quarta-feira, 2 de abril de 2014

BRIGA DE ADVOGADOS PROVOCOU EMANCIPAÇÃO DE ITUMBIARA EM 1909 (SANTA RITA DO PARANAÍBA|)

1.1 A NOVA HISTÓRIA POLÍTICA NA EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA




O evento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, hoje Itumbiara, sempre foi tratado em algumas obras da história local, como um acontecimento resultante dos atos de bravura de coronéis locais, que conquistaram, através de suas lutas, a independência política e administrativa do município, seguindo o velho modelo da escrita da história política que colocava o Estado em evidência e os dirigentes como heróis.

Santa Rita do Paranaíba era um pequeno povoado que surgira com a criação de um porto no Rio Paranaíba pelo governo imperial, por volta de 1830, na região sul de Goiás. Foi denominado distrito do município de Santa Cruz de Goiás em agosto de 1852, com o nome de Freguesia de Santa Rita do Paranaíba. No período de 1855 a 1859 passou a fazer parte de Vila Bela do Paranaíba, nome primeiro da cidade de Morrinhos em sua emancipação naqueles anos. Voltou a fazer parte do município de Santa Cruz de Goiás até por volta de 1872, quando Morrinhos recupera a condição de município e também integra Santa Rita do Paranaíba como seu distrito. A emancipação política e administrativa de Santa Rita do Paranaíba ocorreu em 16 de julho de 1909 e a mudança para o nome de Itumbiara foi aprovada em dezembro de 1943 (FREIRE, 2011, p. 20).

As relações entre o Arraial de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos foram constituídas desde a metade do século XIX, primeiro entre 1855 e 1859, quando foi criada a Vila Bela de Morrinhos, tendo Santa Rita do Paranaíba como distrito, condição que muda a partir de 1859, quando Morrinhos perde a condição de Município e Santa Rita do Paranaíba volta a ser distrito do município de Santa Cruz de Goiás, situação que permanece até 1871, quando novamente é recriado o município de Morrinhos, que passa a fazer parte de Pouso Alto, hoje Piracanjuba, até 1882, quando Morrinhos se emancipa (FREIRE, 2011, p. 30).

Como exemplo de história descritiva da emancipação, apresenta-se a obra de Almeida Neto (1997, p. 9) que a descreve como luta política liderada por seus familiares, o bisavô Major Militão Pereira de Almeida, e seu avô, o coronel Sidney Pereira de Almeida, que teriam levado em mãos as reivindicações da população. Mas quando se faz uma análise da realidade política daquele período à luz da nova história política, verificam-se outras disputas de poder, que não se resumem em ações locais, até porque esses homens não tinham nenhuma influência política no Estado e nem tiveram participação relevante no Movimento político de 1909 em Goiás que resultou na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Aconteceram intensas relações políticas locais que envolveram fazendeiros, comerciantes e funcionários públicos em Santa Rita do Paranaíba e que se ligavam à casa de Dona Francisca, em Morrinhos, através do casamento do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão com uma de suas sobrinhas. Por outro lado, apesar de ser padrinho de casamento do coronel Jacintho, Antônio Xavier Guimarães era ligado a outro grupo político, uma vez que seu irmão, Joaquim Xavier Guimarães Natal, era aliado e cunhado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, que se tornara rival, a partir de 1905, dos familiares da família de Dona Francisca em Morrinhos.

Esses homens ocuparam os papéis de funcionários públicos da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, nas relações que antecederam o acontecimento da emancipação em 1909. Com exceção de Antônio Xavier Guimarães, que cedeu sua fazenda para a base dos revoltosos no norte do Estado, os demais não desempenharam nenhum papel político relevante. Eram pessoas com atuação local e todo poder político estava em Morrinhos, sob o comando da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, entre 1871 e 1909.

Dentro desse contexto, utilizando-se da abordagem da nova história política, procuram-se encontrar as raízes das decisões e estratégias dos grupos que se enfrentaram e os sentidos dos acontecimentos, colocando como protagonistas pessoas que foram excluídas da escrita da história, mas que participaram dos embates e arranjos que se iniciaram na década de 1860 e culminaram com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 1909.

