sábado, 25 de setembro de 2021

CASAMENTO, EMBATES E ARRANJOS POLÍTICOS EM GOIÁS: UMA ABORDAGEM DAS RELAÇÕES DE PODER NA PERSPECTIVA DE GÊNERO

 


RESUMO

 

 

Este trabalho pretende inovar na abordagem dos embates e arranjos políticos em Goiás que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba no sul do Estado, a partir da reflexão sobre a participação das mulheres no campo político, levando em consideração a categoria Gênero na concepção da historiadora norte-americana Joan W. Scott, como forma primária de  relações significantes de poder.  A pesquisa está estruturada em três partes e procura utilizar a definição de Poder segundo o pensamento de Michel Foucault que o vê  como feixes mais ou menos organizados, sem estar centralizado em uma instância das organizações sociais. Na  parte inicial a política é abordada dentro do contexto da nova história política, com um deslocamento do poder de instituições públicas e do Estado para a vida privada e cotidiana de homens e mulheres. O eixo  da pesquisa está na segunda parte ao privilegiar a perspectiva de Gênero para analisar e dar visibilidade as mulheres. Ao final procura-se trazer novas interpretações e significados aos eventos políticos ocorridos neste período por meio de estratégias metodológicas que permitam revelar o “não dito” nas pesquisas sobre o assunto. A abordagem central leva em consideração as mulheres, que embora não pudessem participar das eleições e dos partidos políticos,  conseguiram influenciar as relações de poder, a partir de outros ambientes privados, com atuação alternativa levando o político para o cotidiano familiar, religioso e social. Por este enfoque o trabalho privilegia o estudo  das ações de mulheres pertencentes a uma família de Morrinhos no sul do Estado  para  descobrir como   participaram  nas relações sociais e políticas que influenciaram no surgimento do movimento golpista de 1909 em Goiás e na emancipação  política de Santa Rita do Paranaíba. O trabalho  procura diferenciar-se de algumas abordagens descritivas que se tornaram preponderantes na historiografia goiana  que atribuem aos coronéis o papel de protagonistas das relações de poder na primeira República em Goiás, oferecendo como resultado um novo documento histórico com novas questões, hipóteses e um método que utiliza a categoria Gênero para analisar e compreender como se deram as relações sociais e políticas entre homens e mulheres que configuraram novas instituições do período republicano,  relações de dominação, elaboração das normas eleitorais,  papéis sociais e  práticas que foram contestadas, transformadas ou legitimadas nestas relações de poder. 

 

Palavras-chave: Política, Mulheres, Poder, Gênero, Emancipação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

This paper aims to innovate in addressing conflicts and political arrangements in Goias that resulted in the emancipation of Santa Rita Paranaíba in the south of the State, from the reflection on the women’s participation in the political field, taking into account the category of Gender in the design historian American Joan W. Scott, "a primary way of signifying relationships of power." The research is structured in three parts and seeks to use the definition of power according to Michel Foucault’s thought that sees it as more or less organized bundles without being centered on an instance of social organizations. In the early part of the political is addressed within the context of the new political history, with a shift of power to the state and public institutions to private life and everyday men and women. The axis of research is in the second part, the focus on the Gender perspective to analyze and give visibility to women. At the end we seek to bring new interpretations and meanings to the political events that occurred during this period through methodological strategies  that allow to reveal the "unsaid" in research on the subject. The central approach takes into account women, who they could not participate in the elections and political parties though, were able to influence power relations from other private settings, with alternative performances, leading politician for everyday family, religious and social. From this approach, the work focuses on the study of the women’s actions those that belonged to a family of Morrinhos in the south of the state to find out how they participated in social and political movement that influenced the coup in 1909 in Goiás and the political emancipation of Santa Rita do Paranaíba. The research seeks to differentiate itself from some descriptive approaches that have become prevalent in the goiana historiography. They attach to the colonels leading role of power relations in the first Republic in Goiás, offering as a result a new historical document with new questions, hypotheses and a method that uses the category Gender to analyze and understand how to have the social and political relations between men and women who have set new institutions of the republican period, relations of domination, preparation of electoral norms, social roles and practices that have been challenged, transformed or legitimized these power relations.

 

Keywords: Politics, Women, Power, Gender, Emancipation.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

 

 

FIGURA 1 – O Velório do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes..........................21

FIGURA 2Francisca Carolina de Nazareth Marquez Moraes................................51

FIGURA 3 – Maria Carolina Nunes da Silva e filhos..................................................52

FIGURA 4 – Anna Theodora da Silveira Amorim........................................................53

FIGURA 5 – Amélia Augusta de Morais e José Xavier de Almeida............................57

FIGURA 6 – Messias Alexandrina Marquez Brandão.................................................60

FIGURA 7 – Diploma de Bacharel em Direito..........................................................122

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE QUADROS

 

QUADRO 1 –  Relação de bens herança Francisca Carolina de Nazareth...............56

QUADRO 2 –  Distrito Eleitoral em 1904....................................................................70

QUADRO 3 – Distrito Eleitoral em 1908.....................................................................71

QUADRO 4 – Eleição para presidente do Estado 1905.............................................72

QUADRO 5 – Eleição para vice-presidente do Estado 1905.....................................72

QUADRO 6 – Eleição para Senado Federal..............................................................73

QUADRO 7 – Eleição para Deputado Federal...........................................................73

QUADRO 8 – Eleição para presidente do Estado em 1909.......................................73

QUADRO 9 – Eleição para vice-presidente do Estado de Goiás 1909......................73

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE ANEXOS

 

ANEXO A – Decreto sobre casamento civil na primeira República.........................164

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

          INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09

1       MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS   17

1.1     A NOVA HISTÓRIA POLÍTICA NA EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA.............. 35

1.1.1  O perfil da mulheres da casa de Dona Francisca Carolina................................. 50

1.2     OS PROCESSOS ELEITORAIS.............................................................................. 62

1.2.1   A Comissão de Verificação dos Poderes............................................................... 67

1.2.2  Os Partidos Políticos.................................................................................................. 74

1.3    O PARADIGMA INDICIÁRIO NA ABORDAGEM POLITICA................................. 77

1.4    A  POLÍTICA E A NOVA HISTÓRIA CULTURAL..................................................... 79

1.5     A HISTORIOGRAFIA DO BRASIL NA PRIMEIRA REPÚBLICA......................... 82

 

2       RELAÇÕES DE GÊNERO EM GOIÁS NA PRIMEIRA REPÚBLICA................ 84

2.1    AS MULHERES NAS RELAÇÕES POLÍTICAS EM GOIÁS................................ 88

2.1.1  As mulheres do Interior.............................................................................................. 89

2.1.2  As Mulheres da Capital.............................................................................................. 94

2.2    A EXPERIÊNCIA  E AS MULHERES....................................................................... 97

2.3    AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DE GÊNERO..................... 102

2.3.1 A Igreja Católica ........................................................................................................ 103

2.3.2 A Imprensa.................................................................................................................. 106

2.3.3 A Escola...................................................................................................................... 108

2.3.4 A Família...................................................................................................................... 111

 

3       NOVOS PROTAGONISTAS, GOLPE POLÍTICO E EMANCIPAÇÃO  ........... 114

3.1    O BACHARELISMO EM GOIÁS........................................................................... 120

3.2    O GOLPE POLÍTICO DE 1909 EM GOIÁS........................................................ 130

3.3    A EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA DO PARANAÍBA...................................... 133

3.4    AS MULHERES DA CASA DE DONA FRANCISCA.......................................... 141

         CONCLUSÃO.......................................................................................................... 149

         REFERÊNCIAS....................................................................................................... 158

         ANEXOS................................................................................................................ ...164

 

INTRODUÇÃO

 

                   Durante os primeiros anos da República em Goiás,  ocorreram vários embates e arranjos políticos com relações de  poder, os quais foram descritos pela historiografia goiana com a abordagem tradicional da história política. Foram considerados como protagonistas os  coronéis que se organizaram em grupos para obtenção do poder no Estado.

                   Na descrição dos embates  ocorridos no período aparecem como principais articuladores os bacharéis em direito formados pela Faculdade do Largo do São Francisco em São Paulo,  José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida.

                   Bulhões se tornou ministro da fazenda no governo Rodrigues Alves, entre 1902 e 1906, e depois entre 14/06/1909 e 15/11/1910, no governo Nilo Peçanha. Além de ministro, foi diretor do Banco do Brasil,  deputado federal e senador da República. Sua base de  atuação política foi a capital federal nos primeiros anos da República.

                   O principal  opositor, José Xavier de Almeida, aliado de Bulhões nos primeiros anos da República, tornou-se  presidente do Estado de Goiás entre 1901 e 1905, figura que corresponde a governador nos dias atuais. Foi ainda Secretário de Estado, deputado federal e eleito senador federal em 1909, sem, entretanto, assumir a cadeira. Iniciou a política na capital do Estado e transferiu sua base política para a cidade de Morrinhos, no sul de Goiás.

                   Após várias disputas, ambos os bacharéis foram sucedidos no poder por outra personalidade formada na área de  direito na  mesma faculdade paulista: Antônio Ramos Caiado, fazendeiro, deputado federal e também antigo aliado tanto de Bulhões como de Xavier de Almeida. Ajudou a liderar o movimento político de 1909, que tirou o comando político de Morrinhos no governo do Estado e após 1912,  tornou-se a  liderança política que coordenou as relações de poder no Estado de Goiás até o ano de 1930.

                    Nessas relações de poder foi excluída a presença de mulheres  na política, reforçando assim o discurso universal de dominação dos homens sobre as mulheres,  que se fazia presente na Igreja,  na família,  na imprensa, nas legislações, nos cargos públicos, nos governos e nos parlamentos.


                            As disputas políticas e conquistas das instituições em que o poder se concentrava no Estado nesses primeiros anos da República foram descritas na historiografia goiana como um sistema protagonizado pelos coronéis, termo utilizado tanto no sentido dado aos antigos titulares de patentes da antiga Guarda Nacional criada em 1831, como no atribuído à política comandada por fazendeiros, comerciantes, bacharéis e capitalistas de Goiás, que dominaram todo o sistema eleitoral no período.

Ao ampliar a historiografia política sobre este processo, almeja-se dar visibilidade às mulheres a partir de casamentos que tiveram origem na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que deixou Santa Rita do Paranaíba em 1871 e mudou-se para Morrinhos, após ter contraído o segundo matrimônio com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, no ano de 1869.

Santa Rita do Paranaíba, até julho de 1909 era um pequeno distrito com cerca de dois mil habitantes, localizado no sul de Goiás e ligado administrativamente ao município de Morrinhos, que na época possuía cerca de treze mil habitantes. Essa região servia como principal ponto de ligação do Estado de Goiás com a região sudeste do Brasil, através da cidade mineira de Uberaba.

Morrinhos tornou-se referência comercial na região sul de Goiás, através da estrada do sul e da ponte Afonso Pena em Santa Rita do Paranaíba, que foi inaugurada em novembro de 1909. Situada no ponto de divisa de Goiás com Minas Gerais, por essa ponte havia intenso comércio e transporte, ligando o sul do Estado a cidades como Uberlândia e Uberaba no Estado mineiro, ponto final por onde chegava a linha ferroviária vinda de São Paulo e eram transportadas pessoas e mercadorias.

Em todos os capítulos, os estudos procuram dar visibilidade à participação de  mulheres de uma família que se fez presente nas relações de poder em Goiás na Primeira República, com destaque para   a figura e a casa de Dona  Francisca Carolina  de Nazareth  Moraes. Essa mulher, nascida em Santa Rita do Paranaíba por volta de 1843, mãe de sete filhos, católica, fazendeira, primeira-dama de Morrinhos e viúva por duas vezes, teve como origem uma família mineira de Uberaba, Minas Gerais, que na década de 1840 havia se mudado para o povoado de Santa Rita do Paranaíba. Esse povoado se tornou distrito por volta de agosto de 1852.

Uma referência à emancipação da mulher dá-se quando Dona Francisca se torna herdeira, em 1905, de grande fortuna em fazendas, créditos, comércios e depósitos, tornando-se administradora da casa que foi o centro do poder político em Goiás entre os anos de 1901 e 1909, período marcado pelo processo de deslocamento provisório das decisões políticas da capital para o interior de Goiás.

Esta é uma oportunidade de se refletir sobre os casamentos, arranjos e embates políticos através de análise das relações de poder que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 1909, tendo as mulheres como foco central nas suas relações de poder e com a política, com abordagem nos moldes da nova história política.  

A construção da obra se faz com a utilização do método de pesquisa bibliográfica, auxiliado pelo paradigma indiciário para observação de sinais e vestígios presentes em figuras, quadros, pinturas, documentos e jornais, fontes que tornam atraentes os caminhos a serem percorridos e assim proporciona desvendar a participação das mulheres em acontecimentos que marcaram os primeiros anos da República em Goiás.

A proposta  inova nas conclusões, quando oferece como resultado um novo documento histórico com novas questões, hipóteses e um método que utiliza a categoria Gênero para analisar e compreender como se deram as relações sociais e políticas entre homens e mulheres que configuraram novas instituições do período republicano, modos de dominação, elaboração das normas eleitorais, papéis sociais e práticas que foram contestadas, transformadas ou legitimadas nessas relações de poder.

Descobrir a presença das mulheres nas relações de poder na Primeira República em um contexto de dominação dos homens na política é um desafio que  se verifica com a politização dos espaços privados, como na família, nas viagens, nas igrejas e nos palácios. Esta é a principal novidade que se pretende acrescentar à historiografia da política goiana  existente sobre o período estudado.

Em relação aos espaços ocupados pelas mulheres, procuram-se  adotar os conceitos de público e privado como algo histórico, levando em consideração as constantes mudanças que ocorreram ao longo do tempo. As linhas de demarcação são tratadas de modos distintos, havendo momentos em que as atividades familiares e as públicas se mesclaram e em outras ocasiões em que foram explicitamente diferenciadas.

Entender como as mulheres agiram para contestar ou legitimar um discurso de dominação e ainda descobrir os fatores que levaram a região sul de Goiás a ter um papel importante no destino do Estado e assim, acrescentar algo novo na historiografia goiana para se juntar aos trabalhos existentes, são fatores de motivação para a realização do trabalho.

O percurso da pesquisa é de constante interrogação e formulação de hipóteses, com o questionamento sobre como as mulheres, através do casamento, influenciaram nos embates e arranjos políticos, mesmo que excluídas dos processos eleitorais, dos partidos políticos e da ocupação de cargos públicos.

 Com base nessas relações de poder, procura-se responder como foi possível a essas mulheres ir além dos papéis de mãe, esposa e filha a elas reservados pela sociedade, assim como descobrir o processo da politização dos espaços privados que possibilitaram a visibilidade e protagonismo em um momento em que tudo foi atribuído aos homens.

Questiona-se também se as mulheres teriam conseguido a emancipação na Primeira República ou se teriam concordado com o discurso de dominação dos homens. Teriam elas rompido o discurso de dominação nas relações de poder em Goiás? E quais fatores influenciaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba a partir da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes? A todas estas questões se propõe responder ao final do trabalho.

A pesquisa está estruturada na observação da participação das mulheres nas relações familiares, na política e na sociedade em geral, com análise baseada  na definição de Gênero feita pela  americana Joan W. Scott, quando utiliza o termo  na concepção de forma primária de  relações significantes de poder (SCOTT, 1995, p. 12).

 A questão do poder é vista como relações de poder, discutidas na visão de Michel Foucault (1979, p. 248), que o descreve como  feixes mais ou menos organizados, sem estar centralizado em uma única instância das organizações sociais.

A política é abordada dentro do contexto da nova história politica, com um deslocamento do poder de instituições públicas e do Estado para a vida privada e cotidiana de homens e mulheres. O eixo  da pesquisa está na  parte  que privilegia a perspectiva de Gênero para analisar e dar visibilidade às mulheres.

A definição de Política está embasada no pensamento também de Joan W. Scott, que faz uma reflexão crítica sobre a conexão histórica das mulheres com a política e a própria disciplina História, destacando os vários sentidos desta categoria   levados em consideração na análise do cotidiano das mulheres (SCOTT, 2011, p. 68-69).

Trazem-se novas interpretações e significados aos eventos políticos ocorridos nesse período, com  estratégias metodológicas que permitem encontrar, através de vestígios e sinais, algo ainda não revelado nas pesquisas anteriores sobre o assunto.

Observa-se a participação das mulheres que, embora não pudessem participar das eleições e dos partidos políticos, conseguiram influenciar nas relações de poder a partir de outros ambientes privados, com atuação alternativa que levou a política para o cotidiano familiar, religioso e social.

                            Como essas mulheres agiram e que influências tiveram na política, num período em que todas as realizações eram atribuídas aos homens? O que fizeram para legitimar ou contestar essa situação de dominação dos homens manifestada nas instituições como Família, Igreja, Estado, Imprensa e Escola?

                   Avança-se nos questionamentos para alcançar a resposta sobre qual foi o papel dessas mulheres no processo de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, mesmo não podendo fazer parte dos cargos públicos, dos partidos políticos e das eleições.

                   Quais foram as relações entre bacharéis, políticos e funcionários públicos que ajudaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba? São questões sobre as quais se pretende refletir e responder.

Ao utilizar a categoria Gênero para análise histórica do período, além de dar visibilidade às mulheres nas relações de poder, o trabalho procura abordar de maneira diferenciada os protagonistas desse período, analisando os papéis atribuídos aos bacharéis em Direito no lugar que a historiografia goiana sempre reservou aos coronéis,  quando tratou dos embates e arranjos políticos da Primeira República.

 Ao se abordar a figura dos coronéis, não se colocam os mesmos como protagonistas e trabalha-se com a concepção relacionada às pessoas detentoras de patentes criadas com a Guarda Nacional a partir de 1831 e não com a concepção do típico coronel goiano tratado pela historiografia, que o vê como aquele detentor de terra ou comerciante, que utiliza a força para dominar e controlar os processos eleitorais.

 A partir da casa comandada pelo coronel Hermenegildo Lopes de Moraes até 1905 e depois por Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, analisam-se várias relações de poder, não se faz apenas relato de ações políticas e econômicas já citadas em várias outras obras.

Na primeira parte do trabalho trabalha-se com a nova história política, com abordagem técnico-metodológica da história política renovada, em que os comportamentos coletivos são mais destacados do que as iniciativas individuais, ocasião em que se interroga sobre o sentido dos fatos e formulam-se hipóteses, entre as quais se destacam a da participação efetiva das mulheres nas relações de poder.

O perfil das mulheres é destacado através das presenças e relações a partir da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes e suas filhas, todas primeiras-damas, desde a própria dona da casa, sua filha mais jovem, Amélia Augusta de Moraes, que se casou com o presidente do Estado, bacharel José Xavier de Almeida, em julho de 1901, até as duas filhas do primeiro casamento.

As filhas de Francisca, com origem no primeiro casamento em Santa Rita do Paranaíba, estão presentes neste estudo. Maria Carolina da Silveira Nunes, que se casou com o tenente Pedro Nunes Silva, de Morrinhos, e com quem teve seis filhos, assim como Anna Theodora da Silveira Amorim, que foi casada com o major Pacifico do Amorim, cuja união resultou em treze filhos.  Ambas seguiram ainda crianças para Morrinhos, onde estudaram, e após os casamentos com os sócios e aliados políticos do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, tornaram-se primeiras-damas em Morrinhos e Piracanjuba.

Na segunda parte do trabalho, quando se abordam as relações entre homens e mulheres no casamento, procura-se fazer um estudo das mulheres no período, sem adotar a concepção da realização de casamentos arranjados nas relações políticas, como tratada em outras obras. Faz-se análise das formas como os relacionamentos se iniciaram, foram construídos e como se concretizaram em núpcias, para se chegar assim a outras conclusões diferentes das existentes atualmente.

Ao se fazer ainda a análise da vida das mulheres, vai se perceber que essa família vivia bem diferente da maioria no período, quando as mulheres com poucos recursos econômicos ocupavam-se de serviços domésticos e como costureiras e lavradoras.

As mulheres oriundas da casa do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes podiam avançar com o conhecimento em atividades culturais, religiosas e escolares, e assim alcançar a formação do curso normal, como ocorreu com Amélia Augusta de Moraes, que estudou até o segundo ano na cidade mineira de Uberaba.

 A figura de Amélia Augusta de Moraes será utilizada como uma das referências de superação do papel das mulheres atribuído pela sociedade, a partir do momento que se torna a mais jovem primeira-dama do Estado de Goiás desde a Primeira República. Seu casamento se deu por ato civil na casa de Dona Francisca e por ato religioso na Igreja local em Morrinhos.

Assim, Amélia Augusta de Moraes esteve junto em todos os momentos de ascensão e queda do marido na política goiana nos primeiros dez anos do século XX, percorrendo os caminhos entre a capital do Estado e a capital federal, sempre tendo como ponto de partida ou chegada a cidade de Morrinhos no sul de Goiás.

A terceira parte do trabalho tratará dos acontecimentos políticos de 1909 a partir do deslocamento do centro do poder político da cidade de Goiás, então capital do Estado, para a cidade de Morrinhos. Destaca-se inicialmente o papel dos bacharéis nesses movimentos políticos, reflete-se sobre os acontecimentos políticos e conclui-se com a participação das mulheres nesse momento importante da política goiana.

O casamento ocupa um lugar de destaque nos embates e arranjos políticos, cujas relações retratadas começaram com o matrimônio de Francisca Carolina de Nazareth Moraes com Hermenegildo Lopes de Moraes em 1869, no então povoado de Santa Rita do Paranaíba, e se ampliaram para Morrinhos em razão de outros casamentos, como o de José Xavier de Almeida e Amélia Augusta de Moraes em 1901.

Ainda em Morrinhos são tratados outros casamentos, como das enteadas do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, Maria Carolina Nunes, com o tenente Pedro Nunes da Silva, e Anna Theodora Silveira do Amorim, com Pacífico Alves do Amorim.  Nesses dois casos, as relações que começaram comerciais foram além, para a política, tendo em vista que os homens eram sócios e pessoas da confiança do coronel Hermenegildo em alguns estabelecimentos comerciais.

As relações que envolvem o casamento como entrada completa-se com o enlace de Messias Alexandrina Marquez com o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão em 1900, unindo o chefe político local com a família de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Morrinhos, já que Messias era sua sobrinha.

Assim, casamento, embates e arranjos políticos são tratados de maneira analítica na terceira parte do trabalho, quando se discute como ocorreu o processo do deslocamento do poder político da capital de Goiás para Morrinhos.

 Esse processo tem início com a chegada ao governo de Goiás, em 1901, de José Xavier de Almeida e termina com o Movimento político de 1909. Esse período é precedido de uma década, quando José Leopoldo de Bulhões Jardim foi o comandante da política goiana desde a Proclamação da República, sempre através de seus cunhados, já que ficava na capital federal no Rio de Janeiro, ora como deputado federal ou senador, ora como ministro da fazenda ou diretor de banco público.

A abordagem das relações de poder na perspectiva de Gênero, com análise dos  vários  embates e arranjos  políticos em Goiás,  inova na historiografia goiana, pois além de considerar as mulheres como  sujeitos participantes desses acontecimentos políticos,  também irá considerar a nova história política, procurando observar a participação e a presença delas através de instituições que vão além da figura do Estado, como os partidos políticos, o sistema eleitoral, a Igreja, as famílias a Escola e a Imprensa.

Na última parte reflete-se propriamente sobre os diversos embates e arranjos políticos a partir de comportamentos coletivos e relações de Gênero que se desenvolveram nos primeiros anos da República em Goiás a partir de novos sujeitos como os bacharéis e suas mulheres, o clero católico, os bacharéis liberais e propõe-se uma hipótese de como se deu o processo da  emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que seria a medida primeira do retorno do poder político à capital de Goiás, depois de quase uma década  de deslocamento para Morrinhos.

Colocam-se em evidências novos protagonistas nos embates e arranjos políticos, com a presença e visibilidade das mulheres nas relações que vão além dos espaços públicos que foram demarcados para os homens na política, para chegar à politização dos espaços privados na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

 

 

 

 

 

 

1  MULHERES, HISTÓRIA E  POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS

 

Estudar a história política é estar convencido de que ela existe por si mesma, é professar que ela tem uma consistência própria e uma autonomia suficiente para ser uma realidade distinta em relação aos domínios do social, do econômico e do cultural, como defende René Rémond na obra organizada com outros colaboradores e intitulada “Por uma história política” (RÉMOND, 1996, p. 443).

Embora seja uma construção abstrata, como também são os outros domínios,  a política passa a ser considerada concreta quando todos se deparam na vida com ela,  interferindo em vários setores e até na atividade profissional e na  vida privada em família. A partir daí, ela não tem fronteiras naturais, ora se dilata, ora se retrai e em certos momentos, como nas guerras e revoluções, amplia-se de tal maneira que tudo se transforma em política (RÉMOND, 1996, p. 443).

A Política não está restrita à  referência relacionada com o poder localizado na figura do Estado, como ocorre com  frequência quando se trata dos acontecimentos políticos de 1909 em Goiás, situação em que ela é vista como “atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prática do poder” (REMOND,1996, p. 443). Trabalha-se com ela em outras definições e sentidos que ampliam essas relações entre pessoas e  instituições, tais como nas igrejas, nas famílias, na imprensa, no comércio e nas escolas.

            A política vai além da concepção mais tradicional ligada aos gregos e com influência de Aristóteles, em quem tem o sentido de atividades relacionadas ao Estado e aos governos; ela amplia-se para outras definições que envolvem práticas sociais e relações de poder com variados interesses e tomadas de decisões.

            Assim como o poder, verifica-se a presença da política nas relações sociais, incorporada nas relações do cotidiano, materializando-se em relações  que têm a presença de homens e mulheres, que se completam no outro como no sentido aristotélico e atingem outras dimensões  mais gerais, em que ela é entendida pela atividade de pessoas e instituições  que lutam continuamente pela conquista e manutenção do poder político, presente tanto na figura do Estado, como na sociedade civil, através de partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, corporações, meios de comunicação, instituições e outros canais (SILVEIRA e GHIRADELLI JR. 2004 p. 21).

A concepção de poder utilizada nesta pesquisa é a de um elemento presente nas relações entre os indivíduos, como uma força sem lugar fixo e propriedade de alguém. Mais do que poder, as relações entre as pessoas são tratadas como relações de poder, que se realizam dentro de uma dimensão que elas tem o espaço necessário para exercer a liberdade e tomar sua decisão. Esta definição está contida nas ideias de Michel Foucault, que as vê presente em qualquer relação do cotidiano. Assim, as relações de poder estão ligadas a consciente liberdade que as pessoas tem e  possibilidade das mesmas  tomarem decisões. Nada poderia atingir a liberdade dos indivíduos em suas relações sem o consentimento ou concordância deles (FOUCAULT apud MARINHO, 2008).

            Em síntese, assim manifestou Foucault sobre relações de poder:

 

Quando se fala de poder, as pessoas pensam imediatamente em uma estrutura política, um governo, uma classe social dominante, o mestre frente ao escravo, etc. isto não é de nenhum modo aquilo que eu penso quando falo de relações de poder. Eu quero dizer que, nas relações humanas, quaisquer que sejam - que trate de comunicar verbalmente, como fazemo-lo agora, ou que trate de relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder continua presente: eu quero dizer a relação na qual um quer tentar dirigir a conduta do outro. Estas são, por conseguinte, relações que podem-se encontrar em diversos níveis, sob diferentes formas; estas relações de poder são relações móveis, ou seja, elas podem alterar-se, elas não são dadas de uma vez para sempre (FOUCAULT apud MARINHO, 2008).   

 

Verifica-se a presença da política em várias atividades, jogo de discursos e pluralidade de sujeitos, sempre ligada ao poder, que se encontra em todas as relações das pessoas e instituições, de maneira que um se apresenta em relação ao outro na manifestação de seu poder, da persuasão e do convencimento.

Trabalha-se a política também para referir-se as relações de poder e suas estratégias para manutenção e contestação dessas relações. Vai-se desde essa mais típica, em que ela é considerada como “atividade dirigida para/ou em governos ou outras autoridades poderosas, atividade essa que envolve um apelo à identidade coletiva, à mobilização de recursos, a avaliação estratégica e à manobra tática”( SCOTT, 2011, p. 68).

A política também é considerada como prática que reproduz ou desafia as Ideologias, sendo estas entendidas como “sistemas de convicções e práticas que restabelecem identidades individuais e coletivas e que formam as relações entres indivíduos e coletividade e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas e autoevidentes” (SCOTT, 2011, p. 69).

A inclusão das mulheres e a política em diferentes tipos de ação e em diversas esferas de atividades   não comporta uma só definição de política, já que os limites de definição e espaço são indistintos, e segundo Joan W. Scott, qualquer definição utilizada tem múltiplas ressonâncias (SCOTT, 2011, p. 69).

 Portanto, utiliza-se a política em todos os sentidos para analisar sua presença nos casamentos, embates e arranjos políticos em Goiás, que se acentuaram nos primórdios do século XX, com destaque especial para a participação das mulheres, o que ocorre com a politização dos espaços privados na vida das famílias, dos comerciantes, fazendeiros e políticos, sem deixar de fora os espaços tradicionais de disputas pelo poder através do Estado.

Tem-se, assim, a possibilidade de se ter a política articulada com as relações de poder na perspectiva de Gênero, posicionando homens e mulheres em evidência  nas relações sociais e políticas nos espaços privados na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth  Moraes em Morrinhos.

Busca-se, através do estudo familiar, verificar as consequências políticas, econômicas e sociais provocadas pela presença das mulheres nos palácios, nas festas, nas viagens, nas Igrejas e nas casas em um momento em que o discurso universal de dominação dos homens lhes reservava apenas os papéis de mãe, esposa e filha.

Verificam-se também relações de dominação presentes na sociedade da Primeira República, praticadas através de discursos que excluíram as mulheres dos cargos públicos e processos eleitorais, que foram reservados exclusivamente aos homens. Essas práticas foram legitimadas e reconhecidas como necessárias naquele período para manutenção da ordem social nas famílias. Neste contexto, segundo o pensamento de Max Weber, a dominação é descrita como a “probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de um determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1999, p. 139).

Quanto ao termo “casa”, procura-se referir às relações ocorridas dentro do espaço de convivência da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes em Morrinhos, utilizando-se uma abordagem que vai além do espaço físico ou geográfico, considerando-a como local onde homens e mulheres praticavam relações sociais simbólicas e complexas que possibilitaram a construção de relações de Gênero. Nesse aspecto, o termo é empregado designando um espaço por onde circularam, encontraram-se e se reconheceram meninos e meninas, rapazes e moças, homens e mulheres, na perspectiva de Michel Certeau, quando discorreu sobre o cotidiano (CERTEAU, GIARD E MAYOL,1996, p. 56).

As relações essencialmente políticas manifestadas nas eleições, nos partidos políticos e na ocupação dos cargos públicos em Goiás na Primeira República também têm uma análise articulada com a categoria Gênero como referência para buscar vestígios e sinais da presença das mulheres nesses eventos, órgãos e atividades.

Um dos vestígios do empoderamento da mulher dá-se com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, ocasião em que se abre um espaço à participação e presença de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes em outras relações que não as familiares, já que, na condição de herdeira da riqueza econômica, passou a ser a figura central da casa política em Morrinhos, compartilhada em alguns momentos com os filhos e genros nas figuras dos bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes Filho, dos comerciantes Pedro Nunes da Silva e Pacífico do Amorim e dos políticos com participação local: Francisco Lopes de Moraes e Alfredo Lopes de Moraes.

Para revelar esse evento marcante da emancipação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, coube ao meio genro do falecido, coronel Pedro Nunes da Silva, declarar a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes no dia 15 de maio de 1905, nos seguintes termos:

 

Às doze e meia horas da noite, nesta cidade de Morrinhos, em seu próprio domicílio, faleceu de hemorragia cerebral o Excelentíssimo Senhor Coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, capitalista, com setenta e dois anos de idade, natural de Curralinho deste Estado, residente nesta cidade, casado com a Excelentíssima Senhora Dona Francisca Carolina de Nazareth, filho legítimo do cidadão André Corsino de Moraes e da Excelentíssima Senhora Dona Maria Lopes de Oliveira, já falecidos; deixou quatro filhos: o Excelentíssimo Senhor Doutor Hermenegildo Lopes de Moraes Filho, com trinta e quatro anos de idade, casado, Senhor Francisco Lopes de Moraes, trinta de dois anos de idade, solteiro, naturais de Santa Rita do Paranaíba deste município; Senhor Alfredo Lopes de Moraes, vinte e quatro anos de idade, solteiro, a Excelentíssima Senhora Dona Amélia Augusta de Moraes e Almeida, com vinte e um anos de idade, casada, naturais desta cidade; deixou bens a inventário e deve ser sepultado hoje no cemitério público desta cidade. E para constar lavrei este termo em que comigo assinou o declarante. Eu João Fleury Alves de Siqueira, Oficial do Registro Civil, o escrevi (BARBOSA, 2013).

 

 

 

 

 

 

Figura 1 – O velório do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes

              Fonte: (MENESES, 1998, p. 164)

 

O casamento foi a porta de entrada para Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes nas relações políticas que ocorriam a partir de Morrinhos, e a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes foi o passaporte para que ela assumisse relações de poder que até então tinham a figura do coronel como referência no sul de Goiás. Embora ocorresse ainda na memória a figura do coronel morto como referência, pela herança Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes assumiu todas as prerrogativas inerentes à nova situação jurídica.

Ainda que não tenham sido encontrados registros do exercício dessa emancipação jurídica e econômica, pelo modo de vida dos quatro filhos de Dona Francisca, entende-se que ela a exerceu na plenitude os seus direitos. Vestígios desse poder podem ser encontrados nos almanaques mercantis publicados até o ano de sua morte, em 1923 (ALMANAK LAEMMERT, 1921).

Seus filhos seguiram suas vidas após a morte do coronel, desde a mais jovem Amélia Augusta de Moraes, que foi para o Rio de Janeiro ao lado do esposo José Xavier de Almeida, uma vez que ele era deputado federal, passando pelo bacharel  Hermenegildo Lopes de Moraes, que também era deputado federal e ficava mais na capital federal e em viagens até mesmo ao exterior do que na casa de Dona Francisca Carolina.

