sexta-feira, 28 de março de 2014

A MULHER MAIS RICA DE GOIÁS NA PRIMEIRA REPÚBLICA ERA DE SANTA RITA DO PARANAÍBA

1 MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS

Dona Francisca Carolina, irmã de Damaso Martins Marquez - nascimento - Santa Rita do Paranaíba 1843


FREIRE, N.S. CASAMENTO, EMBATES E ARRANJOS POLÍTICOS EM GOIÁS: uma abordagem das relações de poder na perspectiva de Gênero. Trabalho de conclusão (Curso de História, Poder e Cultura) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Goiânia, 2013.



Estudar a história política é estar convencido de que ela existe por si mesma, é professar que ela tem uma consistência própria e uma autonomia suficiente para ser uma realidade distinta em relação aos domínios do social, do econômico e do cultural, como defende René Rémond na obra organizada com outros colaboradores e intitulada “Por uma história política” (RÉMOND, 1996, p. 443).

Embora seja uma construção abstrata, como também são os outros domínios, a política passa a ser considerada concreta quando todos se deparam na vida com ela, interferindo em vários setores e até na atividade profissional e na vida privada em família. A partir daí, ela não tem fronteiras naturais, ora se dilata, ora se retrai e em certos momentos, como nas guerras e revoluções, amplia-se de tal maneira que tudo se transforma em política (RÉMOND, 1996, p. 443).

A Política não está restrita à referência relacionada com o poder localizado na figura do Estado, como ocorre com frequência quando se trata dos acontecimentos políticos de 1909 em Goiás, situação em que ela é vista como “atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prática do poder” (REMOND,1996, p. 443). Trabalha-se com ela em outras definições e sentidos que ampliam essas relações entre pessoas e instituições, tais como nas igrejas, nas famílias, na imprensa, no comércio e nas escolas.

A política vai além da concepção mais tradicional ligada aos gregos e com influência de Aristóteles, em quem tem o sentido de atividades relacionadas ao Estado e aos governos; ela amplia-se para outras definições que envolvem práticas sociais e relações de poder com variados interesses e tomadas de decisões.

Assim como o poder, verifica-se a presença da política nas relações sociais, incorporada nas relações do cotidiano, materializando-se em relações que têm a presença de homens e mulheres, que se completam no outro como no sentido aristotélico e atingem outras dimensões mais gerais, em que ela é entendida pela atividade de pessoas e instituições que lutam continuamente pela conquista e manutenção do poder político, presente tanto na figura do Estado, como na sociedade civil, através de partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, corporações, meios de comunicação, instituições e outros canais (SILVEIRA e GHIRADELLI JR. 2004 p. 21).

A concepção de poder utilizada nesta pesquisa é a de um elemento presente nas relações entre os indivíduos, como uma força sem lugar fixo e propriedade de alguém. Mais do que poder, as relações entre as pessoas são tratadas como relações de poder, que se realizam dentro de uma dimensão que elas tem o espaço necessário para exercer a liberdade e tomar sua decisão. Esta definição está contida nas ideias de Michel Foucault, que as vê presente em qualquer relação do cotidiano. Assim, as relações de poder estão ligadas a consciente liberdade que as pessoas tem e possibilidade das mesmas tomarem decisões. Nada poderia atingir a liberdade dos indivíduos em suas relações sem o consentimento ou concordância deles (FOUCAULT apud MARINHO, 2008).

Em síntese, assim manifestou Foucault sobre relações de poder:



Quando se fala de poder, as pessoas pensam imediatamente em uma estrutura política, um governo, uma classe social dominante, o mestre frente ao escravo, etc. isto não é de nenhum modo aquilo que eu penso quando falo de relações de poder. Eu quero dizer que, nas relações humanas, quaisquer que sejam - que trate de comunicar verbalmente, como fazemo-lo agora, ou que trate de relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder continua presente: eu quero dizer a relação na qual um quer tentar dirigir a conduta do outro. Estas são, por conseguinte, relações que podem-se encontrar em diversos níveis, sob diferentes formas; estas relações de poder são relações móveis, ou seja, elas podem alterar-se, elas não são dadas de uma vez para sempre (FOUCAULT apud MARINHO, 2008).



Verifica-se a presença da política em várias atividades, jogo de discursos e pluralidade de sujeitos, sempre ligada ao poder, que se encontra em todas as relações das pessoas e instituições, de maneira que um se apresenta em relação ao outro na manifestação de seu poder, da persuasão e do convencimento.

Trabalha-se a política também para referir-se as relações de poder e suas estratégias para manutenção e contestação dessas relações. Vai-se desde essa mais típica, em que ela é considerada como “atividade dirigida para/ou em governos ou outras autoridades poderosas, atividade essa que envolve um apelo à identidade coletiva, à mobilização de recursos, a avaliação estratégica e à manobra tática”( SCOTT, 2011, p. 68).

A política também é considerada como prática que reproduz ou desafia as Ideologias, sendo estas entendidas como “sistemas de convicções e práticas que restabelecem identidades individuais e coletivas e que formam as relações entres indivíduos e coletividade e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas e autoevidentes” (SCOTT, 2011, p. 69).