Ao se avançar sobre o estudo dos espaços privados, para também ir além de relações eminentemente políticas, procura-se evidenciar como foram construídas e modificadas as representações de mãe, filha, esposa e dona de casa pelas mulheres, e de heróis, construídas pelos homens, e ainda compreender por que lutaram, como agiram e quais outros papéis assumiram. São algumas das vivências e questões que vão ser tratadas na sequência.

A construção dos papéis de mãe, filha e esposa foi solidificado pelo parlamento, que fazia leis reforçando a atuação das mulheres no espaço privado dentro da formação da família e excluindo-as dos espaços públicos através da política e de cargos. A Igreja reforçava esses papéis na doutrina católica de submissão das mulheres, e a dominação chegava às escolas, onde também as mulheres dificilmente poderiam obter o diploma de bacharel.

Mas é evidente que as mulheres que são estudadas conseguiram superar esses discursos de dominação em algumas situações. Nessa perspectiva procura-se formar novas hipóteses explicativas para esses eventos políticos, quando se colocam os casamentos como porta de entrada para as modificações nos papéis de homens e mulheres nas relações sociais, a exemplo daquele realizado em 1869, entre o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

Embora possa parecer um paradoxo, uma vez que o casamento pela Igreja Católica reforçava o papel de submissão das mulheres, é exatamente através dele que se permitia que as mulheres pudessem estar ao lado de seus maridos, o que possibilitava que a política invadisse os espaços privados, favorecendo, assim, a participação das mulheres.

Ressalta-se que o casamento, até a proclamação da República, era um ato administrado pela Igreja Católica. Na região de Santa Rita do Paranaíba havia um grande número de amancebados, justamente pela dificuldade de acesso das pessoas mais pobres ao sacramento.

Um dos casamentos que faz parte desses processos ocorreu exatamente na Paróquia de Santa Rita de Cássia, envolvendo a figura do então comerciante e funcionário público Hermenegildo Lopes de Moraes, que contraiu núpcias com a viúva Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, filha de família tradicional da região, que tinha o sobrenome Marquez. Depois do padre Félix, maior autoridade do Distrito, o Capitão Manoel Martins Marquez era também respeitado e ouvido. Além da função de padre, de fazendeiro ou de comerciante, a recebedoria de Santa Rita do Paranaíba fazia parte do grupo seleto de cargos públicos disponíveis para ocupação dos homens.

Como instituição disciplinada pela Igreja Católica naquele período, o casamento era acessível a poucos, apesar do incentivo do Clero para que os concubinos e amancebados regularizassem suas situações. As mulheres ligadas ao ambiente político por meio de seus esposos e que fazem parte desses estudos, todas iniciaram seus papéis como mãe, filha, esposa e dona de casa, nos moldes propostos pela Igreja, tanto pelas condições econômicas que possuíam para realizar os casamentos na Igreja, como pelas condições sociais determinadas pela vivência diária no templo. Portanto, era natural no período que pessoas em condições semelhantes ficassem mais próximas e isso torna possível refletir sobre o motivo que levou à aproximação do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, com Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Santa Rita do Paranaíba, na década de 1860, e ao casamento em 1869.

O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes chegou a Santa Rita do Paranaíba, vindo de Curralinho, hoje Itaberaí, como pequeno comerciante, proprietário de tropas e funcionário público, desempenhando funções na Recebedoria do Arraial. Sua vida começou a ser transformada após dois eventos: o primeiro, trata-se da Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1870. O segundo, se deu por volta de 1869, ocasião do seu casamento com Francisca Carolina de Nazareth Moraes. Foi através desses acontecimentos que lhe foram ampliadas as condições para uma carreira como grande comerciante, fazendeiro, coronel da Guarda Nacional, deputado constituinte em Goiás, vice-presidente e Intendente em Morrinhos, assim como foi possibilitado transformar sua casa em centro do poder político nos primeiros dez anos do século XX no Estado (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

Junto, nessas transformações, sempre esteve presente, por um período de mais de trinta anos, a sua esposa, recém-viúva, que saíra do Arraial. Casada pela segunda vez quando do enlace com o coronel Hermenegildo teve uma década para se tornar fazendeira, primeira-dama de Morrinhos e administradora de uma das maiores fortunas de Goiás em fazendas, comércios, depósitos, créditos e outros bens. Junto com Dona Francisca, suas três filhas Maria Carolina, Anna Theodora e Amélia Augusta participaram ativamente de relações sociais e políticas desde Santa Rita do Paranaíba, em 1871, até a efetiva emancipação como distrito em 1909.