 Os outros dois filhos solteiros, Francisco Lopes de Moraes e Alfredo Lopes de Moraes, não exerciam até então cargos relevantes e levavam uma vida um pouco diferenciada relativamente à política. Por isto, conclui-se que, a partir daquele momento, a referência na “casa” já não era a figura do coronel Hermenegildo e sim Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

Várias dissertações já trataram do lado econômico da família, pontuando que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes construiu a sua riqueza a partir da Guerra do Paraguai, em um momento em que tropas passavam por Santa Rita do Paranaíba e ele foi um dos principais provedores do Exército na região sul de Goiás.

Entre os trabalhos publicados com enfoque na economia, destaca-se a dissertação de Hamilton Afonso de Oliveira (2006) com o título “A construção da Riqueza no Sul de Goiás – 1835-1910”, que mostra a estrutura produtiva da região, o processo de ocupação das terras e ainda permite captar o pensamento do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em relação à necessidade de a economia do Estado estar ligada à exportação para o sudeste e para o exterior.

Quando se discute a política e o cotidiano na região sul de Goiás nesse período, duas dissertações se destacam num mesmo espaço a partir de Morrinhos e no mesmo período, sendo uma com abordagem mais política, intitulada “Morrinhos: Coronelismo e Modernização – 1889/1930” (AMORIM, 1998), e a outra com um enfoque nos aspectos sociais, tendo o título “Coronelismo e cotidiano” (FONSECA, 1998).

 A participação política do coronel Hermenegildo se deu através das suas passagens como vice-presidente do Estado várias vezes no final do século XIX,  como  intendente em Morrinhos a partir de 1882 e ainda por meio de suas articulações para levar o filho, que tinha o mesmo nome, a uma cadeira do Congresso Nacional, além   da sustentação dada ao genro José Xavier de Almeida, presidente do Estado de 1901 a 1905. Viveu também os principais embates, com destaque quando o então presidente do Estado José Xavier de Almeida rompeu politicamente com o grupo do bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1904. A saída do coronel da vida política se deu com sua morte em 1905 (AMORIM, 1998).

Em relação ao estudo da politização do espaço privado a partir da casa de Dona Francisca Carolina, ele tem como base o entendimento de Maria Izilda Santos Matos sobre o público e o privado, verificando-se que na coincidência das atividades familiares  com as públicas, “a posição da mulher é comparável ou inclusive superior a dos homens e, quando esta situação se inverte, a desvalorização das mulheres legitima-se” (MATOS, 2002, p. 131).

Neste sentido observa-se que, enquanto os homens ocupavam os espaços públicos e políticos, as mulheres da casa de Dona Francisca também ganhavam presença e visibilidade no espaço privado, sendo que ela própria se destacava como fazendeira desde 1886, quando herdou herança de seu pai, o capitão Manoel Martins Marquez, em Santa Rita do Paranaíba. Depois, a partir de 1905, está presente na administração da parte dos bens herdados do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.

Os primeiros anos do século XX provocaram intensas mudanças políticas no Estado de Goiás, estando frente a frente, nos embates travados, os bacharéis José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim. A amizade que foi construída no final do século XIX se rompeu definitivamente no ano de 1904, fato que ocasionou o pedido de intervenção federal em Goiás no ano de 1905 e que não logrou êxito, mesmo em uma época em que José Leopoldo de Bulhões era ministro da Fazenda do Governo Rodrigues Alves (1902-1906).

 O processo de mudança se consolidou com o movimento golpista de 1909, que impediu o bacharel Hermenegildo Lopes do Moraes, o filho, de assumir o governo do Estado, retornando os pecuaristas como líderes dos processos políticos e culminando com mudanças locais, que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba no sul do Estado. Todos estes fatos impactaram a vida de famílias, dos políticos e das pessoas em geral no Estado de Goiás.

Até chegar ao golpe político de 1909 e a consequente emancipação de Santa Rita do Paranaíba, muitas relações de poder ocorreram tendo a política presente, no sentido de estar relacionada com a conquista, o exercício e  a prática do Poder. Mas quando se amplia essa discussão e se faz uma articulação dessa categoria com as relações de Gênero, as mulheres aparecem em evidência nas relações de poder  em outros setores da atividade humana,  como o da família, o das escolas, o das relações interpessoais, o da religião e  o dos negócios comerciais.

Os acontecimentos que se desenvolveram entre 1900 e 1909 mostram bem  essas relações do poder: neles as mulheres aparecem como participantes no espaço das famílias na capital de Goiás, em Morrinhos e em Santa Rita do Paranaíba, afetando também as relações entre as pessoas, com influência nas escolas, na Igreja católica, no governo, nas cidades e em outras associações.

Nessas relações de poder, a política foi trabalhada com a participação das mulheres a partir de múltiplas ressonâncias, tanto naquela que a considera como atividade de governo e do Estado, quanto naquela referenciada por Joan W. Scott, em que ela assume uma identidade coletiva a partir da mobilização de recursos, avaliações estratégicas e manobras táticas, ou ainda como relações de poder mais gerais e estratégicas para manter o poder ou contestá-lo.

Além da politização do espaço privado, ao tratar de política não há como deixar fora as instituições públicas que a têm na essência, como os partidos, que são políticos porque têm essa finalidade dos membros e que procuram chegar ao poder (REMOND, 1996, p. 443). Mas o grande objetivo é procurar abordar as relações de poder com participação das mulheres, sempre priorizando as relações de Gênero para entender como se deu a presença das mulheres nas relações que culminaram com o Movimento golpista de 1909 em Goiás e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Utiliza-se o termo “Movimento golpista” para retratar as práticas políticas que mudaram os resultados das eleições de 1909 em Goiás, e que, segundo Itami Campos (CAMPOS, 2003, p. 88-89), foi organizado e articulado pelos coronéis insatisfeitos com a política fiscal implantada pelo grupo político de José Xavier de Almeida, que assumiu o governo de Goiás em 1901, ocasião em que   duas legiões de homens armados, contando com cerca de mil recrutados a partir das regiões norte e sul do Estado,  acamparam no início de 1909 na Fazenda Quinta, nos arredores da capital no Estado e no início de maio avançaram sobre a cidade de Goiás, fazendo com que o então presidente do Estado, Miguel da Rocha Lima, deixasse o governo antes do prazo final do mandato.

Ressalta-se que neste período, logo após a Proclamação da República, o termo presidente era utilizado para designar o chefe do poder Executivo no Estado de Goiás, que tinha pelo menos três vice-presidentes, normalmente coronéis das várias regiões do Estado de Goiás. Essa nomenclatura prosseguiu até a Revolução de 1930.

Assumiu a chefia do governo provisório em Goiás, na ocasião do Movimento golpista de 1909, o terceiro vice-presidente, José Baptista da Silva, que era coronel representando a cidade de Anápolis e um dos líderes revoltosos do norte, no espaço de tempo que vai da saída do então presidente, Miguel da Rocha Lima, até a colocação no poder do então perdedor da eleição de março de 1909, engenheiro Militar Urbano Coelho de Gouveia.

Os eventos eleitorais são abordados partindo do entendimento de outras aplicações que vão além do político, numa operação que consiste em organizar a transmissão do poder ou a designação de representações por um método eletivo (REMOND, 1996, p. 441).

Ao se tratar desses acontecimentos políticos, tem-se um primeiro questionamento: por que as mulheres não podiam ocupar os cargos políticos, votar e participar dos partidos políticos, embora não houvesse a vedação literal no ordenamento legislativo que disciplinava as eleições naquele período? Por certo predominava o discurso dos homens, estabelecendo que caberia às mulheres a organização do lar e a educação dos filhos, enquanto somente aos homens caberia o exercício da política.

As mulheres da casa de Dona Francisca ficaram próximas da política em Goiás quando o sobrado tornou-se um centro político entre 1901 e 1909. Com a idade avançando para a faixa de sessenta  anos e todos seus filhos já casados, Dona Francisca assumiu a posição do esposo, com seu falecimento em 1905, como administradora  de fazendas e de dinheiro para empréstimos, sem deixar de exercer os papéis que lhes foram reservados: de mãe, desde a década de 1860, e de avó nos cuidados dos netos mais novos nos primeiros anos do século XX.

A política continuou muito presente na casa de Dona Francisca, sendo que ela participou como proprietária da casa onde foram organizadas as eleições de deputado federal em 1905 e 1909 de seu filho, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, e também de  genro, o bacharel José Xavier de Almeida, eleito Deputado Federal em 1905 e Senador em 1909. O maior feito ocorreu nas eleições de 1909 quando o filho, então deputado federal, foi eleito  para presidente do Estado. Tanto o filho como o genro, apesar de eleitos, devido ao movimento golpista de maio de 1909, não assumiram os cargos para os quais foram eleitos.

A presença de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes nas relações políticas ocorre desde seu casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1869, tendo em vista que os alistamentos eleitorais e as próprias eleições se davam em espaços privados e sua casa era o centro político de Goiás neste período que vai desde a proclamação da República até a 1909.

 É a partir dessa casa que é articulada a eleição do sucessor de José Xavier de Almeida no governo goiano, assim como as eleições para deputados federais do então presidente do Estado de Goiás e do filho Hermenegildo Lopes de Moraes. Na política local participavam o genro Pedro Nunes da Silva, que se tornou Intendente do Município de Morrinhos, e um dos filhos, que era deputado estadual. Não há evidências de que ela teria aberto mão do direito de dirigir a casa e a fortuna herdada em dinheiro e bens.

Em relação ao termo intendente, foi a nomenclatura utilizada para designar os chefes do poder executivo nos municípios, figura que desempenhava as funções hoje atribuídas aos prefeitos.

Enquanto Dona Francisca viveu a politização do espaço privado a partir de sua casa em Morrinhos, a sua filha caçula Amélia Augusta de Moraes foi além do papel de filha, esposa e mãe, exercido na geração de praticamente um filho a cada ano a partir do casamento, pela situação de contar nos palácios do governo com uma equipe para cuidar dos filhos pequenos ou com a própria avó. Ela pôde exercer  a função de primeira-dama mais jovem do Estado de Goiás entre 1901 e 1904, quando seu marido foi presidente. Ela   também o acompanhou nas viagens para o Rio de Janeiro, quando José Xavier de Almeida exerceu o mandato de Deputado Federal entre 1905 e 1908. Se não ocupou nenhum cargo político, esteve presente em todas as decisões do marido, José Xavier de Almeida, nas relações de poder entre 1901 e 1909.

A presença de Amélia Augusta nas relações políticas do esposo José Xavier de Almeida se deu a partir do casamento em 1901, com sua mudança para a capital de Goiás, quando o acompanhava como primeira-dama fazendo trabalhos sociais e reuniões festivas no Palácio de Governo. Quando José Xavier de Almeida deixa o governo de Goiás em 1905, ela está junto na viagem para a capital federal e durante o mandato do marido. Até nas campanhas de 1908, ela veio a cavalo com o marido do Rio de Janeiro para a cidade de Goiás para participação nas eleições. Até na saída do palácio do governo, em março de 1909, quando do golpe político, novamente estava presente, deixando a cidade a cavalo ao lado do então senador eleito e que não assumiu, José Xavier de Almeida.

Ainda na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, a política também esteve presente na casa de suas duas filhas do primeiro casamento, tanto na de Maria Carolina da Silveira Nunes, como na de Anna Theodora da Silveira Amorim, mulheres com idades acima dos trinta anos e que viveram as relações de poder com seus maridos e sócios do padrasto, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, pois eram casadas, no final do século XIX, respectivamente com o Major Pedro Nunes da Silva, de Morrinhos, e com o tenente Pacífico Alves do Amorim, de Piracanjuba.

A politização do espaço privado em Santa Rita do Paranaíba ocorre a partir da casa de Messias Alexandrina Brandão, sobrinha de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que se casou no início de 1900 e não teve filhos. Acompanhou o esposo Jacintho Luiz da Silva Brandão, funcionário público, comerciante, fazendeiro e primeiro intendente provisório do emancipado distrito nas relações de poder entre 1900 e 1909.

No então distrito de Santa Rita do Paranaíba cabia a familiares de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes organizar os processos políticos e ocupar os cargos públicos, funções que eram realizadas pelo filho Galdino Marquez da Silveira e pelo irmão Damaso Martins Marquez, pai de Messias Alexandrina Marquez. Jacintho Luiz da Silva Brandão já conhecia a futura esposa desde seu batizado, com poucos meses de vida, e desses encontros políticos que se realizavam nas casas dos familiares de Dona Francisca acabou nascendo o casamento com Dona Messias.

Foi assim que de forma ainda tímida, as mulheres da casa de Dona Francisca legitimaram e apoiaram os discursos dos homens de quem a elas caberia ser mães, esposas, boas filhas, enquanto eles se formavam bacharéis, faziam política e ocupavam os cargos públicos. Entretanto, cada uma a sua maneira participou das diversas relações de poder, conquistando um espaço como primeiras-damas, companheiras,  fazendeiras e administradoras de heranças.

Percebe-se no contexto de utilização do termo política, de René Rémond (1996, p. 447), que ocorreu um jogo de variados interesses, uma vez que os homens e as mulheres da casa de Dona Francisca foram movidos por outras circunstâncias que não as racionais ou utilitárias da busca do poder no Estado. O político foi o ponto para onde confluiu a maioria das atividades, mas permitiu recapitular outros componentes do conjunto social.

A política, em seus variados significados, estava presente em outras áreas, principalmente na imprensa, e os jornais que se destacavam no período o faziam por sua natureza e realidades políticas, em virtude de sua destinação. Ou seja, foram instrumentos transformados em armas políticas. Quando se estudam as publicações de jornais da época, como o “GOYAZ”, ligado aos Bulhões ou o “Correio Official”, voz do grupo de Xavier de Almeida, tem-se a percepção que predominavam praticamente em todo seu conteúdo assuntos da política. Era na imprensa que se via mais um meio de dominação dos homens. Eram eles os donos dos jornais, os redatores e as principais figuras que dominavam o noticiário, com o predomínio do político e dos homens em seus espaços.

A religião também, mesmo que tentando se distanciar das marcas da política e ressaltando as diferenças entre sociedades políticas e comunidades eclesiais, tornaram-se objetos de decisão política. Foram memoráveis os embates entre os liberais e o clero católico na imprensa, nos discursos e nos partidos políticos, do que resultou, inclusive, a saída de Goiás para Uberaba em Minas Gerais, no ano de 1896, do Bispo Dom Eduardo Duarte da Silva, devido a embates com José Leopoldo de Bulhões Jardim.

No período Imperial as funções religiosas misturavam-se com as políticas na administração dos municípios, devido ao sistema do padroado e também ao fato de uma autoridade religiosa executar serviços que caberiam somente ao Estado, depois da Proclamação da República.

 Embora a Igreja Católica tratasse do sagrado, não há como afastar sua influência nessas relações de poder que estavam presentes entre homens e mulheres nos primeiros anos da República. Os debates sobre a obrigatoriedade do casamento civil, pelo lado dos liberais, e a luta pela manutenção do casamento religioso, pelo clero, figuraram entre os embates mais frequentes no período.

Além das disputas em relação ao casamento, a Igreja católica foi para o campo essencialmente político com a fundação de um partido católico. Como foi derrotado nas eleições nos primeiros anos da República, aos poucos o partido foi se tornando sem importância nas disputas políticas eleitorais.  A Igreja perdeu na disputa da obrigatoriedade do casamento católico e também perdeu a representatividade política, que tinha antes no período imperial.

Embora todos os vestígios das relações entre as mulheres e os homens a partir de Santa Rita do Paranaíba se confluíram para a política, percebem-se outros interesses e razões que moveram essas pessoas. Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, por exemplo, não contraiu núpcias com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes por interesses ligados à política, já que se conheceram a partir de eventos na Paróquia do Arraial de Santa Rita do Paranaíba, tais como batizados, casamentos e festas.

Messias Alexandrina Marquez, que vivia na zona rural, teve seu enlace com Jacintho Luiz da Silva Brandão por uma paixão fulminante do noivo, já que a fez buscar na fazenda, encontrar um padre na cidade mineira de Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara, para realizar o desejo da esposa e casar-se também no religioso, embora no período fosse obrigatório apenas o casamento por ato civil. Essa união nasce de relações com a família, através do avô, pai e tio, as quais eram antigas e cotidianas, e não necessariamente com fins políticos.

Informações colhidas nos documentos da Igreja Católica tornam possível verificar, no casamento de Messias com o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, relações de poder entre a Igreja e o coronel, uma vez que se percebe que a jovem de dezesseis anos tinha o desejo de se casar na Igreja Católica. O coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão havido sido padrinho de batizado de Messias no ano de 1884, e não era tão participante das atividades da Igreja, como se percebeu em pelo menos uma das passagens do então bispo da diocese de Goiás na década de 1890 por Santa Rita do Paranaíba. No episódio do casamento, o padre local se recusou a fazer o casamento em 1900 da afilhada e do padrinho, mas o obstáculo foi vencido com a vinda de outro padre da cidade mineira de Tupaciguara, que realizou a cerimônia religiosa.

Não se pode falar, em relação ao casamento de Amélia Augusta de Moraes e José Xavier de Almeida, que ele tenha sido de interesse eminentemente relacionada à política ou que seria apenas para a busca do apoio financeiro do então eleito presidente do Estado para bancar seus projetos pessoais. Se assim fosse, essas relações, que começaram bem antes, com as viagens do então deputado federal em março de 1900 quando foi para o Rio de Janeiro exercer o mandato de deputado federal e culminaram com o Movimento de 1909, com a derrota de seu grupo político, teriam perdido forças. Mas percebe-se, pelas aparições dos mesmos, que os laços seguiram fortes, mesmo depois da saída de José Xavier de Almeida do cenário de disputas políticas no Estado. É também um caso em que é possível concluir que não foi casamento arranjado, pois estavam presentes mais razões pessoais no relacionamento do que propriamente razões políticas e econômicas.

Além das viagens de Goiás ao Rio de Janeiro, em que Morrinhos era um ponto de passagem, assim como a cidade mineira de Uberaba, locais em que estavam presentes tanto Amélia Augusta de Moraes, por morar em Morrinhos e estudar o curso normal na cidade do Triângulo mineiro, como Hermenegildo Lopes de Moraes, pois  esse era igualmente o caminho percorrido pelo bacharel, que era também deputado federal. Estes fatos levaram José Xavier de Almeida a conhecer a família e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e, posteriormente, a casar com Amélia Augusta de Moraes, o que se deu um ano depois, em 1901.

Tanto no casamento do líder local, coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, com Messias Alexandrina, que se caracterizou pela união do homem já maduro, com mais de cinquenta anos, e a mulher com pouco mais de dezesseis, como no casamento do líder estadual, José Xavier de Almeida, com Amélia Augusta de Moraes se repete o fenômeno, quando a política aproxima homens e mulheres e avança para o espaço privado, sempre tendo a benção da Igreja Católica no sul de Goiás.

Quando se aborda o acontecimento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, verifica-se que a política estava presente nas diversas relações e modificou o curso das vidas das pessoas, tanto no Distrito como em Morrinhos que vivia tempos áureos nesta área. Criou-se neste período uma nova geração e suas lembranças, que até então perduraram, foram carregadas de afetividades positivas ou negativas (REMOND, 1996, p. 447). Foram negativas para todo o grupo político de Morrinhos, que deixou de ser o centro de atenção, e alcançou também aqueles que até então dominavam o cenário político, fazendo surgir novos atores também na então emancipada Santa Rita do Paranaíba, em 1909.

 Embora voltassem a receber atenção, a partir de 1912, quando outro grupo político assumiu o poder em Goiás, o político marcou como uma das expressões das relações sociais de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos, que certamente teve outra forma de conceber a política, diferente da maneira como até aquele momento fora conduzida no então Distrito, como a mulher dominada, sem vez e sem voz no espaço público (RÉMOND,1996, p. 449).

Os vários acontecimentos trazem inúmeros significados políticos no período: a união de Amélia Augusta de Moraes com José Xavier de Almeida marca, por exemplo, o apogeu do poder político do grupo de Morrinhos; já o Movimento de 1909, por outro lado, vai marcar o final de carreiras políticas, de independência, de nascimento de um novo município e   de novas relações de poder.

Ao se analisar a política nesse período propicia-se explorar outros   acontecimentos, como casamentos e processos eleitorais que marcaram as mudanças em Goiás no início do século XX, culminando com o Movimento golpista de 1909 na capital do Estado e com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba no sul.

Também inovando na própria abordagem, pretende-se ir além do que é específico na política de disputa pelo poder no Estado de Goiás, como admoesta   Antoine Prost quando, ao tratar das palavras (PROST, 1996, p. 295), orienta a buscar o que não está evidente nas disputas eleitorais pelo poder e ocupação dos cargos públicos no Estado.

Analisam-se os discursos e os jogos políticos da Primeira República, que não se resumiram na luta pela cadeira de presidente do Estado através dos partidos. Procura-se, a partir desses acontecimentos políticos, refletir sobre o que é secundário, implícito e mascarado nos discursos eleitorais, nos discursos dos comerciantes e dos fazendeiros, nas mensagens da Igreja Católica através dos Bispos.

Observa-se todo um arcabouço de disputas entre políticos liberais que assumem o poder com a Proclamação da República e conservadores que procuram reconquistar o espaço da Igreja Católica perdido em 1890; trata-se aqui também de fazendeiros que querem fugir do pagamento de impostos no governo de Xavier de Almeida, famílias que querem ocupar os principais cargos públicos e manter suas riquezas, entre outros aspectos.

Trava-se ainda uma busca de informações sobre as mentalidades, as maneiras de pensar dos grupos sociais e políticos em determinadas datas e lugares específicos (PROST, 1996, p. 315). Os políticos liberais realmente buscavam o Estado Moderno, ao mesmo tempo em que negavam espaço para a participação das mulheres nos partidos políticos e nas eleições? A Igreja queria realmente engrandecer a Pátria e a Liberdade, ou somente manter o poder temporal?

Como respostas a essas questões, formulam-se hipóteses, como a de que os políticos liberais, que inicialmente buscaram a queda da monarquia, estavam mais preocupados na ocupação do poder em seus Estados do que necessariamente na implantação de um estado moderno, e foram conservadores em relação à participação das mulheres nos processos políticos.

Percebe-se também, entre as coisas não evidentes nessas relações, que a Igreja Católica estava preocupada na reconquista do espaço de poder que tinha antes, no período monárquico, quando caminhara junto com o poder do Império, mas fora alijada pelos republicanos. Utilizou o discurso da necessidade do casamento religioso, não somente pela defesa do sagrado, mas principalmente preocupada com o poder terreno perdido.

Não se pode atribuir a conquista do governo do Estado a um simples confronto entre coronéis do período. Os grupos utilizaram os meios possíveis e fizeram suas alianças para alcançar seus objetivos dentro das regras vigentes. Ora, nem a José Leopoldo de Bulhões Jardim, nem a José Xavier de Almeida poderiam ser atribuídas as características de puros coronéis do século XX. Eles tiveram aliados coronéis, mas suas ações foram desenvolvidas principalmente nos processos eleitorais, utilizando os meios apropriados na época para terem o controle do poder através da Legislação, das juntas eleitorais e do Congresso Goiano formado pela Câmara de Deputados e Senadores Estaduais.

            Ao tratar de política e suas experiências nas relações de Gênero, percebe-se a participação das mulheres e sua visibilidade em relações que envolvem várias pessoas, desde padres, bispos, até fazendeiros, comerciantes, políticos que também participaram dos acontecimentos, seja através de um partido, de um jornal ou de uma revista. A amizade de uns pode ter levado à atração pela causa ou até à rivalidade, assim como   à ruptura. Certamente, sentimentos e afetividades prevaleceram tanto quanto a razão presente nos embates políticos.

No campo dos sentimentos e nas relações de poder, observa-se que José Xavier de Almeida tinha grande afetividade para com José Leopoldo de Bulhões Jardim, mas seu casamento com Amélia Augusta de Moraes o levou a um distanciamento do seu criador e até à ruptura, em 1904, pela ocupação de cargos no governo do Estado por adversários de Bulhões.

As ideias também moveram a política no período, através dos intelectuais com seus discursos pelo Abolicionismo, pelo Federalismo e pela República, que se uniram pela causa e foram vencedores nos vinte primeiros anos da República.

A Igreja que havia rompido com a política em 1896, mudou com o tempo e a partir de 1908 a relação novamente passou a ser amistosa. Os fazendeiros que se sentiram derrotados com a vitória e o governo de José Xavier de Almeida, ganharam o poder com a chegada do também bacharel e fazendeiro Antônio Ramos Caiado, que, na ocasião do Movimento de 1909, havia se unido com José Leopoldo de Bulhões Jardim. Tais relações demonstram outros sentimentos e afetividades, que prevaleceram nestas relações de poder em Goiás até o Movimento golpista de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

            No meio das relações de poder borbulharam ideologias e projetos, destacando-se o abolicionismo, o federalismo, o laicismo, bacharelismo, coronelismo e positivismo, entre outros, como coloca o professor de História das Ideias Michel Winock, que fala da influência das ideias no campo político (WINOCK, 1996, p. 271). Assim, no momento em que as luzes eram dominantes com sua ideia de força- motriz das sociedades em direção ao progresso, o discurso era de dominação total dos homens em relação às mulheres, como destaca Soihet:

 

Constituem-se as mulheres, de acordo com a maioria dos filósofos iluministas, no ser da paixão, da imaginação, não do conceito. Não seriam capazes de invenção e, mesmo quando passíveis de ter acesso à literatura e a determinadas ciências, estariam excluídas da genialidade. A beleza atributo desse sexo era incompatível com as faculdades nobres, figurando o elogio do caráter de uma mulher como a prova de sua lealdade (SOIHET apud SANTOS, 1997).

 

            Além do Iluminismo, o Positivismo e o Liberalismo eram ideias presentes nos principais embates políticos do período da Primeira República, daí a necessidade de localizar as pessoas em suas atividades reais, como nas famílias políticas desde Santa Rita do Paranaíba, passando por Morrinhos e pelas capitais do estado e do país, ampliando o objeto de estudo (WINOCK, 1996, p. 282).

Estas ideias também foram buscadas através dos jornais, uma das fontes mais ricas no período, além das pinturas, utilizadas como representação. Enfim buscaram-se observar as variações das palavras no tempo, porque as ideias políticas daquele período não eram apenas dos filósofos, políticos e teóricos, mas também do homem comum, como mostra Aline Tosta Santos, em seu trabalho, quando destaca a influência do Positivismo no final do século XIX na formação do papel social das mulheres e das justificativas para as diferenças em relação aos homens:

 

Acompanhando as correntes de pensamento europeu, no Brasil durante o século XIX foi grande a difusão do Positivismo e do Evolucionismo. Estas teorias utilizavam a diferença biológica entre os sexos como uma justificativa para as desigualdades sociais e culturais entre homens e mulheres (SANTOS, 2010, p. 5).

 

É possível Identificar as marcas das ideias em todos os setores da sociedade e, notadamente, nos comportamentos políticos das pessoas nas relações de poder nos primeiros anos da República. Fazendo um exercício de pesquisador que passa de uma história da literatura e da filosofia para uma história das mentalidades políticas, realiza-se a tarefa de conhecer os sistemas de representação da sociedade, não só a ideia que age, mas o lugar de onde ela saiu (WINOCK, 1996, p. 285).

Em Santa Rita do Paranaíba verifica-se uma mentalidade apequenada. O interesse é apenas local, pela ocupação dos cargos públicos. Já a partir de Morrinhos, os interesses vão além do local, quando o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes prepara os filhos para assumirem grandes cargos no Estado e no Congresso Nacional, e controla o sistema político através de suas alianças e de seu poderio econômico. Com o bacharel e ex-ministro da fazenda nacional, José Leopoldo de Bulhões Jardim,  o interesse é nacional e suas ideias são geradas a partir da Academia de Direito em São Paulo.

José Leopoldo de Bulhões, a partir da amizade com seu grupo de bacharéis nos primeiros anos da República, ocupou o Ministério da Fazenda, por ser contemporâneo na Faculdade de Rodrigues Alves; combateu a Igreja Católica, pela formação liberal e anticatólica, inclusive realizando seu casamento só no civil; utilizou um conjunto de instituições do Estado e da sociedade para pôr em prática o ato de dominação, como dos partidos políticos, da imprensa e do próprio Estado para fazer prevalecer sua vontade, até o momento em que José Xavier de Almeida, utilizando dos mesmos instrumentos, lhe tirou o poder em Goiás até 1904, retomando-o através de golpe em 1909.

Trabalha-se a história política com a participação das mulheres, em um processo que vai além de aspectos da história econômica, social e política voltada para longa duração, com seus heróis a partir da figura central do Estado, num período em que todas as realizações eram atribuídas aos coronéis, para abordar o assunto através da história política e de Gênero, com vários sujeitos e relações, colocando as mulheres em evidência na participação nas relações de poder com seus bacharéis.

Para essa nova abordagem levou-se em consideração a análise historiográfica   embasada em René Rèmond, no seu estudo da trajetória da história política desde seu apogeu, passando pelo período de desprestígio com a Escola dos Annalles e chegando ao momento atual, em que recuperou sua importância na pesquisa histórica (RÈMOND, 1996).

Enfim, através da política procura-se abordar o Movimento golpista de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, a partir da recuperação da nova história política, colocando como ponto comum a política e o Gênero como domínio privilegiado de articulação de todo social, com novos objetos, novos sujeitos, e não apenas através dos partidos, eleições e biografias.

 Levam-se em consideração outros elementos, como a mídia, a opinião pública e o discurso e tendo o contato com outras disciplinas, o que permitirá mais à frente a análise dos processos eleitorais, dos grupos de pressão, da opinião pública, do discurso e das razões que levaram às mudanças em Goiás nos primeiros anos da República.

 

1.1 A NOVA HISTÓRIA POLÍTICA NA EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA

 

O evento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, hoje Itumbiara, sempre foi tratado em algumas obras da história local, como um acontecimento resultante dos atos de bravura de coronéis locais, que conquistaram, através de suas lutas, a independência política e administrativa do município, seguindo o velho modelo da escrita da história política que colocava o Estado em evidência e os dirigentes como heróis.

Santa Rita do Paranaíba era um pequeno povoado que surgira com a criação de um porto no Rio Paranaíba pelo governo imperial, por volta de 1830, na região sul de Goiás. Foi denominado distrito do município de Santa Cruz de Goiás em agosto de 1852, com o nome de Freguesia de Santa Rita do Paranaíba. No período de 1855 a 1859 passou a fazer parte de Vila Bela do Paranaíba, nome primeiro da cidade de Morrinhos em sua emancipação naqueles anos. Voltou a fazer parte do município de Santa Cruz de Goiás até por volta de 1872, quando Morrinhos recupera a condição de município e também integra Santa Rita do Paranaíba como seu distrito. A emancipação política e administrativa de Santa Rita do Paranaíba ocorreu em 16 de julho de 1909 e a mudança para o nome de Itumbiara foi aprovada em dezembro de 1943 (FREIRE, 2011, p. 20).

As relações entre o Arraial de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos foram constituídas desde a metade do século XIX, primeiro entre 1855 e 1859, quando foi criada a Vila Bela de Morrinhos, tendo Santa Rita do Paranaíba como distrito,  condição que muda a partir de 1859, quando Morrinhos perde a condição de Município e Santa Rita do Paranaíba volta a ser distrito do município de Santa Cruz de Goiás, situação que permanece até 1871, quando novamente é recriado o município de Morrinhos, que passa a fazer parte de Pouso Alto, hoje Piracanjuba, até 1882, quando Morrinhos se emancipa (FREIRE, 2011, p. 30).

 Como exemplo de história descritiva da emancipação, apresenta-se a obra de Almeida Neto (1997, p. 9) que a descreve como luta política liderada por seus familiares, o bisavô Major Militão Pereira de Almeida, e seu avô, o coronel Sidney Pereira de Almeida, que teriam levado em mãos as reivindicações da população. Mas quando se faz uma análise da realidade política daquele período à luz da nova história política, verificam-se outras disputas de poder, que não se resumem em ações locais, até porque esses homens não tinham nenhuma influência política no Estado e nem tiveram participação relevante no Movimento político de 1909 em Goiás que resultou na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Aconteceram intensas relações políticas locais que envolveram fazendeiros, comerciantes e funcionários públicos em Santa Rita do Paranaíba e que se ligavam à casa de Dona Francisca, em Morrinhos, através do casamento do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão com uma de suas sobrinhas. Por outro lado, apesar de ser padrinho de casamento do coronel Jacintho, Antônio Xavier Guimarães era ligado a outro grupo político, uma vez que seu irmão, Joaquim Xavier Guimarães Natal, era aliado e cunhado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, que se tornara rival, a partir de 1905, dos familiares da família de Dona Francisca em Morrinhos.

Esses homens ocuparam os papéis de funcionários públicos da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, nas relações que antecederam o acontecimento da emancipação em 1909. Com exceção de Antônio Xavier Guimarães, que cedeu sua fazenda para a base dos revoltosos no norte do Estado, os demais não desempenharam nenhum papel político relevante. Eram pessoas com atuação local e todo poder político estava em Morrinhos, sob o comando da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, entre 1871 e 1909.

Dentro desse contexto, utilizando-se da abordagem da nova história política, procuram-se encontrar as raízes das decisões e estratégias dos grupos que se enfrentaram e os sentidos dos acontecimentos, colocando como protagonistas pessoas que foram excluídas da escrita da história, mas que participaram dos embates e arranjos que se iniciaram na década de 1860 e culminaram com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 1909.

  Ao se avançar sobre o estudo dos espaços privados, para também ir além de relações eminentemente políticas, procura-se evidenciar como foram construídas e modificadas as representações de mãe, filha, esposa e dona de casa pelas mulheres, e de heróis, construídas pelos homens, e ainda compreender por que lutaram,  como agiram e quais outros papéis assumiram. São algumas das vivências e questões  que vão ser tratadas na sequência.