A inclusão das mulheres e a política em diferentes tipos de ação e em diversas esferas de atividades não comporta uma só definição de política, já que os limites de definição e espaço são indistintos, e segundo Joan W. Scott, qualquer definição utilizada tem múltiplas ressonâncias (SCOTT, 2011, p. 69).

Portanto, utiliza-se a política em todos os sentidos para analisar sua presença nos casamentos, embates e arranjos políticos em Goiás, que se acentuaram nos primórdios do século XX, com destaque especial para a participação das mulheres, o que ocorre com a politização dos espaços privados na vida das famílias, dos comerciantes, fazendeiros e políticos, sem deixar de fora os espaços tradicionais de disputas pelo poder através do Estado.

Tem-se, assim, a possibilidade de se ter a política articulada com as relações de poder na perspectiva de Gênero, posicionando homens e mulheres em evidência nas relações sociais e políticas nos espaços privados na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Morrinhos.

Busca-se, através do estudo familiar, verificar as consequências políticas, econômicas e sociais provocadas pela presença das mulheres nos palácios, nas festas, nas viagens, nas Igrejas e nas casas em um momento em que o discurso universal de dominação dos homens lhes reservava apenas os papéis de mãe, esposa e filha.

Verificam-se também relações de dominação presentes na sociedade da Primeira República, praticadas através de discursos que excluíram as mulheres dos cargos públicos e processos eleitorais, que foram reservados exclusivamente aos homens. Essas práticas foram legitimadas e reconhecidas como necessárias naquele período para manutenção da ordem social nas famílias. Neste contexto, segundo o pensamento de Max Weber, a dominação é descrita como a “probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de um determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1999, p. 139).

Quanto ao termo “casa”, procura-se referir às relações ocorridas dentro do espaço de convivência da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes em Morrinhos, utilizando-se uma abordagem que vai além do espaço físico ou geográfico, considerando-a como local onde homens e mulheres praticavam relações sociais simbólicas e complexas que possibilitaram a construção de relações de Gênero. Nesse aspecto, o termo é empregado designando um espaço por onde circularam, encontraram-se e se reconheceram meninos e meninas, rapazes e moças, homens e mulheres, na perspectiva de Michel Certeau, quando discorreu sobre o cotidiano (CERTEAU, GIARD E MAYOL,1996, p. 56).

As relações essencialmente políticas manifestadas nas eleições, nos partidos políticos e na ocupação dos cargos públicos em Goiás na Primeira República também têm uma análise articulada com a categoria Gênero como referência para buscar vestígios e sinais da presença das mulheres nesses eventos, órgãos e atividades.

Um dos vestígios do empoderamento da mulher dá-se com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, ocasião em que se abre um espaço à participação e presença de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes em outras relações que não as familiares, já que, na condição de herdeira da riqueza econômica, passa a ser a figura central da casa política em Morrinhos, compartilhada em alguns momentos com os filhos e genros nas figuras dos bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes Filho, dos comerciantes Pedro Nunes da Silva e Pacífico do Amorim, e dos políticos com participação local: Francisco Lopes de Moraes e Alfredo Lopes de Moraes.

Para revelar esse evento marcante da emancipação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, coube ao meio genro do falecido, coronel Pedro Nunes da Silva, declarar a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes no dia 15 de maio de 1905, nos seguintes termos:



Às doze e meia horas da noite, nesta cidade de Morrinhos, em seu próprio domicílio, faleceu de hemorragia cerebral o Excelentíssimo Senhor Coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, capitalista, com setenta e dois anos de idade, natural de Curralinho deste Estado, residente nesta cidade, casado com a Excelentíssima Senhora Dona Francisca Carolina de Nazareth, filho legítimo do cidadão André Corsino de Moraes e da Excelentíssima Senhora Dona Maria Lopes de Oliveira, já falecidos; deixou quatro filhos: o Excelentíssimo Senhor Doutor Hermenegildo Lopes de Moraes Filho, com trinta e quatro anos de idade, casado, Senhor Francisco Lopes de Moraes, trinta de dois anos de idade, solteiro, naturais de Santa Rita do Paranaíba deste município; Senhor Alfredo Lopes de Moraes, vinte e quatro anos de idade, solteiro, a Excelentíssima Senhora Dona Amélia Augusta de Moraes e Almeida, com vinte e um anos de idade, casada, naturais desta cidade; deixou bens a inventário e deve ser sepultado hoje no cemitério público desta cidade. E para constar lavrei este termo em que comigo assinou o declarante. Eu João Fleury Alves de Siqueira, Oficial do Registro Civil, o escrevi (BARBOSA, 2013).













Figura 1 – O velório do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes



Fonte: (MENESES, 1998, p. 164)



O casamento foi a porta de entrada para Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes nas relações políticas que ocorriam a partir de Morrinhos, e a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes foi o passaporte para que ela assumisse relações de poder que até então tinham a figura do coronel como referência no sul de Goiás. Embora ocorresse ainda na memória a figura do coronel morto como referência, pela herança Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes assumiu todas as prerrogativas inerentes à nova situação jurídica.

Ainda que não tenham sido encontrados registros do exercício dessa emancipação jurídica e econômica, pelo modo de vida dos quatro filhos de Dona Francisca, entende-se que ela a exerceu na plenitude os seus direitos. Vestígios desse poder podem ser encontrados nos almanaques mercantis publicados até o ano de sua morte, em 1923 (ALMANAK LAEMMERT, 1921).