É possível constatar que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes foi para Santa Rita do Paranaíba vislumbrando crescimento de sua vida financeira com a possibilidade da Guerra do Paraguai, fato que se concretizou. Sobre a entrada na sua vida de Francisca Carolina de Nazareth Moraes e o seu casamento com ela, o processo se deu pela presença de ambos em eventos realizados dentro da Igreja de Santa Rita de Cássia, nas várias ocasiões em que se encontraram em casamentos e batizados, mesmo quando ela era casada com Alcebíades José da Silveira, o primeiro esposo, conforme se verifica na obra escrita pelos historiados goianos Josmar Divino Ferreira e Antônio César Caldas Pinheiro, quando da comemoração do centenário de Itumbiara (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes não tinham inicialmente condições de fugir dos papéis a elas reservados pela sociedade, tanto as filhas do primeiro casamento, Maria Carolina e Anna Theodora, como Amélia Augusta, filha do segundo casamento. Entretanto, percebe-se que todas essas mulheres modificaram seus papéis no decorrer do tempo, seja na área econômica, como proprietárias, seja na social, com a presença nos processos eleitorais em que os maridos participavam, seja também com a politização dos espaços privados, ocupando espaços nas relações de poder como primeiras-damas, quando do exercício de cargos nos poderes executivos e legislativos no município de Morrinhos e no Estado de Goiás.

Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes é um exemplo de emancipação por meio da herança, já que com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes tornou-se legalmente a líder da família e proprietária da metade dos bens deixados pelo coronel.

Outra porta para a visibilidade foi a politização dos espaços privados, fato que colocou em evidência as primeiras-damas Amélia Augusta de Moares, Maria Carolina Silveira Nunes, Anna Theodora Silveira Amorim e Messias Alexandrina Marquez Brandão. Neste contexto entende-se que o privado foi politizado pela realização de articulações políticas e até da organização dos processos eleitorais, que vão desde os alistamentos até as próprias eleições, as quais eram realizadas na casa de Dona Francisca Carolina Nazareth de Moraes, assim como na de suas filhas.

Em Santa Rita do Paranaíba, embora tendo ela sido criada no então distrito, não se verificaram vestígios da participação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes nas relações políticas do Arraial. Neste aspecto cabe uma indagação: por que ela não intercedeu, em nenhum momento, pela emancipação do distrito, mesmo contando com parentes no local, como seu próprio filho Galdino Marquez Silveira, o irmão Damaso Martins Marquez e a sobrinha Messias Alexandrina Marquez, casada com o primeiro intendente da emancipada Santa Rita do Paranaíba, o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão?

A resposta a essas indagações está no fato de as mulheres serem ausentes nas decisões essencialmente políticas, tais como participação em partidos, alistamento eleitoral, mesas de votações e ocupação de cargos públicos e políticos.

Não se percebe qualquer interferência de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes e de suas filhas, que poderiam ter influenciado o presidente do Estado, José Xavier de Almeida, e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes até 1905, além do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, após 1905, a tomar qualquer medida pela emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Prevaleceu a ideia de que os homens não queriam repartir o poder a partir de Morrinhos e as mulheres não manifestaram nenhum interesse em participar do processo de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, nem que isso favorecesse seus parentes mais diretos que ficaram no arraial. Mulheres pensavam e influenciavam no espaço privado, mas aos homens cabia decidir sobre as coisas públicas.

Entretanto, a partir de Morrinhos coube às mulheres da família que tiveram origem em Santa Rita do Paranaíba desempenhar uma relação estreita com o poder, no sul de Goiás, nos primeiros anos da República. A própria Francisca foi primeira-dama em Morrinhos no início da década de 1890, papel depois assumido por sua filha mais velha, Maria Carolina da Silveira Nunes, enquanto à filha mais nova, Amélia Augusta de Moraes, coube o papel de primeira-dama do Estado a partir de 1901. Anna Theodora da Silveira, filha do primeiro casamento, também foi, conjugando essa atividade com a de mãe e dona de casa; assim, acompanhou o marido em Pouso Alto, hoje Piracanjuba, tornando-se também primeira-dama daquela localidade.