A construção dos papéis de mãe, filha e esposa foi solidificado pelo parlamento, que fazia leis reforçando a atuação das mulheres no espaço privado dentro da formação da família e excluindo-as dos espaços públicos através da política e de cargos. A Igreja reforçava esses papéis na doutrina católica de submissão das mulheres, e a dominação chegava às escolas, onde também as mulheres dificilmente poderiam obter o diploma de bacharel.

Mas é evidente que as mulheres que são estudadas conseguiram superar esses discursos de dominação em algumas situações. Nessa perspectiva procura-se formar novas hipóteses explicativas para esses eventos políticos, quando se colocam os casamentos como porta de entrada para as modificações nos papéis de homens e mulheres nas relações sociais, a exemplo daquele realizado em 1869, entre o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

Embora possa parecer um paradoxo, uma vez que o casamento pela Igreja Católica reforçava o papel de submissão das mulheres, é exatamente através dele que se permitia que as mulheres pudessem estar ao lado de seus maridos, o que possibilitava que a política invadisse os espaços privados, favorecendo, assim, a participação das mulheres.

Ressalta-se que o casamento, até a proclamação da República, era um ato administrado pela Igreja Católica. Na região de Santa Rita do Paranaíba havia um grande número de amancebados, justamente pela dificuldade de acesso das pessoas mais pobres ao sacramento.

 Um dos casamentos que faz parte desses processos ocorreu exatamente na Paróquia de Santa Rita de Cássia, envolvendo a figura do então comerciante e funcionário público Hermenegildo Lopes de Moraes, que contraiu núpcias com a viúva Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, filha de família tradicional da região, que tinha o sobrenome Marquez. Depois do padre Félix, maior autoridade do Distrito, o Capitão Manoel Martins Marquez era também respeitado e ouvido. Além da função de padre, de fazendeiro ou de comerciante, a recebedoria de Santa Rita do Paranaíba fazia parte do grupo seleto de cargos públicos disponíveis para ocupação dos homens.

Como instituição disciplinada pela Igreja Católica naquele período, o casamento era acessível a poucos, apesar do incentivo do Clero para que os concumbinos e amancebados regularizassem suas situações. As mulheres ligadas ao ambiente político por meio de seus esposos e que fazem parte desses estudos, todas iniciaram seus papéis como mãe, filha, esposa e dona de casa, nos moldes propostos pela Igreja, tanto pelas condições econômicas que possuíam para realizar os casamentos na Igreja, como pelas condições sociais determinadas pela vivência diária no templo. Portanto, era natural no período que pessoas em condições semelhantes ficassem mais próximas e isso torna possível refletir sobre o motivo que levou à aproximação do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, com Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Santa Rita do Paranaíba, na década de 1860, e ao   casamento em 1869.

O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes chegou a Santa Rita do Paranaíba, vindo de Curralinho, hoje Itaberaí, como pequeno comerciante, proprietário de tropas e  funcionário público, desempenhando funções na Recebedoria do Arraial. Sua vida começou a ser transformada após dois eventos: o primeiro, trata-se da Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1870. O segundo, se deu por volta de 1869, ocasião do seu casamento com Francisca Carolina de Nazareth Moraes. Foi através desses acontecimentos que lhe foram ampliadas as condições para uma carreira como grande comerciante, fazendeiro, coronel da Guarda Nacional, deputado constituinte em Goiás, vice-presidente e Intendente em Morrinhos, assim como foi possibilitado transformar sua casa  em centro do poder político nos primeiros dez anos do século XX no Estado (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

Junto, nessas transformações, sempre esteve presente, por um período de mais de trinta anos, a sua esposa, recém-viúva, que saíra do Arraial. Casada pela segunda vez quando do enlace com o coronel Hermenegildo teve uma década para se tornar fazendeira, primeira-dama de Morrinhos e administradora de uma das maiores fortunas de Goiás em fazendas, comércios, depósitos, créditos e outros bens. Junto com Dona Francisca, suas três filhas Maria Carolina, Anna Theodora e Amélia Augusta participaram ativamente de relações sociais e políticas desde Santa Rita do Paranaíba, em 1871, até a efetiva emancipação como distrito em 1909.

É possível constatar que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes foi para Santa Rita do Paranaíba vislumbrando crescimento de sua vida financeira com a possibilidade da Guerra do Paraguai, fato que se concretizou. Sobre a entrada na sua vida de Francisca Carolina de Nazareth Moraes e o seu casamento com ela, o processo se deu pela presença de ambos em eventos realizados dentro da Igreja de Santa Rita de Cássia, nas várias ocasiões em que se encontraram em casamentos e batizados, mesmo quando ela era casada com Alcebíades José da Silveira, o primeiro esposo, conforme se verifica na obra escrita pelos historiados goianos Josmar Divino Ferreira e Antônio César Caldas Pinheiro, quando da comemoração do centenário de Itumbiara (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes não tinham inicialmente condições de fugir dos papéis a elas reservados pela sociedade, tanto as filhas do primeiro casamento, Maria Carolina e Anna Theodora, como Amélia Augusta, filha do segundo casamento. Entretanto, percebe-se que todas essas mulheres modificaram seus papéis no decorrer do tempo, seja na área econômica, como proprietárias, seja na social, com a presença nos processos eleitorais em que os maridos participavam, seja também com a politização dos espaços privados, ocupando espaços nas relações de poder como primeiras-damas, quando do exercício de cargos nos poderes executivos e legislativos no município de Morrinhos e no Estado de Goiás.

Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes é um exemplo de emancipação por meio da herança, já que com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes tornou-se legalmente a líder da família e proprietária da metade dos bens deixados pelo coronel.

Outra porta para a visibilidade foi a politização dos espaços privados, fato que colocou em evidência as primeiras-damas Amélia Augusta de Moares, Maria Carolina Silveira Nunes, Anna Theodora Silveira Amorim e Messias Alexandrina Marquez Brandão. Neste contexto entende-se que o privado foi politizado pela realização de articulações políticas e até da organização dos processos eleitorais, que vão desde os alistamentos até as próprias eleições, as quais eram realizadas na casa de Dona Francisca Carolina Nazareth de Moraes, assim como na de suas filhas.

Em Santa Rita do Paranaíba, embora tendo ela sido criada no então distrito,  não se verificaram vestígios da participação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes nas relações políticas do Arraial. Neste aspecto cabe uma indagação: por que ela não intercedeu, em nenhum momento, pela emancipação do distrito, mesmo contando com parentes no local, como seu próprio filho Galdino Marquez Silveira, o irmão Damaso Martins Marquez e a sobrinha Messias Alexandrina Marquez, casada com o primeiro intendente da emancipada Santa Rita do Paranaíba, o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão?

A resposta a essas indagações está no fato de as mulheres serem ausentes nas decisões essencialmente políticas, tais como participação em partidos, alistamento eleitoral, mesas de votações e ocupação de cargos públicos e políticos.

Não se percebe qualquer interferência de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes e de suas filhas, que poderiam ter influenciado o presidente do Estado, José Xavier de Almeida, e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes até 1905, além do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, após 1905, a tomar qualquer medida pela emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

 Prevaleceu a ideia de que os homens não queriam repartir o poder a partir de Morrinhos e as mulheres não manifestaram nenhum interesse em participar do processo de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, nem que isso favorecesse seus parentes mais diretos que ficaram no arraial. Mulheres pensavam e influenciavam no espaço privado, mas aos homens cabia decidir sobre as coisas públicas.

Entretanto, a partir de Morrinhos coube às mulheres da família que tiveram origem em Santa Rita do Paranaíba desempenhar uma relação estreita com o poder, no sul de Goiás, nos primeiros anos da República. A própria Francisca foi primeira-dama em Morrinhos no início da década de 1890, papel depois assumido por sua filha mais velha, Maria Carolina da Silveira Nunes, enquanto à filha mais nova, Amélia Augusta de Moraes, coube o papel de primeira-dama do Estado a partir de 1901. Anna Theodora da Silveira, filha do primeiro casamento, também foi, conjugando essa atividade com a de mãe e dona de casa; assim, acompanhou o marido em Pouso Alto, hoje Piracanjuba, tornando-se também primeira-dama daquela localidade.

Quando seguiu para Morrinhos em 1871, Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes já era mãe de quatro filhos, sendo o caçula de um ano, o futuro bacharel  Hermenegildo Lopes de Moraes. Como o coronel, seu esposo já tinha boa situação financeira, obtida em tão pouco tempo com a Guerra do Paraguai, era natural sua permanência no distrito que tantos progressos lhe proporcionou, tanto na vida privada como na vida pública. Questiona-se então: o que o teria levado para Morrinhos com toda a família?

A resposta para a mudança de Santa Rita do Paranaíba para Morrinhos de Dona Francisca e do coronel  Hermenegildo vai trazer também outras explicações  de como essas mulheres foram além do papel de mãe e esposa imposto pelo discurso de dominação dos homens e instituições daquele período da Primeira República e  se tornaram primeiras-damas atuantes, trabalhando junto com os maridos no comércio, passeando nas viagens e ficando presentes  no exercício de cargos públicos e políticos, apesar de não serem competentes legalmente para esses lugares.

O motivo da mudança da família para Morrinhos é, segundo alguns familiares, um surto de malária que viveu Santa Rita do Paranaíba e que poderia afetar a saúde da própria esposa e de seus escravos; mas pela visão empreendedora do coronel, é possível arriscar que o sentido principal de sua mudança seria a possibilidade de  emancipação de Morrinhos que viria logo acontecer, assim como a perspectiva de melhores condições de vida naquela cidade, o que veio a se confirmar anos depois e que de fato  possibilitou um crescimento econômico e político da família (MENESES, 1998).

A situação econômica favoreceu as mulheres da casa de Francisca a vivenciarem outros papéis, pois o grande número de auxiliares em suas casas permitia viagens por Goiás, pelo Brasil e até para a Europa. Além disso, se elas não podiam disputar os cargos públicos e os processos eleitorais, vivenciavam a situação com os homens através da politização do espaço privado em suas casas. Os políticos também faziam políticas na Igreja, nas casas e nas viagens.

As filhas de Dona Francisca, Maria Carolina e Anna Theodora, seguiram ainda crianças com sua mãe para Morrinhos, em 1871, e no ano de 1884, já adultas e prontas para o casamento, ganharam mais uma irmã, Amélia Augusta de Moraes. Observa-se que Francisca Carolina não segue uma sequência linear no tempo em relação à gestação de seus filhos, pois foge à regra do período de casar nova e ter muitos filhos em seguida. Ela teve sete filhos em um período de vinte anos.

 Para chegar até os eventos dos casamentos, é importante observar o círculo de relações da família, onde estavam os caixeiros e sócios do então coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e políticos da capital. Essa proximidade levou aos casamentos das enteadas com os também patenteados da Guarda Nacional Major Pedro Nunes da Silva, da região de Morrinhos, e tenente Pacífico do Amorim, da região de Piracanjuba.  As articulações políticas aproximaram a filha, Amélia Augusta, do presidente do Estado, José Xavier de Almeida. Os enlaces foram os pontos iniciais que permitiram a essas mulheres, primeiro exercer o papel de mãe, esposas e filhas, e posteriormente, com a politização do espaço privado, tornar-se primeiras-damas, com participação política nas relações de poder.

As relações que se tornam casamentos já eram antigas em Santa Rita do Paranaíba. José Fleury Alves do Amorim e o irmão, padre Félix Alves do Amorim, foram os primeiros a ter o poder político em Santa Rita do Paranaíba. O coronel Pacífico do Amorim era filho natural de José Fleury Alves do Amorim e se casou com Anna Theodora, filha de Francisca Carolina de Nazareth Moraes. O círculo de amizade entre as famílias se formou na então Paróquia de Santa Rita de Cássia, onde todos participavam dos eventos religiosos.

Como essas mulheres da casa de Francisca saíram dos limites impostos pelos discursos de dominação dos homens, principalmente sendo mães de muitos filhos, e tornaram possível acompanhar os maridos? Considerando que Francisca teve sete filhos em períodos alongados, de 1862 a 1884, que Amélia Augusta teve onze, entre 1901 e 1912, e ainda que Maria Carolina e Anna Theodora, criaram um número superior a cincos filhos a partir do final da década de 1890, a explicação pode estar na boa situação econômica, que lhes permitia a contratação de serviçais para cuidar das crianças em casa, nas viagens e nos palácios e assim podiam se ausentar do lar em viagens e eventos.

Em relação ao aspecto de emancipação, através destes relacionamentos não é possível constatar esta situação das mulheres ou uma contestação ao papel a elas reservados, pois a prática política foi exercida na plenitude pelos homens e elas não participaram das decisões que mudaram a vida em Santa Rita do Paranaíba até a emancipação e no Estado de Goiás com o Movimento golpista de 1909.

Quando se refere à Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes é até possível falar em emancipação, o que ocorreu com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em maio de 1905, percebendo-se esse fenômeno nas publicações da época que se referiam à mesma como fazendeira, capitalista e herdeira de parte da riqueza do coronel.

Cabem reflexões, relacionadas aos eventos de 1909, que fazem parte de um processo que se concretiza em 16 de Julho de 1909, após o Movimento golpista que não permitiu que o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes assumisse a presidência do Estado. A resposta está na sequência de relações que marcaram a chegada ao poder de José Xavier de Almeida como aliado de José Leopoldo de Bulhões Jardim em 1901, após exercer o cargo de Secretário no Estado de Interior e Justiça no grupo de Bulhões, e depois romper relações políticas em 1904, assim como arranjos e embates que se desencadearam a partir de 1908, ocasião em que a eleição deu ao grupo de Bulhões maioria no Congresso Goiano, entre os vinte e quatro deputados e doze senadores do Estado.

 O grupo político de Morrinhos nunca quis a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, povoado que originou a família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, para não dividir o poder, e quando foi derrotado no campo político, teve que aceitar a independência de Santa Rita do Paranaíba como punição primeira pela derrota.

O que faziam as mulheres da casa de Francisca e seus filhos, nos anos que antecederam o “golpe político” de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba? Francisca Carolina de Nazareth Moraes, na condição de viúva do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1905, administrava a riqueza da família a partir da cidade Morrinhos. Amélia Augusta de Moraes Almeida estava ao lado do marido José Xavier de Almeida desde 1905, no Rio de Janeiro, quando seu esposo exercia o mandato de deputado federal.

 Em 1908 Amélia Augusta veio a Goiás para a organização das eleições para deputados e senadores goianos, já que o bacharel José Xavier de Almeida comandava o diretório do partido e também era candidato, sendo eleito como senador federal. Já o irmão de Amélia, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, havia sido eleito como deputado federal e no início de 1909, presidente do Estado. Maria Carolina estava em Morrinhos ao lado do Major Pedro Nunes da Silva, Anna Theodora havia mudado para Piracanjuba e Galdino da Silveira estava ocupando cargos públicos em Santa Rita do Paranaíba.

A emancipação do distrito de Santa Rita do Paranaíba se dá com a derrota política dos homens da casa de Francisca para os aliados dos Bulhões. As lutas envolveram de um lado, os bacharéis José Xavier de Almeida, genro, e Hermenegildo Lopes de Moraes, filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes; pelo outro lado o bacharel José Leopoldo de Bulhões aliado a militares, engenheiros, fazendeiros insatisfeitos com o governo do grupo de Xavier de Almeida, e outros bacharéis, que   promoveram imediatamente o enfraquecimento do grupo de Morrinhos, modificando toda estrutura política até então vigente no Estado.

As mudanças foram visíveis na ocupação dos cargos públicos nos municípios de Morrinhos e Santa Rita do Paranaíba, que passaram para outros aliados, não ligados à família de Francisca, que eram, até então, ocupantes dos cargos públicos e políticos na região sul de Goiás.

Em Santa Rita do Paranaíba, com a aprovação de José Leopoldo de Bulhões Jardim e do grupo político de José Xavier de Almeida, ocuparam os principais cargos políticos no distrito o irmão de Guimarães Natal, Antônio Xavier Guimarães e o aliado do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, nos primeiros dez anos da República.

O domínio do grupo político de Morrinhos a partir de 1900 foi sustentado por relações econômicas, através da riqueza da família de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, por relações políticas lideradas pelos bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes e por relações familiares, que permitiram o controle das principais cidades do sul de Goiás e a ligação com a capital através de Amélia Augusta de Moraes.

O processo da queda do domínio político da casa de Morrinhos deu-se por razões meramente políticas, já que começara um ano antes, em 1908, na eleição de deputados e senadores estaduais, quando o bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim fez maioria entre os eleitos e acelerou-se no momento em que o Movimento de 1909 tirou o presidente Miguel Rocha Lima do governo de Goiás, em 11 de março daquele ano. O primeiro vice-presidente, Francisco Bertholdo, não assumiu e o segundo vice do Estado, coronel José da Silva Batista, o Zeca Batista de Anápolis, um dos líderes do movimento a partir da região, é quem se torna presidente do Estado enquanto durou o golpe político de 1909.

Todos os instrumentos de dominação política começaram a mudar de mãos a partir de 1908 no Congresso goiano, que se reunia de maio a julho, e foi consolidado ao não reconhecer o resultado da eleição de 1909, que dava a vitória para a presidência do Estado ao bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes. Mesmo vencedor nas eleições, ele perdeu a vaga para Urbano Coelho de Gouveia, o segundo colocado na eleição.  José Xavier de Almeida, que havia sido eleito senador federal e já se preparava com a mulher para voltar ao Rio de Janeiro, ocasião em que deixaria parte dos filhos com a avó em Morrinhos, também sofreu a degola, processo de não reconhecimento pela Comissão de Verificação dos Poderes dos eleitos.

Estavam criadas as condições para aprovação da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que foi votada pelo congresso goiano entre  maio e junho de 1909 e que levou  à aprovação da Lei de emancipação sancionada em 16 de julho de 1909 pelo presidente em exercício, José da Silva Baptista, marcando como primeira medida  a que representava a mudança do centro do poder político em Goiás: a exclusão política da casa de Francisca, a partir de Morrinhos, da política goiana, com o retorno imediato das decisões para a capital do Estado de Goiás.

Enquanto o chefe político da região sul foi o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, até 15 de maio de 1905, não houve qualquer interesse em emancipar Santa Rita do Paranaíba e nem tampouco quando o filho, o bacharel com o mesmo nome,  sucedeu-o politicamente, mesmo contando com a aliança do presidente do Estado através do cunhado, bacharel José Xavier de Almeida. Estavam todos ocupando os principais espaços políticos no Estado e os pequenos cargos já estavam com a família também no Arraial.

A descrição do evento de emancipação de Santa Rita do Paranaíba não apresentou grandes embates, mas novas pesquisas, contando com a abordagem da nova história política aliada às relações de Gênero, tornam possível inserir nas relações a participação das mulheres com ligações com a política no Estado de Goiás na Primeira República, destacando ações ao lado de seus maridos que  culminaram com essa queda do poder político dos bacharéis a partir de Morrinhos, em 1909, e a consequente e imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba, berço da família de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes.

Os embates políticos que antecederam a emancipação de Santa Rita do Paranaíba colocaram vários homens e mulheres como protagonistas. Pelo lado dos vencedores havia o bacharel José Leopoldo de Bulhões,  ao lado de sua sobrinha e esposa, Cecília de Sousa Félix, os quais deixaram o Rio de Janeiro, onde ele desempenhava mandato de senador federal e o cargo de diretor do Banco do Brasil, depois de ser ministro da fazenda  durante os embates, e para onde retornariam para assumir de novo, no governo federal, depois da morte de Afonso Pena, em 14 de junho de 1909,  o cargo de ministro da fazenda,que ele já  havia desempenhado no governo Rodrigues Alves até 1904.

O bacharel José Xavier de Almeida veio também para Goiás em 1908 influenciar na eleição de deputados e senadores que lhe dariam condição de mudar as eleições de 1909, sendo eleito senador federal em Janeiro de 1909, ao derrotar José Leopoldo de Bulhões; o bacharel viria a perder esse cargo com o Movimento de 1909.

Como perdedor, o bacharel José Xavier de Almeida, primeiro como presidente do estado e depois como deputado federal e senador eleito, viveu todos os momentos ao lado de Amélia Augusta de Moraes, na capital do Estado e no Rio de Janeiro, enquanto o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o pai, esteve sempre presente, ao lado de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes até 1905, quando faleceu.

Percebe-se que, desde o casamento, em 1869, em Santa Rita do Paranaíba, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes não se ausenta da relação com Francisca Carolina de Nazareth de Moraes até 1905, quando se dá sua morte. Os papéis políticos exercidos pelo coronel foram sempre a partir de Morrinhos, de onde comandava seus negócios e mantinha suas relações de Poder. Os políticos é que iam à casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes para falar de política.

Com Amélia Augusta de Moraes também é possível observar esta presença constante com seu esposo, o bacharel José Xavier de Almeida, que vai do casamento, em 1901, até a saída do poder como líder político, com o golpe de 1909. Se o marido era presidente do Estado, ela estava no palácio exercendo seu papel de primeira-dama; se o marido foi para o Rio de Janeiro exercer o mandato de deputado federal, ela também foi morar na capital do país naquela época. Até nas cenas da derrota política do marido, em maio de 1909, ela está presente, cavalgando com destino a Morrinhos e depois a Minas Gerais.

 Mesmo em um espaço mais reduzido de relações do Poder, Jacintho Luiz da Silva Brandão e Messias Alexandrina Marquez, a partir de Santa Rita do Paranaíba, viveram parte dos embates políticos que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba. A relação, que começou em 1900 com o casamento, se manteve mesmo após a emancipação de Santa Rita do Paranaíba. O diferencial de Messias Alexandrina é que ela não exerceu o papel de mãe, por motivos não revelados pela família.

 Então na emancipação de Santa Rita do Paranaíba verifica-se mais do que uma luta de políticos locais, pois ocorreram várias relações de poder envolvendo vários sujeitos em diferentes partes de Goiás e até da capital federal, relações que começaram em 1901 e culminaram com o Movimento político da cidade de Goiás e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba de Morrinhos, em 1909. Como fazer novas abordagens na investigação histórica dentro do campo político e, com novas perspectivas, buscar a participação desses novos sujeitos a partir de suas múltiplas relações?

Para atingir esse objetivo é fundamental a abordagem dentro da nova história política e das relações de Gênero, distanciando-se da antiga história política  que retratou o Estado, o Poder, as disputas pela conquista dessas instituições através do Movimento de 1909, mas agora  com novas abordagens, objetos e problemas, com reflexões e buscando sentido nos fatos ocorridos em 1909 (RÉMOND,1986, p.14).

Os estudos são feitos a partir de uma História política rejuvenescida, levando em consideração uma diversidade de setores, como o cultural, o econômico, o social e também o político. Para isso utiliza-se também a história do pensamento político de Burke (2011, p. 32), que faz uma reflexão sobre novas maneiras para explicar os acontecimentos políticos. Para ele, “a história política se expande e está presente em outros lugares onde se dá a luta pelo poder” (BURKE, 2011, p. 8), como nas fazendas, nas repartições públicas, na família, nas escolas, de maneira que são observadas as atividades humanas envolvidas na construção da realidade. Não se tem mais a abordagem tradicional, essencialmente direcionada ao Estado. Se a política está em toda parte, justifica-se sua autonomia.

 Agora, toda a realidade humana interessa ser estudada no campo da política, porque a realidade é social e culturalmente constituída. Esse novo enfoque permite-nos ver os contrastes entre a antiga e a nova história política, saindo do paradigma tradicional, que restringiu a própria história essencialmente à política, descrevendo as disputas pelo poder no Estado.

               Não é mais a história de um sujeito, mas de várias relações presentes nos diversos embates que se sucedem entre fazendeiros, comerciantes, mulheres, servidores públicos e políticos, assim como das instituições que são utilizadas nesses embates. Como resultado dessas relações se sucedem várias consequências, tais como troca de funcionários, que perdem as funções, a formação de uma nova sociedade política, a ação das mulheres, entre outras. Ou seja, não se vai restringir o trabalho à alta política, aos líderes e às elites (BURKE, 2011, p. 37).  A sociedade e a cultura serão a arena para se perceber essa realidade de 1909 em Goiás e, em especial, no distrito de Santa Rita do Paranaíba.

               Outro aspecto importante destacado por Peter Burke (2011, p. 13), e que se utiliza nesse trabalho é a questão de o mesmo não estar ancorado simplesmente em documentos ou registros oficiais; ampliaram-se as fontes, preocupando-se com todas as atividades humanas e relações que marcaram o Movimento de 1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

               Busca-se ao tratar do assunto um distanciamento da história tradicional e objetiva, já que não se pretende simplesmente apresentar aos leitores os fatos e dizer como eles aconteceram, até porque nossas mentes não são capazes de refletir diretamente o que ocorreu em 1909, como explica Burke (2011): “só percebemos o mundo através de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos – um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra.”

Ao relembrar um pouco da história política tradicional, percebe-se que ela, depois de alcançar o apogeu no século XIX, perdeu espaço com os “Annalles”, que trouxeram novas abordagens, objetos e problemas, fazendo com que a história política recuperasse sua participação a partir dos anos 80 do século XX, alargando o espaço de estudos que inicialmente compreendiam os partidos, eleições, guerras e biografias, alcançando a imprensa, a opinião pública, os grupos de pressão e o discurso.

 René Rémond destaca a importância que o contato da história política com outras disciplinas, principalmente com a Ciência Política, a Sociologia, a Linguística e a Antropologia proporciona em novas pesquisas, rebatendo críticas (RÉMOND,1996, p.6) de que a História Política só se interessava por minorias privilegiadas em detrimento das massas, tendo objetos efêmeros e superficiais de curta duração. Ao estudar a participação na vida política e nos processos eleitorais, integra novos atores, preenchendo todos os requisitos para ser reabilitada. Ela também não descuida da longa duração, buscando na história das formações políticas e das ideologias e ainda da cultura política para entendimento dos fenômenos políticos (RÉMOND,1996, p. 07).

Outro aspecto a ressaltar é quanto às fontes anteriormente utilizadas, através de vestígios escritos, onde se destacavam as figuras do Estado e do Soberano. Tudo se resumia (RÉMOND, 1996, p. 14) na formação dos estados nacionais, as lutas por sua unidade, a emancipação, as Revoluções políticas, a Democracia, as lutas partidárias e os confrontos de ideologias políticas.

O que está em jogo em Goiás são lutas que envolvem bacharéis, homens, mulheres, igreja, famílias, comerciantes, fazendeiros e servidores públicos, com suas estratégias nas relações de poder.

Durante a reflexão sobre esses embates e arranjos políticos, procura-se preocupar mais com os comportamentos coletivos, do que com iniciativas individuais (RÉMOND,1996, p. 15), como por exemplo, como atuavam os comerciantes, a comunidade católica, os fazendeiros, os funcionários públicos, os bispos, as mulheres, e não só os políticos.

A posição adotada pelo pesquisador é de interrogação sobre o sentido dos fatos e de formação de hipóteses explicativas (RÉMOND,1996, p. 17). Como ocorre, por que acontece o Movimento de 1909 e por que o grupo dos Bulhões emancipa rapidamente Santa Rita do Paranaíba, assim que tomam o poder em Goiás?

Ao se fazer uma análise política, percebe-se que o Movimento de 1909 é desdobramento dos embates de 1904, quando José Xavier de Almeida, contando com maioria no Congresso Goiano, rompeu com José Leopoldo de Bulhões Jardim e fez seu sucessor Miguel Rocha Lima na presidência do Estado. Em 1908, José Leopoldo de Bulhões faz maioria no Congresso Goiano e dá o troco a José Xavier de Almeida, não reconhecendo a eleição de Hermenegildo Lopes de Moraes para assumir o governo  em 1909.

Os embates também são ideológicos entre os bacharéis José Leopoldo de Bulhões e José Xavier de Almeida, trazendo como consequência imediata em 1909 a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, tendo como objetivo o enfraquecimento do grupo político de Morrinhos.

Há ainda repercussões em outras áreas, como a religiosa. O bacharel José Leopoldo de Bulhões, com ideias liberais, havia causado o rompimento com a Igreja Católica em 1896, e a consequente mudança da Diocese e do bispo para Uberaba em Minas Gerais. Com José Xavier de Almeida no comando do Estado, a Diocese volta para Goiás em 1908 e se dá a aproximação com o bispo Dom Prudêncio.

Além da briga política pela tomada do poder, dos conflitos com a religião católica, os embates vão também influir na economia do Estado. Com baixa arrecadação, os governos de José Xavier de Almeida e Miguel Rocha Lima provocam aumento da tributação na Pecuária, maior atividade econômica do Estado no início do século XX, causando uma revolta dos pecuaristas contra o Governo. A união dos pecuaristas, que tinha também a participação do bacharel Antônio Ramos Caiado atuando ao lado do líder político José Leopoldo de Bulhões provocou as condições ideais para mudança do grupo político no Poder em Goiás a partir de 1909.

 

 

1.1.1 O perfil das mulheres da casa de Dona Francisca Carolina

 

Para entender o perfil das mulheres que têm participação nos embates e arranjos políticos do início do século XX em Goiás, trabalha-se o aspecto biográfico, e  leva-se em consideração a nova postura da história política, evitando, assim,  a exaltação dos chefes políticos, com seus problemas e seus humores, e se busca, através do relato  das pessoas e da sociedade, uma maneira de restituir um lugar  para os esquecidos da história, em especial, nesta pesquisa, as mulheres que tinham relações com o Poder (RÉMOND, 1996, p. 18).

Ao se levarem em conta os estudos organizados por René Rémond, verifica-se que o fenômeno da biografia teve seu florescimento na França em 1970, quando foi mostrada uma nova maneira, através de Philippe Leiwain, para situar o sujeito no tempo, interrogando a época através do indivíduo, sua história religiosa, intelectual e  social (LEIWAIN, 1996, p. 141).

Procura-se evitar a biografia dos tempos passados, em que predominava o elogio (LEIWAIN,1996, p. 149), não deixando de ordenar, em função de uma vivência, documentos que podem provir de testemunhos para uma história a ser feita. Assim, este trabalho não escapa aos julgamentos do autor, que participa da construção resultante, seja da hipótese, seja da afirmação e que serão confirmadas ou fabricadas, mesmo que isto faça correr o risco de erro como um apelo à verdade (LEIWAIN,1996, p. 174).

Por ser um empreendimento de homologação, seja do conhecimento adquirido, seja das ideias prontas, seja das relações, a biografia reassume uma função a meio caminho entre o particular e o coletivo. É como um exercício para identificar uma figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação, analisar relações entre o desígnio pessoal e forças convergentes ou concorrentes e fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios. Enfim, captar a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida (LEIWAIN,1996, p. 165).

Nesse aspecto, o trabalho apresenta como novidade a identificação dessas mulheres que participaram das relações de poder que antecederam a emancipação de Santa Rita do Paranaíba e vai confrontar essa participação dentro da sociedade, desde a infância, passando pela educação, pela participação religiosa, social e intelectual, assim como os gestos e fatos que tiveram a participação dessas pessoas.

A partir da figura de Francisca Carolina de Nazareth Moraes abrem-se as portas da visibilidade de participação nos espaços privados. Se o poder está na instituição da Igreja Católica no tempo do Império, as mulheres estão presentes nas cerimônias da Igreja Católica e se o poder está disposto na ocupação de cargos públicos na Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, presentes estão o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes ao lado de Dona Francisca. Quando o poder se manifesta através dos comerciantes e dos políticos, Dona Francisca está presente ao lado do marido comerciante, capitalista, vice-presidente do Estado e Intendente de Morrinhos. A sua casa é o símbolo do poder político em Goiás quando o presidente do Estado é seu genro.

Percebe-se na figura de Dona Francisca Carolina, uma mulher forte e bem sucedida. Já tinha boas condições financeiras com parte da herança de seu pai falecido em 1886, no então distrito de Santa Rita do Paranaíba e com a morte de seu segundo marido em 1905, marca de vez o seu papel de protagonismo e presença nas relações de poder. É com ela herdeira que seu filho, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes exerce o mandato de deputado federal e também é eleito presidente do Estado, assim como seu genro era o principal interlocutor da política goiana até 1909.

Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes juridicamente obteve a emancipação com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes. Não estava mais sob o poder paternal ou marital, mas mesmo assim não teve participação nos processos eleitorais, diferente do que ocorreu em relação aos aspectos econômicos, já que administrou a herança recebida do coronel, que se somou à parte já recebida em 1886 de seu pai, o capitão Manoel Martins Marquez em Santa Rita do Paranaíba.

Figura 2 – Dona Francisca Carolina de Nazareth  Moraes

          

Fonte – Museu Municipal de Morrinhos

              Francisca Carolina de Nazareth Moraes nasceu em Santa Rita do Paranaíba no dia 24/11/1843. Filha do fazendeiro Manoel Martins Marquez, que faleceu em 1886 e de Hipóllita Maria de Nazareth, falecida no final da década de 1850. Viveu sua adolescência no pequeno arraial no sul de Goiás, local onde grande parte da população morava na zona rural. Constituiu a primeira família com Alcebíades José da Silveira no início da década de 1860, com intensa participação católica: costumava levar os filhos  para participar dos eventos religiosos, sendo figura constante na Paróquia de Santa Rita de Cássia, que havia sido criada em 1852 (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

Foi mãe de três filhos no primeiro casamento, com Alcebíades José da Silveira, sendo   Maria Carolina da Silveira a primogênita, cujo nascimento se deu no então distrito de Santa Rita do Paranaíba em 30/10/1862. Aos nove anos, Maria Carolina mudou-se com a mãe para Morrinhos e anos mais tarde contraiu casamento  com o sócio e caixeiro do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, major da guarda nacional Pedro Nunes da Silva em 07/02/1883, com quem teve treze filhos e  tornou-se primeira dama de Morrinhos na década de 1890, tendo executado destacado trabalho social, que lhe valeu o nome de “mãe da pobreza” na região, conforme dados colhidos no Museu Municipal da cidade de Morrinhos.

 

Figura 3 – Maria Carolina Silveira Nunes e filhos 

Fonte: (AMORIM, 1998, p. 171)

Por volta de 1865, quando Dona Francisca contava com vinte e dois anos nasceu o segundo filho, com o nome de Galdino da Silveira Marquez, que após a infância voltou para Santa Rita do Paranaíba e ocupou cargos públicos, como o de Inspetor escolar e nas eleições trabalhava nas mesas eleitorais atendendo os interesses da família.