Seus filhos seguiram suas vidas após a morte do coronel, desde a mais jovem Amélia Augusta de Moraes, que foi para o Rio de Janeiro ao lado do esposo José Xavier de Almeida, uma vez que ele era deputado federal, passando pelo bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, que também era deputado federal e ficava mais na capital federal e em viagens até mesmo ao exterior do que na casa de Dona Francisca Carolina.

Os outros dois filhos solteiros, Francisco Lopes de Moraes e Alfredo Lopes de Moraes, não exerciam até então cargos relevantes e levavam uma vida um pouco diferenciada relativamente à política. Por isto, conclui-se que, a partir daquele momento, a referência na “casa” já não era a figura do coronel Hermenegildo e sim Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

Várias dissertações já trataram do lado econômico da família, pontuando que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes construiu a sua riqueza a partir da Guerra do Paraguai, em um momento em que tropas passavam por Santa Rita do Paranaíba e ele foi um dos principais provedores do Exército na região sul de Goiás.

Entre os trabalhos publicados com enfoque na economia, destaca-se a dissertação de Hamilton Afonso de Oliveira (2006) com o título “A construção da Riqueza no Sul de Goiás – 1835-1910”, que mostra a estrutura produtiva da região, o processo de ocupação das terras e ainda permite captar o pensamento do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em relação à necessidade de a economia do Estado estar ligada à exportação para o sudeste e para o exterior.

Quando se discute a política e o cotidiano na região sul de Goiás nesse período, duas dissertações se destacam num mesmo espaço a partir de Morrinhos e no mesmo período, sendo uma com abordagem mais política, intitulada “Morrinhos: Coronelismo e Modernização – 1889/1930” (AMORIM, 1998), e a outra com um enfoque nos aspectos sociais, tendo o título “Coronelismo e cotidiano” (FONSECA, 1998).

A participação política do coronel Hermenegildo se deu através das suas passagens como vice-presidente do Estado várias vezes no final do século XIX, como intendente em Morrinhos a partir de 1882 e ainda por meio de suas articulações para levar o filho, que tinha o mesmo nome, a uma cadeira do Congresso Nacional, além da sustentação dada ao genro José Xavier de Almeida, presidente do Estado de 1901 a 1905. Viveu também os principais embates, com destaque quando o então presidente do Estado José Xavier de Almeida rompeu politicamente com o grupo do bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1904. A saída do coronel da vida política se deu com sua morte em 1905 (AMORIM, 1998).

Em relação ao estudo da politização do espaço privado a partir da casa de Dona Francisca Carolina, ele tem como base o entendimento de Maria Izilda Santos Matos sobre o público e o privado, verificando-se que na coincidência das atividades familiares com as públicas, “a posição da mulher é comparável ou inclusive superior a dos homens e, quando esta situação se inverte, a desvalorização das mulheres legitima-se” (MATOS, 2002, p. 131).

Neste sentido observa-se que, enquanto os homens ocupavam os espaços públicos e políticos, as mulheres da casa de Dona Francisca também ganhavam presença e visibilidade no espaço privado, sendo que ela própria se destacava como fazendeira desde 1886, quando herdou herança de seu pai, o capitão Manoel Martins Marquez, em Santa Rita do Paranaíba. Depois, a partir de 1905, está presente na administração da parte dos bens herdados do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.

Os primeiros anos do século XX provocaram intensas mudanças políticas no Estado de Goiás, estando frente a frente, nos embates travados, os bacharéis José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim. A amizade que foi construída no final do século XIX se rompeu definitivamente no ano de 1904, fato que ocasionou o pedido de intervenção federal em Goiás no ano de 1905 e que não logrou êxito, mesmo em uma época em que José Leopoldo de Bulhões era ministro da Fazenda do Governo Rodrigues Alves (1902-1906).

O processo de mudança se consolidou com o movimento golpista de 1909, que impediu o bacharel Hermenegildo Lopes do Moraes, o filho, de assumir o governo do Estado, retornando os pecuaristas como líderes dos processos políticos e culminando com mudanças locais, que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba no sul do Estado. Todos estes fatos impactaram a vida de famílias, dos políticos e das pessoas em geral no Estado de Goiás.

Até chegar ao golpe político de 1909 e a consequente emancipação de Santa Rita do Paranaíba, muitas relações de poder ocorreram tendo a política presente, no sentido de estar relacionada com a conquista, o exercício e a prática do Poder. Mas quando se amplia essa discussão e se faz uma articulação dessa categoria com as relações de Gênero, as mulheres aparecem em evidência nas relações de poder em outros setores da atividade humana, como o da família, o das escolas, o das relações interpessoais, o da religião e o dos negócios comerciais.

Os acontecimentos que se desenvolveram entre 1900 e 1909 mostram bem essas relações do poder: neles as mulheres aparecem como participantes no espaço das famílias na capital de Goiás, em Morrinhos e em Santa Rita do Paranaíba, afetando também as relações entre as pessoas, com influência nas escolas, na Igreja católica, no governo, nas cidades e em outras associações.