Quando seguiu para Morrinhos em 1871, Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes já era mãe de quatro filhos, sendo o caçula de um ano, o futuro bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes. Como o coronel, seu esposo já tinha boa situação financeira, obtida em tão pouco tempo com a Guerra do Paraguai, era natural sua permanência no distrito que tantos progressos lhe proporcionou, tanto na vida privada como na vida pública. Questiona-se então: o que o teria levado para Morrinhos com toda a família?

A resposta para a mudança de Santa Rita do Paranaíba para Morrinhos de Dona Francisca e do coronel Hermenegildo vai trazer também outras explicações de como essas mulheres foram além do papel de mãe e esposa imposto pelo discurso de dominação dos homens e instituições daquele período da Primeira República e se tornaram primeiras-damas atuantes, trabalhando junto com os maridos no comércio, passeando nas viagens e ficando presentes no exercício de cargos públicos e políticos, apesar de não serem competentes legalmente para esses lugares.

O motivo da mudança da família para Morrinhos é, segundo alguns familiares, um surto de malária que viveu Santa Rita do Paranaíba e que poderia afetar a saúde da própria esposa e de seus escravos; mas pela visão empreendedora do coronel, é possível arriscar que o sentido principal de sua mudança seria a possibilidade de emancipação de Morrinhos que viria logo acontecer, assim como a perspectiva de melhores condições de vida naquela cidade, o que veio a se confirmar anos depois e que de fato possibilitou um crescimento econômico e político da família (MENESES, 1998).

A situação econômica favoreceu as mulheres da casa de Francisca a vivenciarem outros papéis, pois o grande número de auxiliares em suas casas permitia viagens por Goiás, pelo Brasil e até para a Europa. Além disso, se elas não podiam disputar os cargos públicos e os processos eleitorais, vivenciavam a situação com os homens através da politização do espaço privado em suas casas. Os políticos também faziam políticas na Igreja, nas casas e nas viagens.

As filhas de Dona Francisca, Maria Carolina e Anna Theodora, seguiram ainda crianças com sua mãe para Morrinhos, em 1871, e no ano de 1884, já adultas e prontas para o casamento, ganharam mais uma irmã, Amélia Augusta de Moraes. Observa-se que Francisca Carolina não segue uma sequência linear no tempo em relação à gestação de seus filhos, pois foge à regra do período de casar nova e ter muitos filhos em seguida. Ela teve sete filhos em um período de vinte anos.

Para chegar até os eventos dos casamentos, é importante observar o círculo de relações da família, onde estavam os caixeiros e sócios do então coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e políticos da capital. Essa proximidade levou aos casamentos das enteadas com os também patenteados da Guarda Nacional Major Pedro Nunes da Silva, da região de Morrinhos, e tenente Pacífico do Amorim, da região de Piracanjuba. As articulações políticas aproximaram a filha, Amélia Augusta, do presidente do Estado, José Xavier de Almeida. Os enlaces foram os pontos iniciais que permitiram a essas mulheres, primeiro exercer o papel de mãe, esposas e filhas, e posteriormente, com a politização do espaço privado, tornar-se primeiras-damas, com participação política nas relações de poder.

As relações que se tornam casamentos já eram antigas em Santa Rita do Paranaíba. José Fleury Alves do Amorim e o irmão, padre Félix Alves do Amorim, foram os primeiros a ter o poder político em Santa Rita do Paranaíba. O coronel Pacífico do Amorim era filho natural de José Fleury Alves do Amorim e se casou com Anna Theodora, filha de Francisca Carolina de Nazareth Moraes. O círculo de amizade entre as famílias se formou na então Paróquia de Santa Rita de Cássia, onde todos participavam dos eventos religiosos.

Como essas mulheres da casa de Francisca saíram dos limites impostos pelos discursos de dominação dos homens, principalmente sendo mães de muitos filhos, e tornaram possível acompanhar os maridos? Considerando que Francisca teve sete filhos em períodos alongados, de 1862 a 1884, que Amélia Augusta teve onze, entre 1901 e 1912, e ainda que Maria Carolina e Anna Theodora, criaram um número superior a cincos filhos a partir do final da década de 1890, a explicação pode estar na boa situação econômica, que lhes permitia a contratação de serviçais para cuidar das crianças em casa, nas viagens e nos palácios e assim podiam se ausentar do lar em viagens e eventos.