Um ano depois nasceu Anna Theodora da Silveira Amorim, que também seguiu para Morrinhos com cinco anos, em 1871, onde conheceu mais tarde  Pacífico do Amorim, também sócio e caixeiro do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.  Casou-se com o futuro Intendente de Pouso Alto, hoje Piracanjuba, que exerceu naquela cidade os cargos de tabelião, delegado, juiz municipal e também intendente.

O esposo de Anna Theodora da Silveira Amorim era filho natural do professor e funcionário público da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, José Fleury Alves do Amorim, irmão de Padre Félix Fleury Alves do Amorim, primeiras autoridades no então distrito de Santa Rita do Paranaíba.

 

              Figura 4 – Anna Theodora da Silveira Amorim

Fonte: Museu Municipal de Morrinhos

 

Do segundo casamento, com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, nasceu em 1870, em Santa Rita do Paranaíba, o homônimo do pai, e depois de se mudar para Morrinhos, teve em 1873, Francisco Lopes de Moraes e encerrou o período de  maternidade, então com 40 anos em 1884, ocasião em que nasceu  Amélia Augusta de Moraes em 27 de agosto.

Francisca Carolina de Nazareth Moraes fugiu do padrão das mulheres da época em Goiás que se casavam muito cedo e os filhos eram em sequência e em grande número. Teve apenas três filhos no primeiro casamento e quatro no segundo. Era bem religiosa, participava das atividades comerciais, tendo inclusive fazendas em seu nome e não estudou além das primeiras letras, apesar de seus pais serem fazendeiros. Esteve sempre ao lado do esposo, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, ajudou a cuidar dos bens, dos filhos e dos netos e ajudou a administrar a fortuna da família. Também foi primeira- dama.

                        Vivendo em família tradicionalmente católica, foi batizada em Minas Gerais na cidade de Monte Alegre. Os registros relacionados ao seu primeiro casamento com Alcebíades José da Silveira marcam o nascimento e batizado de três filhos, sendo a primeira Maria Carolina em 1862, o filho Galdino Marquez em 1865 e a terceira filha em 1866 de nome Anna Theodora (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

            Ainda nos registros de batizados da Paróquia de Santa Rita de Cássia (FERREIRA e PINHEIRO, 2009), mostra-se a presença de Francisca e seu primeiro marido Alcebíades em uma cerimônia perante o Padre Félix, irmão de José Félix do Amorim, em outubro de 1863, em um ato de reconhecimento da paternidade feito por seu sogro, José Manoel da Silveira, em relação a um menino chamado Alexandre, filho de mãe solteira. Nesta ocasião é também registrada a primeira aparição de Hermenegildo Lopes de Moraes, naquele tempo ainda solteiro e testemunha no evento, futuro marido de Francisca após a morte de Alcebíades José da Silveira (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 218).

            Os vestígios nos registros de batizados e casamentos na Igreja Católica de Santa Rita do Paranaíba apontam que Francisca conhecera o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes pelos idos de 1863, em eventos na Igreja Católica, e após o falecimento de seu primeiro esposo, casou-se com o coronel em 1869, tendo o primeiro filho Hermenegildo Lopes de Moraes nascido em 06/10/1870 em Santa Rita do Paranaíba.

Com a morte do pai Manoel Martins Marquez em 1886, herdou uma fazenda em Santa Rita do Paranaíba. No segundo casamento, teve ainda em Morrinhos os filhos Francisco Lopes de Moraes, nascido em 09/03/1873, Alfredo Lopes de Moraes em 23/11/1880 e a caçula Amélia Augusta de Moraes, nascida em 27/08/1884.

A mudança de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, de Santa Rita do Paranaíba para Morrinhos, teria se dado por motivo de saúde no início de 1871, já que o Arraial vivia uma epidemia de malária (AMORIM, 1998, p. 81), fato que motivou a mudança do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que seguiu com a esposa, o filho de um ano, Hermenegildo Lopes de Moraes, e ainda as três crianças do primeiro casamento com quatro, cinco e oito anos. 

O casamento de Dona Francisca e o coronel Hermenegildo se realizou às quatro horas da tarde do dia 04 de novembro de 1869, quando se travava a Guerra do Paraguai, ele com 36 anos e com boa situação financeira adquirida nos anos em que foi administrador da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, comerciante e fazendeiro na região de Santa Rita do Paranaíba até 1871 (PINHEIRO e FERREIRA, 2009, p. 219).

O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, além do primeiro emprego público na Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, foi ainda Inspetor Paroquial em 1869 e 1871. O coronel teve uma atuação destacada como fornecedor de mantimentos e tropas a partir de Santa Rita do Paranaíba no início de 1865, onde se estabeleceu como comerciante e fazendeiro, fazendo fortuna com a Guerra do Paraguai entre 1865 e 1870.

O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes era um empreendedor. O seu casamento em 1869 com Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, filha Manoel Martins Marquez, um importante fazendeiro da região e finalmente, no ano de 1870, o nascimento de seu primeiro filho, que leva o seu nome, foram os fatos marcantes que encerraram sua passagem pelo então distrito de Santa Rita do Paranaíba.

Após mudar-se para Vila Bela de Morrinhos, que iria se emancipar, torna-se seu primeiro intendente e principal líder político. A partir de Morrinhos, aumenta em muito sua fortuna com empréstimo de dinheiro e compra de fazendas e aumento do comércio, tornando-se vice-presidente do Estado de 1895 a 1905.

Em Morrinhos foi o primeiro intendente e criou uma estrutura de poder que permitia o controle do sul de Goiás, com parentes ocupando cargos públicos no distrito de Santa Rita do Paranaíba, em Morrinhos e Piracanjuba. Costumava viajar para os estados de Minas e São Paulo e até para o exterior a passeio, conforme alguns relatos do período. Mas se caracterizava mesmo como grande fazendeiro, comerciante e capitalista do Estado de Goiás.

A morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 15 de maio de 1905, após cinco anos sofrendo doença cardíaca, pode ser considerada o marco de emancipação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, considerando a vultosa fortuna herdada do marido, correspondente à metade de todos os bens, conforme disciplinava a Legislação no período. Constava do inventário os seguintes bens em 1905:

 

Quadro 1 – Relação de bens herdados por Francisca Carolina de Nazareth

Bens

Valor

Bens móveis

21:342$500

Bens imóveis

256:045$810

Bens semoventes (gado, cavalos, burros)

81:600$000

Caderneta de poupança

10:000$000

Titulos da dívida pública

740:000$000

Dívida ativa

630:077$324

Lucros das casas comerciais

15:689$842

Valor da Herança: 1.774:775$476 mil contos de réis

 

Fonte: (AMORIM, 1998)

 

              Observa-se, pela relação de bens herdados por Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, que os três principais itens da herança referem-se a títulos da dívida pública oriundos de empréstimos aos governos. Dívida ativa era constituída por créditos através de empréstimos que seu esposo, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, fazia às pessoas da região e que acabou incrementando também o terceiro item relativo aos bens imóveis, já que muitas dividas certamente foram pagas com fazendas.

              Nos estudos de inventários e partilhas no sul de Goiás no período estudado, o doutorando Hamilton Afonso de Oliveira mostra as diferentes situações entre as mulheres herdeiras, ocorrendo que muitas viúvas, após a morte dos esposos fazendeiros, ficavam em situação de pobreza, perdendo as fazendas para pagar as dívidas (OLIVEIRA, 2006, p. 134). Situação diferente ocorreu no caso de Dona Francisca Carolina, que  herdou parte das fazendas, inclusive algumas recebidas em cobrança pelo marido no tempo que exercia a função de capitalista emprestando dinheiro.

              Enquanto Francisca Carolina de Nazareth Moraes se destacou pela administração da fortuna herdada, primeiro a parte de seu pai, em 1886, e finalmente com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, sua filha Amélia Augusta de Moraes Almeida é visível pelas participações em processos políticos junto com o esposo José Xavier de Almeida.

              Diferentemente de sua mãe, Amélia Augusta de Moraes Almeida, natural de Morrinhos, caçula da família de quatro irmãos do segundo casamento de Francisca, viveu sua infância a partir da residência  da família, centro do poder de Goiás, na zona urbana de Morrinhos, onde contava com boas condições de vida na cidade. 

              Além de receber educação diferenciada em relação às primeiras letras, contando com professor exclusivo em sua casa, teve a oportunidade de avançar nos estudos através do curso normal em uma escola na cidade mineira de Uberaba.

              Amélia Augusta de Moraes é uma das mulheres que mais tiveram relações com  a política nos primeiros anos da República em Goiás, porque sempre esteve presente com seu esposo, José Xavier de Almeida. Apesar da geração de muitos filhos, participou ativamente das viagens e dos eventos no palácio do Governo. Esteve presente na chegada e na saída do poder em 1909.

 

               Figura 5 – Amélia Augusta de Moraes e José Xavier de Almeida

              Fonte: (AMORIM, 1998, p. 170).

 

Amélia Augusta de Moraes Almeida nasceu em 27 de agosto 1884 e fez os estudos das primeiras letras em Morrinhos, primeiro em casa e depois em uma escola de meninas. Fez os primeiros anos do curso normal em Minas Gerais, na cidade de Uberaba, por volta de 1899 e 1900, ocasião em que conheceu seu futuro marido José Xavier de Almeida, com quem se casou tanto por ato civil, obrigatório na época, quanto por ato religioso em Morrinhos, no mês de maio de 1901 e se mudou para a sede do governo na capital do Estado a partir de agosto do mesmo ano (BRITTO, 1994, p. 298).

Participou ativamente ao lado de José Xavier de Almeida da vida política do esposo nas festividades, nas reuniões políticas, nas ações sociais e nas viagens. Após seu marido deixar a presidência do Estado de Goiás e ser eleito deputado federal novamente em 1905, após ter três filhos, entre os quais uma menina natimorta, seguiu com o marido para o Rio de Janeiro, deixando os filhos pequenos aos cuidados da avó. Voltavam sempre para a casa da mãe nos recessos parlamentares, e o verão passavam em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro.

Em 1908 participou com o marido da escolha dos candidatos a deputados, senadores e presidência da República, já que ele era membro da executiva do partido que fazia essa a escolha. Nesta ocasião deixou o Rio de Janeiro e veio para Goiás.

Em maio de 1909, quando iniciou o Movimento que se tornaria um golpe político que deporia o grupo político liderado por seu marido, Amélia Augusta de Moraes estava junto com José Xavier de Almeida; inclusive essa passagem marca o fim de seu poder político em Goiás, conforme narra Maria Seixo de Britto (BRITTO, 1974, p. 305-306):

 

[...] Com a vitória para o Senado, Xavier de Almeida e D.Amélia preparavam-se para retornar a Morrinhos, onde deixariam, com a avó materna, os filhos José e Hermenegildo e, de lá, rumariam para o Rio, levando Álvaro e Paulo. Marcou-se o dia da partida de Goiás. Tudo ajeitado para a longa viagem a cavalo. O ex-presidente, agora Senador, é sigilosamente, avisado de que lhe preparavam uma demonstração de desafeto,à hora da partida.
Xavier de Almeida não era homem de confusão nem violência, mas também não era covarde. O casal guardou reserva sobre o aviso e com isso, certamente, poupou o sacrifício de muitos amigos e correligionários, que sem dúvida, reagiriam em sua defesa. Poderiam deixar a cidade na calada da noite. Poderiam percorrer as vias mais afastadas e menos movimentadas para esta viagem de que participavam mulheres e crianças. Mas, não, saíram em plena luz do dia e pelo principal caminho, às 11 horas, após o almoço, que lhes oferecera o presidente Rocha Lima. No Largo da Matriz, onde está o Palácio do Governo, havia alguma aglomeração. Grupos formados em vários pontos. Uns com intuito de dizerem adeus e levar votos de boa viagem aos seus benfeitores; muitos simplesmente para assistirem à partida do ex-presidente; enquanto numerosos outros eram adversários mal intencionados.Gente miúda e gente graúda. Era chegado o momento do desabafo, da demonstração de desagrado. Cochichos e olhares maliciosos faziam pairar no ar uma atmosfera de apreensão. Xavier de Almeida trajava-se com esmero: montaria branca e amplo chapéu do Chile. Cavalheirescamente ajudou sua admirável esposa, elegantemente vestida com uma bata de cor clara, a ajeitar-se no seu silhão conduzido por Vesúvio, altaneiro e luzidio cavalo preto.Uma espanhola, babá das crianças, levava consigo a menor. Terminadas as despedidas com votos de feliz viagem, deram sinal de partida. Mal começou o cortejo pelo lado do terraço do Palácio, irromperam-se assobios, estalos de bombinhas, traques baianos e foguetes de vaia. Um manifestante mais ousado atira uma carteira de traques na cabeça do Vesúvio. D. Amélia não se perturba: ao contrário, mantém sua postura nobre e firme como o seu caráter. Ela percebera de onde partira aquele indigno, inconsequente e desprezível insulto. Mas, sem deter-se, sem indecisão, firmou-se em seu animal, que tão bem sabia cavalgar, e, num gesto altivo e resoluto, levantou o chicotinho preso ao pulso por um correntinha de prata, e num rápido açoite, pôs em marcha seu cavalo, embora pudesse punir o insultante. Um foguete atinge a garupa do animal montado pelo fiel camarada baiano, alcunhado de Charuteiro, que levava consigo no colo o pequeno Hermenegildo. Assustado o cavalo dispara pela rua do Horto acima, por detrás da igreja da Boa Morte. Só muito distante, o bom cavaleiro consegue sofreá-lo. Tudo feito à moda do tempo. Eram coisas da época.
E, assim, uma grande Dama e um dos maiores homens público de Goiás deixavam a Metrópole para jamais a ela retornar (BRITTO, 1974, p. 305-306).

 

 

Amélia Augusta de Moraes teve onze filhos, começando logo no primeiro ano de casamento, em 1902, quando teve José Xavier de Almeida Júnior na capital do estado. Um ano depois nasceria Helena, que não sobreviveu e foi sepultada na cidade de Goiás. No terceiro ano do governo de seu esposo nasceu, em 1904, Hermenegildo. Após deixar o governo, muda com seu esposo, então deputado federal para o Rio de Janeiro, quando, em 1906, nasceu Álvaro.

Em 1908 Amélia Augusta de Moraes veio para a cidade de Goiás com o marido para participar de reunião do diretório do partido e das eleições de deputados e senadores em Goiás, ocasião em que nasceu Paulo. Quando ocorre o Golpe de 1909, estava voltando para o Rio de Janeiro, onde o marido assumiria o cargo de senador;  passando por Morrinhos, deixaria José, com sete anos, e Hermenegildo, com cinco, que ficariam com a avó, levando junto Álvaro, com três anos, e Paulo, com apenas um ano. Como aconteceu o Golpe Político de 1909, seu esposo José Xavier de Almeida não assumiu a vaga no senado, mas mesmo assim seguiram para o Rio de Janeiro (BRITTO, 1974, p. 304,305).

Amélia afastou-se das relações políticas em Goiás a partir do ano de 1909 e no Rio de Janeiro nasceu Guilherme. Depois, morando em Juiz de Fora-MG, em 1912 nasceu Maria Luiza; de volta a Goiás, a partir de 1913 nasceram em Morrinhos  Francisco e Maria Helena, sendo que esta se tornaria religiosa. Os dois últimos a nascerem foram Maria Amélia e Alberto (BRITTO, 1974, p. 304-305).

              Como contraponto às mulheres-mães, tem-se Messias Alexandrina Marquez, que  nasceu ainda no distrito de Santa Rita do Paranaíba. Em um local que tinha o rio, o Ribeirão Trindade, a Praça Central e a Igreja Católica, viveu a infância.  Teve acesso às primeiras letras ainda no Arraial de Santa Rita do Paranaíba, mas sua maior participação nos primeiros anos de casamento foi na pequena praça, onde localizava o comércio, a igreja e a residência da família.

 

Figura 6 – Messias Alexandrina Marquez Brandão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: (FERREIRA e PINHEIRO, 2009)

 

Alguns parentes ainda vivos de Messias Alexandrina Marquez contam que ela teria vindo da fazenda trazida por Jacintho Luiz da Silva Brandão, que buscou um padre em Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara, para realizar o casamento, certamente por vontade da noiva, já que o coronel não era um participante ativo. Porém há registros de uma participação maior do coronel na Igreja depois do casamento, inclusive ajudando na reforma.

O coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, filho sacrílego, termo utilizado na época por ser filho de um padre, ao casar-se também chocou-se com as orientações da Igreja ao contrair núpcias com sua afilhada em batizado católico, Messias Alexandrina Marquez Brandão. Desse casamento não nasceram filhos, mas não se tem informações se foi por problemas de saúde do casal ou por opção.

Messias conheceu Jacintho Luiz da Silva Brandão nas reuniões políticas em que participavam seu pai, Damaso Martins Marquez , e   seu primo, Major Galdino da Silveira Marquez. Não teve filhos e era católica fervorosa. Filha de Damaso Martins Marquez, irmão de Francisca Carolina e Philomena Alexandrina da Silveira Marquez.

Todas essas mulheres tiveram em comum o fato de se tornarem primeiras-damas, já que seus esposos governaram o Estado e os municípios de Morrinhos e Santa Rita do Paranaíba. Embora naquele período o cargo não tivesse as mesmas formalidades dos dias atuais, as mulheres tinham participação importante na área social e participavam ativamente como continuação das ações governamentais em relação às pessoas mais pobres, como dar esmolas, por exemplo.

O novo papel além de mãe, esposa e filha, surge principalmente com a entrada da política na casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que permite à sua filha o protagonismo e a evidência como primeira dama no Estado de Goiás, no período de agosto de 1901 a julho de 1905, e mesmo tendo três filhos, participava ativamente dos eventos festivos e sociais enquanto morou no Palácio Conde dos Arcos. Ela é quem melhor representa esse papel social na Primeira República em Goiás. Sempre ao lado do esposo, cumprindo compromissos sociais e destacando-se pela assistência social, ajuda aos pobres e necessitados. Mas é uma participação ao lado dos homens nas relações de Poder.

Se o casamento foi porta de entrada para a participação das mulheres na área política, as eleições comandadas por seus maridos e a conquista dos mandatos de deputados federais, estaduais, intendentes e presidentes do Estado permitiram às mulheres da casa de Francisca vivenciarem a politização de suas casas e ganharam espaço na políticas, apesar de estarem impedidas de ocupar os cargos políticos.

A própria Dona Francisca de Nazareth Moraes, que teve sete filhos em período alongado, também se tornou primeira-dama de Morrinhos nos períodos de 1891 a 1893 e de 1899 a 1903, quando Hermenegildo Lopes de Moraes foi intendente e depois foi a protagonista da família como herdeira, fazendeira e comerciante.

            Outras filhas do primeiro casamento de Dona Francisca, que foram ainda crianças para Morrinhos, também se destacaram a partir de suas casas na vida política, como  Maria Carolina Nunes da Silva que, casada com Pedro Nunes da Silva,  também se tornou primeira-dama do município de Morrinhos no período de 1894 a 1895. Alguns anos depois, foi a vez de Anna Teodora da Silveira também ser primeira- dama em Pouso Alto, hoje Piracanjuba, casada com outro sócio de seu padrasto, o comerciante Pacifico Alves do Amorim.

            Casamento e eleição colocaram as mulheres em evidências nos embates e arranjos políticos na Primeira República em Goiás. A estratégia foi observar o potencial de obtenção de riqueza, estruturar a família para ocupação dos principais cargos públicos e manter o poder através dos processos eleitorais.

 

1.2  OS PROCESSOS ELEITORAIS

 

Quando se trata de política, não há como deixar de falar em eleição, porque segundo René Rémond, ela “é um indicador do espírito público, revelador da opinião pública e seus movimentos” (RÉMOND, 1996, p. 40). Neste contexto procura-se nesta parte do trabalho fazer um estudo sobre as eleições em Goiás a partir da Proclamação da República, verificando quais foram as estratégias adotadas a partir da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes e, por outro lado, como agiu o grupo político de José Leopoldo de Bulhões Jardim a partir da capital federal nesses eventos.

Os estudos procuram dar ênfase aos pleitos realizados nos anos de 1900 a  1909, período marcado por intensos movimentos dentro da sociedade goiana, onde funcionários públicos controlavam os alistamentos eleitorais, as mesas e as juntas apuradoras; fazendeiros e comerciantes entravam na lista como elegíveis para os cargos de deputados e senadores estaduais e os bacharéis eram colocados na lista dos deputados e senadores federais. Todos esses movimentos seguiam uma estratégia, segundo a qual o presidente do Brasil controlava os governadores nos Estados e os governantes estaduais controlavam os funcionários públicos, os intendentes e todos os eleitores através do alistamento nos municípios.

O voto era um direito de poucos e as mulheres, os militares, os religiosos e os analfabetos não podiam alistar e estavam inelegíveis pela Legislação Eleitoral. Nos processos eleitorais era evidente o discurso de dominação dos homens em relação às mulheres, o que leva ao questionamento dos motivos da exclusão. Por que mulheres não podiam votar, mesmo tendo boa formação cultural ou capacidade econômica, como no caso de uma professora, uma fazendeira, uma comerciante?  E vai-se mais além: por que a vedação se até o próprio ordenamento jurídico não tinha a previsão literal dessa exclusão?

A exclusão do alistamento dos militares e religiosos   era justificado pelos legisladores naquele tempo pela impossibilidade de manifestação livre das pessoas investidas destas funções.

As respostas a essas indagações podem estar ligadas ao fato de que, mesmo sem a proibição legal na Legislação eleitoral desde o início da República do direito de voto das mulheres, ele foi negado na prática porque não se permitia o alistamento eleitoral, fase da eleição que ocorria nos municípios através de pessoas indicadas pelos governantes. O próprio governo conduzia o processo eleitoral, já que não existia a Justiça eleitoral.

Até que alguns parlamentares tentaram, quando da discussão no Congresso constituinte de 1891, expressar este direito, quando foram propostas seis emendas à Constituição; essas propostas, porém, não foram aprovadas. Elas procuravam assegurar o direito de voto às mulheres, destacando-se a participação do então deputado José Leopoldo de Bulhões Jardim na primeira emenda  em que  solicitou, juntamente com outros dois deputados, a inclusão do voto limitado a ser proporcionado a algumas mulheres através da seguinte frase que seria acrescentada no Artigo 70 da Constituição em elaboração, quando assegurava o voto  “ às mulheres diplomadas com títulos científicos e de professora, desde que não estivessem sob o poder marital nem paterno, bem como às que estivessem na posse de bens” (KARAWEJCZYK, 2011, p. 07).

Outras duas emendas foram apresentadas com o mesmo teor de voto limitado às mulheres capazes de se sustentarem e que não estivessem sob jugo do chefe de família, permitindo o voto “às cidadãs, solteiras ou viúvas, diplomadas em direito, medicina ou farmácia e às que dirigem estabelecimentos docentes, industriais ou comerciais.” Em ambas as emendas foi negado o direito de voto às mulheres casadas. O deputado Costa Machado, de Minas Gerais, juntamente com outros trinta e um deputados, acrescentou o direito às mulheres casadas, mas todas as emendas foram rejeitadas (KARAWEJCZYK, 2011, p. 07).

O discurso dominante dos homens foi vencedor no Congresso Nacional, já que tanto a Câmara quanto o Senado Federal não contavam com mulheres em seus quadros, e assim foi negado o direito de voto às mulheres, tendo como principal fundamento o fato de que a participação das mulheres no processo eleitoral atingiria a estabilidade da família e que a política caberia aos homens.

Concluiu na época um grupo de deputados e de senadores que, se não houvera nenhuma aprovação de emendas dando o direito de voto às mulheres, então  esse direito havia sido negado. Por outro lado, outros parlamentares interpretaram que esse direito poderia ser assegurado por Lei ordinária, mas essa iniciativa não foi à frente e assim não foi votada. Dessa forma, as mulheres ficaram sem direito de participação nos processos eleitorais, pois nem o alistamento conseguiram fazer.

Mônica  Karawejczyk assim sintetiza os principais argumentos contrários à concessão do direito de voto às mulheres:

 

O primeiro deles aponta para o perigo da desagregação da família e da      degradação da figura da mulher se fosse concedido o direito de voto         para o gênero feminino. Este tipo de argumento exalta a figura feminina na sua missão doméstica e promotora da educação dos filhos e é    claramente baseada nos postulados positivistas, tão em      voga na época em questão. Tais argumentos despontam como principais em seis dos      pronunciamentos dos congressistas. Outro argumento levantado           pelos congressistas era de que em nenhum lugar do mundo civilizado se            concedia este privilégio para as mulheres, motivo considerado mais do    que satisfatório para se negar este direito no Brasil. O último grupo temá- tico dos argumentos apresentados girava em torno da questão de que o direito de voto para as mulheres já estava implícito na legislação eleitoral     em vigor no país e, se elas não o aproveitavam, era porque não o queri am. Assim, segundo estes congressistas, esse fato deixava claro que as          mulheres não tinham capacidade para atuar na vida pública e política.     (KARAWEJCZYK, 2011, p. 09).

                    

O texto final da Constituição de 1891 dizia, em seu artigo 70, que eram eleitores os maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei. Pela Legislação só eram elegíveis os alistados, que incluíam pouco mais de cinco por cento de toda população.  Os excluídos literalmente foram os analfabetos, os mendigos, soldados e religiosos, conforme se verifica no texto da Constituição:

 

[...]Artigo 70 – São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.

§ 1 – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou as dos Es-               tados:

1º - os mendigos;

2º - os analfabetos;

3º - As praças de pré, excetuado os alunos das escolas militares de ensino superior;

4º - Os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual.

§ 2° - São inelegíveis os cidadãos não alistáveis [...]  (Constituição  do Brasil         - 1891).

 

Mesmo com essa Legislação falha e o discurso contrário dos homens, algumas mulheres conseguiram votar e ser votadas nos primeiros anos da República, como se vê nesta passagem descrita por Alves (1980, p. 94-95):

 

[...] Com o advento da República e a convocação        de eleições para a Assembléia Constituinte, Isabel, que na época estava morando no Rio de Janeiro, procurou a Comissão de Alistamento Eleitoral para fazer valer a sua conquista. Diante do fato inusitado de uma mulher pleitear o direito de se alistar, a comissão solicitou um parecer ao ministro do Interior que fez uma negativa contundente: julgou absolutamente improcedente a reivindicação. A luta prosseguiu. E foi também de outra Isabel a segunda tentativa. No caso, da baiana Isabel Dillon, primeira a apresentar-se como candidata a deputada na Constituinte de 1891. Ela argumentou que a Lei Eleitoral de 1890 não excluía as mulheres, uma vez que a mesma assegurava o direito de voto aos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever, sem referência explícita ao sexo do eleitor.[...] Não conseguiu sequer se alistar para votar. Após muitas tentativas isoladas, surgem os primeiros grupos organizados de mulheres como o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 por Leolinda Daltro e outras feministas cariocas. Essa estratégia provocou debates, através de manifestações públicas que criticavam a “cidadania incompleta” das mulheres, gerando polêmicas e reações negativas por parte da imprensa. Por que as mulheres são excluídas do processo eleitoral? No período da República Velha, entre 1889 e 1930, algumas alterações foram executadas: aboliu-se a restrição da renda; o analfabeto perdeu o direito do voto; a Constituição de 1891 instituiu que os eleitores deveriam ser maiores de 21 anos; excluíram-se mulheres, mendigos, praças de pré e religiosos em comunidade claustral. O argumento utilizado para a exclusão de analfabetos e mulheres do processo eleitoral justificava-se pela ideia          de que seriam mais influenciáveis, fosse pelos patrões, fosse pelos maridos e pais. Portanto, por esse argumento as mulheres e os analfabetos não teriam opinião política própria (ALVES, 1980, p. 94-95).

 

 

As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, pelas condições econômicas e culturais, teriam condições de exercer o direito do voto, mas como outras mulheres do país na época, o direito lhes foi negado e também não houve interesse das mesmas em romper o discurso e as práticas de dominação.

Em Goiás não houve resistência aos discursos dos homens e as mulheres aceitaram a situação de exclusão dos processos eleitorais, mas participaram de outras maneiras ao lado dos homens. Quais seriam as formas de participação então dessas mulheres nos processos eleitorais em Santa Rita do Paranaíba, Morrinhos e na capital do Estado de Goiás?

            Para se ter uma ideia do tamanho do eleitorado de Santa Rita do Paranaíba, em 1877 havia 6 eleitores, sendo que familiares de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes eram eleitores, como o pai, capitão Manoel Martins Marquez, e o marido, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, além de Jacintho Luiz da Silva Brandão,  Pe. Félix  Fleury Alves do Amorim, da Paróquia de Santa Rita de Cássia e seu irmão José Fleury Alves do Amorim. Em 1881 aumentou o colégio eleitoral para 42 eleitores e na primeira eleição, que ocorreu em  31 de janeiro de  1891 na casa de Tenente Galdino Silveira Marquez, filho de Francisca Cândida de Nazareth Moraes, e  comandada por Jacintho Luiz da Silva Brandão,  auxiliado por Damaso Martins Marquez, o colégio eleitoral tinha 56 eleitores, que votaram para escolha de vinte deputados constituintes no Estado, destacando que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes recebeu a totalidade dos votos (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 254).

Em carta ao bacharel José Leopoldo de Bulhões, publicada no jornal “Goyaz”, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes afirmava que havia conseguido alistar 253 eleitores em Santa Rita do Paranaíba.

            Percebe-se pela ata da primeira eleição realizada em Santa Rita do Paranaíba (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 254) e depois em 1898, quando foram realizadas eleições para presidente e vice-presidente da República, que todos os processos eleitorais no então distrito tinham o comando da família do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes a partir de Morrinhos, já que controlavam o alistamento eleitoral, a mesa e as juntas apuradoras, e como tinham maioria no Congresso Goiano, também controlavam o reconhecimento dos eleitos.

            Já em 1904, nas eleições comandadas por José Xavier de Almeida, Santa Rita do Paranaíba ainda era bem pequena e possuía apenas 807 habitantes.

Um aspecto interessante a ressaltar é que, enquanto se desenvolvem os processos eleitorais, também vão surgindo novos relacionamentos que também influenciam nas eleições, com destaque para o casamento do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão com Messias Alexandrina Marquez, em janeiro de 1900, no distrito de Santa Rita do Paranaíba que, consequentemente fez a ligação política com Morrinhos, assim como a união do bacharel José Xavier de Almeida que fez a ligação política da capital de Goiás com Morrinhos também.

Nesta primeira parte dos processos eleitorais, verificou-se como a família de Francisca Carolina  de Nazareth  Moraes foi se relacionando com os processos eleitorais, seja no Estado, com o esposo, que se tornou vice-presidente e o genro, presidente do Estado em 1901, seja na própria cidade de Morrinhos,  em que o genro Pedro Nunes e também o esposo e filhos que foram eleitos intendentes. Um dos filhos também se tornou deputado federal e senador na capital federal.

 

1.2.1  A Comissão de Verificação dos Poderes

 

Como foi observado, na primeira eleição realizada em Santa Rita do Paranaíba (FERREIRA e PINHEIRO, 2009), então distrito de Morrinhos, para escolha dos deputados constituintes em 1891, não havia justiça eleitoral e os grupos políticos tinham o controle do processo eleitoral. Essa eleição, por exemplo, foi realizada na casa do filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes e seu esposo obteve a totalidade dos votos das pessoas que compareceram para votar.

Foi através do controle da diplomação de candidatos, que consistia na exclusão de opositores através da depuração ou degola, quando alguns candidatos eleitos pela oposição eram degolados no processo de verificação dos diplomas (RICCI e ZULINI, 2010), que os bacharéis José Xavier de Almeida, em 1904, e José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1908 e 1909, conseguiram manter o grupo político no poder.

Após Assembleia Constituinte de 1891, os pleitos eleitorais para escolha de senadores com mandato de seis anos e deputados ocorreram de três em três anos, a partir de 1894 até o ano de 1904. Goiás elegia três deputados federais e um senador federal a cada período, cabendo ao bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim uma cadeira  para o senado por duas vezes e ao bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes a cadeira  de deputado federal também por três vezes antes de 1909.

Até 1904 quando foi aprovada a Lei nº 1269 de 15 de novembro de 1904, denominada de Rosa e Silva, os estados eram divididos em distritos eleitorais de três deputados. A partir de 1904 foi feita outra divisão, constituindo-se um único distrito para quem elegia até cinco deputados federais. O município era a unidade territorial inferior ao distrito, dividido em seções, onde se realizavam as eleições.

Sobre a apuração e os registros das eleições, feitos por funcionários públicos de confiança nos municípios, eram realizados em ambientes privados, já que não existia a Justiça Eleitoral nos moldes dos tempos atuais, favorecendo o controle de todo o processo pelo grupo que detinha o poder político no Estado na Primeira República, conforme se verifica na descrição deste processo:

 

Encerrada a votação, eram inicialmente apurados os votos. No caso o presidente da sessão ou quem o substituía, auxiliado pelos escrutinadores, abria a urna e apurava os votos aos candidatos cujo resultado era transcrito na ata da seção. Uma cópia da ata, após lavrada, era enviada ao presidente do governo municipal na sede de cada circunscrição eleitoral. Os cinco mais votados e os cinco menos votados  passavam a uma nova apuração dos votos. Os resultados das eleições eram transcritos na ata geral da apuração, que continha os votos, as reclamações e os protestos, apresentados durante os trabalhos da junta ou mesas de seções. As atas serviriam de diplomas (RICCI e ZULINI, 2010, p. 05)

 

 

Após o encerramento dos trabalhos das juntas apuradoras, iniciava-se o outro processo, que cabia à Comissão de Verificação dos Poderes, para certificar e reconhecer os poderes de seus membros, tanto a Câmara do Estado, como a Federal.

O diploma era a cópia autêntica da ata de apuração geral assinada por todos os membros da Câmara ou Intendência Municipal. Depois passou a ser o documento que tivesse sido expedido pela maioria da junta apuradora. Após 1904, passou a ser a cópia autêntica da ata geral da apuração, assinada pela maioria dos membros da junta que tivesse funcionado (RICCI e ZULINI, 2010, p. 10).

