Augusta de Moraes veio para a cidade de Goiás
com o marido para participar de reunião do diretório do partido e das eleições
de deputados e senadores em Goiás, ocasião em que nasceu Paulo. Quando ocorre o
Golpe de 1909, estava voltando para o Rio de Janeiro, onde o marido assumiria o
cargo de senador; passando por
Morrinhos, deixaria José, com sete anos, e Hermenegildo, com cinco, que ficariam
com a avó, levando junto Álvaro, com três anos, e Paulo, com apenas um ano.
Como aconteceu o Golpe Político de 1909, seu esposo José Xavier de Almeida não
assumiu a vaga no Senado, mas mesmo assim seguiram para o Rio de Janeiro
(BRITTO, 1974, p. 304,305).
Amélia afastou-se das relações políticas em Goiás a partir do
ano de 1909 e no Rio de Janeiro nasceu Guilherme. Depois, morando em Juiz de
Fora-MG, em 1912 nasceu Maria Luiza; de volta a Goiás, a partir de 1913
nasceram em Morrinhos Francisco e Maria
Helena, sendo que esta se tornaria religiosa. Os dois últimos a nascerem foram Maria Amélia e Alberto (BRITTO, 1974,
p. 304-305).
Como contraponto às mulheres-mães, tem-se Messias
Alexandrina Marquez, que nasceu ainda no
distrito de Santa Rita do Paranaíba. Em um local que tinha o rio, o Ribeirão
Trindade, a praça central e a Igreja Católica, viveu a infância. Teve acesso às primeiras letras ainda no
Arraial de Santa Rita do Paranaíba, mas sua maior participação nos primeiros
anos de casamento foi na pequena praça, onde se localizava o comércio, a igreja
e a residência da família.
Figura 6 – Messias
Alexandrina Marquez Brandão
Fonte: (FERREIRA e PINHEIRO,
2009)
Alguns
parentes ainda vivos de Messias Alexandrina Marquez contam que ela teria vindo
da fazenda trazida por Jacintho Luiz da Silva Brandão, que buscou um padre em
Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara, para realizar o casamento, certamente
por vontade da noiva, já que o coronel não era um participante ativo. Porém há
registros de uma participação maior do coronel na Igreja depois do casamento,
inclusive ajudando na reforma da Igreja.
O coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, filho sacrílego, termo
utilizado na época por ser filho de um padre, ao casar-se também chocou-se com
as orientações da Igreja ao contrair núpcias com sua afilhada em batizado
católico, Messias Alexandrina Marquez Brandão. Desse casamento não nasceram
filhos, mas não se tem informações se foi por problemas de saúde do casal ou
por opção.
Messias
conheceu Jacintho Luiz da Silva Brandão nas reuniões políticas em que
participavam seu pai, Damaso Martins Marquez , e seu primo, Major Galdino da Silveira
Marquez. Não teve filhos e era católica fervorosa. Filha de Damaso Martins
Marquez, irmão de Francisca Carolina e Philomena Alexandrina da Silveira Marquez.
Todas essas mulheres tiveram em comum o fato de se tornarem
primeiras-damas, já que seus esposos governaram o Estado e os municípios de
Morrinhos e Santa Rita do Paranaíba. Embora naquele período o cargo não tivesse
as mesmas formalidades dos dias atuais, as mulheres tinham participação
importante na área social e participavam ativamente como continuação das ações
governamentais em relação às pessoas mais pobres, como dar esmolas, por
exemplo.
O novo papel além de mãe, esposa e filha, surge principalmente
com a entrada da política na casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que
permite à sua filha o protagonismo e a evidência como primeira-dama no Estado
de Goiás, no período de agosto de 1901 a julho de 1905, e mesmo tendo três
filhos, participava ativamente dos eventos festivos e sociais enquanto morou no
Palácio Conde dos Arcos. Ela é quem melhor representa esse papel social na
Primeira República em Goiás. Sempre ao lado do esposo, cumprindo compromissos
sociais e destacando-se pela assistência social, ajuda aos pobres e
necessitados. Mas é uma participação ao lado dos homens nas relações de Poder.
Se o casamento foi porta de entrada para a participação das
mulheres na área política, as eleições comandadas por seus maridos e a
conquista dos mandatos de deputados federais, estaduais, intendentes e
presidentes do Estado permitiram às mulheres da casa de Francisca vivenciar a
politização de suas casas e ganharam espaço na política, apesar de estarem
impedidas de ocupar os cargos políticos.
A própria Dona Francisca de Nazareth Moraes, que teve sete
filhos em período alongado, também se tornou primeira-dama de Morrinhos nos
períodos de 1891 a 1893 e de 1899 a 1903, quando Hermenegildo Lopes de Moraes
foi intendente e depois foi a protagonista da família como herdeira, fazendeira
e comerciante.
Outras
filhas do primeiro casamento de Dona Francisca, que foram ainda crianças para
Morrinhos, também se destacaram a partir de suas casas na vida política,
como Maria Carolina Nunes da Silva que,
casada com Pedro Nunes da Silva, também
se tornou primeira-dama do município de Morrinhos no período de 1894 a 1895.
Alguns anos depois, foi a vez de Anna Teodora da Silveira também ser primeira-
dama em Pouso Alto, hoje Piracanjuba, casada com outro sócio de seu padrasto, o
comerciante Pacifico Alves do Amorim.
Casamento
e eleição colocaram as mulheres em evidências nos embates e arranjos políticos
na Primeira República em Goiás. A estratégia foi observar o potencial de
obtenção de riqueza, estruturar a família para ocupação dos principais cargos
públicos e manter o poder através dos processos eleitorais.
Quem doou a área para fazer o orfanato..Tem fotos do orfanato eu morei lá 1965.. Gostaria de alguma informação da época.. Obrigada.
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