Em relação ao aspecto de emancipação, através destes relacionamentos não é possível constatar esta situação das mulheres ou uma contestação ao papel a elas reservados, pois a prática política foi exercida na plenitude pelos homens e elas não participaram das decisões que mudaram a vida em Santa Rita do Paranaíba até a emancipação e no Estado de Goiás com o Movimento golpista de 1909.

Quando se refere à Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes é até possível falar em emancipação, o que ocorreu com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em maio de 1905, percebendo-se esse fenômeno nas publicações da época que se referiam à mesma como fazendeira, capitalista e herdeira de parte da riqueza do coronel.

Cabem reflexões, relacionadas aos eventos de 1909, que fazem parte de um processo que se concretiza em 16 de Julho de 1909, após o Movimento golpista que não permitiu que o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes assumisse a presidência do Estado. A resposta está na sequência de relações que marcaram a chegada ao poder de José Xavier de Almeida como aliado de José Leopoldo de Bulhões Jardim em 1901, após exercer o cargo de Secretário no Estado de Interior e Justiça no grupo de Bulhões, e depois romper relações políticas em 1904, assim como arranjos e embates que se desencadearam a partir de 1908, ocasião em que a eleição deu ao grupo de Bulhões maioria no Congresso Goiano, entre os vinte e quatro deputados e doze senadores do Estado.

O grupo político de Morrinhos nunca quis a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, povoado que originou a família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, para não dividir o poder, e quando foi derrotado no campo político, teve que aceitar a independência de Santa Rita do Paranaíba como punição primeira pela derrota.

O que faziam as mulheres da casa de Francisca e seus filhos, nos anos que antecederam o “golpe político” de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba? Francisca Carolina de Nazareth Moraes, na condição de viúva do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1905, administrava a riqueza da família a partir da cidade Morrinhos. Amélia Augusta de Moraes Almeida estava ao lado do marido José Xavier de Almeida desde 1905, no Rio de Janeiro, quando seu esposo exercia o mandato de deputado federal.

Em 1908 Amélia Augusta veio a Goiás para a organização das eleições para deputados e senadores goianos, já que o bacharel José Xavier de Almeida comandava o diretório do partido e também era candidato, sendo eleito como senador federal. Já o irmão de Amélia, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, havia sido eleito como deputado federal e no início de 1909, presidente do Estado. Maria Carolina estava em Morrinhos ao lado do Major Pedro Nunes da Silva, Anna Theodora havia mudado para Piracanjuba e Galdino da Silveira estava ocupando cargos públicos em Santa Rita do Paranaíba.

A emancipação do distrito de Santa Rita do Paranaíba se dá com a derrota política dos homens da casa de Francisca para os aliados dos Bulhões. As lutas envolveram de um lado, os bacharéis José Xavier de Almeida, genro, e Hermenegildo Lopes de Moraes, filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes; pelo outro lado o bacharel José Leopoldo de Bulhões aliado a militares, engenheiros, fazendeiros insatisfeitos com o governo do grupo de Xavier de Almeida, e outros bacharéis, que promoveram imediatamente o enfraquecimento do grupo de Morrinhos, modificando toda estrutura política até então vigente no Estado.

As mudanças foram visíveis na ocupação dos cargos públicos nos municípios de Morrinhos e Santa Rita do Paranaíba, que passaram para outros aliados, não ligados à família de Francisca, que eram, até então, ocupantes dos cargos públicos e políticos na região sul de Goiás.

Em Santa Rita do Paranaíba, com a aprovação de José Leopoldo de Bulhões Jardim e do grupo político de José Xavier de Almeida, ocuparam os principais cargos políticos no distrito o irmão de Guimarães Natal, Antônio Xavier Guimarães e o aliado do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, nos primeiros dez anos da República.

O domínio do grupo político de Morrinhos a partir de 1900 foi sustentado por relações econômicas, através da riqueza da família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, por relações políticas lideradas pelos bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes e por relações familiares, que permitiram o controle das principais cidades do sul de Goiás e a ligação com a capital através de Amélia Augusta de Moraes.