Só eram reconhecidos os diplomas dos eleitos pelo situacionismo local, reforçando a política dos governadores. E foi assim que o bacharel José Xavier de Almeida venceu seu antigo líder, José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1904 e levou o troco em 1908 e 1909.

Em 1905 as divergências dos bacharéis José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim ocasionaram a presença de duplicatas do poder, com mais deputados do que o previsto em Lei, cabendo na época à Câmara, através da verificação dos poderes, fazer a degola dos deputados e senadores do grupo de José Leopoldo de Bulhôes Jardim. Alguns casos podiam ser resolvidos nas próprias juntas apuradoras, mas quando elas não eram capazes de solucionar, o caso ia para a Comissão de Verificação dos Poderes. A própria degola também era prevista pela comissão de cinco divergentes da Junta Apuradora, que levava a questão para decisão do Plenário (RICCI e ZULINI, 2010).

Outro exemplo do exercício desse papel feito pela Comissão de Verificação dos Poderes ocorreu na eleição para senado federal em 1903, quando a   Comissão do Senado aprovou a o pleito em que foi eleito Urbano Coelho de Gouvêa:

 

Commissão do Constituição, Poderes e Diplomacia, tendo examinado as   authenticas das actos da eleição procectida no Estado de Goyaz em 18      do fevereiro proximo findo para um Senador, e bem assim o quadro organizado pela Secretaria do Senado, verificou o seguinte resultado Dr. Urbano Coelho do Gouvêa 16.719 votos Não tendo sido apresentado nenhum protesto em relação ao pleito, é a Commissão do parecer

     1.  Que seja approvada a eleição a que se procedeu no Estado             do        Goyaz no dia 18 de fevereiro de 1903.

2.° Que seja reconhecido e proclamado Senador da República pelo            Estado do Goyaz o Sr. Urbano Coelho de Gouvêa.

                     Sala das commissões, 18 do abril de 1903.

                                 Pedro Velho.- Sigismando Gonçalves. -A. Azeredo.

                     (Diário Oficial da União – p. 16 de 21/04/1903)

 

O relacionamento entre os bacharéis José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim foi rompido em 1904, fato que levou ao pedido de intervenção federal no Estado, por parte de políticos ligados ao então ministro da Fazenda Leopoldo de Bulhões, nas eleições em que Miguel da Rocha Lima foi eleito presidente do Estado.

Nas eleições de 1905 para o mandato do presidente que ia suceder José Xavier de Almeida, no período entre 14 de julho de 1905 até 14 de julho de 1909, ocorreu a duplicata dos Poderes, considerando que o governador José Xavier de Almeida liderou o processo em que houve o reconhecimento de Miguel Rocha Lima como seu sucessor, tendo como vice-presidentes José Balduíno de Souza, Francisco Bertoldo de Souza e José da Silva Baptista; enquanto a oposição liderada por José Leopoldo de Bulhões Jardim  proclamou para presidente  José Joaquim de Souza e como vice-presidentes  Francisco Ferreira Lemos, José Vaz e Manoel do Carmo Lima.

O problema levado para pedido de intervenção tinha como fundamento o não reconhecimento pela Comissão de Verificação dos Poderes dos eleitos ligados ao presidente José Xavier de Almeida, sob a alegação de que as Juntas de Apuração expediam diplomas ilegais. Assim houve duplicata da Câmara de Deputados e da Câmara do Senado, que se reuniram em locais diferentes.

O pedido foi feito por senadores e deputados ligados a José Leopoldo de Bulhões Jardim, que estava no Rio de Janeiro como ministro da Fazenda. A comissão de Verificação dos Poderes iniciou os trabalhos em cinco de maio e o presidente José Xavier de Almeida contava com maioria dos deputados e senadores diplomados.

Sobre o pedido de intervenção a Consultoria Geral da União se manifestou contrária a ele, fato que desagradou ao então ministro da Fazenda, José Leopoldo de Bulhões Jardim, que contava como certa a medida, já que fazia parte do governo federal.

            O sistema eleitoral do período dividia o Estado de Goiás em círculos, dos quais eram eleitos para o Congresso goiano doze senadores e vinte e quatro deputados estaduais. Uma das razões das brigas políticas entre José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim foi justamente a organização desses círculos, que permitia o controle eleitoral do governo. José Xavier de Almeida fez as alterações que lhe permitiriam ter o controle do processo eleitoral e dos eleitos, fato que contrariou José Leopoldo de Bulhões Jardim e o levou então a propor a intervenção em Goiás.

Uma das alegações também para o pedido de intervenção era que o Decreto 1272 de 7/06/1904 seria ilegal e consequentemente os diplomas expedidos pelas Juntas Apuradoras com base neste Decreto também seriam ilegais.

O argumento para a ilegalidade baseava-se no fato de que a Lei que autorizou a divisão dos círculos fora feita quatro anos antes, utilizada na eleição de José Xavier de Almeida, e, portanto, deveria valer a divisão anterior que havia incorporado a Lei e não esta, conforme a tabela a seguir:

 

QUADRO 2 - DISTRITO ELEITORAL – DECRETO 1.272, DE 7/6/1904

1º- C

 – Capital (sede), Alemão, Morrinhos

2º- C

 – Rio Verde (sede), Jatahy, Rio Bonito

3º- C

– Curralinho ( sede), Jaraguá, S. José do Tocantins, Pilar.

4º- C

 – Bella Vista (sede), Antas, Pyrenopolis, Corumbá

5º- C

– Pouso Alto (sede), Bonfim, Santa Cruz

6º- C

– Catalão (sede), Entre Rios.

7º- C

 – Formosa (sede), Mestre D’Armas, Santa Luzia

8º- C

 – Flores (sede),Forte, Cavalcante, Posse.

9º- C

– São Domingos (sede), Arrayas, Taguatinga.

10º-C

 – Conceição (sede), Duro, Palma.

11º-C

– Porto Nacional (sede), Peixe, Natividade

12º-C

 – Boa Vista (sede), Pedro Afonso.

Fonte: (AMORIM, 1998, p. 133).

 

 

 
No ano de 1908, a coligação de Leopoldo de Bulhões em oposição a Xavier de Almeida conseguira eleger catorze deputados estaduais das vinte e quatro vagas disponíveis para a Câmara Estadual, fato que animou José Leopoldo de Bulhões a visitar Goiás, de onde há sete anos estava ausente, para buscar novas alianças. No seu retorno ao Rio de Janeiro, Leopoldo de Bulhões continuou a articular e projetou um plano golpista para ser posto em execução caso José Xavier de Almeida vencesse as eleições.

Novamente foram feitas mudanças nos Distritos Eleitorais para as eleições de 1908, mas não surtiram os mesmo efeitos da mudança anterior, já que nessas eleições, José Leopoldo de Bulhões Jardim acabou levando vantagem no processo eleitoral e fez maioria no Congresso goiano de deputados e senadores estaduais. O distrito eleitoral foi organizado da seguinte maneira:

 

QUADRO 3 - DISTRITO ELEITORAL – DECRETO 2.127, DE 6/6/1908 – CÍRCULOS

1º- C

–Capital (sede), Allemão, Morrinhos

2º- C

 –Rio Verde (sede), Jatahy, Rio Bonito, Mineiros

3º- C

–Curralinho (sede), Jaraguá, S. J. do Tocantins, pilar.

4º- C

 –Bella Vista (sede), Antas, Pyrenópolis, Corumbá, Campinas.

5º- C

– Bonfim, Santa Cruz, Pouso Alto (sede),Campo Formoso

6º- C

 –Catalão (sede), Entre Rios, Xavier de Almeida

7º- C

–Formosa (sede), Mestre d’Armas, Santa Luzia.

8º- C

 –Sítio d’Abadia (sede), Forte Cavalcante, Posse

9º- C

 –São Domingos (sede), Arrayas, Taguatinga, Chapéu.

10º-C

–Conceição (sede), Duro, Palma.

11º-C

 –Porto Nacional (sede), peixe, Natividade.

12º-C

–Boa Vista, Pedro Afonso (sede).

FONTE: (AMORIM, 1998, p. 133)

 

Na eleição de 1905, o candidato Miguel da Rocha Lima, apoiado por José Xavier de Almeida, venceu a eleição. Só em Santa Rita do Paranaíba, a chapa vencedora obteve todos os 613 votos possíveis para o presidente e os três vice-presidentes. O resultado divulgado pelo Semanário Oficial em março de 1905 foi:

 

QUADRO 4 - ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE DO ESTADO 1905

Nome

Votos

Senador Rocha Lima

5.317

Senador Souza

1.126

Fonte: Semmanário Official – numero 280, 06 de março de 1905

 

QUADRO 5 - ELEIÇÃO PARA VICE- PRESIDENTE 1905

Nome

Votos

Cel José Balduino de Souza

5.144

Cel José da Silva Batista

5.142

Cel Francisco Bertholdo de Souza

5.140

Cel José Vaz

1.119

Cel Manoel do Carmo Lima

1.119

Cel Frederico Ferreira Lemos

1.118

Fonte: Semanário Official – número 280, 06 de março de 1905

 

            Com o grupo político derrotado nessas eleições, com a liderança do ministro da Fazenda José Leopoldo de Bulhões Jardim pediu intervenção no Estado e o não reconhecimento da eleição, inclusive provocando a duplicata dos poderes, mas foi derrotado no pedido e Miguel Rocha Lima assumiu o governo em julho de 1905 até março de 1909.

Nas eleições de 1909 José Xavier de Almeida foi eleito senador e o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes foi eleito presidente do Estado de Goiás, mas essas eleições  não foram reconhecidas pela Comissão de Verificação dos Poderes, já que nas eleições de deputados e senadores estaduais eleitos em 1908, José Leopoldo de Bulhões fez a maioria, fato que levou à queda da liderança de José Xavier de Almeida e à   ascensão no Estado de José Leopoldo de Bulhões e consequentemente à emancipação de Santa Rita do Paranaíba para enfraquecimento do grupo político de Morrinhos, cujas riquezas antes pertencentes ao coronel Hermenegildo Lopes de Moraes neste período eram administradas por Francisca Carolina  Nazareth de Moraes e seus filhos.

As eleições de 1909 tiveram os seguintes resultados não reconhecidos pela Comissão de Verificação dos Poderes:

QUADRO  6- RESULTADO DA ELEIÇÃO FEDERAL 30/01/1909 - SENADO

Nome

Profissão/endereço

Votos

José Xavier de Almeida

Advogado – residente na capital

3.435

José Leopoldo de Bulhões

Diretor Banco – Residente Petrópolis RJ

2.629

Fonte: Semanário Oficial – número 460, 13 de março de 1909

 

QUADRO 7 - RESULTADO DA ELEIÇÃO FEDERAL 30/01/1909 - DEPUTADO

Nome

Profissão/endereço

Votos

João Alves de Castro

Advogado – residente na capital

3.739

Hermenegildo Lopes de Moraes

Advogado – residente em Morrinhos

3.655

Eduardo Arthur Socrates

Engenheiro Militar – residente no Rio de Janeiro

3.517

Antônio Ramos Caiado

Fazendeiro – residente na capital

2.469

Fonte – Semmanario Official, número 460, 13 de março de 1909

 

            Na eleição de 1909, novamente o grupo de José Xavier de Almeida saiu vitorioso, mas com o Movimento de 1909 não houve o reconhecimento desse resultado e assumiu a presidência do Estado Urbano Coelho de Gouveia. Desta vez o grupo de José Leopoldo de Bulhões Jardim tinha a maioria dos deputados no Congresso de Goiás.

 

QUADRO 8 - ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE DO ESTADO DE GOIÁS EM 1909

Nome

Profissão

Votos

Hermenegildo Lopes de Moraes

Advogado

1.653

Urbano Coelho de Gouveia

Engenheiro

1048

Major Virgílio José de Barros

 

1

Fonte: Semmanario Official , número 460, 13 de março 1909

 

QUADRO 9 - ELEIÇÃO PARA VICE PRESIDENTE ESTADO DE GOIÁS 1909

Nome

Votos

Cel. Francisco Bertoldo de Souza

1640

Cel. Alfredo Paranhos

1.484

Cel. Jacintho Honorato Pinheiro

1.452

Cel. José da Silva Batista

1.225

Cel. Luiz Fleury de Campos Curado

1.217

Cel. Herculano de Souza Lobo

1.166

Fonte: Semmanario Official, numero 460, 13 de março 1909

Em Santa Rita do Paranaíba, a primeira eleição como município emancipado deve ter sido realizada no dia 16 de dezembro de 1909, entre os membros do Conselho Provisório de Intendência, ocasião que foi eleito intendente Antônio Joaquim da Silva. O coronel Jacintho Brandão ficou como presidente no Conselho Municipal de Intendência, equivalente hoje à Câmara de Vereadores.

Em fevereiro de 1910 Major Militão assim manifestou ao então presidente do Estado, conforme nota no Jornal “Goyaz”:

 

Santa Rita, 24

Congratulo V.Excia. Instalação foro Villa hoje trabalhos eleições sahirao contento v.excia. Afectuosas saudações. Militão

(sábado 26 fevereiro 1910)

 (GOYAZ, numero 1104, 26 de fevereiro 1910, p. 4)

 

Esses foram os principais processos eleitorais realizados nos primeiros anos do século XX em Goiás e que resultaram no Movimento de 1909 em Goiás e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba. Feito exclusivamente por homens e para a eleição dos homens. As mulheres não conseguiram participar dessas eleições.

 

1.2.2  Os Partidos Políticos

 

As mulheres não participavam dos partidos políticos, mas os homens de suas casas, que protagonizaram os principais embates e arranjos, sempre estiveram reunidos em uma agremiação partidária e até mesmo o clero, através do bispo Dom Eduardo Duarte e Silva fundou o Partido Católico no início da República em Goiás.

Os partidos políticos do período eram partidos regionais e predominaram aqueles com pensamento liberal, em oposição ao Partido Católico que era tradicional.

Os bacharéis inicialmente estavam em uma mesma facção política denominada de Partido Republicano, mas com o tempo e os embates formaram-se novos grupos e denominações.

Onde estava os homens da casa de Francisca, seu esposo, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes e o genro José Xavier de Almeida? E os homens da casa de Bulhões, o bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim e seus cunhados Guimarães Natal, Urbano Coelho? Enfim, onde estavam os servidores públicos, os bacharéis, os fazendeiros e comerciantes e os religiosos?

Para o estudo dos Partidos Políticos, utilizam-se as ideias do professor Serge Berstein, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, também presente na obra organizada por René Rémond (BERSTEIN, 1996, p. 57-94). O trabalho faz-se dentro de uma perspectiva mais ampla, que procura explicar as ações dos participantes, observando a tradição, o jogo das mentalidades, os discursos, os grupos sociais e as ideologias (BERSTEIN, 1996, p. 58).

Estudar os partidos é importante, porque o partido é um lugar onde se opera a mobilização de massas, o ajuntamento de uma elite e a difusão das ideologias e a estruturação social (BERSTEIN, 1996, p. 93).

As forças políticas, com suas tendências e suas aspirações (BERSTEIN, 1996, p. 62), são constituídas   no interior dos grupos que participam, buscam o apoio da população para atingir seus objetivos. Foi assim com a Libertação dos Escravos, depois com a Proclamação da República, com a Igreja buscando manter os privilégios do tempo da Monarquia e agora mais na busca do poder.

Procuram-se identificar os grupos a partir do que foi chamado por Serge Berstein de Cultura Política, que “se exprime por um sistema em que se reconhecem todos os membros de uma mesma família política, lembranças históricas comuns, heróis consagrados, documentos fundamentais, símbolos, bandeiras, festas, vocabulários de palavras codificadas”, que enfim comungaram de elementos comuns da tradição  (BERSTEIN, 1996, p. 88).

O grupo da casa de Francisca Carolina, seu esposo, filho e genro, inicialmente integram a mesma agremiação de José Leopoldo de Bulhões Jardim, mas nos principais embates estará dentro do Partido Republicano Federal, que foi formado a partir de 1891 por parte de dissidentes do Centro Republicano para fazer oposição ao Partido Republicano Democrata dos Bulhões (MOTA e QUADROS, 2011, p. 34).

Embora tenha saído vitorioso nas eleições de 1891 na escolha de 24 deputados constituintes, não conseguiu substituir a Constituição que havia sido promulgada tendo a liderança do Partido Republicano Democrata, cuja liderança maior era José Leopoldo de Bulhões Jardim.

Já o grupo da casa de José Leopoldo Bulhões Jardim ficou reunido dentro do Partido Republicano Democrata e utilizava, para defesa de suas ideias, o jornal GOYAZ, fundado em 1890 por Félix de Bulhões.

Os religiosos liderados por Dom Eduardo Duarte e Silva fundaram, em 20 de julho de 1890, O Partido Católico de Goiás, em um período em que o Estado tinha como base o setor agrário e a organização coronelística. A Igreja Católica adotava a linha denominada ultramontana, que condenava as teses liberais e seus princípios, que instituíam uma nova ordem política, social e econômica (MOTA e QUADROS, 2011 p. 33).

O objetivo principal era lutar contra a aprovação das propostas liberais no parlamento e preservar o domínio da Igreja. Já nas eleições de 1890 foram lançados candidatos, que foram derrotados. Com a saída de alguns líderes da facção Fleury-Jardim, consolida-se a derrota do partido Católico e assim foram sofrendo derrotas nos embates eleitorais, prevalecendo no parlamento goiano a posição contrária à Igreja. É um período em que ocorrem relações de poder entre Igreja e Política.

Os valores defendidos pelo partido Católico eram: Deus, Pátria e Liberdade. O Partido usou como porta-voz o jornal “Gazeta Goyana”, que tinha como editor-chefe o Cônego Ignácio Xavier da Silva. Foi um período conturbado da Diocese de Goiás, que antes fora comandada por Dom Claudio José Gonçalves Ponce de Leão até 1890 e depois deste período até 1908 por Dom Eduardo Duarte da Silva (MOTA e QUADROS, 2011, p. 33).

Dom Cláudio participou da primeira reunião do Partido, mas depois foi transferido para Porto Alegre. A igreja defendia, naquele momento, fortalecer a nova identidade católica, com rígida formação religiosa e moral, cuja influência social deveria ser obtida pela participação dos leigos na política. Era preciso combater o Liberalismo (MOTA e QUADROS, 2011, p. 37).

Os objetivos desse partido foram consolidados em junho de 1890 e assim estavam disciplinados:

a)    Reorganizar e consolidar a Pátria pelo regime democrático, em harmonia    com a crença religiosa do povo brasileiro;

b)    Escolher para deputados, vereadores, governadores, etc. homens verdadeira     mente católicos;

c)     Promover a fundação de diretórios em todas as cidades, vilas e arraiais;

d)    Congregar todos os católicos em torno do partido. Posteriormente, foi adotado até um lema para a agremiação: Deus, Pátria e Liberdade;

e)    Lutar pela revogação dos decretos de 7 de janeiro (separação da Igreja) e 24 de janeiro (casamento civil), “ monstruosidade hedionda” (MOTA E QUADROS, 2011, p. 39).

1.3  O PARADIGMA INDICIÁRIO NA ABORDAGEM POLÍTICA

 

Pesquisar sobre a participação das mulheres nas relações com a política no início do século XX em Goiás é uma tarefa que exige alguns métodos específicos que tornem possível achar as respostas e comprovar as hipóteses  que se propõem no trabalho, além de dar visibilidade e revelar a presença das mulheres em um contexto em que sempre ficaram escondidas.

Nesse sentido utiliza-se o paradigma indiciário que, segundo Ginzburg  (1989, p.143), surgiu silenciosamente no final do século XIX no âmbito das ciências humanas, com origem atribuída ao médico italiano Giovanni Morelli para atribuição a pinturas antigas. Segundo Ginzburg, seu método tem relação com o trabalho dos médicos que produzem diagnósticos através da observação de sintomas. Através dos indícios será possível produzir conhecimento, por meio da leitura e da interpretação de sinais, pistas e indícios deixados pelas mulheres goianas nas relações de poder na Primeira República.

O método morelliano servia para distinguir as pinturas originais e seus autores das cópias feitas por outros autores. Ensinava ele que a análise não deveria voltar-se para as características mais vistosas, facilmente imitáveis nos quadros, mas sim examinar os pormenores que seriam negligenciáveis (GINZBURG, 1989, p.144).

Ginzbug defende ser esse um método ideal para se demonstrar um tipo de saber semelhante à semiótica médica, que dá a capacidade ao observador de analisar dados aparentemente negligenciáveis e montar uma realidade não experimentável diretamente. Ele utiliza de metáfora através de uma fábula oriental de três irmãos na antiguidade, que encontraram um homem que havia perdido um camelo e, mesmo não tendo conhecido o animal que havia desaparecido, o descrevem minuciosamente ao seu dono: “é branco, cego de um olho, tem dois odres nas costas,  um cheio de vinho, o outro cheio de óleo”. Mesmo condenados, para os irmãos foi um triunfo reconstruir as características de um animal que nunca tinham visto (GINZBURG, 1989, p.151-152).

Assim procura-se utilizar-se desse método para revelar a presença e visibilidade das mulheres negligenciadas nas relações de poder nos principais eventos políticos da Primeira República em Goiás. O paradigma epistemológico denominado de indiciário, que tem suas raízes no modelo de Morelli, orienta a focar naquilo que aparentemente não tem importância, mas que é fundamental para a explicação científica; ele se faz através de pistas, sinais e indícios que permitam remontar uma realidade  complexa e que não se pode contemplar diretamente (GINZBURG, 1989, p.152).

A utilização do paradigma de Ginzburg é importante devido ao fato de a historiografia contemporânea ser insuficiente perante o surgimento de fenômenos imprevistos na política, tendo em vista estar atenta apenas à curta duração. A sua contribuição é no sentido da análise do texto. Ele permite, a partir de um exame da realidade daquele período, descobrir pistas nos eventos do golpe político de 1909 e da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, dos quais o pesquisador não pôde participar diretamente.

O trabalho de Ginzburg valoriza a erudição, construindo hipóteses e arriscando conclusões. Nesta perspectiva, pretende-se demonstrar que as mulheres que tinham relação com o poder político tiveram participações nos acontecimentos políticos na Primeira República em Goiás.

A análise das pinturas, dos discursos, de fotografias e documentos torna possível obter informações sobre as relações cotidianas do ambiente privado no passado de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos, para evidenciar a presença das mulheres da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

Assim, o trabalho de Ginzburg demonstra ser possível, através de vários fenômenos, aparentemente desprezíveis, como nos processos de inventários, na análise das correspondências, nas matérias dos jornais, nos discursos e em especial no estudo do coronelismo, encontrar a presença e a visibilidade de mulheres.

Utilizar o paradigma indiciário é uma forma de analisar escritas, pinturas, discursos, cerimônias de casamentos, festas, viagens e Leis, encontrando vestígios e pistas da presença de mulheres em um contexto de dominação dos homens na Primeira República em Goiás. A realidade descrita sob o prisma do coronelismo vai mostrar pontos privilegiados, onde se encontram as mulheres, tornando aquilo que foi considerado irrelevante, uma realidade onde as mulheres estiveram presentes nos eventos políticos daquele período.

Com erudição, criatividade e muita imaginação, vão se produzir análises através de relações de Gênero e reconstruir uma realidade em que as mulheres estiveram presentes e foram negligenciadas pelos discursos de dominação dos homens.

 

1.4 -  A POLÍTICA E A NOVA HISTÓRIA CULTURAL

 

A abordagem desta pesquisa leva em consideração as ideias contidas na nova história cultural, refletindo sobre como lidar com os textos, as linguagens, as representações e as práticas individuais e coletivas em Goiás e Santa Rita do Paranaíba no início do século XX.

Ancora-se no pensamento de Roger Chartier, que leva em consideração as linguagens, as representações e as práticas, buscando compreender as relações entre as formas simbólicas e o mundo social, assim como encontrar modelos de inteligibilidade em outras ciências vizinhas, como a antropologia e a crítica literária (CHARTIER, 2006, p. 29).

Na visão de Chartier, essa proximidade faz com que o historiador busque compreender nos documentos, mais que sua leitura direta, os seus significados simbólicos, os comportamentos individuais e os ritos coletivos (CHARTIER, 2006, p. 29).

O estudo oportuniza pensar na emancipação de uma maneira que leve a ler as fontes de forma menos documental, assim como os textos e as imagens, procurando compreender nos seus significados simbólicos os comportamentos individuais,  as práticas dos  políticos envolvidos e suas representações no processo do Golpe Político de 1909 em Goiás e da emancipação de Santa Rita do Paranaíba (CHARTIER, 2006, p. 29).

Outra postura dentro dessa perspectiva de nova história cultural é que a história se faz mais de estudos de casos do que de teorização global, de maneira que a postura do historiador leve em consideração suas próprias escolhas ou práticas que comandaram a sua construção de narrativas e análises (CHARTIER, 2006, p. 30).

Procuram-se evitar os postulados então dominantes nos anos da década de 1980 quando, através da história das mentalidades, o objeto era coletivo, automático, repetitivo, serial e estatístico, como as histórias das economias, das populações e da sociedade.

Utilizando a crítica da historiadora Lynn Hunt, evitam-se os defeitos da abordagem da história das mentalidades, que privilegiou as fontes mais numerosas, representativas e disponíveis por longo período de tempo, tais como inventários, testamentos, arquivos judiciais ou ainda fazendo a adoção do modelo braudeliano de longa duração, conjuntura e acontecimento (CHARTIER, 2006, p. 30).

Chartier, ao fazer a análise da história das mentalidades,  concluiu também que ela se apropria de procedimentos e métodos de análises da história econômica e social. Outros críticos, como Carlo Ginzburg, recusou a noção de mentalidades, fundamentando em três razões principais suas críticas: a  que reduziu a importância das ideias racionais e insistiu em elementos inertes, obscuros e inconscientes de visões do mundo, assim como aquela que pressuponha a partilha em categorias e representações por todos os meios sociais e finalmente a aliança com procedimentos quantitativos e seriais, ignorando singularidades ( CHARTIER, 2006 p. 32).

Várias críticas que abundaram contra a história das mentalidades, modalidade da História cultural, abriram novos maneiras de pensar as produções e as práticas culturais, embora não consideradas todas justas na visão de Roger Chartier (2006. p. 41).

Assim, dentro dessa postura da nova história cultural, vão-se privilegiar os usos individuais em detrimento das estatísticas e, principalmente, concebendo as representações que faremos do mundo social como constitutivos das diferenças e das lutas que caracterizaram aquela sociedade (CHARTIER, 2006, p. 33).

Adverte-se que, apesar das dificuldades na definição da história cultural, uma vez que só a partir dos objetos não é possível traçar uma fronteira segura com outras histórias, tais como a política, a econômica e a social, trabalha-se em forma de diálogo entre nova história política e nova história cultural.

Não se pretende situar esta pesquisa como de história cultural, mas é inegável que a mesma, assim como a econômica, social e demográfica, estão em confluência com a política.

Portanto, assim como outras categorias, procura-se historicizar também a própria definição de cultura política, práticas e representações, termos bastante presentes na corrente de Chartier e Certeau.

Recorre-se à nova história cultural para observar e analisar obras e gostos, numa dada sociedade, submetidos a um juízo estético ou intelectual, ou ainda como a que visa práticas vulgares através da comunidade, que vive e reflete a sua relação com o mundo, com os outros e com ele próprio, assim como aquela que considera a cultura de uma comunidade, como a totalidade   das linguagens e das ações simbólicas que lhe são próprias.

Buscando relação também com a Antropologia, observam-se as manifestações coletivas nas quais um sistema cultural se manifesta, como nos ritos de passagens, festas e outros meios (CHARTIER, 2006, p. 33).

A nova história cultural privilegiou objetos, domínios e métodos diferentes, e reagiu contra o estrito formalismo. Por isso, pretende-se fazer uma análise dos embates e arranjos políticos menos formal e produzir um texto onde a autoridade de um poder ou a dominação de um grupo depende do crédito concedido ou recusado às representações que esse grupo propõe de si mesmo” (CHARTIER, 2006, p. 40). Esse tipo de história propõe a história política que tratasse as relações de poder como relações de forças simbólicas.

Utiliza-se da corrente historiográfica dentro da nova história cultural que leva em consideração os aspectos discursivos e simbólicos presentes na vida sociocultural da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes. Faz-se uma ligação entre o sistema político daquela época e os aspectos culturais presentes nos discursos.

Neste cruzamento de campos históricos, políticos e culturais, dá-se grande enfoque às práticas relacionadas à figura do coronel como objeto historiográfico. Observa-se como viviam, estudavam, andavam, comiam, viajavam, conversavam, adoeciam, recebiam os amigos e até a sua morte.

Busca-se compreender como as representações e os discursos constroem as relações de dominação e como eles próprios foram dependentes desses recursos desiguais e dos interesses contrários, que separam aquele que tem o poder legitimado daqueles que usam representações e discursos para assegurar a submissão.

É dentro desse contexto da nova história cultural que se procura identificar o modo como no sul de Goiás, a realidade cultural e política foram construídas, pensadas e vistas como representações.

  Acolhendo uma diversidade de objetos de investigação, outras perspectivas metodológicas e outros referenciais teóricos são utilizados em confluência. Não se busca uma unidade de abordagem para definir onde se encontra a pesquisa, seja dentro da nova história cultural ou política, mas é pelo espaço de intercâmbios, debates construídos com outros historiadores, que têm como identidade comum a recusa em reduzir os fenômenos históricos a apenas uma dimensão, afastando-se de heranças que postularam ou do primado do político ou do poder absoluto do social.

É um direcionamento da pesquisa que tem compromisso com a teoria  e que se  estende desde o domínio da política a diálogos com a Antropologia, a Linguística e a Ciência Política.  Há também uma interconexão da história cultural com a micro-história de Carlos Ginzburg, quando se dá atenção aos detalhes, vestígios e sinais para se atingirem questões sociais mais amplas na Primeira República em Goiás.

Enfim, nas lutas de práticas culturais e representações, verificam-se os discursos de dominação, os interesses envolvidos, as imposições e as resistências políticas que nasceram nos ambientes privados e que marcaram relações de poder entre homens e mulheres em confrontos políticos em Goiás na Primeira República, numa análise interativa entre nova história política e cultural, principalmente levando em consideração os aspectos discursivos e simbólicos, colocando o discurso como centro da análise numa postura metodológica que leva em consideração, além de Roger Chartier, Michel de Certeau e Pierre Bordieu.

 

1.5  HISTORIOGRAFIA DO BRASIL REPÚBLICA

 

O estudo sobre a história política e historiografia do Brasil República (OLIVEIRA, 2007 ) situa esta pesquisa dentro de uma abordagem da nova história política, permitindo uma reflexão da história tradicional que vai desde Heródoto, em que se tem uma história que serve de memória, narrando grandes feitos e tem o Estado como foco mais importante e o alicerce na visão centralizada do poder.

Com o estudo da historiografia verifica-se também que se evita a utilização da história tradicional que prevaleceu no século XIX, deixando de fazer o estudo a partir de figuras relevantes como únicos sujeitos da história no período da Primeira República, tempo em que se faz o estudo da emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Também não se pretende utilizar a historiografia metódica ou positivista, que instituiu a “verdade” histórica, já deixando claro que não se busca uma história narrativa, factual, circunstancial, cronológica e linear.

O “político”, visto como autor principal dentro do estado não é foco principal do trabalho; já sofrendo a influência dos Annales, o econômico, o social, a partir de análises das estruturas de outros sujeitos, de pessoas comuns, são levados em consideração na pesquisa, dando à história política um novo tratamento.

Este fenômeno político é descrito por Rosanvallon (apud OLIVEIRA, 2007), como uma construção abstrata, vendo o local onde se articulam o social e sua representação, como uma matriz simbólica na qual a experiência objetiva se enraíza e se reflete.

Quanto ao Poder, as reflexões são feitas a partir do campo de representação social atrelado aos diversos aspectos da existência humana, trazendo questionamentos sobre como ele é socialmente produzido, como se difunde pelos variados domínios da vida social no período estudado e ainda se houve resistência da sociedade. 

O Estado também é questionado sobre como é socialmente institucionalizado no período da Primeira República e como se relaciona o conjunto de instituições com os diversos segmentos da estrutura social, identificando ainda as principais prerrogativas dos órgão administrativos e jurídicos do período.

Enfim, o estudo parte do pensamento  de que as relações políticas  na sociedade estudada não podem ser compreendidas apenas mediante o estudo do Estado e suas instituições e de um poder, mas sim a partir de relações de poder, que  levam em consideração a participação política de vários autores, as representações políticas, os processos eleitorais, novos autores que vêm da vida comum, deixando de contemplar o caráter individualista e elitista, até então utilizado para tratar do fenômeno do coronelismo em Goiás.

Há uma escolha em estudar o fenômeno da emancipação de Santa Rita do Paranaíba utilizando a historiografia com conexão com outros campos historiográficos, que vão da história cultural, econômica, social e não através de acontecimentos exclusivamente políticos, abordando variáveis quantitativas como dados eleitorais, partidários, organizações políticas e outros quantitativos, que levam em conta novas personagens, eventos e variados textos que tratam do assunto com diferentes enfoques.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 2  RELAÇÕES DE GÊNERO EM GOIÁS NA PRIMEIRA REPÚBLICA

 

Por meio da utilização da categoria Gênero para análise de relações de poder que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba, procuram-se proporcionar evidências da participação das mulheres nos acontecimentos políticos em Goiás nos primeiros anos da República, assim como trazer novas interpretações das várias ações e experiências que possibilitaram a elas figurarem como   partícipes  dos lugares  e práticas  de poder.

Trabalha-se com a definição adotada para Gênero da professora americana de Ciências Sociais do Instituto de Princeton, Joan W. Scott, que o vê como “elemento constitutivo das relações sociais, baseadas em diferenças percebidas entre os sexos e como sendo um modo básico de significar relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 12). Pretende-se a partir dessa definição dar significação a essas relações, mostrando como as hierarquias do Gênero foram construídas, legitimadas, contestadas, narradas e mantidas no início do século XX em Goiás.