Nessas relações de poder, a política foi trabalhada com a participação das mulheres a partir de múltiplas ressonâncias, tanto naquela que a considera como atividade de governo e do Estado, quanto naquela referenciada por Joan W. Scott, em que ela assume uma identidade coletiva a partir da mobilização de recursos, avaliações estratégicas e manobras táticas, ou ainda como relações de poder mais gerais e estratégicas para manter o poder ou contestá-lo.

Além da politização do espaço privado, ao tratar de política não há como deixar fora as instituições públicas que a têm na essência, como os partidos, que são políticos porque têm essa finalidade dos membros e que procuram chegar ao poder (REMOND, 1996, p. 443). Mas o grande objetivo é procurar abordar as relações de poder com participação das mulheres, sempre priorizando as relações de Gênero para entender como se deu a presença das mulheres nas relações que culminaram com o Movimento golpista de 1909 em Goiás e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Utiliza-se o termo “Movimento golpista” para retratar as práticas políticas que mudaram os resultados das eleições de 1909 em Goiás, e que, segundo Itami Campos (CAMPOS, 2003, p. 88-89), foi organizado e articulado pelos coronéis insatisfeitos com a política fiscal implantada pelo grupo político de José Xavier de Almeida, que assumiu o governo de Goiás em 1901, ocasião em que duas legiões de homens armados, contando com cerca de mil recrutados a partir das regiões norte e sul do Estado, acamparam no início de 1909 na Fazenda Quinta, nos arredores da capital no Estado e no início de maio avançaram sobre a cidade de Goiás, fazendo com que o então presidente do Estado, Miguel da Rocha Lima, deixasse o governo antes do prazo final do mandato.

Ressalta-se que neste período, logo após a Proclamação da República, o termo presidente era utilizado para designar o chefe do poder Executivo no Estado de Goiás, que tinha pelo menos três vice-presidentes, normalmente coronéis das várias regiões do Estado de Goiás. Essa nomenclatura prosseguiu até a Revolução de 1930.

Assumiu a chefia do governo provisório em Goiás, na ocasião do Movimento golpista de 1909, o terceiro vice-presidente, José Baptista da Silva, que era coronel representando a cidade de Anápolis e um dos líderes revoltosos do norte, no espaço de tempo que vai da saída do então presidente, Miguel da Rocha Lima, até a colocação no poder do então perdedor da eleição de março de 1909, engenheiro Militar Urbano Coelho de Gouveia.

Os eventos eleitorais são abordados partindo do entendimento de outras aplicações que vão além do político, numa operação que consiste em organizar a transmissão do poder ou a designação de representações por um método eletivo (REMOND, 1996, p. 441).

Ao se tratar desses acontecimentos políticos, tem-se um primeiro questionamento: por que as mulheres não podiam ocupar os cargos políticos, votar e participar dos partidos políticos, embora não houvesse a vedação literal no ordenamento legislativo que disciplinava as eleições naquele período? Por certo predominava o discurso dos homens, estabelecendo que caberia às mulheres a organização do lar e a educação dos filhos, enquanto somente aos homens caberia o exercício da política.

As mulheres da casa de Dona Francisca ficaram próximas da política em Goiás quando o sobrado tornou-se um centro político entre 1901 e 1909. Com a idade avançando para a faixa de sessenta anos e todos seus filhos já casados, Dona Francisca assumiu a posição do esposo, com seu falecimento em 1905, como administradora de fazendas e de dinheiro para empréstimos, sem deixar de exercer os papéis que lhes foram reservados: de mãe, desde a década de 1860, e de avó nos cuidados dos netos mais novos nos primeiros anos do século XX.

A política continuou muito presente na casa de Dona Francisca, sendo que ela participou como proprietária da casa onde foram organizadas as eleições de deputado federal em 1905 e 1909 de seu filho, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, e também de genro, o bacharel José Xavier de Almeida, eleito Deputado Federal em 1905 e Senador em 1909. O maior feito ocorreu nas eleições de 1909 quando o filho, então deputado federal, foi eleito para presidente do Estado. Tanto o filho como o genro, apesar de eleitos, devido ao movimento golpista de maio de 1909, não assumiram os cargos para os quais foram eleitos.

A presença de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes nas relações políticas ocorre desde seu casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1869, tendo em vista que os alistamentos eleitorais e as próprias eleições se davam em espaços privados e sua casa era o centro político de Goiás neste período que vai desde a proclamação da República até a 1909.

É a partir dessa casa que é articulada a eleição do sucessor de José Xavier de Almeida no governo goiano, assim como as eleições para deputados federais do então presidente do Estado de Goiás e do filho Hermenegildo Lopes de Moraes. Na política local participavam o genro Pedro Nunes da Silva, que se tornou Intendente do Município de Morrinhos, e um dos filhos, que era deputado estadual. Não há evidências de que ela teria aberto mão do direito de dirigir a casa e a fortuna herdada em dinheiro e bens.

Em relação ao termo intendente, foi a nomenclatura utilizada para designar os chefes do poder executivo nos municípios, figura que desempenhava as funções hoje atribuídas aos prefeitos.