O processo da queda do domínio político da casa de Morrinhos deu-se por razões meramente políticas, já que começara um ano antes, em 1908, na eleição de deputados e senadores estaduais, quando o bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim fez maioria entre os eleitos e acelerou-se no momento em que o Movimento de 1909 tirou o presidente Miguel Rocha Lima do governo de Goiás, em 11 de março daquele ano. O primeiro vice-presidente, Francisco Bertholdo, não assumiu e o segundo vice do Estado, coronel José da Silva Batista, o Zeca Batista de Anápolis, um dos líderes do movimento a partir da região, é quem se torna presidente do Estado enquanto durou o golpe político de 1909.

Todos os instrumentos de dominação política começaram a mudar de mãos a partir de 1908 no Congresso goiano, que se reunia de maio a julho, e foi consolidado ao não reconhecer o resultado da eleição de 1909, que dava a vitória para a presidência do Estado ao bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes. Mesmo vencedor nas eleições, ele perdeu a vaga para Urbano Coelho de Gouveia, o segundo colocado na eleição. José Xavier de Almeida, que havia sido eleito senador federal e já se preparava com a mulher para voltar ao Rio de Janeiro, ocasião em que deixaria parte dos filhos com a avó em Morrinhos, também sofreu a degola, processo de não reconhecimento pela Comissão de Verificação dos Poderes dos eleitos.

Estavam criadas as condições para aprovação da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que foi votada pelo congresso goiano entre maio e junho de 1909 e que levou à aprovação da Lei de emancipação sancionada em 16 de julho de 1909 pelo presidente em exercício, José da Silva Baptista, marcando como primeira medida a que representava a mudança do centro do poder político em Goiás: a exclusão política da casa de Francisca, a partir de Morrinhos, da política goiana, com o retorno imediato das decisões para a capital do Estado de Goiás.

Enquanto o chefe político da região sul foi o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, até 15 de maio de 1905, não houve qualquer interesse em emancipar Santa Rita do Paranaíba e nem tampouco quando o filho, o bacharel com o mesmo nome, sucedeu-o politicamente, mesmo contando com a aliança do presidente do Estado através do cunhado, bacharel José Xavier de Almeida. Estavam todos ocupando os principais espaços políticos no Estado e os pequenos cargos já estavam com a família também no Arraial.

A descrição do evento de emancipação de Santa Rita do Paranaíba não apresentou grandes embates, mas novas pesquisas, contando com a abordagem da nova história política aliada às relações de Gênero, tornam possível inserir nas relações a participação das mulheres com ligações com a política no Estado de Goiás na Primeira República, destacando ações ao lado de seus maridos que culminaram com essa queda do poder político dos bacharéis a partir de Morrinhos, em 1909, e a consequente e imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba, berço da família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

Os embates políticos que antecederam a emancipação de Santa Rita do Paranaíba colocaram vários homens e mulheres como protagonistas. Pelo lado dos vencedores havia o bacharel José Leopoldo de Bulhões, ao lado de sua sobrinha e esposa, Cecília de Sousa Félix, os quais deixaram o Rio de Janeiro, onde ele desempenhava mandato de senador federal e o cargo de diretor do Banco do Brasil, depois de ser ministro da fazenda durante os embates, e para onde retornariam para assumir de novo, no governo federal, depois da morte de Afonso Pena, em 14 de junho de 1909, o cargo de ministro da fazenda,que ele já havia desempenhado no governo Rodrigues Alves até 1904.

O bacharel José Xavier de Almeida veio também para Goiás em 1908 influenciar na eleição de deputados e senadores que lhe dariam condição de mudar as eleições de 1909, sendo eleito senador federal em Janeiro de 1909, ao derrotar José Leopoldo de Bulhões; o bacharel viria a perder esse cargo com o Movimento de 1909.

Como perdedor, o bacharel José Xavier de Almeida, primeiro como presidente do estado e depois como deputado federal e senador eleito, viveu todos os momentos ao lado de Amélia Augusta de Moraes, na capital do Estado e no Rio de Janeiro, enquanto o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o pai, esteve sempre presente, ao lado de Francisca Carolina de Nazareth Moraes até 1905, quando faleceu.

Percebe-se que, desde o casamento, em 1869, em Santa Rita do Paranaíba, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes não se ausenta da relação com Francisca Carolina de Nazareth de Moraes até 1905, quando se dá sua morte. Os papéis políticos exercidos pelo coronel foram sempre a partir de Morrinhos, de onde comandava seus negócios e mantinha suas relações de Poder. Os políticos é que iam à casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes para falar de política.