Parte-se de um modelo imaginário imposto às mulheres nas relações de poder na Primeira República de guardiã da família através dos papéis de mãe, filha, esposa e amplia-se à medida que se encontram vestígios das suas participações como estudantes, católicas, herdeiras, primeiras-damas,  viajantes ao lado dos homens nas relações políticas, embora excluídas do direito ao voto, da participação partidária, da ocupação de cargos públicos e da possibilidade de serem elegíveis nos processos eleitorais.

Quando se aborda a dominação dos homens vigente no período, levam-se em consideração os vários instrumentos e instituições que foram utilizados, como nas famílias, nas escolas, na imprensa, nas igrejas e no próprio Estado, para efetivar um discurso de dominação. Embora as mulheres não tenham manifestado resistências a essa situação de dominação, cada uma daquelas que são estudadas neste trabalho, a sua maneira, conseguiram efetiva participação nas relações em que viveram nos espaços públicos e privados.

A historiografia goiana preponderante, quando trata do período, não destaca a participação das mulheres nas relações políticas, mesmo sendo visível que elas tiveram atuação nas áreas sociais, culturais, religiosas e familiares, enquanto se desenvolviam os embates e arranjos políticos na Primeira República no Estado de Goiás.

Não foi diferente o que historicamente no mundo se verificou nos primeiros relatos em que aparecem as mulheres, feitos pelos historiadores gregos e romanos,  em que elas são quase invisíveis no espaço público, já que ficavam em casa, atuando em família e longe da sociedade, considerando que a invisibilidade representava  a ordem perfeita das coisas e a garantia  da tranquilidade nas cidades gregas. Nessas primeiras abordagens, só os homens são indivíduos, têm nomes e sobrenomes para serem transmitidos (PERROT, 2007, p. 17).

 Entretanto, mesmo em remotos tempos encontram-se as presenças das mulheres, como nas crônicas medievais que tratavam dos santos e que mostravam as mulheres preservando a virgindade, rezando ou ainda reforçando o discurso de serem piedosas; assim como também o oposto, na posição de escandalosas e malvadas para aparecer, entre as quais se destacaram os casos das cruéis rainhas merovíngias. 

O reino merovíngio foi palco das relações entre duas mulheres que foram além dos espaços privados. Quando a Gália foi entrega aos Francos, os reis e seus exércitos martirizavam seus prisioneiros de Guerra, cortando as mãos, os pés e a ponta do nariz, mutilando o resto do corpo com ferro quente. Entre os diversos reinados merovíngios, destacaram-se as figuras de Brunilda e Fredegunda, conhecidas como as mulheres mais sanguinárias da história (CHARRONE, 2010, p. 02).

Escreve João Paulo Charrone que, na segunda metade do século VI, os irmãos Sigiberto e Chilperico eram rivais na região da Gália, travaram vários embates na disputa por territórios, que   se tornaram mais cruéis com a morte da esposa de Chilperico, a princesa visigoda Galswinta, irmã de Brunilda e que apareceu estrangulada no palácio. Este crime colocou as duas mulheres malvadas no cenário histórico da época: Brunilda e Fredegunda (CHARRONE, 2010, p. 02).

Fredegunda, rainha consorte de origem humilde, era serviçal da primeira esposa de Chiperico e convenceu o rei a enviar sua mulher para o convento e então se tornou concubina dele. Prosseguindo sua saga de maldades, conseguiu o assassinato de seu cunhado Sigiberto (CHARRONE, 2010, p. 02).

Brunilda lutou contra Chilperico a partir do assassinato de Sigiberto, seu esposo, liderando relações de poder, intrigas e conspirações. No final, ela  caiu nas mãos de Clotário II, filho de Chilperico com Fredegunda e teve morte em 613, após a tortura, com seus cabelos, braços e pés atados a um cavalo, sendo arrastada pelas ruas (CHARRONE,  2010, p. 3).

   Com a profissionalização da história científica nos   séculos XVII e XVIII, as narrativas mostram a inconveniência das mulheres no poder, como no caso de Catherine de Medici ou no papel de mãe, dona de casa ou de heroína na França, com Joana d’Arc (PERROT, 2007, p. 18).

Já no século XIX aparecem mulheres aristocráticas que, segundo Michelle Perrot, buscavam ganhar a vida escrevendo biografias de outras mulheres, destacando em seus trabalhos as rainhas, as santas, as cortesãs ou “mulheres excepcionais”, ou seja, aquelas que mais se destacavam (PERROT, 2007, p. 18).

Mais recentemente, Joan W. Scott faz uma reflexão crítica sobre a conexão histórica das mulheres com a política e com a própria disciplina História, destacando que  há vários sentidos de política  atualmente utilizados. Em especial neste trabalho será levado em consideração o pensamento de que existem indistintos limites de definição e espaços, fazendo com que qualquer utilização tenha múltiplas ressonâncias:

 

[…] “política” é usada atualmente em vários sentidos. Primeiro, em sua definição mais típica, ela pode significar a atividade dirigida para/ou em governos ou outras autoridades poderosas, atividade essa             que envolve um apelo à identidade coletiva, à mobilização de recursos, à avaliação estratégica e à manobra tática. Segundo, a palavra “política” é também utilizada para se referir às relações de poder mais gerais e às estratégias visadas para mantê-las ou contestá-las. Terceiro,  a palavra “política” é aplicada ainda mais amplamente a práticas que reproduzem ou desafiam o que é às    vezes rotulado de “ideologia”, aqueles sistemas de convicção e prática que estabelecem as identidades individuais e coletivas que formam           as relações entre indivíduos e coletividade e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas ou autoevidentes  (SCOTT, 2011, p. 68-69).

 

Nas narrativas convencionais da origem do campo história das mulheres e sua conexão com a política, criticada por Joan W. Scott, o ponto de partida se dá nos Estados Unidos após o ano de 1960, “quando as ativistas feministas reivindicavam uma história que estabelece heroínas, prova de atuação das mulheres e também explicações sobre a opressão e inspiração para a ação” (SCOTT, 2011, p. 66).

Depois, ainda na narrativa criticada por Joan W. Scott (2011, p. 66), entre a segunda metade e o final da década de 1970, haveria um afastamento da história das mulheres da política, quando se ampliaria o campo de questionamento, buscando documentar todos os aspectos da vida das mulheres no passado e ganhando energia própria.

Nesta narrativa linear, o desvio para o Gênero ocorreria na década de 1980, quando este campo conseguiria seu próprio espaço e romperia definitivamente com a política do movimento feminista (SCOTT, 2011, p. 66). A história das  mulheres passou do feminismo político para a história das mulheres, até chegar à teorização através do Gênero. Ela teria saído da política para a história especializada e daí para a análise ( SCOTT, 2011, p. 67).

Este tipo de narrativa não é aceito sem críticas por Joan W. Scott, que defende um relato mais complexo, levando em consideração ao mesmo tempo a posição variável das mulheres na história, o movimento feminista e a disciplina História (SCOTT, 2011, p. 67).

Reconhece Joan W. Scott que a história das mulheres está associada ao surgimento do movimento feminista e que este não desapareceu, tanto da sociedade, quanto da universidade. Discorre ela que mesmo aqueles que utilizam a categoria gênero se denominam historiadores feministas e grande parte da atual história das mulheres opera com conceitos de Gênero, voltados com preocupação para a política feminista. Defende ela, ainda, que os desenvolvimentos da história das mulheres estão relacionados com o feminismo como movimento político e que essa história  é um campo dinâmico na política de produção do conhecimento com ligações à política feminista e à academia (SCOTT, 2011, p. 68).

É dentro dessa perspectiva de Gênero e história das mulheres de Joan  W. Scott que se insere a participação das mulheres nas relações nos embates e arranjos políticos em Goiás no início do século XX, tendo em vista que é a partir da política e do poder, como domínios do Gênero,  que se parte para a análise histórica (SCOTT, 1990).

Mas por que escrever a história das mulheres em relações já retratadas em que prevaleceu o discurso do coronelismo e do domínio dos homens nesses eventos? O diferencial do trabalho resulta neste ponto, pois as mulheres não estavam ausentes desses acontecimentos e propõe-se aqui responder indagações sobre essa participação, com questões entre outras, sobre como as mulheres legitimaram o discurso do poder masculino ou se já naquele período era possível perceber algumas experiências  que  as tornaram emancipadas.

Pretende-se também encontrar as respostas sobre qual seria a base, como ocorreu o processo de construção, como se deu a experiência e de que maneira  essas relações foram moldadas, se  num processo de negociação, de imposição ou consensual. 

Não simplesmente reproduzir tudo que já foi dito, mas problematizar e trazer novos conhecimentos a partir das relações de poder na perspectiva de Gênero e política na Primeira República em Goiás é o que se desenvolve neste estudo.

 

2.1   AS MULHERES NAS RELAÇÕES POLÍTICAS EM GOIÁS

  

Quando se fala da categoria Gênero nos estudos históricos para compreensão da emancipação política de Santa Rita do Paranaíba, tem-se como novidade a articulação deste com a noção de poder e o reconhecimento desta categoria como um modo de dar significação às relações que se desenvolveram nos primeiros anos da República em Goiás e mostrar ainda como a hierarquia de gênero foi construída, legitimada, contestada, narrada e mantida (SCOTT, 1995, p. 12).

Procura-se ainda refletir sobre as abordagens históricas de dimensão  social e política que atribuíram  aos sistemas  do  patriarcado   e do coronelismo, a legitimação   da liderança masculina nas relações de poder  durante  a Primeira República  em Goiás.

Articula-se o Gênero  com o Poder, levando-se em consideração esta categoria na concepção de  Foucault, que assim discorre:

 

[…] O poder não existe. Quero dizer o seguinte: a ideia de que existe, em um determinado lugar, ou emanando de um determinado ponto, que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. […] Mas se o poder na realidade é um feixe aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações, então o único problema é munir-se de princípios de análise que permitam uma analítica das relações do poder (FOUCAULT, 1979, p. 248).

 

Trabalha-se  a história das mulheres no espaço público a partir do processo de emancipação  de  Santa Rita do Paranaíba  da  cidade de Morrinhos, que foi centro do poder político em Goiás no início do século XX.

Faz-se uma ligação com a capital do Estado com Amélia Augusta de Moraes em suas relações na política, na sua condição de mulher  que,  mesmo vivendo em um período e locais em que predominava o discurso de dominação dos homens, soube articular  para ser participante ativa dos embates e arranjos  políticos que ocorreram em Goiás .

Seja Messias como a jovem fiel católica no pequeno arraial, seja como Francisca, a capitalista herdeira na cidade de Morrinhos ou como suas filhas  Amélia Augusta, jovem primeira-dama na capital de Goiás, Maria Carolina e Anna Theodora como primeiras-damas em Morrinhos e Piracanjuba, as mulheres estavam presentes na política e nas relações de poder  nos anos que marcaram a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

As hierarquias de Gênero foram moldadas de várias maneiras. Consensuais nos espaços privados, como na família e na igreja, enquanto nos espaços públicos foram impostas. Foram feitas legislações que impuseram a exclusão das mulheres  deste meio. Em ambos os espaços as mulheres legitimaram a dominação.

Entretanto, em alguns aspectos opera a superação da dominação de forma natural, seja através do evento de morte que torna Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes herdeira do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, seja na participação ativa como primeira-dama de Amélia Augusta de Moraes Almeida.

As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina conseguiram avanços na Primeira República com estratégias de participação, legitimadas pelo direito de herança e também pelas condições econômicas que proporcionaram visibilidade e presença ao lado dos homens nos eventos políticos. Aos poucos ocorre a politização do espaço privado, com atividades políticas e públicas na casa da família, apesar da proibição do acesso ao voto e aos cargos públicos.

 

2.1.1  As mulheres do Interior

 

            Em Santa Rita do Paranaíba, as mulheres aparecem nas relações políticas através de Messias Alexandrina Marquez, esposa do líder político local Jacintho Luiz da Silva Brandão. Nascida em Santa Rita do Paranaíba em 13/10/1883, filha do comerciante Damaso Martins Marquez, irmão de Dona Francisca Carolina Nazareth  Moraes, Messias passou sua infância na fazenda dos pais, que estava situada nos arredores do Arraial, e foi batizada nos primeiros meses de vida na paróquia local de Santa Rita de Cássia,  conquistada aos dezesseis anos, e  trazida para a cidade em um cavalo para se casar com então padrinho de batizado (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

 

Francisca Carolina de Nazareth Moraes, nascida em 1843, viveu sua infância e adolescência em Santa Rita do Paranaíba, onde se casou no início da década de 1860 e teve seus primeiros três filhos. Filha do capitão Manoel Martins Marquez, mais importante fazendeiro e comerciante do Arraial até 1886, quando faleceu. Foi em Santa Rita do Paranaíba que viveu os momentos marcantes de sua vida, como batizado, casamento inicial na década de 1860, viuvez no final da década de 1860, novo casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1869 e recebimento da primeira parte da herança de seu pai em 1886. Ainda no Arraial teve intensa participação na Paróquia de Santa Rita de Cássia.

O casamento de Messias Alexandrina Marquez com o líder santa-ritense Jacintho Luiz  da Silva Brandão foi realizado em 1900, ele então com cinquenta  anos e ela com pouco mais de dezesseis. Messias era católica, não teve filhos e não participava das atividades políticas do marido, mas deixou alguns vestígios através de seus familiares ainda vivos, que podem ajudar na produção de novos conhecimentos sobre a participação das mulheres na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Certamente, ela aceitou fazer parte do jogo do poder local e deve ter encontrado o coronel  Jacintho Luiz da Silva Brandão na participação das missas na igreja católica e nas reuniões políticas em que participavam seu pai Damaso Marquez e seu tio  Tibúrcio Marquez e o primeiro filho de Dona Francisca, o major Galdino da Silveira Marquez, membros de uma família tradicionalmente militante na política local.

                       

As ligações entre o distrito e o município de Morrinhos estavam relacionadas com as famílias, fato que mantinha a dominação, já que Francisca Carolina de Nazareth  Moraes casou-se em 1869 com Hermenegildo Lopes de Moraes e mudou-se para Morrinhos em 1871. Francisca Carolina era tia de Messias Alexandrina, que por sua vez participava das relações de poder no distrito através de Jacintho Luiz da Silva Brandão, seu esposo. Por causa desta relação, é provável que Santa Rita do Paranaíba não se emancipasse.

 Não era interesse dos Jacintho Luiz da Silva Brandão a partir de Santa Rita do Paranaíba e do  coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, enquanto vivo até 1905, e após a sua morte, do líder político da região, seu filho que tinha o  mesmo nome, emancipar  o distrito de Santa Rita do Paranaíba (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

            As presenças de Dona Francisca e do coronel Hermenegildo a partir de Santa Rita do Paranaíba já eram percebidas desde a segunda metade do século XIX, através de vestígios nas participações na igreja local de Francisca Carolina de Nazareth Moraes  com seu futuro marido Hermenegildo Lopes de Moraes, ela na época com cerca de vinte anos de idade e casada com o primeiro marido Alcebíades José da Silveira. Um dos encontros pode ser constatado conforme registros batismais da Paróquia de Santa Rita de Cássia, ocasião de um reconhecimento de paternidade:

 

[…] a quatro de outubro de 1863, o vigário Félix Fleury Alves de Amorim Baptizou e poz os santos óleos ao innocente Alexandre Filho de Anna Rosa Ribeiro, solteira, foram padrinhos           Alcebíades José da Silveira e sua mulher D. Francisca Carolina de Nazareth. No acto de     fazer-se o presente assentamento apresentaram-se-me Manoel Silveira, Alcebíades Jose da Silveira, sua Mulher D. Francisca Carolina Ferreira, Joaquim    Martins Marquez, e Hermenegildo Lopes de Moraes abaixo assignados perante quaes José Manoel da Silveira declarou-me que reconhece por seo legítimo filho o innocente Alexandre, filho de Anna Roza e pediu-me que fizesse a presente declaração que vae assignada por mim Padre Félix Fleury de Amorim Vigário collado desta Freguesia de Santa Rita do Paranahyba por se achar parallytico das mãos José Manoel da Silveira assigna por seu mandato o seo filho Alcebíades Jose da Silveira, os padrinhos, e as testemunhas acima declaradas (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 218).

 

 

              O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes era comerciante, fazendeiro e administrador do Porto de Santa Rita do Paranaíba, num momento em que estava ocorrendo a Guerra do Paraguai (1864-1870), em que as tropas necessitavam de gêneros alimentícios e sal, além dos serviços de transportes, ocasião em que ele aproveitou e tornou-se um grande fornecedor. Até percebe-se pelos relatos, certo conflito de interesses, já que era funcionário público, como administrador do Porto, e podia usar os recursos do Estado para pagar a compra dos mantimentos; por outro lado, como comerciante era um grande fornecedor destas tropas.

            Com a morte de Alcebíades José da Silveira, primeiro esposo de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes,  a viúva então com vinte e seis anos, casou-se com  o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes no dia 04 de novembro de 1869, conforme registros de casamentos da Paróquia de Santa Rita de Cássia:  

 

                                      [...]  novembro de 1869. Aos quatro dias do mês de novembro de mil   oitocentos e sessenta e nove nesta Parochia de Santa Rita do Paranahyba,       da Província e Bispado de Goiaz pelas quatro horas da tarde em minha                             presença compareceram os nubentes Hermenegildo Lopes de Moraes e D.     Francisca Carolina de Nazareth, habilitados com as trez admoestações que          ordena  o sagrado concilio Tridentino, e a Constituição Metropolina, e com            os demais papéis de estylo, e sem impedimento algum canônico, ou civil                                       para o cazamento: elle de idade trinta e seis anos, solteiro natural e    baptizado na Freguezia de N..S. Da Abadia do Curralinho, filho legitimo de        André Corcino de Moraes, e de Maria das Virgens da Conceição: ella de                            idade vinte e seis annos, viúva por falecimento de Alcebíades José da            Silveira, nascida nesta Freguezia e Baptizada na Freguezia de S. Francisco       de Monte Alegre,  filha legiítima de Manoel Martins Marquez, e da fallecida             D. Hyppolita Maria de Nazareth, todos naturaes deste bispado e moradores                                       nesta Parochia de Santa Rita do Paranahyba os quaes os nubentes se           receberão por marido e mulher com palavras de presente conforme os votos   cerimoniais da Santa madre Igreja Cathólica Apostólica  Romana,                        sendo            testemunhas presentes o Tenente José Fleury Alves D´Amorim,sua                                       consorte D. Anna de Siqueira Fleury, e Carlos Martins Marquez, moradores     nesta Freguezia, que sei serem os próprios; do que tudo para constar lavrei   este assento que depois de lido, e conferido perante as testemunhas, commigo a assignaram (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 219).

           

              No primeiro casamento, Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes teve três filhos com Alcebíades José da Silveira e após ter o primeiro filho no segundo casamento, em 1870, com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, mudou-se para a cidade de Morrinhos em 1871, que estava em processo de emancipação.

            No auge dos movimentos que vão mudar a política em Goiás em 1909, a partir de Morrinhos, centro do poder político em Goiás na ocasião, quando da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, aparece a figura de Francisca Carolina Nazareth Moraes, administrando uma grande fortuna, herdada do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1905 (OLIVEIRA, 2006).

               Sobre a cidade de Morrinhos, que antes era chamada de Vila Bela de Morrinhos, e que se tornou influente na política de Goiás no início do século XX, em 1845, quando então era   distrito da Vila de Santa Cruz, conseguiu sua primeira emancipação em 05 de novembro de 1855, com a denominação de Vila Bela do Paranaíba e tendo como distrito Santa Rita do Paranaíba. Após quatro anos, retorna à condição de Distrito de Santa Cruz, tendo sido suprimida sua condição de Vila independente administrativamente. Em 1871 o município é restabelecido com o nome de Vila Bela de Morrinhos e reinstalado em 03 de fevereiro de 1872. No ano de 1882 é elevado à categoria de cidade com o nome de Morrinhos, que prevalece até os dias atuais.

              A única filha de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, Amélia Augusta de Moraes Almeida,  estava casada com o líder político em Goiás desde 1901, José Xavier de Almeida. Na capital do Estado de Goiás, ocasião em que     se tornou a primeira-dama mais jovem do Estado, então  com dezessete anos, quando acompanhou o marido na chegada ao Palácio do governo, em agosto daquele ano e de sua saída  do poder em março de 1909, com o movimento golpista  promovido por José Leopoldo de Bulhões Jardim e seus aliados (BRITTO, 1974, p. 297-308).

              O primeiro filho de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, nascido em 1870, em Santa Rita do Paranaíba, tinha sido eleito presidente do Estado, mas  não veio a assumir, devido ao Golpe Político de 1909 em Goiás, articulado pelo grupo político dos Bulhões (BRITTO, 1974, p.297).

              É importante destacar também a partir de Morrinhos as relações de poder das filhas do primeiro casamento de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, Maria Carolina da Silveira e Anna Theodora da Silveira, que nasceram na década de 1860 em Santa Rita do Paranaíba e se casaram na década de 1880 com caixeiros e sócios do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, tornando-se primeiras-damas,  respectivamente, em Morrinhos e em Pouso Alto, hoje Piracanjuba.

              Maria Carolina Silveira Nunes, nascida em 30/10/1862, casou-se em 07/02/1883 com o coronel Pedro Nunes da Silva, tendo sete filhos gerados a partir de 1884. Tornou-se primeira-dama de Morrinhos a partir da década de 1890 e depois no início do século XX.  Por ter desenvolvido destacado trabalho na área de assistência social, foi chamada de “Mãe da pobreza” em Morrinhos.

              Anna Theodora da Silveira Amorim, a caçula do primeiro casamento de Francisca se casou com Pacífico do Amorim, um dos sócios do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em Morrinhos, que praticava o comércio e exercia cargos públicos em Pouso Alto, hoje Piracanjuba. Ela também se tornou primeira-dama daquele município.

              Nos embates e arranjos políticos, que resultaram no Movimento de 1909 em Goiás e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba, há uma série de relacionamentos que ligam o município de Morrinhos  à capital de Goiás, como se nota nas pessoas das  lideranças políticas e suas esposas, como  na capital com José Xavier de Almeida e Amélia Augusta, e principalmente no interior, com Hermenegildo Lopes de Moraes e Francisca Carolina de Nazareth Marquez Moraes em Morrinhos, até chegar em Santa Rita do Paranaíba com Jacintho Luiz da Silva Brandão e sua esposa Messias Alexandrina.

As relações de poder vividas por essas mulheres provenientes da casa de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes estavam presentes em uma vasta região do sul de Goiás, que começou na divisa com Minas Gerais, a partir de Santa Rita do Paranaíba, passou por Morrinhos e chegou a Piracanjuba.

A partir dos casamentos de Francisca, Maria Carolina e Anna Theodora, é interessante observar que eles foram realizados com coronéis e as mulheres tinham boa situação econômica e com idade superior a vinte anos quando contraíram as núpcias. Todas realizaram o casamento na igreja católica.

Amélia Augusta de Moraes Almeida, caçula do casamento entre Hermenegildo Lopes de Moraes e Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, realizou suas núpcias por ato civil e especialmente religioso na cidade de Morrinhos, mudando imediatamente para a capital do Estado, já que no mês de agosto, seu esposo, o bacharel José Xavier de Almeida iria a assumir o governo do Estado e ela, o papel da mais jovem primeira-dama que Goiás teve.

Mesmo com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 15 de maio de 1905, a casa de Dona Francisca continuou influenciando a política em Goiás e permaneceu como local de articulações, com o bacharel que tinha o mesmo nome do pai liderando o processo, mas levando em consideração que Francisca Carolina de Nazareth de Moraes estava presente administrando a herança herdada com a morte do marido.

Seja com José Xavier de Almeida na presidência do Estado e como deputado federal e depois eleito senador, seja também com a participação do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes como deputado federal e depois eleito presidente do Estado, a casa de Dona Francisca no interior do Estado foi o centro do poder político em Goiás, apesar da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1905.

 

2.1.2  As mulheres da Capital

 

Essas mulheres que tiveram vivência com os embates e arranjos políticos da Primeira República em Goiás também alcançaram a cidade de Goiás, capital do estado naquele período.

Como se observa nos casamentos dos principais líderes políticos do período, os bacharéis José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida, casaram-se com jovens com idade aproximada de dezesseis anos, quando ambos já eram formados e tinham idades superiores a trinta anos, destacando que o primeiro casou-se com alguém dentro da própria família, que foi com a sobrinha e   somente por ato civil e o outro fez a vontade da esposa casando também por ato religioso na cidade de Morrinhos.

O registro do casamento de José Leopoldo de Bulhões Jardim foi feito no final do século XIX ao contrair núpcias com Cecília Adelaide Félix de Souza, nascida em 1873, que se realizou no dia 12 de outubro de 1890, com o líder vencedor do movimento golpista de 1909 (GOYAZ, 1890, ed. 265).

É interessante também mostrar o lugar nessas relações de poder, a capital goiana, a participação de uma família que não recebe influência da igreja católica, já que José Leopoldo de Bulhões Jardim tinha formação liberal e contrária à hegemonia da igreja católica na região, gerando grandes conflitos, que inclusive ocasionaram a mudança da sede do episcopado da capital goiana para Uberaba, em Minas Gerais, devido a desentendimentos com o bispo Dom Eduardo Duarte da Silva (SILVA, 2003).

Pelos vestígios vão ocorrer casamentos realizados apenas pelo ato civil, como o de Adelaide Emília de Bulhões Jardim, nascida em 1850, irmã e sogra de José  Leopoldo de Bulhões Jardim,  que se casou com o irmão de seu pai, Benedicto Felix de Sousa.

Nos primeiros anos da Primeira República foi aprovado o Decreto 181 de 24/01/1890, considerando somente válido para os efeitos legais o casamento realizado no civil, desencadeando uma série de conflitos entre o político José Leopoldo Bulhões Jardim com a igreja católica. Nesse período o clero fez intensa campanha para se evitar o casamento civil e defendia a necessidade da “moralização da vida privada” através do casamento religioso (SILVA, 2003).

Exatamente no ano de 1890, José Leopoldo Bulhões Jardim se casa e, confirmando sua posição liberal e republicano, seu casamento é realizado somente como ato civil, enquanto que a maioria das famílias em Goiás naquela época ainda fazia questão de realizar as cerimônias religiosas como pregava e defendia a igreja católica (SILVA, 2003).

O jornal GOYAZ ,de propriedade da família Bulhões, na sua edição nº 250, de 04 de julho de 1890, traz informações sobre a validade somente do casamento civil, informando que, desde 24 de maio de 1890, somente ele é válido, ressaltando que eram permitidas as formalidades e cerimônias religiosas, mas que não produziam nenhum efeito legal, tais como o estabelecimento do vínculo conjugal, sobre direitos e deveres dos cônjuges, pátrio poder, legitimidade da prole, parentesco legítimo e direitos sucessórios (GOYAZ, 1890, ed. 250).

José Leopoldo de Bulhões Jardim também faz sua ligação entre a capital e o distrito de Santa Rita do Paranaíba através de sua irmã, Ângela de Bulhões Jardim,  casada com o ex-ministro do STF- Supremo Tribunal Federal no ano 1905 e Procurador Geral da República, Guimarães Natal.

Joaquim Xavier Guimarães Natal era irmão  do administrador da recebedoria de Santa Rita do Paranaíba,  Antônio Xavier Guimarães, e que foi um dos líderes, a partir de sua fazenda no norte, do movimento de 1909, que resultaria na emancipação de Santa Rita do Paranaíba e no reconhecimento daquele que tinha perdido a eleição como presidente do Estado de Goiás, o  engenheiro e militar Urbano Coelho de Gouveia, casado com  Leonor Adelaide Bulhões Jardim, também irmã de José Leopoldo de Bulhões Jardim (CAMPOS, 1996).

Católicos, engenheiros, militares, advogados e funcionários públicos, mães, filhos/as, irmãos/ãs, cunhados/as, um círculo de relações que muda a história de Goiás, num tempo em que se atribuíram todas as mudanças aos coronéis, excluindo as mulheres dos espaços públicos do poder, quando se ainda escrevia uma história em que as mulheres estavam ausentes do discurso oficial.

A expansão dos estudos sobre as mulheres levou a uma redefinição do político, antes ligado ao campo do poder das instituições públicas e do Estado, passando para a esfera privada e do cotidiano (MATOS, 2002 p. 1050). Assim, é possível encontrar nas “brechas” ocupadas por essas mulheres goianas na Primeira República  mostras de que elas  ocuparam o espaço público como parceiras dos homens nas viagens, nos encontros festivos nos palácios e, enfim, nas relações com a política (MATOS, 2002, p. 1050).

Antes, os limites entre o público e o privado estavam bem delimitados, com o privado sendo considerado o espaço das mulheres, o locus da moralização, ocupando com a definição das esferas sexuais e da delimitação do espaço entre os sexos, a representação do lar, da família, destacando a maternidade como necessidade (MATOS, 2002, p. 1055).

 Busca-se aqui mudar a narrativa histórica através de representações que mostrem as mulheres goianas ativas e parceiras nas experiências com a política, evidenciando-se que, apesar de elas não conseguirem visibilidade nas tramas das eleições e nos partidos políticos, ganham voz e presença com a participação nos embates e arranjos políticos do início do século XX em Goiás, pela historicidade  da  vida íntima, dos  lugares  da vida doméstica como mães,  filhas, esposas.

Constrói-se assim uma abordagem histórica considerando-se os espaços em que as mulheres ganham visibilidade, a partir de experiências em que o sujeito é constituído, como nas igrejas, na família, nos eventos festivos, nas viagens. Conforme ressalta Maria Izilda Santos Matos, acontece a politização dos espaços privados com a política chegando ao âmbito do cotidiano, permitindo questionar várias transformações na sociedade, como o funcionamento da família, a vida das mulheres, as lutas e os gestos do cotidiano (MATOS, 2002, p. 1048).

Como foi tratado em relação às categorias Gênero, anteriormente, e nesta parte do trabalho em relação à cultura, também é importante se utilizarem outras categorias que possam permitir uma análise das relações de poder em Goiás, e a experiência que será tratada em seguida, ocupa espaço importante nesta pesquisa.

Trabalha-se com a sugestão  de Joan W. Scott, que propõe historicizar a experiência (SCOTT, 1999, p. 41), isto é, construir as  abordagens históricas  considerando os espaços  em que os sujeitos  se constituem  e a partir das experiências  possíveis nos  lugares e tempos   em que estas acontecem, e fazendo uma análise dos modos de vida, das relações pessoais, das redes familiares, das amizades tanto entre homens e mulheres, como entre as próprias mulheres, os vínculos afetivos, as formas de comunicação, de resistência e de lutas neste período de embates e arranjos políticos em Goiás.

 

2.2   A EXPERIÊNCIA E AS MULHERES

 

 

As mulheres sempre estiveram presentes nas relações políticas na Primeira República em Goiás, mas por várias razões sempre foram omitidas nas abordagens descritivas de historiadores do período. Dentro dessa perspectiva busca-se, através  do pensamento de Joan W. Scott,  historicizar a Experiência (SCOTT, 1999, p. 41), isto é,   construir as  abordagens históricas  considerando os espaços  em que os sujeitos  se constituem  e a partir das experiências  possíveis nos  lugares e tempos   em que estas acontecem e fazendo uma análise dos modos de vida, das relações pessoais, das redes familiares, das amizades tanto entre homens e mulheres, como entre as próprias mulheres, os vínculos afetivos, as formas de comunicação, de resistência e de lutas nesse período de embates e arranjos políticos em Goiás.

Utiliza-se de estratégias metodológicas para tornar histórico o que foi sempre escondido da história goiana, e dentro dessa perspectiva a Experiência  é vista como integrante da linguagem cotidiana, e como tal é utilizada para falar dos acontecidos e nesse relacionamento entre as coisas que aconteceram e a linguagem, evitando-se a naturalização da mesma e a  levando em consideração, ainda  conforme a historiadora Joan W. Scott, que orienta analisar seu funcionamento e redefinir o seu significado, tratando-a como categoria de análise histórica, que, ao ser escolhida, é contextual, contestável e contingente (SCOTT, 1999, p. 46).

As experiências são analisadas na pesquisa para buscar respostas sobre como foram constituídos os sujeitos, sendo tomadas como ponto de partida para a  desconstrução da história social, do discurso, da linguagem e de todas outras  formas que excluíram as mulheres como participantes dos embates e arranjos políticos de Goiás e constituíram os coronéis como protagonistas desses eventos. Não se faz a simples reprodução e transmissão do que já foi escrito sobre as relações de poder na Primeira República em Goiás, mas procura-se fazer uma análise de como foram produzidos esses conhecimentos sobre o período que colocaram os homens como protagonistas dos mesmos.

Embora as mulheres estivessem presentes nas relações de poder que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba e no golpe político de Goiás em 1909, elas sempre foram omitidas na historiografia goiana em relação ao campo político, que reproduziu o discurso de dominação dos homens e lhes reservou exclusivamente a participação nos embates e arranjos políticos. Pretende-se então, com a utilização da Experiência como mais uma categoria, fazer uma análise e encontrar, a partir dela, outros protagonistas nesses eventos políticos da Primeira República. Assim não se pretende partir das experiências com sujeitos previamente constituídos, mas historicizar a categoria e ver como os sujeitos foram constituídos, como admoesta Scott:

 

[…] Não são os indivíduos que têm experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência. A experiência, de acordo com essa definição, torna-se, não a origem de nossa explicação, não a  evidência  autorizada (porque vista ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos explicar, aquilo sobre o qual se produz       conhecimento. Pensar a experiência dessa forma é historicizá-la, assim como   as identidades que ela produz. Esse tipo de historicização representa uma resposta aos/às muitos/as historiadores contemporâneos/as que argumentam que uma “experiência” sem problematização é o fundamento de           suas práticas; é uma  historicização que implica uma análise crítica de todas as categorias explicativas que            normalmente não são questionadas, incluindo     a categoria “experiência” ( SCOTT, 1999, p. 27-28).

 

 Com a análise das experiências relatadas na documentação escrita sobre  os homens e as mulheres,  na economia, nos costumes,  na sociedade, enfim   nas diversas situações busca-se entender como foram articuladas e construídas essas diversas relações de poder e assim chegar à construção de outros sujeitos que estiveram presentes e que não se resumiram aos coronéis, como tratam as abordagens descritivas.