Enquanto Dona Francisca viveu a politização do espaço privado a partir de sua casa em Morrinhos, a sua filha caçula Amélia Augusta de Moraes foi além do papel de filha, esposa e mãe, exercido na geração de praticamente um filho a cada ano a partir do casamento, pela situação de contar nos palácios do governo com uma equipe para cuidar dos filhos pequenos ou com a própria avó. Ela pôde exercer a função de primeira-dama mais jovem do Estado de Goiás entre 1901 e 1904, quando seu marido foi presidente. Ela também o acompanhou nas viagens para o Rio de Janeiro, quando José Xavier de Almeida exerceu o mandato de Deputado Federal entre 1905 e 1908. Se não ocupou nenhum cargo político, esteve presente em todas as decisões do marido, José Xavier de Almeida, nas relações de poder entre 1901 e 1909.

A presença de Amélia Augusta nas relações políticas do esposo José Xavier de Almeida se deu a partir do casamento em 1901, com sua mudança para a capital de Goiás, quando o acompanhava como primeira-dama fazendo trabalhos sociais e reuniões festivas no Palácio de Governo. Quando José Xavier de Almeida deixa o governo de Goiás em 1905, ela está junto na viagem para a capital federal e durante o mandato do marido. Até nas campanhas de 1908, ela veio a cavalo com o marido do Rio de Janeiro para a cidade de Goiás para participação nas eleições. Até na saída do palácio do governo, em março de 1909, quando do golpe político, novamente estava presente, deixando a cidade a cavalo ao lado do então senador eleito e que não assumiu, José Xavier de Almeida.

Ainda na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, a política também esteve presente na casa de suas duas filhas do primeiro casamento, tanto na de Maria Carolina da Silveira Nunes, como na de Anna Theodora da Silveira Amorim, mulheres com idades acima dos trinta anos e que viveram as relações de poder com seus maridos e sócios do padrasto, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, pois eram casadas, no final do século XIX, respectivamente com o Major Pedro Nunes da Silva, de Morrinhos, e com o tenente Pacífico Alves do Amorim, de Piracanjuba.

A politização do espaço privado em Santa Rita do Paranaíba ocorre a partir da casa de Messias Alexandrina Brandão, sobrinha de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que se casou no início de 1900 e não teve filhos. Acompanhou o esposo Jacintho Luiz da Silva Brandão, funcionário público, comerciante, fazendeiro e primeiro intendente provisório do emancipado distrito nas relações de poder entre 1900 e 1909.

No então distrito de Santa Rita do Paranaíba cabia a familiares de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes organizar os processos políticos e ocupar os cargos públicos, funções que eram realizadas pelo filho Galdino Marquez da Silveira e pelo irmão Damaso Martins Marquez, pai de Messias Alexandrina Marquez. Jacintho Luiz da Silva Brandão já conhecia a futura esposa desde seu batizado, com poucos meses de vida, e desses encontros políticos que se realizavam nas casas dos familiares de Dona Francisca acabou nascendo o casamento com Dona Messias.

Foi assim que de forma ainda tímida, as mulheres da casa de Dona Francisca legitimaram e apoiaram os discursos dos homens de quem a elas caberia ser mães, esposas, boas filhas, enquanto eles se formavam bacharéis, faziam política e ocupavam os cargos públicos. Entretanto, cada uma a sua maneira participou das diversas relações de poder, conquistando um espaço como primeiras-damas, companheiras, fazendeiras e administradoras de heranças.

Percebe-se no contexto de utilização do termo política, de René Rémond (1996, p. 447), que ocorreu um jogo de variados interesses, uma vez que os homens e as mulheres da casa de Dona Francisca foram movidos por outras circunstâncias que não as racionais ou utilitárias da busca do poder no Estado. O político foi o ponto para onde confluiu a maioria das atividades, mas permitiu recapitular outros componentes do conjunto social.

A política, em seus variados significados, estava presente em outras áreas, principalmente na imprensa, e os jornais que se destacavam no período o faziam por sua natureza e realidades políticas, em virtude de sua destinação. Ou seja, foram instrumentos transformados em armas políticas. Quando se estudam as publicações de jornais da época, como o “GOYAZ”, ligado aos Bulhões ou o “Correio Official”, voz do grupo de Xavier de Almeida, tem-se a percepção que predominavam praticamente em todo seu conteúdo assuntos da política. Era na imprensa que se via mais um meio de dominação dos homens. Eram eles os donos dos jornais, os redatores e as principais figuras que dominavam o noticiário, com o predomínio do político e dos homens em seus espaços.

A religião também, mesmo que tentando se distanciar das marcas da política e ressaltando as diferenças entre sociedades políticas e comunidades eclesiais, tornaram-se objetos de decisão política. Foram memoráveis os embates entre os liberais e o clero católico na imprensa, nos discursos e nos partidos políticos, do que resultou, inclusive, a saída de Goiás para Uberaba em Minas Gerais, no ano de 1896, do Bispo Dom Eduardo Duarte da Silva, devido a embates com José Leopoldo de Bulhões Jardim.

No período Imperial as funções religiosas misturavam-se com as políticas na administração dos municípios, devido ao sistema do padroado e também ao fato de uma autoridade religiosa executar serviços que caberiam somente ao Estado, depois da Proclamação da República.