Com Amélia Augusta de Moraes também é possível observar esta presença constante com seu esposo, o bacharel José Xavier de Almeida, que vai do casamento, em 1901, até a saída do poder como líder político, com o golpe de 1909. Se o marido era presidente do Estado, ela estava no palácio exercendo seu papel de primeira-dama; se o marido foi para o Rio de Janeiro exercer o mandato de deputado federal, ela também foi morar na capital do país naquela época. Até nas cenas da derrota política do marido, em maio de 1909, ela está presente, cavalgando com destino a Morrinhos e depois a Minas Gerais.

Mesmo em um espaço mais reduzido de relações do Poder, Jacintho Luiz da Silva Brandão e Messias Alexandrina Marquez, a partir de Santa Rita do Paranaíba, viveram parte dos embates políticos que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba. A relação, que começou em 1900 com o casamento, se manteve mesmo após a emancipação de Santa Rita do Paranaíba. O diferencial de Messias Alexandrina é que ela não exerceu o papel de mãe, por motivos não revelados pela família.

Então na emancipação de Santa Rita do Paranaíba verifica-se mais do que uma luta de políticos locais, pois ocorreram várias relações de poder envolvendo vários sujeitos em diferentes partes de Goiás e até da capital federal, relações que começaram em 1901 e culminaram com o Movimento político da cidade de Goiás e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba de Morrinhos, em 1909. Como fazer novas abordagens na investigação histórica dentro do campo político e, com novas perspectivas, buscar a participação desses novos sujeitos a partir de suas múltiplas relações?

Para atingir esse objetivo é fundamental a abordagem dentro da nova história política e das relações de Gênero, distanciando-se da antiga história política que retratou o Estado, o Poder, as disputas pela conquista dessas instituições através do Movimento de 1909, mas agora com novas abordagens, objetos e problemas, com reflexões e buscando sentido nos fatos ocorridos em 1909 (RÉMOND,1986, p.14).

Os estudos são feitos a partir de uma História política rejuvenescida, levando em consideração uma diversidade de setores, como o cultural, o econômico, o social e também o político. Para isso utiliza-se também a história do pensamento político de Burke (2011, p. 32), que faz uma reflexão sobre novas maneiras para explicar os acontecimentos políticos. Para ele, “a história política se expande e está presente em outros lugares onde se dá a luta pelo poder” (BURKE, 2011, p. 8), como nas fazendas, nas repartições públicas, na família, nas escolas, de maneira que são observadas as atividades humanas envolvidas na construção da realidade. Não se tem mais a abordagem tradicional, essencialmente direcionada ao Estado. Se a política está em toda parte, justifica-se sua autonomia.

Agora, toda a realidade humana interessa ser estudada no campo da política, porque a realidade é social e culturalmente constituída. Esse novo enfoque permite-nos ver os contrastes entre a antiga e a nova história política, saindo do paradigma tradicional, que restringiu a própria história essencialmente à política, descrevendo as disputas pelo poder no Estado.

Não é mais a história de um sujeito, mas de várias relações presentes nos diversos embates que se sucedem entre fazendeiros, comerciantes, mulheres, servidores públicos e políticos, assim como das instituições que são utilizadas nesses embates. Como resultado dessas relações se sucedem várias consequências, tais como troca de funcionários, que perdem as funções, a formação de uma nova sociedade política, a ação das mulheres, entre outras. Ou seja, não se vai restringir o trabalho à alta política, aos líderes e às elites (BURKE, 2011, p. 37). A sociedade e a cultura serão a arena para se perceber essa realidade de 1909 em Goiás e, em especial, no distrito de Santa Rita do Paranaíba.

Outro aspecto importante destacado por Peter Burke (2011, p. 13), e que se utiliza nesse trabalho é a questão de o mesmo não estar ancorado simplesmente em documentos ou registros oficiais; ampliaram-se as fontes, preocupando-se com todas as atividades humanas e relações que marcaram o Movimento de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Busca-se ao tratar do assunto um distanciamento da história tradicional e objetiva, já que não se pretende simplesmente apresentar aos leitores os fatos e dizer como eles aconteceram, até porque nossas mentes não são capazes de refletir diretamente o que ocorreu em 1909, como explica Burke (2011): “só percebemos o mundo através de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos – um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra.”