Essa abordagem permite trazer respostas sobre o que estava por trás das relações  de  casamento,  dos  pactos  matrimoniais, dos embates, das alianças para  a composição de poder  que legitimou  uma prática de pacto coronelista em Goiás no início do séc. XX e produzir novas narrativas sobre esse período,  usando as experiências como ponto de partida da pesquisa para encontrar a participação das mulheres.

  A novidade e originalidade desta proposta é justamente perceber nesses pactos a presença das mulheres e a possibilidade de fazê-las atuar como protagonistas nesse momento político pesquisado.

A categoria Experiência, nos moldes proposto por Joan W. Scott, vai além da constatação das diversas ações das mulheres nas relações de poder na Primeira República em Goiás, como já descrito pelos historiadores ortodoxos, que utilizaram como evidência incontestável o domínio dos homens; e assim parte-se para produzir conhecimento a partir da reflexão sobre   a maneira como as mulheres viveram e interpretaram sua existência  nessas relações de poder como mães, filhas, esposas, primeiras-damas, herdeiras das fortunas,  sempre ativas em todos os embates e arranjos que se deram em Goiás nos primeiros dez  anos do século XX.

Utiliza-se da categoria Experiência não como origem da explicação dos acontecimentos políticos em Goiás que colocaram os coronéis como principais sujeitos, mas vai se interrogar o processo de criação através dos discursos de dominação dos homens, concebendo que ela não é apenas aquela que legitima  a autoridade  de uma  narrativa;  muito mais  que isso, ela pode gestar outros sujeitos históricos até então omitidos, como explica Joan W. Scott:

 

                                     Quando a experiência é considerada como a origem do conhecimento, a        visão do sujeito individual (a pessoa que teve a            experiência ou o/a        historiador/a que a relata) torna-se o alicerce da evidência sobre o qual se          ergue a explicação. Questões   acerca da natureza  construída  da        experiência,  acerca  de  como  os  sujeitos  são,  desde  o  início,     constituídos de maneiras diferentes, acerca de como a visão de um                                  sujeito é estruturada - acerca da linguagem (ou discurso) e história – são        postas de lado. A evidência da experiência, então, torna-se evidência do           fato da diferença, ao invés de uma maneira de explorar como se estabelece         a diferença, como ela opera, como e de que forma ela constitui sujeitos que    veem e agem no mundo ( SCOTT, 1999, p. 26).

 

 

As experiências das mulheres quando desses embates e arranjos não podem ser consideradas como um momento de emancipação no sentido de superação dos discursos de dominação dos homens, mas em certos aspectos como o jurídico chega a ocorrer nesta situação. As experiências revelam a presença das mulheres ao lado dos homens em diversos espaços públicos e privados, com táticas para entrarem nesses espaços, sem entretanto contestarem de frente a dominação e assim legitimando o discurso dos homens.

A Experiência, nesse contexto, é uma história do sujeito e também um evento linguístico, pois, não acontece fora de significados estabelecidos. A explicação histórica não pode separar as duas, mas também não está presa a uma ordem de significados. A Experiência é uma história do sujeito e a linguagem é o local onde a história é encenada (SCOTT, 1999, p. 42). Por isto, a prática de historicizar  a Experiência dessas mulheres   em seus lugares  estabelecidos para reconhecer  os seus lugares de sujeito nessas articulações políticas em Santa Rita do Paranaíba.

Com quem as mulheres dialogaram nessas relações de poder? Com os padres, os pais, os filhos, a imprensa, os políticos, os professores, os amigos, os parentes? Há um movimento, uma lógica. Elas não são obrigadas a entrar  nessas relações  de poder, fazem isso com liberdade e se articulam, embora não consigam   emancipar-se, enquanto sujeitos historicamente engajadas, participam como parceiras, mas fortalecendo  o discurso do poder dos homens.

 Então, a partir desses questionamentos, vai-se refletir sobre essas experiências, questionando-se sobre como o que evidencia o movimento dessas mulheres, e quais as brechas no poder em que se constituíram os sujeitos nos eventos políticos em Goiás na Primeira República. 

Como essas vivências foram sendo moldadas? Houve um processo de negociação ou foi consensual a dominação dos homens? Como aparecem as mulheres  nos encontros políticos, nas visitas, nas reuniões festivas e que culminaram no casamento? Elas foram por imposição dos homens ou agiram livremente em suas vontades?

 Embora houvesse o desejo dos pais, dos líderes políticos, as mulheres tinham condições de dizer não, como fizeram algumas que preferiram ficar solteiras e não participaram das relações de poder, mas as que assim decidiram, foi porque aceitaram as condições do jogo do poder. 

As mulheres estavam presentes nos eventos festivos dos palácios, nos eventos públicos e nas viagens entre a capital, Morrinhos, Santa Rita do Paranaíba e Rio de Janeiro, mas era em suas residências que confidenciavam com seu parceiro o seu dia a dia, como bem enfoca Célia Coutinho Seixo de Britto (1974).

Como essas relações de gêneros foram moldando-se e como foram se naturalizando? Foram aceitas essas negociações de maneira consensual, levando as mulheres das relações de poder a ganhar, já que poderiam participar bem de perto dos embates e arranjos políticos que mexeram com as estruturas do poder em Goiás e em Santa Rita do Paranaíba em 1909 ou isso se deu de outra maneira?

Tudo nesse contexto é contestável e político. Não se pretende naturalizar os sujeitos reproduzindo o que já foi escrito sobre esses embates e arranjos políticos, daí a importância da utilização da categoria Experiência, para que, a partir dela, façam-se todos esses questionamentos e se compreenda a construção e a participação de vários protagonistas nesse campo político nos acontecimentos que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

Utilizar a categoria experiência ajuda a entender a participação das mulheres nas famílias, na igreja, na imprensa e no próprio Estado, através da presença dos esposos nos governos e no parlamento, constituindo-se em um caminho para dar respostas sobre como foi moldada a hierarquia nessas relações que colocaram os homens em posição de dominadores e as mulheres na de excluídas de muitos processos, principalmente nos espaços públicos.

Como as instituições agiram na constituição dos sujeitos e que base ideológica foi utilizada é o que se pretende analisar na próxima parte deste trabalho.

2.3 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DE GÊNERO

 

A ideologia, neste trabalho, é vista como um sistema de convicção  e prática que estabelece as identidades individuais e coletivas, que formam as relações entre os indivíduos, coletividades  e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas e autoevidentes (SCOOT, 2011,  p. 69).

 A família, a igreja, a escola e a imprensa são algumas instituições que trabalharam na construção do discurso em que o masculino prevaleceu nos embates e arranjos políticos de Goiás naquele período. Os vestígios mostram que as mulheres da casa de Dona Francisca aceitaram participar das relações de poder sem interpelação e posição de subordinação, aproveitando-se de situações que foram motivadoras de suas participações e visibilidade além dos espaços privados.

Praticamente todas as instituições engendraram esses discursos em que a dominação dos homens prevaleceu, sejam  políticos, jurídicos, educacionais, familiares  e religiosos. Nas escolas, por exemplo,  aos homens foram reservadas maiores possibilidades profissionais, como  estudar direito em São Paulo e as mulheres, o máximo que vislumbraram, foi chegar à conclusão de um curso normal que as preparava para serem professoras, ou no caso específico da filha de Francisca, o acesso ao conhecimento que se encerrava por  aí como   ciclo de estudos, mesmo  morando em grandes centros, como no Rio de Janeiro.

Ideologicamente, parte dessas mulheres está ligada à igreja católica, que neste momento trava uma batalha contra o casamento civil, instituído com a proclamação da República. Toda mulher católica, além do ato civil, deve também casar no religioso que, segundo o Clero, era o sacramento abençoado por Deus e efetivamente constituía-se na verdadeira união (SILVA, 2003).

Por que essas mulheres que ora se estuda foram além dos papéis de mães, filhas, esposas, donas de casa? Como o Gênero pode ter definido outros lugares diferentes a essas pessoas em suas relações com outras instituições como a igreja, escola, imprensa e família, superando o discurso sexualizado utilizado na fabricação desses papéis reduzidos a elas?

A seguir faz-se uma análise de como algumas instituições trabalharam na construção do Gênero e atuaram na legitimação do discurso de dominação dos homens nas relações de poder.

 

2.3.1 - A Igreja Católica

 

            Os anos iniciais da República em Goiás foram marcados por tentativas da igreja católica  de recuperar o espaço político perdido a partir de 1891, quando se deu a separação entre o Estado e a Igreja, condenada pelos cardeais e arcebispos que incitavam os cristãos a formar grupos de pressão, inclusive resultando em Goiás na formação do Partido Católico.

A atuação do clero foi muita intensa nesse período estudado, com suas ações voltadas para normalizar o comportamento das pessoas, o que se   torna bem visível pelo incentivo do casamento religioso, em um período em  que só o casamento civil produzia os efeitos legais,  como mostra o estudo de Maria da Conceição Silva, realizado em Goiás no período de 1860 a 1920:

 

 

 

 

 
[…] A cidade de Goiás, capital da província e depois do Estado, onde as notícias chegavam tardiamente, não permaneceu apática ao que acontecia nas demais províncias do País, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Assim, a análise da temática catolicismo e casamento nos propicia entender a conturbada história que ali se desencadeara entre eclesiásticos ultramontanos e políticos liberais liderados pela oligarquia dos Bulhões. A capital goiana foi palco das    idéias liberais introduzidas por esses jovens que estudaram Ciências Políticas e Direito em São Paulo. A família dos Bulhões,          constituída de intelectuais, tinha compreensão do que   representavam as propostas do Partido Liberal para Goiás. Vale ressaltar que, mais tarde, os arranjos políticos e as alianças    matrimoniais os favoreceram para galgar um espaço no Partido Republicano. À frente deste partido estava o líder do movimento republicano goiano Joaquim Xavier de Guimarães Natal, formado em Direito em São Paulo, casado com Ângela de Bulhões, irmã de José Leopoldo de Bulhões Jardim. Sendo eles os promotores de concepções modernizadoras na capital, na segunda metade do século XIX, empenharam-se pela "liberdade de culto, secularização dos cemitérios, registros e casamento civil", confrontando-se com a linha religiosa adotada pelos bispos que conduziram a diocese até o ano de 1896. A partir do bispado de D. Joaquim Gonçalves de Azevedo (1865-1876), depois com D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão (1881-1890), e por último com D. Eduardo Duarte e Silva (1891-1908), o ultramonismo foi a linha de trabalho seguida por eles (SILVA, 2003).

 

Nesta área religiosa é possível verificar embates entre as ideias liberais dos jovens que estudaram ciências políticas e direito em faculdades de São Paulo, como José Leopoldo de Bulhões Jardim e Joaquim Xavier Guimarães Natal, que buscavam a liberdade de culto, registros e casamentos civis e o clero que tentava manter o casamento religioso com o mesmo status de antes da proclamação da República, ocasião em que houve a separação da Igreja e do Estado (SILVA, 2003).

Por outro lado percebe-se que, mesmo tendo formação também na área de direito, os bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes, além do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, por influência de suas esposas Amélia Augusta de Moraes, Maria Amabini Paranhos e Francisca Carolina de Nazareth de Moraes tiveram boas e constantes relações com a igreja católica.

Assim é possível deduzir que nos espaços religiosos as mulheres da casa de Dona Francisca usaram como estratégias realizar o casamento religioso, mesmo que seus esposos fossem adeptos dos discursos liberais. Seria mais uma demonstração da politização dos espaços privados, considerando que a Igreja contextualmente estivesse localizada neste espaço.

Aline Coutrot, especialista em estudo contemporâneo da Igreja, com participação destacada no trabalho organizado por René Rémond, ao tratar   da relação entre a Religião e a Política (COUTROT,1996, p. 331), enfatiza que na história política, ao se tratar do político, foram desprezadas ligações intimas entre religião e política, embora antes da Proclamação da República, a Igreja e o Estado caminhassem juntos.

No início do século XX, em que se dá o Movimento golpista de 1909, já tinha havido conflitos entre os liberais e o clero, com a condenação de cardeais e arcebispos  à laicidade do Estado, incitando os cristãos a formar grupos de pressão. Em Goiás, os embates liderados por José Leopoldo de Bulhões Jardim, iniciados com a proclamação da República, culminaram com a mudança da sede da diocese da cidade de Goiás em 1896 para Uberaba, em Minas Gerais, através de decisão do Bispo Dom Eduardo Duarte e Silva. A volta da Diocese para a capital de Goiás em 1908 se dá justamente com o grupo de José Xavier de Almeida no poder através do presidente Miguel da Rocha Lima, que se aproximou do  Bispo Dom Prudêncio Gomes da Silva.

É importante  ressaltar  que as Igrejas, consideradas como corpos sociais dotados de um tipo de organização e com traços comuns com a sociedade política, sempre tiveram ligações íntimas com a  política, e que foram desprezadas na história do político, embora alguns estudos  feitos por Charles Seignobos e André Siegfried, já entravam na área interrogando sobre os componentes religiosos do voto e estudando os diferentes tipos de atitudes políticos, segundo os modos de ligação com a igreja católica e também através da análise do voto protestante (COUTROT,1996, p. 334).

Com a nova história política, as forças religiosas são levadas em consideração como fator de explicação política em numerosos domínios. A crença religiosa se manifesta nas igrejas, que são corpos sociais dotados de uma organização e possuem mais de um traço comum com a sociedade política (COUTROT,1996, p. 334).

A Igreja não se limitava ao sagrado, porque entende que na sociedade nada é estranho a igreja. O religioso informa o político e o político estrutura o religioso. A política impõe, provoca, questiona as igrejas (COUTROT, 1996, p. 334).

Até algumas ideias originárias da Igreja foram utilizadas na política do período, como  a fé teocêntrica em um Deus único, que reforçou a figura de uma autoridade e de sistema hierárquico. As declarações de hierarquia foram uma das formas mais notáveis de intervenção da Igreja na vida da cidade e ainda o modelo cristocêntrico, onde o evangelho chama os homens à missão coletiva de salvar a humanidade aqui na terra (COUTROT,1996, p. 337).

            Embora no período da República a Igreja não devesse fazer política, por não ser de sua competência, verificou-se, quando do estudo dos partidos políticos, que sua atuação foi intensa, sem entretanto, produzir bons resultados. Mesmo assim, entende Aline Coutrot, as forças religiosas intervieram com mais frequência de forma coletiva, embora o voto fosse uma decisão individual (COUTROT,1996, p. 340).

Assim as relações entre religião e política, que foram separadas pelo embate entre José Leopoldo de Bulhões Jardim, entre 1896 e 1908, sofreram mudanças com o governo de José Xavier de Almeida e seu grupo político a partir de 1908 e, neste sentido, as mulheres católicas que tinham relação com o poder, como Amélia Augusta de Moraes, tiveram certa participação nesta mudança de relação.

Houve uma invasão da política na Igreja e, apesar também do discurso de dominação dos homens, as mulheres da casa de Dona Francisca aproveitaram a oportunidade e a utilizaram como estratégia para que os batizados, os casamentos e demais eventos religiosos fossem utilizados a seu favor e não como instrumentos de manutenção de dominação.

São visíveis as participações de Dona Francisca, de Amélia Augusta e de Dona Messias, ressaltando que com referência às relações desta última, destaca-se o fato de ela ter-se casado contrariando o pároco local de Santa Rita do Paranaíba, por ser afilhada do futuro esposo, coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, e ainda deste ter sido gerado de uma relação contrária aos mandamentos da Igreja, por ser filho de um Padre de Itaberaí, antiga Curralinho. Destaca-se ainda que desta relação não houve descendência.

 

2.3.2  A Imprensa

 

Os homens da casa de Dona Francisca e o grupo político de José Leopoldo de Bulhões Jardim utilizaram bem a imprensa na Primeira República para a defesa de suas ideias e os jornais da cidade de Goiás no século possibilitam ver vestígios dos padrões comportamentais estabelecidos socialmente naquela época. Através de jornais goianos do período, é possível perceber as imagens das mulheres goianas no início da República, já que como expressa Mônica de Paula, a imprensa reflete e reforça esses  padrões de comportamentos (AGE, 2010, p. 01).

É possível compreender os perfis das mulheres através dos jornais da cidade de Goiás, em especial observando o que era publicado sobre elas no jornal “GOYAZ”, da família de José Leopoldo de Bulhões Jardim, e também do “Correio Oficial”, porta-voz do pensamento governista. E qual era a imagem da mulher nesse período estudado retratado pelos jornais?

Inicialmente cabe destacar que os jornais atingiam um público pequeno de mulheres, tendo em vista o número reduzido de pessoas alfabetizadas e que tinham acesso aos jornais.

O Correio Oficial  nº 5, de 17/01/1880 (AGE, 2010, p. 04),  definia a mulher ideal para o casamento, como mãe, esposa e filha, através de um discurso de dominação dos homens:

 

[...] E a missão da mulher na vida da humanidade, é uma trindade santa!

Mãe – é a expressão do que há de mais sublime sobre a terra! Seu coração é o cofre do amor e da bondade. Esposa – é a nossa companheira inseparável, quer nas nossas dores, quer nos nossos prazeres. É um outro nós que nos consola, quando sofremos; que nos alenta, quando sentimo-nos sem força; que ri nas nossas alegrias, e chora nos nossos sofrimentos; que enfim, ajuda-nos a levarmos nossa cruz por esse caminho escabroso da vida. Filha – é uma sagrada, onde depositamos todas as nossas esperanças onde encerramos todo o nosso futuro; que as filhas são pedaços de nossa alma; são fibras de nosso coração! Eis a trindade gloriosa da mulher. É della, pois, que dependem nossos destinos; todos gravitamos em torno della, como a terra em torno do sol [...] (AGE, 2010, p. 03).

 

 

Nas relações políticas em Goiás na Primeira República, a imprensa também foi utilizada como base de sustentação do poder.  Para essa reflexão sobre o trabalho da imprensa no período, utilizam-se as ideias de Jean-Noel Jeanneney, que também colabora no trabalho sobre política organizado por Réne Rémond (JEANNENEY, 1996, p. 213).

Como primeira reflexão procura-se entender a influência da imprensa sobre a opinião pública e quais os meios que o Estado, os governantes, os partidos políticos, os grupos de pressão dispõem para pressionar essa imprensa e através dela, a opinião pública?

Historicamente sempre se percebeu o uso político da imprensa, como na segunda guerra mundial, quando houve a compra de jornais inimigos, sempre com a ideia de que em política, uma ideia falsa vira depressa um fato verdadeiro (JEANNENET,1996, p. 218).

Mas como funcionam essas influências? E a vida cotidiana dos jornais refletiria a vida no Estado de Goiás na Primeira República? José Leopoldo de Bulhões Jardim utilizou bem esse meio através do jornal O GOYAZ (1885/1912), dirigido por Félix de Bulhões, seu irmão, e financiado pelo pai, enquanto vivo, Ignácio de Bulhões.  Nota-se bem esse uso na sua maneira política de agir apoiando os pecuaristas em suas lutas e recebendo o apoio político e econômico em suas disputas, como bem retratado pelo periódico.

Constata-se que a imprensa foi mais um dos meios utilizados pelos homens nas convivências para reforçar o discurso de dominação, mas que as mulheres, mesmo de forma tímida,  utilizaram-na também para manifestar  reivindicações, como esta publicada no mesmo jornal GOYAZ de 20 de maio de 1890 (AGE, 2010, p. 07):

 

Emancipação da Mulher

[ . . .] No primeiro período de nossa vida nacional dominaram os homens, nos princípios de ordem e autoridade, no segundo porém, em que estamos, imperam os de autonomia e liberdade. A occasião é, pois, mais que opportuna para a propaganda de  idéia da igualdade econômica, social e política dos dous sexos. [ . . .] Goyaz, 20 de Maio de 1890 (AGE, 2010, p.7).

 

 

As mulheres praticamente passaram invisíveis nos meios de comunicação da Primeira República em Goiás, mas em relação aos homens, os mesmo a utilizaram para reforçar os discursos de dominação.

 

 

2.3.3 A Escola

 

            Embora  o discurso fosse o de que era preciso investir na educação,  a referência civilizatória com o regime republicano implantado, os primeiros anos do novo regime não mostram grande progresso nessa área, como se verifica nos estudos de Mirian Fábia Alves, em sua dissertação de doutorado sobre a escolarização em Goiás na Primeira República (ALVES, 2007).

            Desde 1853 já se ouvia falar da obrigatoriedade da frequência escolar para crianças de cinco a catorze anos em casa ou em escolas públicas pelos pais de família (ALVES, 2007, p. 70). A partir de 1884, a legislação tornava-se obrigatória para os meninos de sete a treze anos, desde que a distância da escola não fosse superior a 2 km e para as meninas de 6 a 11 a distância máxima não poderia exceder 1 km. Com essa medida, um pequeno número de crianças tinha acesso ao ensino primário. No final do Império, de uma população em Goiás de 156 mil habitantes, 15 a 18% tinha idade de estar na escola, mas pouco mais de 10% deles conseguiam acesso.

            O acesso às escolas estava reservado para os homens, que deveriam compor um grupo que era preparado para ocupar os cargos públicos de intendentes, juízes de paz, promotores, tabeliães. Às mulheres, com muito custo foi disponibilizado o curso normal para formação de professoras.

            Legislações editadas em 1893 e 1898 disciplinavam sobre a obrigatoriedade e gratuidade do ensino para escolas públicas das cidades, vilas e povoados, ou seja, só na zona urbana. Eram permitidas as escolas confessionais e o ensino em família sob vigilância dos chefes de famílias. Cabia aos municípios a manutenção das escolas, que muito pobres não conseguiam.

            Em resumo, tinha-se a escola de primeira entrância nas vilas, que exigia frequência superior a vinte alunos e onde se ensinava a leitura e escrita; a de segunda entrância nas cidades e deveria ter frequência de mais de vinte e cinco alunos, e a de terceira, que funcionava na capital e que ampliava para conhecimentos de pontuação e  que deveria ter frequência de mais de trinta alunos (ALVES, 2007, p. 820).

            Os currículos também serviam à dominação dos homens, porque enquanto a estes era ensinada a leitura, escrita e conhecimentos de aritmética, geografia, línguas, numa preparação para ocupação de atividades nos espaços públicos, às mulheres o ensino de primeiras letras previa gramática portuguesa e francesa, música, canto, dança, todas voltadas para o lar, aos serviços de casa e à educação dos filhos.

            Nos povoados e arraiais como o de Santa Rita do Paranaíba, havia escolas elementares, com frequência inferior a vinte alunos. Foi numa dessas que estudou Messias Alexandrina Marquez, que não chegou a alcançar o ensino normal, não passando das primeiras letras.

            Para se ter o certificado de Estudos Primários, requisito para entrar na instrução secundária e normal, só na capital. Os filhos da Francisca Nazareth de Moraes seguiram esse caminho. Os homens se formaram em direito e Amélia Augusta fez até o segundo ano normal, quando deixou a escola para se casar com o então eleito presidente do Estado José Xavier de Almeida.

            O sistema de educação era baseado na localização geográfica e na frequência do número de alunos. Sexista, não permitia a mistura entre homens e mulheres e onde fosse possível ter turmas de homens e turmas de mulheres, mesmo em escolas mistas, estes não se deveriam misturar.

            Para manter suas escolas, os municípios poderiam cobrar três tributos, até o governo de José Xavier de Almeida, que passou a custear, através do Estado, a manutenção das escolas de primeiras letras:

- Valor locativo de prédios urbanos;

- Taxas sobre reses mortas para consumo

- Direito sobre Tavernas e Armazéns

            Ao Estado, podiam cobrar impostos sobre a exportação de gado, atividade preponderante naquele período. Caso o município não desse conta da manutenção dos estudos primários, o Estado assumiria. Como José Xavier de Almeida era presidente do Estado e ligado a Morrinhos, na região o Estado mantinha as escolas e foi assim até a queda de seu grupo em 1909.

            As meninas aprendiam leitura, caligrafia, aritmética, história do Brasil, gramática e trabalhos de agulha. A escola era um ambiente de dominação dos homens através de suas leis, mas as mulheres de relações de poder tiveram a oportunidade de estudar, como Amélia Augusta, que assim fez somente para conhecimento e não para legitimar o modelo de dominação criado pelos homens.

            Amélia Augusta de Almeida, nascida em 1884, foi a mulher do grupo político que mais avançou em estudos, sendo que fez os estudos primários em Morrinhos de 1890 a 1898 e em Uberaba fez dois anos no normal de uma escola confessional católica, entre 1899 e 1900, quando deixou a escola  para casar-se com o então presidente do Estado, José Xavier de Almeida.

 

[...] AMÉLIA AUGUSTA, filha  do Cel. Hermenegildo Lopes de Moraes, natural deste Estado, e de sua esposa, Francisca Carolina de Nazareth, [...].
O Cel. Hermenegildo, de ótima situação financeira, considerado um dos homens de maior fortuna de Goiás, procurou dar a todos os filhos boa instrução.
Era o hábito das famílias abastadas sustentarem para os filhos professores particulares, que iam lecionar nas cidades do interior e nas fazendas.
Assim, Amélia teve, por primeiro professor particular, o Mestre Idelfonso, com quem ela aprendeu Português, Francês, Geografia, Aritmética e História. Seu primeiro livro de Francês foi “Uma tradução francesa para a infância, de Robinson Crusoé, trazendo no fim uma antologia de poetas Gauleses”.
Iniciado deste modo seu curso primário em Morrinhos, segui mais tarde para o Colégio Nossa Senhora das Dores, de Uberaba, dirigido por irmãs dominicanas, onde cursou até o segundo ano normal (BRITTO, 1974, p. 298).

 

 

            Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho, José Xavier de Almeida e Alfredo Lopes de Moraes fizeram parte de uma turma de liberais católicos que cursaram Direito na Faculdade do Largo do São Francisco em São Paulo; José Leopoldo de Bulhões também fez a mesma faculdade, mas firmou-se contrário à igreja católica nos primeiros anos da República em Goiás.

            A escola deveria ser o caminho para a civilidade, e aquelas de primeiras letras, na Primeira República, funcionavam em casas improvisadas, sob o comando de um professor e com método de ensino individualizado. O Liceu, na capital, era a escola para o secundário.

Criada em 1898, a Academia de Direito de Goiás foi instalada em 1903 e foi fechada em 1910. Foi mais uma instituição a serviço da dominação dos homens, apesar de que uma mulher esteve entre as turmas. Durante seu funcionamento entre 1904 e 1910, foram formadas quatro turmas de bacharéis em direito, sendo a primeira com dezesseis formandos e a última com quatro. Apenas uma mulher se matriculou na última série em 1908, Rosa Godinho de Oliveira.

Como formar uma sociedade civilizada e moderna? Os homens faziam as primeiras letras no próprio município, separados das turmas de mulheres. Para fazer o secundário ou normal, iam os homens para o Lyceu na capital e as mulheres para uma escola confessional católica. Os homens iam fazer a faculdade de Direito no Largo do São Francisco em São Paulo e as mulheres, o curso normal em Uberaba. Foi assim que se deu na família de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes.

No Arraial de Santa Rita do Paranaíba, o primeiro professor, foi José Fleury Alves do Amorim, irmão do Padre Félix Fleury Alves do Amorim, pároco da igreja local; era pai natural do coronel Pacífico do Amorim, que se casou com uma das filhas de Dona Francisca de Nazareth de Mores, e foi o primeiro professor por volta de 1871, com a missão ensinar as primeiras letras.

As escolas de direito de ensino superior estavam reservadas aos homens. Os grandes fazendeiros enviavam seus filhos para fazer o curso superior em São Paulo e retornar para ocupar espaço na política federal como deputados e senadores. As mulheres, o máximo que conseguem é fazer o ensino normal em escolas católicas.

Enquanto a família de Hermenegildo Lopes de Moraes foi estudar em São Paulo, as famílias locais não evoluíram nos estudos, condições essenciais para ascender ao poder na esfera federal naquele período; nem mesmo ocuparam cargos de destaques em Goiás, tanto no Senado Estadual como na Câmara Estadual.

Enfim, a escola permitiu a uma das mulheres da casa de Francisca Carolina ir além da representação dos papéis de mãe, esposa e dona de casa, sendo um avanço no período. Não se pode falar que a escola levou essa mulher à emancipação, mas permitiu que ela fosse além do lar e no caminho da escola conhecesse o futuro esposo, como ocorreu com Amélia Augusta de Moraes, que fugiu aos padrões utilizados para a educação no período. Não estudou para o lar, mas para obter conhecimento.

 

2.3.4  A Família

 

Quando se estuda a família procura-se responder como foram construídas, legitimadas e até as relações de Gênero na política de Goiás no início do século XX, a partir principalmente da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, emancipada juridicamente a partir de 1905 com a morte do esposo coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.

Em relação aos dois grupos políticos que lideraram os embates, observa-se, nas posições ocupadas pelos homens, que os pais estão separados em dois grupos, sendo um composto por intelectuais não católicos, que ocupam cargos nos governos e fizeram curso superior nas escolas de direito, destacando-se o líder José Leopoldo de Bulhões Jardim, que induz o casamento civil endogâmico; do outro lado estão os coronéis fazendeiros, católicos, que constituíram riquezas desde o tempo do império e têm em Hermenegildo Lopes de Moraes, o referencial que, com a morte, deixa a riqueza para administração de sua esposa Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, que também forma seus filhos homens nas escolas superiores e prepara as filhas mulheres para o casamento civil e religioso.

Ao se analisar o aspecto da emancipação, pode-se observar nestas famílias que as mulheres não se emanciparam em suas relações de poder em Goiás no início da Primeira República, mas participam de um jogo de maneira consciente que legitima o discurso masculino em relação à política e avançam tanto na escola, com Amélia Augusta de Almeida, como na administração da herança, com Francisca Carolina de Nazareth de Moraes.       

            Fazendo uma rápida análise sobre a constituição das famílias através dos matrimônios contraídos pelas mulheres que são estudadas nesta pesquisa, percebem-se várias peculiaridades. Em Santa Rita do Paranaíba, o casamento de Messias Alexandrina Marquez com Jacintho Luiz da Silva Brandão se deu mais pelo motivo da convivência da família Marquez, através de Manoel Martins Marquez, Damaso Martins Marquez e Galdino de Oliveira Marquez com o noivo, já que eram frequentes os encontros em eventos políticos, do que qualquer arranjo político propriamente dito.

O casamento de Jacintho e Messias foi realizado em 30 de janeiro de 1900, em Santa Rita do Paranaíba,  primeiro por ato civil, como era disciplinado na Primeira República, e após por ato religioso, por tradição da família. Antônio Xavier Guimarães, futuro líder na região norte do Movimento de 1909, e Galdino da Silveira Marquez, filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, foram paraninfos (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 59).

            Quanto a Hermenegildo Lopes de Moraes e Francisca Carolina de Nazareth Moraes, os encontros foram frequentes na Paróquia da cidade desde a chegada do coronel a Santa Rita do Paranaíba, mesmo quando a sua futura esposa ainda era casada com Alcebíades José da Silveira.

Já em Morrinhos, a união de José Xavier de Almeida e Amélia Augusta de Moraes também deve ser creditada aos constantes encontros dos dois, que tiveram como origem as viagens do então deputado federal para o Rio de Janeiro, passando por Morrinhos e Uberaba em Minas Gerais, locais onde a noiva passava a adolescência na casa da família e era estudante do curso normal.

Em relação a essas famílias da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, observam-se algumas características de superação do discurso de dominação, principalmente através da herança, já que com a morte do coronel Hermenegildo, Dona Francisca herdou metade de todos os bens e administrou juridicamente com a capacidade proporcionada pela Legislação do período.

Embora voltadas para a dominação, principalmente nas escolas, na família e nas igrejas, as mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes conseguiram, com estratégias específicas, superar o discurso de dominação e conquistar certo grau de emancipação, mesmo nos espaços privados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 NOVOS PROTAGONISTAS, GOLPE POLÍTICO E EMANCIPAÇÃO

           

            Os vários embates e arranjos políticos ocorridos em Goiás durante a Primeira República foram descritos como grandes feitos de coronéis na conquista do poder político do Estado de Goiás e nos municípios. Nesses tempos, o coronelismo prevaleceu e utilizou-se da história tradicional e descritiva.

Trata-se nesta parte dos eventos de forma analítica, dentro de um processo  que vai da Proclamação da República até  a realização do Movimento golpista de 1909, marcado pela mudança do controle político no Estado e pela  imediata  emancipação de Santa Rita do Paranaíba, colocando em evidência vários protagonistas como bacharéis, funcionários públicos, fazendeiros, políticos, homens e mulheres, em especial da família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, referência a partir do sul de Goiás.

            Entre os vários protagonistas, têm-se os bacharéis que lideraram os processos políticos junto com os fazendeiros e comerciantes que deram sustentação econômica para a vitória dos grupos vencedores, assim como os funcionários públicos que ocuparam os cargos e influenciaram em suas localidades nos processos eleitorais e na formação das famílias.

            A novidade na abordagem desses eventos políticos é justamente   tratá-los  de forma diferente, mostrando as relações que mudaram um governo a partir de múltiplas disputas de poder e que resultou na emancipação de Santa Rita do Paranaíba com novos protagonistas em evidência.

            É importante também ressaltar a nova face das instituições políticas e religiosas, considerando a mudança do regime monarquista para República e a separação entre a Igreja e o Estado a partir de 1889, afetando a própria formação da família.

            Em relação à nomenclatura dos cargos políticos, há uma diferença em relação ao tratamento dado aos ocupantes dos poderes executivos e legislativos nos estados e municípios, razão pela qual faz-se necessário contextualizar os termos daquele período.

Após a proclamação da República, no período de  24 de fevereiro de 1890 a 17 de julho de 1892, os chefes do poder executivo no Estado eram chamados de governadores.  Após 18 de julho de 1892, passaram a ser chamados de presidentes do Estado, denominação que seguiu até a Revolução de 1930, quando termina a República Velha e dá-se início a um período de intervenções (FERREIRA, 1980, p. 69).