Embora a Igreja Católica tratasse do sagrado, não há como afastar sua influência nessas relações de poder que estavam presentes entre homens e mulheres nos primeiros anos da República. Os debates sobre a obrigatoriedade do casamento civil, pelo lado dos liberais, e a luta pela manutenção do casamento religioso, pelo clero, figuraram entre os embates mais frequentes no período.

Além das disputas em relação ao casamento, a Igreja católica foi para o campo essencialmente político com a fundação de um partido católico. Como foi derrotado nas eleições nos primeiros anos da República, aos poucos o partido foi se tornando sem importância nas disputas políticas eleitorais. A Igreja perdeu na disputa da obrigatoriedade do casamento católico e também perdeu a representatividade política, que tinha antes no período imperial.

Embora todos os vestígios das relações entre as mulheres e os homens a partir de Santa Rita do Paranaíba se confluíram para a política, percebem-se outros interesses e razões que moveram essas pessoas. Francisca Carolina de Nazareth Moraes, por exemplo, não contraiu núpcias com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes por interesses ligados à política, já que se conheceram a partir de eventos na Paróquia do Arraial de Santa Rita do Paranaíba, tais como batizados, casamentos e festas.

Messias Alexandrina Marquez, que vivia na zona rural, teve seu enlace com Jacintho Luiz da Silva Brandão por uma paixão fulminante do noivo, já que a fez buscar na fazenda, encontrar um padre na cidade mineira de Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara, para realizar o desejo da esposa e casar-se também no religioso, embora no período fosse obrigatório apenas o casamento por ato civil. Essa união nasce de relações com a família, através do avô, pai e tio, as quais eram antigas e cotidianas, e não necessariamente com fins políticos.

Informações colhidas nos documentos da Igreja Católica tornam possível verificar, no casamento de Messias com o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, relações de poder entre a Igreja e o coronel, uma vez que se percebe que a jovem de dezesseis anos tinha o desejo de se casar na Igreja Católica. O coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão havido sido padrinho de batizado de Messias no ano de 1884, e não era tão participante das atividades da Igreja, como se percebeu em pelo menos uma das passagens do então bispo da diocese de Goiás na década de 1890 por Santa Rita do Paranaíba. No episódio do casamento, o padre local se recusou a fazer o casamento em 1900 da afilhada e do padrinho, mas o obstáculo foi vencido com a vinda de outro padre da cidade mineira de Tupaciguara, que realizou a cerimônia religiosa.

Não se pode falar, em relação ao casamento de Amélia Augusta de Moraes e José Xavier de Almeida, que ele tenha sido de interesse eminentemente relacionada à política ou que seria apenas para a busca do apoio financeiro do então eleito presidente do Estado para bancar seus projetos pessoais. Se assim fosse, essas relações, que começaram bem antes, com as viagens do então deputado federal em março de 1900 quando foi para o Rio de Janeiro exercer o mandato de deputado federal e culminaram com o Movimento de 1909, com a derrota de seu grupo político, teriam perdido forças. Mas percebe-se, pelas aparições dos mesmos, que os laços seguiram fortes, mesmo depois da saída de José Xavier de Almeida do cenário de disputas políticas no Estado. É também um caso em que é possível concluir que não foi casamento arranjado, pois estavam presentes mais razões pessoais no relacionamento do que propriamente razões políticas e econômicas.

Além das viagens de Goiás ao Rio de Janeiro, em que Morrinhos era um ponto de passagem, assim como a cidade mineira de Uberaba, locais em que estavam presentes tanto Amélia Augusta de Moraes, por morar em Morrinhos e estudar o curso normal na cidade do Triângulo mineiro, como Hermenegildo Lopes de Moraes, pois esse era igualmente o caminho percorrido pelo bacharel, que era também deputado federal. Estes fatos levaram José Xavier de Almeida a conhecer a família e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e, posteriormente, a casar com Amélia Augusta de Moraes, o que se deu um ano depois, em 1901.

Tanto no casamento do líder local, coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, com Messias Alexandrina, que se caracterizou pela união do homem já maduro, com mais de cinquenta anos, e a mulher com pouco mais de dezesseis, como no casamento do líder estadual, José Xavier de Almeida, com Amélia Augusta de Moraes se repete o fenômeno, quando a política aproxima homens e mulheres e avança para o espaço privado, sempre tendo a benção da Igreja Católica no sul de Goiás.

Quando se aborda o acontecimento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, verifica-se que a política estava presente nas diversas relações e modificou o curso das vidas das pessoas, tanto no Distrito como em Morrinhos que vivia tempos áureos nesta área. Criou-se neste período uma nova geração e suas lembranças, que até então perduraram, foram carregadas de afetividades positivas ou negativas (REMOND, 1996, p. 447). Foram negativas para todo o grupo político de Morrinhos, que deixou de ser o centro de atenção, e alcançou também aqueles que até então dominavam o cenário político, fazendo surgir novos atores também na então emancipada Santa Rita do Paranaíba, em 1909.

Embora voltassem a receber atenção, a partir de 1912, quando outro grupo político assumiu o poder em Goiás, o político marcou como uma das expressões das relações sociais de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos, que certamente teve outra forma de conceber a política, diferente da maneira como até aquele momento fora conduzida no então Distrito, como a mulher dominada, sem vez e sem voz no espaço público (RÉMOND,1996, p. 449).