Ao relembrar um pouco da história política tradicional, percebe-se que ela, depois de alcançar o apogeu no século XIX, perdeu espaço com os “Annalles”, que trouxeram novas abordagens, objetos e problemas, fazendo com que a história política recuperasse sua participação a partir dos anos 80 do século XX, alargando o espaço de estudos que inicialmente compreendiam os partidos, eleições, guerras e biografias, alcançando a imprensa, a opinião pública, os grupos de pressão e o discurso.

René Rémond destaca a importância que o contato da história política com outras disciplinas, principalmente com a Ciência Política, a Sociologia, a Linguística e a Antropologia proporciona em novas pesquisas, rebatendo críticas (RÉMOND,1996, p.6) de que a História Política só se interessava por minorias privilegiadas em detrimento das massas, tendo objetos efêmeros e superficiais de curta duração. Ao estudar a participação na vida política e nos processos eleitorais, integra novos atores, preenchendo todos os requisitos para ser reabilitada. Ela também não descuida da longa duração, buscando na história das formações políticas e das ideologias e ainda da cultura política para entendimento dos fenômenos políticos (RÉMOND,1996, p. 07).

Outro aspecto a ressaltar é quanto às fontes anteriormente utilizadas, através de vestígios escritos, onde se destacavam as figuras do Estado e do Soberano. Tudo se resumia (RÉMOND, 1996, p. 14) na formação dos estados nacionais, as lutas por sua unidade, a emancipação, as Revoluções políticas, a Democracia, as lutas partidárias e os confrontos de ideologias políticas.

O que está em jogo em Goiás são lutas que envolvem bacharéis, homens, mulheres, igreja, famílias, comerciantes, fazendeiros e servidores públicos, com suas estratégias nas relações de poder.

Durante a reflexão sobre esses embates e arranjos políticos, procura-se preocupar mais com os comportamentos coletivos, do que com iniciativas individuais (RÉMOND,1996, p. 15), como por exemplo, como atuavam os comerciantes, a comunidade católica, os fazendeiros, os funcionários públicos, os bispos, as mulheres, e não só os políticos.

A posição adotada pelo pesquisador é de interrogação sobre o sentido dos fatos e de formação de hipóteses explicativas (RÉMOND,1996, p. 17). Como ocorre, por que acontece o Movimento de 1909 e por que o grupo dos Bulhões emancipa rapidamente Santa Rita do Paranaíba, assim que tomam o poder em Goiás?

Ao se fazer uma análise política, percebe-se que o Movimento de 1909 é desdobramento dos embates de 1904, quando José Xavier de Almeida, contando com maioria no Congresso Goiano, rompeu com José Leopoldo de Bulhões Jardim e fez seu sucessor Miguel Rocha Lima na presidência do Estado. Em 1908, José Leopoldo de Bulhões faz maioria no Congresso Goiano e dá o troco a José Xavier de Almeida, não reconhecendo a eleição de Hermenegildo Lopes de Moraes para assumir o governo em 1909.

Os embates também são ideológicos entre os bacharéis José Leopoldo de Bulhões e José Xavier de Almeida, trazendo como consequência imediata em 1909 a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, tendo como objetivo o enfraquecimento do grupo político de Morrinhos.

Há ainda repercussões em outras áreas, como a religiosa. O bacharel José Leopoldo de Bulhões, com ideias liberais, havia causado o rompimento com a Igreja Católica em 1896, e a consequente mudança da Diocese e do bispo para Uberaba em Minas Gerais. Com José Xavier de Almeida no comando do Estado, a Diocese volta para Goiás em 1908 e se dá a aproximação com o bispo Dom Prudêncio.

Além da briga política pela tomada do poder, dos conflitos com a religião católica, os embates vão também influir na economia do Estado. Com baixa arrecadação, os governos de José Xavier de Almeida e Miguel Rocha Lima provocam aumento da tributação na Pecuária, maior atividade econômica do Estado no início do século XX, causando uma revolta dos pecuaristas contra o Governo. A união dos pecuaristas, que tinha também a participação do bacharel Antônio Ramos Caiado atuando ao lado do líder político José Leopoldo de Bulhões provocou as condições ideais para mudança do grupo político no Poder em Goiás a partir de 1909.



Nenhum comentário:

Postar um comentário