Os vários acontecimentos trazem inúmeros significados políticos no período: a união de Amélia Augusta de Moraes com José Xavier de Almeida marca, por exemplo, o apogeu do poder político do grupo de Morrinhos; já o Movimento de 1909, por outro lado, vai marcar o final de carreiras políticas, de independência, de nascimento de um novo município e de novas relações de poder.

Ao se analisar a política nesse período propicia-se explorar outros acontecimentos, como casamentos e processos eleitorais que marcaram as mudanças em Goiás no início do século XX, culminando com o Movimento golpista de 1909 na capital do Estado e com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba no sul.

Também inovando na própria abordagem, pretende-se ir além do que é específico na política de disputa pelo poder no Estado de Goiás, como admoesta Antoine Prost quando, ao tratar das palavras (PROST, 1996, p. 295), orienta a buscar o que não está evidente nas disputas eleitorais pelo poder e ocupação dos cargos públicos no Estado.

Analisam-se os discursos e os jogos políticos da Primeira República, que não se resumiram na luta pela cadeira de presidente do Estado através dos partidos. Procura-se, a partir desses acontecimentos políticos, refletir sobre o que é secundário, implícito e mascarado nos discursos eleitorais, nos discursos dos comerciantes e dos fazendeiros, nas mensagens da Igreja Católica através dos Bispos.

Observa-se todo um arcabouço de disputas entre políticos liberais que assumem o poder com a Proclamação da República e conservadores que procuram reconquistar o espaço da Igreja Católica perdido em 1890; trata-se aqui também de fazendeiros que querem fugir do pagamento de impostos no governo de Xavier de Almeida, famílias que querem ocupar os principais cargos públicos e manter suas riquezas, entre outros aspectos.

Trava-se ainda uma busca de informações sobre as mentalidades, as maneiras de pensar dos grupos sociais e políticos em determinadas datas e lugares específicos (PROST, 1996, p. 315). Os políticos liberais realmente buscavam o Estado Moderno, ao mesmo tempo em que negavam espaço para a participação das mulheres nos partidos políticos e nas eleições? A Igreja queria realmente engrandecer a Pátria e a Liberdade, ou somente manter o poder temporal?

Como respostas a essas questões, formulam-se hipóteses, como a de que os políticos liberais, que inicialmente buscaram a queda da monarquia, estavam mais preocupados na ocupação do poder em seus Estados do que necessariamente na implantação de um estado moderno, e foram conservadores em relação à participação das mulheres nos processos políticos.

Percebe-se também, entre as coisas não evidentes nessas relações, que a Igreja Católica estava preocupada na reconquista do espaço de poder que tinha antes, no período monárquico, quando caminhara junto com o poder do Império, mas fora alijada pelos republicanos. Utilizou o discurso da necessidade do casamento religioso, não somente pela defesa do sagrado, mas principalmente preocupada com o poder terreno perdido.

Não se pode atribuir a conquista do governo do Estado a um simples confronto entre coronéis do período. Os grupos utilizaram os meios possíveis e fizeram suas alianças para alcançar seus objetivos dentro das regras vigentes. Ora, nem a José Leopoldo de Bulhões Jardim, nem a José Xavier de Almeida poderiam ser atribuídas as características de puros coronéis do século XX. Eles tiveram aliados coronéis, mas suas ações foram desenvolvidas principalmente nos processos eleitorais, utilizando os meios apropriados na época para terem o controle do poder através da Legislação, das juntas eleitorais e do Congresso Goiano formado pela Câmara de Deputados e Senadores Estaduais.

Ao tratar de política e suas experiências nas relações de Gênero, percebe-se a participação das mulheres e sua visibilidade em relações que envolvem várias pessoas, desde padres, bispos, até fazendeiros, comerciantes, políticos que também participaram dos acontecimentos, seja através de um partido, de um jornal ou de uma revista. A amizade de uns pode ter levado à atração pela causa ou até à rivalidade, assim como à ruptura. Certamente, sentimentos e afetividades prevaleceram tanto quanto a razão presente nos embates políticos.

No campo dos sentimentos e nas relações de poder, observa-se que José Xavier de Almeida tinha grande afetividade para com José Leopoldo de Bulhões Jardim, mas seu casamento com Amélia Augusta de Moraes o levou a um distanciamento do seu criador e até à ruptura, em 1904, pela ocupação de cargos no governo do Estado por adversários de Bulhões.

As ideias também moveram a política no período, através dos intelectuais com seus discursos pelo Abolicionismo, pelo Federalismo e pela República, que se uniram pela causa e foram vencedores nos vinte primeiros anos da República.

A Igreja que havia rompido com a política em 1896, mudou com o tempo e a partir de 1908 a relação novamente passou a ser amistosa. Os fazendeiros que se sentiram derrotados com a vitória e o governo de José Xavier de Almeida, ganharam o poder com a chegada do também bacharel e fazendeiro Antônio Ramos Caiado, que, na ocasião do Movimento de 1909, havia se unido com José Leopoldo de Bulhões Jardim. Tais relações demonstram outros sentimentos e afetividades, que prevaleceram nestas relações de poder em Goiás até o Movimento golpista de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

No meio das relações de poder borbulharam ideologias e projetos, destacando-se o abolicionismo, o federalismo, o laicismo, bacharelismo, coronelismo e positivismo, entre outros, como coloca o professor de História das Ideias Michel Winock, que fala da influência das ideias no campo político (WINOCK, 1996, p. 271). Assim, no momento em que as luzes eram dominantes com sua ideia de força- motriz das sociedades em direção ao progresso, o discurso era de dominação total dos homens em relação às mulheres, como destaca Soihet:



Constituem-se as mulheres, de acordo com a maioria dos filósofos iluministas, no ser da paixão, da imaginação, não do conceito. Não seriam capazes de invenção e, mesmo quando passíveis de ter acesso à literatura e a determinadas ciências, estariam excluídas da genialidade. A beleza atributo desse sexo era incompatível com as faculdades nobres, figurando o elogio do caráter de uma mulher como a prova de sua lealdade (SOIHET apud SANTOS, 1997).



Além do Iluminismo, o Positivismo e o Liberalismo eram ideias presentes nos principais embates políticos do período da Primeira República, daí a necessidade de localizar as pessoas em suas atividades reais, como nas famílias políticas desde Santa Rita do Paranaíba, passando por Morrinhos e pelas capitais do estado e do país, ampliando o objeto de estudo (WINOCK, 1996, p. 282).

Estas ideias também foram buscadas através dos jornais, uma das fontes mais ricas no período, além das pinturas, utilizadas como representação. Enfim buscaram-se observar as variações das palavras no tempo, porque as ideias políticas daquele período não eram apenas dos filósofos, políticos e teóricos, mas também do homem comum, como mostra Aline Tosta Santos, em seu trabalho, quando destaca a influência do Positivismo no final do século XIX na formação do papel social das mulheres e das justificativas para as diferenças em relação aos homens:



Acompanhando as correntes de pensamento europeu, no Brasil durante o século XIX foi grande a difusão do Positivismo e do Evolucionismo. Estas teorias utilizavam a diferença biológica entre os sexos como uma justificativa para as desigualdades sociais e culturais entre homens e mulheres (SANTOS, 2010, p. 5).



É possível Identificar as marcas das ideias em todos os setores da sociedade e, notadamente, nos comportamentos políticos das pessoas nas relações de poder nos primeiros anos da República. Fazendo um exercício de pesquisador que passa de uma história da literatura e da filosofia para uma história das mentalidades políticas, realiza-se a tarefa de conhecer os sistemas de representação da sociedade, não só a ideia que age, mas o lugar de onde ela saiu (WINOCK, 1996, p. 285).

Em Santa Rita do Paranaíba verifica-se uma mentalidade apequenada. O interesse é apenas local, pela ocupação dos cargos públicos. Já a partir de Morrinhos, os interesses vão além do local, quando o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes prepara os filhos para assumirem grandes cargos no Estado e no Congresso Nacional, e controla o sistema político através de suas alianças e de seu poderio econômico. Com o bacharel e ex-ministro da fazenda nacional, José Leopoldo de Bulhões Jardim, o interesse é nacional e suas ideias são geradas a partir da Academia de Direito em São Paulo.

José Leopoldo de Bulhões, a partir da amizade com seu grupo de bacharéis nos primeiros anos da República, ocupou o Ministério da Fazenda, por ser contemporâneo na Faculdade de Rodrigues Alves; combateu a Igreja Católica, pela formação liberal e anticatólica, inclusive realizando seu casamento só no civil; utilizou um conjunto de instituições do Estado e da sociedade para pôr em prática o ato de dominação, como dos partidos políticos, da imprensa e do próprio Estado para fazer prevalecer sua vontade, até o momento em que José Xavier de Almeida, utilizando dos mesmos instrumentos, lhe tirou o poder em Goiás até 1904, retomando-o através de golpe em 1909.

Trabalha-se a história política com a participação das mulheres, em um processo que vai além de aspectos da história econômica, social e política voltada para longa duração, com seus heróis a partir da figura central do Estado, num período em que todas as realizações eram atribuídas aos coronéis, para abordar o assunto através da história política e de Gênero, com vários sujeitos e relações, colocando as mulheres em evidência na participação nas relações de poder com seus bacharéis.

Para essa nova abordagem levou-se em consideração a análise historiográfica embasada em René Rèmond, no seu estudo da trajetória da história política desde seu apogeu, passando pelo período de desprestígio com a Escola dos Annalles e chegando ao momento atual, em que recuperou sua importância na pesquisa histórica (RÈMOND, 1996).

Enfim, através da política procura-se abordar o Movimento golpista de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, a partir da recuperação da nova história política, colocando como ponto comum a política e o Gênero como domínio privilegiado de articulação de todo social, com novos objetos, novos sujeitos, e não apenas através dos partidos, eleições e biografias.

Levam-se em consideração outros elementos, como a mídia, a opinião pública e o discurso e tendo o contato com outras disciplinas, o que permitirá mais à frente a análise dos processos eleitorais, dos grupos de pressão, da opinião pública, do discurso e das razões que levaram às mudanças em Goiás nos primeiros anos da República.



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