Nos municípios tinham-se no período a figura do intendente municipal e dos conselhos municipais de intendência, sendo que estes, além das funções do poder legislativo, exerciam também funções do executivo, já que as câmaras municipais do período colonial foram dissolvidas. Até 1905 em alguns casos coincidia que o presidente do conselho fosse também o chefe do poder executivo.  O presidente do conselho era eleito pelos conselheiros e nomeado intendente pelo presidente no Estado. A partir de 1905 criou-se a figura do intendente, chefe do poder executivo, correspondente à figura do prefeito nos dias atuais, separando-se assim do poder legislativo, que era chamado de conselho municipal de intendência, correspondente ao que hoje são chamadas de câmaras municipais (FREIRE, 2009, p. 49).

            O poder legislativo estadual funcionava através do congresso estadual com deputados e senadores, no período de 1891 até a reforma constitucional de 1898, sendo composto de uma câmara de deputados com trinta membros, mudando a partir de 1901, quando o congresso legislativo goiano se tornou bicameral, ficando composto o senado com doze membros e a câmara com vinte e quatro membros, com funcionamento apenas dois meses por ano entre maio e julho (CAMPOS, 2003, p. 67).

            Ao dar um tratamento diferente aos acontecimentos políticos  ocorridos no período,  colocam-se novas hipóteses e parte-se de uma nova denominação em relação ao acontecimento político no estado de Goiás, que foi sempre tratado como um simples “Movimento”, atribuído pela  historiografia goiana, que agora ganha a dimensão de um golpe político, pois foi utilizado à força para se  retirar um governador eleito pelas regras vigentes, fato que inviabilizou que o filho de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, o bacharel e então deputado federal Hermenegildo Lopes de Moraes  assumisse  o governo do Estado a partir de julho de 1909.

            As múltiplas relações que envolvem o processo do Golpe Político de 1909 e da emancipação de Santa Rita do Paranaíba são das mais variadas formas, envolvendo famílias, políticos, personagens religiosas, fazendeiros, funcionários públicos e não podem se resumir em ações dos coronéis da época, como enfatiza também a historiografia preponderante.

            Os primeiros embates envolvem o clero ultramontano, assim chamado por  seguir orientações da Igreja Romana para  uma centralização e uniformização da vida eclesial e eclesiástica da Igreja, e são liderados, de um lado, pelo bispo Dom Eduardo Duarte e Silva e do outro lado pelos  liberais goianos, que tinham na figura do liberal José Leopoldo de Bulhões Jardim a referência.

             Enquanto o catolicismo pretendia “moralizar” a vida privada dos fiéis, que na maioria das vezes eram amancebados e não realizavam o casamento na Igreja, também pretendia evitar a adesão ao casamento civil após a edição do Decreto número 181 de 24 de janeiro de 1890, que só considerava válido o casamento feito no regime civil; por outro lado  os liberais, liderados por intelectuais que estudaram ciências políticas e Direito em São Paulo,  organizaram-se através do Partido Republicano e defendiam a liberdade de culto, a secularização dos cemitérios e os registros e casamento civil (SILVA, 2003, p. 126).

            Coube ao bispo Dom Eduardo Duarte e Silva a liderança da Igreja Católica até 1896 quando, após vários embates com o opositor José Leopoldo Bulhões Jardim, sentiu-se derrotado e com a anuência do Vaticano, mudou a sede da diocese da cidade de Goiás para a cidade mineira de Uberaba.

            Esvaziado na capital do Estado, também em Santa Rita do Paranaíba nos primeiros dez anos da República, o culto católico era insignificante, como demonstram as visitas do bispo Dom Eduardo Duarte e Silva ao Arraial nos anos de 1892 e 1895, quando não conseguiu reunir mais que doze pessoas na primeira missa e pouco mais de vinte alguns anos depois. Denunciou o bispo o pouco interesse das autoridades do Arraial e o alto número de mancebias e concubinatos. Ou seja, as pessoas não realizavam o casamento católico como pretendia a Igreja (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

            Diferentemente da casa de José Leopoldo de Bulhões Jardim, há de se destacar nesse aspecto a força das mulheres da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, pois todas se casaram através dos ritos católicos, começando pela própria esposa do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, assim como suas três filhas, Maria Carolina, Anna Theodora e Amélia Augusta. Destaca-se ainda o casamento de Messias Alexandrina Marquez que, embora afilhada de batizado católico do seu futuro esposo, coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, fez questão de realizar o casamento na igreja de Santa Rita do Paranaíba, mesmo com oposição do pároco local.

            Ainda pelo lado dos republicanos liberais, além de José Leopoldo de Bulhões Jardim,  não se encontraram registros de casamento religioso de seu cunhado Joaquim Xavier de Guimarães Natal, casado com Ângela de Bulhões e também formado na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em São Paulo, e logo,   fortes opositores da posição católica naquele momento.

            Para comprovar a forte oposição ao catolicismo, percebe-se no casamento  de José Leopoldo de Bulhões Jardim, que ele foi realizado apenas por ato civil, como destacado em reportagem do jornal GOYAZ em 1890:

 

                                     Realizou-se no dia 12, ao meio dia, em casa do falecido Major Ignácio de        Bulhões, o casamento do nosso chefe político Dr. Leopoldo de Bulhões com          a Exma. Sra. D. Cecília Adelaide Felix de Sousa. Foram padrinhos os Srs.           Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim e Dr. Urbano Coelho de Gouvea.                                      Presidindo o acto o juiz dos casamentos Dr. Ramiro Pereira de Abreu. (…) a   noite a banda de música Alliança Goyana veio cumprimentar o Dr. Bulhões,    mas achado-se ainda de luto o felicitado, os distintos artistas o brindaram e     retiraram-se [...] (GOYAZ, 17/10/1890 – Edição 265).

 

 

            Por outro lado e comprovando a influência da mulher na vida de José Xavier de Almeida, embora também formado com ideias liberais e republicanas, cedeu à vontade da mulher  e se casou na igreja em 1901 na cidade de Morrinhos, conforme relato de Célia Coutinho Seixo de Britto:

 

[…] Casaram-se a 27 de junho de 1901. O ato civil realizou-se na hospitaleira residência dos pais da noiva, onde se deram três fatos marcantes de sua vida: seu batismo, seu casamento e sua morte. O casamento religioso efetuou-se na Igreja Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Morrinhos (BRITTO, 1974, p. 299).

 

            Já em Santa Rita do Paranaíba, apesar  de não ser tão religioso, o coronel e funcionário público da recebedoria de Santa Rita de Cássia, cedeu aos desejos de Messias Alexandrina Marquez, sobrinha de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, o que  fez com que o futuro esposo fosse foi até Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara em Minas Gerais buscar um padre para realizar a cerimônia religiosa, já que era padrinho da noiva na Igreja Católica e o pároco local não aceitou realizar a cerimônia, que assim foi descrita em reportagem do jornal GOYAZ:

 

Santa Rita do Paranaíba, 30 de Janeiro de 1900

                          Como admirador da hospitaleira terra Goiana, e dando ostentação ao meu internado reconhecimento, peço-vos dar inserção desta alinhada linha no vosso conceituado, quão  criterioso “Goyaz”. Cheio, como se diz, e realmente pomposo, acrescento eu este dia trinta de janeiro neste arraial sempre merecedor das boas graças da situação dominante. É o caso, Sr. Redator, que jamais se apagará da memória dum Santarritense criterioso e agradecido. Todos             unicorde, anima,festejamos o enlace do nosso chefe político o Sr. Jacintho Brandão com a senhorita D. Messias Marquez, predileta filha do         nosso amigo, o Sr. Damaso Marquez e a Senhora Dona Filomena Alexandrina da Silveira. Teve lugar o acto civil com todas as formalidades da lei, em casa da residencia do nubente, em seguida, o acto religioso. Não sei o que mais admirar, Sr. Redator, se o escrupulo na observação a Lei do nosso regime Republicano ou no restrito cumprimento às leis eclesiásticas, já que católicos somos, todos nós.      Na ocasião do acto religioso, o Vigário da vizinha freguezia da Abadia do Bom Sucesso, que para administrar sacramentos nesta      freguezia obtivera licença, em palavras  repassadas de unção explicando o grande sacramento, saudou calorosamente aos nubentes. Servio-se em seguida profuso copo de cerveja, levantando-se diversos brindes: do Reverendo Vigário, fazendo interessante paradoxo entre as flores            naturais e artificiais que embelezavam a sala de festim e os futuros dias de encantos e harmonia que desejava aos noivos [...]. Em seguida […] Mais uma vez, Sr. Redator tivemos ocasião de admirar prendados distintivos do nosso chefe. Pois em linguagem limitada e significativa pediu     a todos que o acompanhasse em uma saudação a seus velhos amigos que não puderam atender a seu convite. Terminou se finalmente, Sr. Redator, esta festa realmente de família com as emocionantes expressões do Reverendo Vigário, saudando na pessoa do nosso chefe a todos os goianos e na pessoa de sua então digna consorte o sexo que em todas as esposas se impõe, com uma coroa de virgem, ou com a dúplice aureola de esposa e mãe. Sim, Sr. Redator, o dia trinta jamais se apagará de nossa memória, e assim rendemos um pleito alias mereceo ao Coronel Jacinto e a distinta família Marquez (um santaritense) (GOYAZ, 1900).

 

           

            Assim, constata-se que o  bacharel, senador e então ministro da Fazenda José Leopoldo de Bulhões Jardim e seu grupo político a partir da capital federal e da capital do Estado de Goiás foram fiéis aos ideais liberais e atuaram em oposição à Igreja, enquanto as pessoas da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, desde o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, as filhas e filhos procuraram atuar ao lado da Igreja e fizeram questão de  realizar as cerimônias do casamento por ato religioso, além do ato civil obrigatório naquele período.

            Além dos embates religiosos, foram os políticos que movimentaram o sul de Goiás, a capital do Estado e a capital federal. Por um lado o grupo de políticos  da casa de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, representados pelos bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes e do outro lado, mesmo ausente da capital de Goiás para ocupação de cargos como deputado federal, senador e ministro de Estado,  José Leopoldo de Bulhões Jardim, que liderou os processos eleitorais, seja através da eleição do presidente, seja através da eleição de deputados e senadores até 1901, mas essa ausência foi utilizada pelo ex-aliado   José Xavier de Almeida, que fez um novo grupo político e  maioria no congresso goiano, condição essencial para reconhecimento de seus candidatos nos pleitos de 1904 e 1905.

            O primeiro distanciamento entre os líderes políticos surge justamente com o casamento de José Xavier de Almeida com Amélia Augusta de Moraes, da região de Morrinhos, que possibilitou a aproximação com o capital econômico através do capitalista, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, antigo aliado também de José Leopoldo de bulhões Jardim. Soma-se também com o capital político através do também bacharel em direito e deputado federal Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho.

            O que era para ser uma demonstração de mudança nos rumos políticos de Goiás, que ocorreria através da exclusão da familiocracia exercida por José Leopoldo de Bulhões Jardim, que recebia críticas da opinião pública no início do século XX, já que exercia o poder em Goiás através de seus cunhados, Guimarães Natal, Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim e Eugenio Jardim, acabou tendo efeitos contrários, pois o bacharel José Xavier de Almeida uniu-se a outra família e formou um núcleo de poder próprio, que acabou rompendo com seu antigo chefe político.

            Antigos aliados de José Leopoldo de Bulhões Jardim mudaram de grupo político e seguiram José Xavier de Almeida; entre esses antigos aliados se destacaram João Alves de Castro e o bacharel em direito Antônio Ramos Caiado, nomeados secretários, fato que desagradou o então ministro da fazenda e provocou o rompimento definitivo com José Xavier de Almeida em 1904.

            As divergências ajudaram no rompimento entre os líderes, mas o fato decisivo estava no domínio por José Xavier de Almeida do processo eleitoral, desde as juntas apuradoras até a eleição de deputados e senadores estaduais que reconheciam os eleitos.

            José Leopoldo de Bulhões Jardim apelou para a intervenção e foi derrotado, assim estavam lançados os motivos para os embates que se realizariam em 1908 e que começaram a reverter a situação a favor de José Leopoldo de Bulhões Jardim, quando ele elege um grupo de deputados e senadores estaduais que lhe dá maioria e que culminaria com o não reconhecimento dos eleitos para o Senado e a presidência do Estado em 1909.

            Os arranjos familiares permitiram o grande embate que resultou no golpe político e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba. Enquanto o bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim reuniu ao seu lado um grupo fechado, através de vínculos obtidos através do casamento, começando pelo seu próprio que foi realizado com a sobrinha, e passando por outros cunhados que assumiriam o poder, como o engenheiro Eugênio Jardim, o bacharel Guimarães Natal, a família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes tinha o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão ocupando cargo de funcionário público em Santa Rita do Paranaíba, o filho e bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes exercendo mandato de deputado federal, assim como o genro e também bacharel José Xavier de Almeida.

            Por outro lado, a partir de Francisca Carolina de Nazareth Moraes iniciou o processo através do casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o casamento das filhas com coronéis locais no sul do Estado e também o casamento de Amélia Augusta com o Presidente do Estado, formando a base para o grande embate que terminou com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

            Estas são algumas das relações religiosas, políticas e familiares, que se tornaram  o caminho para a emancipação de Santa Rita do Paranaíba do município de Morrinhos em  1909, o que colocou mulheres em evidência, como Francisca Carolina de Nazareth  Moraes e Amélia Augusta de Moraes, mas que fez nascer novos protagonistas em lugar dos coronéis, que foram os bacharéis em Direito, formados em São Paulo e que fizeram arranjos desde a capital federal com outros bacharéis que viraram presidentes da República, passando pela capital de Goiás com bacharéis que se tornaram presidentes do Estado.

            Assim, além da mudança de terminologia do principal embate do período em 1909 para Golpe Político, também mudam-se os protagonistas para dar visibilidade às mulheres nas relações de poder e à liderança dos bacharéis nos principais embates políticos de Goiás na Primeira República.

 

3.1 O BACHARELISMO EM GOIÁS

 

            O Bacharelismo pode ser considerado como resultado também das relações de dominação dos homens na Primeira República, considerando que somente a eles estava reservada essa possibilidade de formação educacional para ocupação dos cargos políticos na esfera do governo federal, enquanto as mulheres poderiam apenas obter um diploma de professora no curso normal.

            Foi assim que este sistema tornou-se evidente nas relações de poder nos espaços públicos de Goiás no período que vai da Proclamação da República ao Movimento golpista de 1909.

            Ao examinar a historiografia goiana existente sobre os embates políticos desse espaço de tempo em Goiás, encontra-se nas obras de historiadores como Nasr Fayad Chaul, Itami Campos e Luís Palacin a figura do coronel com destaque como sujeito dessas relações de poder. Porém, através de um novo olhar procurando pistas, sinais e vestígios nas fontes, ousam-se acrescentar os sujeitos denominados como  bacharéis em Direito, formados na Faculdade do Largo do São Francisco em São Paulo no final do século XIX, os quais, ao lado de  suas mulheres, tornaram-se novos protagonistas dessas relações nos lugares antes reservados aos coronéis.

            Na análise é possível ver uma divisão entre o bacharelismo ateu de José Leopoldo de Bulhões Jardim, por suas desavenças com o clero católico e até pelo seu próprio casamento só por ato civil e o bacharelismo católico de José Xavier de Almeida, que sofreu influência de sua esposa tanto ao casar por ato religioso além do civil, como ao participar junto com a esposa, mesmo não sendo um católico fervoroso, de todos  os eventos religiosos que eram realizados por onde passavam, seja em Morrinhos, na capital federal como deputado, seja  na capital do Estado como presidente.

            Os bacharéis da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth quebraram uma lógica de relações de poder que estava em funcionamento no Estado de Goiás desde a Proclamação da República e que se concentrava, através da liderança do bacharel  e ministro da Fazenda José Leopoldo de Bulhões Jardim, a partir do Rio de Janeiro, contando com o auxílio de seus cunhados, o bacharel Joaquim Xavier Guimarães Natal e o engenheiro Eugênio Jardim na capital de Goiás.

A partir de Morrinhos e através do também bacharel em Direito e deputado José Xavier de Almeida, que ao fazer seu caminho a cavalo até o primeiro trem em Uberaba e daí até a capital federal Rio de Janeiro, conheceu a futura esposa em 1900, a que se tornaria a primeira-dama e companheira de todos os momentos das relações políticas, e que tornou-lhe possível aliar-se a outra bacharel, o cunhado Hermenegildo Lopes de Moraes, e assim realizar grandes embates a partir de 1904.

            Através do casamento, José Xavier de Almeida encontrou o apoio econômico do sogro, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, enquanto em vida até 1905, depois o  aliado político Hermenegildo Lopes de Moraes, para fazer da casa de Morrinhos o espaço privado e politizado para construir as condições através do sistema eleitoral e partidário e de novas alianças políticas e assim fazer frente a  José Leopoldo de  Bulhões Jardim, senador e ministro da Fazenda.

            É assim que se dá o processo de deslocamento do poder político da capital para o interior no sul do Estado em Morrinhos, por meios de relações protagonizadas por homens e mulheres nos ambientes públicos e  privados, colocando dois bacharéis no ambiente público através de José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes de um lado na luta pelo poder, contra a família dos bacharéis José Leopoldo de Bulhões Jardim e Guimarães Natal e depois, após 1912,  contra o também bacharel Antônio Ramos Caiado.

            Todos esses homens que foram conduzidos por seus pais coronéis ao Estado de São Paulo após os estudos das primeiras letras, para buscar o diploma de bacharel em Direito, condição indispensável para ocupar os postos mais importantes na política goiana nos primeiros anos da República, obtiveram sucesso em seus pleitos e protagonizaram as principais relações de poder no período. Aos coronéis estavam reservados os cargos de menor expressão no Estado, como intendentes, deputados e senadores estaduais. Se o diploma de bacharel era a porta de entrada para ser presidente do Estado, senador ou deputado federal, quem não obtinha, mas era filho ou protegido do coronel, ganhava um cargo público. Mas nesse espaço não tinha nada reservado às mulheres.

 

Figura 7 – Diploma de Bacharel em Direito – Faculdade de São Paulo

Fonte: Museu Municipal de Morrinhos

 

O bacharel José Xavier de Almeida quebrou a estrutura política criada pelo também bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim. Nascido em 1871,   formou-se em Direito na Faculdade do Largo do São Francisco em 1894. Foi secretário do Interior e Justiça entre 1898 e 1899, secretário geral do Partido Republicano, deputado federal em 1900, presidente de 1901 a 1905 e novamente deputado federal até 1908. Foi eleito senador em 1909, mas não foi reconhecido e não assumiu, tendo em vista também o Movimento golpista de 1909.

O rompimento dos bacharéis José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim se deu em 1904 com a aproximação de Gonzaga Jayme, João Alves de Castro e do bacharel Antônio Ramos Caiado, por motivo de nomeações dos mesmos  para o governo  na condição de secretários no Estado (CAMPOS, 2003, p. 86).

As relações políticas do bacharel José Xavier de Almeida foram iniciadas no fim do século XIX no grupo de José Leopoldo de Bulhões Jardim, ao ocupar cargos públicos no governo apoiado por este, mas que se intensificou com seu casamento com Amélia Augusta de Moraes, e se consolidou, em julho de 1905, com a não aceitação do pedido de intervenção federal em Goiás feita pelo também bacharel e ex-aliado José Leopoldo de Bulhões Jardim.

Os processos eleitorais de 1905 levaram ao reconhecimento em 1906 dos candidatos a deputados federais, bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes, e ainda de Eduardo Sócrates e Braz Abrantes para o Senado. Miguel Rocha Lima, cunhado e apoiado por José Xavier de Almeida se tornou o presidente do estado de julho de 1905 até março de 1909, quando se iniciou o Golpe político de 1909. O mandato deveria ir até julho de 1909.

            Além do casamento, outra maneira utilizada para manutenção do poder se deu através do preenchimento dos cargos públicos. Os filhos dos coronéis, quando não eram os bacharéis, a quem estavam reservados os cargos políticos federais, tinham à disposição um cargo público para ocupar no Estado e nos municípios.     Esses cargos eram preenchidos por aqueles que tinham as primeiras letras e atendiam às famílias que tinham relações com o Poder. As mulheres não eram lembradas para ocupar os cargos públicos e no máximo estudavam o curso normal e poderiam ser professoras.

Cargos políticos como intendentes, vice-intendentes, delegados de higiene, membros do conselho municipal, administradores das Recebedorias, todos ocupados pelo mesmo grupo. Nomeações de juiz de paz, juiz de direito, promotor, delegado, subdelegado e professores completavam o quadro de dominação dos homens nas relações do Poder em Goiás na Primeira República (CAMPOS,2003, p. 57).         Recursos públicos foram usados para fins privados e através de um partido dominante maximizaram e preservaram interesses pessoais e dos grupos políticos.

            É possível que os bacharéis José Xavier de Almeida, José Leopoldo de Bulhões Jardim, Hermenegildo Lopes de Moraes e Antônio Ramos Caiado tenham sofrido influências de uma sociedade secreta da Faculdade de Direito, a “Bucha”, do alemãoBurschenschaft” ou simplesmente “Bucha”, que era uma sociedade criada em 1830 na Faculdade de Direito de São Paulo e promovia a aproximação entre os antigos alunos. Sua origem vem da ordem dos iluminados Alemã e tinha como ideias marcantes o antimonarquismo, o anticatolicismo, o anticlericalismo, antiescravismo; era   republicana, além de ser liberal e abolicionista (SIMÕES, 1983, p. 252).

            Segundo Osvald de Andrade, essa associação secreta dirigia os destinos políticos e financeiros de São Paulo e até do Brasil, já que o grupo era destinado a funcionar na vida pública e depois de terminados os estudos de seus membros e por isso também é possível que os presidentes Rodrigues Alves, Prudente de Moraes, Nilo Peçanha e Afonso Pena, amigos dos dois bacharéis adversários, prestigiando-os quando presidentes, seja através do Ministério da Fazenda para José Leopoldo de Bulhões Jardim, seja através da construção da Ponte Afonso Pena em Santa Rita do Paranaíba em atendimento do pedido do bacharel José Xavier de Almeida, pertencessem à associação ( SIMÕES, 1983, p. 252).

Tanto José Leopoldo de Bulhões Jardim, quanto José Xavier de Almeida participaram da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e possivelmente estiveram  entre os pouco mais de trinta bacharéis formados que participaram ativamente na política da Primeira República.

Tem-se posturas diferentes dos bacharéis em relação a igreja, porque enquanto José Leopoldo de Bulhões Jardim teve grandes desavenças com o Bispo Dom Eduardo Duarte, José Xavier de Almeida, mesmo tendo ideias não católicas por influência de seu tempo de bacharelado, preferiu agradar à esposa e por isso não deixou de participar em eventos católicos, tendo como mais marcante seu casamento em junho de 1901 em Morrinhos.

O homem que liderava as relações de poder nos anos iniciais da República foi José Leopoldo de Bulhões Jardim, um bacharel formado em direito na Faculdade do Largo do São Francisco, em São Paulo, e que desde cedo participava dos processos eleitorais, como deputado geral em 1881 e depois reeleito, constituinte em 1891, eleito presidente do Estado entre 1892 e 1895, período em que não tomou posse, mas colocou no poder em seu lugar o primo e militar Ignácio Xavier de Brito e prosseguiu mandando em Goiás depois, de 1895 até 1898 com o outro  primo e cunhado Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim. De 1898 a julho de 1901, outro  cunhado, o militar e engenheiro Urbano Coelho de Gouveia tornou-se presidente, o último antes da chegada de José Xavier de Almeida e o primeiro após o Movimento  Golpista de 1909.

José Leopoldo de Bulhões Jardim consolidou sua carreira política longe de Goiás, duas vezes como ministro da Fazenda, primeiro de 1902 a 1906, no Governo Rodrigues Alves, e de 1910 a 1911 no governo Nilo Peçanha, mas sempre teve um grupo de seguidores em Goiás para ocupar cargos de deputados, senadores, governadores e outros não eletivos nas Vilas do Estado naquele período (CAMPOS, 2003, p.81).

Bulhões, foi casado com uma prima. Ateu convicto, formou seu grupo político  essencialmente familiar através dos cunhados Joaquim Xavier Guimarães Natal, Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim e Urbano Coelho de Gouvêa.

Esteve sempre atuando dentro de partidos políticos ligados à luta pela abolição dos escravos, mas longe de Goiás, ora como deputado, ora como ministro, uma das razões que levaria seu aliado predileto e depois adversário José Xavier de Almeida a ter o domínio político dos processos eleitorais a partir de 1901 até nova mudança que ocorreu com o Movimento Golpista de 1909.

            Na turma dos bacharéis com influência católica e no grupo de José Xavier de Almeida, tem-se o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, o primeiro filho do segundo casamento de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, nascido em Santa Rita do Paranaíba no dia 06/10/1870, com formação em Direito no final de 1890 na Faculdade de Direito em São Paulo e tornado deputado federal em 1894, 1901 e 1905 e 1908. Foi eleito ainda presidente de Goiás em 1909, mas não teve reconhecido o resultado e que acabou com o movimento golpista de 1909, liderado por José Leopoldo de Bulhões Jardim.

Depois da queda do grupo político de José Leopoldo de Bulhões Jardim, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes retorna em alta com a vitória para o Senado Federal em 1918. Foi o principal articulador político da família após o ano de 1905, com a morte de seu pai, que tinha o mesmo nome. Casado com a também católica Maria Amambini Paranhos, foi o primeiro filho ilustre de Santa Rita do Paranaíba a se tornar deputado e senador federal, além da eleição para presidente do Estado.

Apoiando os bacharéis, primeiro José Leopoldo de Bulhões Jardim até 1904, tem-se a figura do coronel e esposo de Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, o capitalista, fazendeiro e comerciante, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.

Nestas relações de poder não se pode conceber a figura do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes como figura autêntica do coronelismo. As suas ações desde a saída de Curralinho, hoje Itaberaí, pode ser interpretada como a de um empreendedor que viu na Guerra do Paraguai a primeira grande oportunidade, já que Santa Rita do Paranaíba estava no caminho das tropas brasileiras que se dirigiam para o Paraguai e necessitavam de mantimentos como sal e tropas para transportes.

Após estudar no Liceu, na capital do Estado, Hermenegildo foi para Santa Rita do Paranaíba em 1863, contando com tino comercial e tropas de burros. Logo  tratou de articular-se com a Igreja local e principais lideranças, através do padre Félix Fleury do Amorim e do fazendeiro Manoel Martins Marquez, figuras de destaque no pequeno arraial, e foi nesse ambiente que constituiu família em 1869, quando era inspetor paroquial, aliando-se à família Marquez, que também possuía razoável situação financeira, através do casamento com a viúva Francisca Carolina de Nazareth Moraes. Não se pode falar em casamento arranjado, pois ambos possuíam boa situação financeira.

Tão logo casou em 1869, vislumbrando a emancipação de Morrinhos, que ocorreria em 1872, mais uma vez o coronel Hermenegildo viu uma chance de crescimento político e comercial e então, já contando com boa situação financeira, foi crescendo cada vez mais, aumentando os estabelecimentos comerciais e adquirindo fazendas na região de Morrinhos.

Utilizou como base de sustentação política o capital econômico e a formação dos filhos homens na Faculdade do Largo do São Francisco, onde Hermenegildo, o filho, e Alfredo concluíram o curso de direito e alcançaram os principais cargos políticos do Estado. A sua filha caçula casou-se com José Xavier de Almeida, mas não existem provas de que tenha sido um casamento arranjado, assim como ocorreu com as duas enteadas, Anna Theodora e Maria Carolina, que se casaram com os sócios Pacífico do Amorim da região de Piracanjuba e Pedro Nunes da Silva, seu sucessor na intendência de Morrinhos.

A riqueza do coronel Hermenegildo foi construída a partir de Santa Rita do Paranaíba, com o fornecimento de mantimentos e tropas de burros para o exército brasileiro na Guerra do Paraguai em Santa Rita do Paranaíba até 1870 e depois através de empréstimos de recursos aos fazendeiros e até políticos, quando já morava em Morrinhos e até a sua morte em 1905. Na medida em que seus credores não conseguiam honrar os compromissos acabava recebendo em pagamento outros bens dos mesmos.

Foi o anfitrião dos políticos que se deslocavam para o Rio de Janeiro e numa dessas viagens, o então deputado federal José Xavier de Almeida conheceu sua filha de dezesseis anos, Amélia Augusta de Moraes que estava estudando em uma escola católica em Uberaba-MG, local de onde partiam os trens para a capital federal. Foi ali que aconteceram os primeiros encontros e que levariam Amélia Augusta a se tornar primeira-dama no Estado de Goiás.

Entre os bacharéis que tiveram influência da  “Bucha”, destacam-se os Presidentes da República Rodrigues Alves e Afonso Pena, da  turma de 1870, os goianos da década de 1880,  José Leopoldo de Bulhões, formado em 1880, e Guimarães Natal, em 1882. Na turma da década de 1890, Hermenegildo Lopes de Moraes é o primeiro a se formar em 1890, José Xavier de Almeida em seguida, no ano de 1894 e Antônio Ramos Caiado, que sucedeu José Leopoldo de Bulhões Jardim no poder e teve sua formatura em 1895.

O líder político sucessor de José Leopoldo de Bulhões Jardim no poder a partir de 1912, Antônio Ramos Caiado, foi casado inicialmente com Iracema de Carvalho Caiado, que nasceu em 24 de agosto de 1877 e faleceu com apenas trinta anos, após mudar-se do Rio de Janeiro para a capital de Goiás. Filha de pernambucano e oficial da Marinha Brasileira, morou na Itália com a família, quando o pai ocupou cargo de Comissário Geral de Emigração para o Brasil.

Iracema fez seus estudos no Internato da Societá Educativa Marcelline e o italiano era a língua que aprendeu na infância. Ao retornar ao Brasil, voltou para o Rio de Janeiro. Conheceu Antônio Ramos Caiado em uma das visitas dele à irmã Terezinha Caiado de Castro, que residia no Rio de Janeiro. Relata  Célia Coutinho de Britto sobre o encontro com Iracema: “ dos casuais encontros de Antônio Ramos Caiado com Iracema nasceu um romance de amor, seguido de noivado. Ele havia concluído o curso de Direito na Metrópole” (BRITTO, 1974,  p. 271).

Conta ainda Célia que todos os preparativos para o casamento foram feitos na Itália, inclusive a compra do vestido de noiva. O casamento foi realizado em 29 de setembro de 1898 no Rio de Janeiro, ela com vinte e um anos e Antônio com vinte e quatro anos.

Relata ainda Célia que Iracema e Antônio se mudaram para Goiás e ela trouxe seu luxuoso guarda-roupa. Ela deixou sua vida cheia de eventos no Rio de Janeiro como chás, saraus, teatro, praia, bondes, carruagens e não gostou da mudança para Goiás, caindo em enfermidade e retornando à capital federal, onde faleceu (BRITTO, 1974, p. 271).

Célia Britto que Antônio Ramos afirma em sua obra que Antônio Ramos Caiado ficava em constantes viagens e atividades políticas, pois foi vice-presidente do Estado, deputado provincial e senador da República. Grande fazendeiro, dedicava-se a visitar também suas fazendas e, faltando tempo, não acompanhava a realidade da esposa (BRITTO, 1974, p. 273).

Seu primeiro filho faleceu, mas em seguida teve mais três filhos: Consuelo, Comari e Cori. Após nove anos em Goiás, a doença de Iracema foi agravada e ela foi fazer o tratamento no Rio de Janeiro, levando os filhos que foram matriculados no Colégio Sion, onde estudaram por quatro anos e retornaram para estudar na capital de Goiás.

 

[...] o perfil de Totó Caiado: “Nunca promete o que não tem intenção de cumprir e age sempre às claras, num desassombro pouco comum nos tempos que correm”.Antonio Ramos Caiado, figura polêmica da historia de Goiás, nasceu em 15 de maio de 1874 na Cidade de Goiás, filho de Torquato Ramos Caiado e Claudina Fagundes Caiado. Fez seus estudos secundários no tradicional Lyceu de Goiás (fundado em 1846 pelo Barão de Ramalho) e o curso de Direito em São Paulo, onde se graduou em 1895. Por ocasião da “Revolta da Armada”. em setembro de 1893, alistou-se no Batalhão Acadêmico de São Paulo, defendendo o governo constituído.  Depois de formado, retornou à velha Capital de Goiás onde iniciou sua trajetória política, combatendo a oligarquia dos Bulhões. Em 1897, foi eleito deputado estadual pelo Círculo de Pirenópolis e, no ano seguinte, em 29/09/ 1898, contraiu matrimônio com Iracema de Carvalho Caiado (1877-1907), moça educada na Itália e residente na capital, o Rio de Janeiro. Tiveram seis filhos: os dois primeiros, nascidos em Goiás, morreram recém-nascidos, seguindo-se Consuelo, Comary e Cory, também nascidas na velha capital; o último nasceu no Rio de Janeiro, onde faleceu com poucos dias de vida. Antônio Ramos Caiado lutava no centro das lutas políticas em que empregava o seu vigor, com o qual formaria sua futura liderança. Em 1903, assumiu a Secretaria do Interior no governo Xavier de Almeida; no seguinte, de Miguel da Rocha Lima, exerceu a Secretaria de Finanças. Em 1908, por discordar da situação política, rompeu com o governo. Na oposição, então arregimentada por Gonzaga Jayme, Leopoldo de Bulhões, Sebastião Fleury Curado e Eugênio Jardim; tornou-se líder inconteste. Com Gonzaga Jayme e Eugenio Jardim, chefiou a “Revolução Branca” ou “Revolução da Quinta”, ocorrida em maio de 1909, que obtém êxito derrubando o governo constituído. Nesse ano, Antônio Ramos Caiado elegeu-se Deputado Federal por Goiás, posto para o qual foi reconduzido sucessivamente ate1920, quando passou a Senador. Nesse mesmo ano de 1909, contraiu segundas núpcias com Maria Aldagisa de Amorim Caiado (1888-1984), filha de Luis Astholpho de Amorim e Rosa Amélia Sócrates de Amorim. Desse novo matrimônio teve dez filhos [...] (  O Democrata, ano VI, n°366, pagina 01, edição de 15 maio 1923).

 

Outro bacharel, militar e engenheiro Eugênio Jardim fez parte da família Caiado através da união com Diva Caiado em 1909, vindo do Rio de Janeiro para  auxiliar no golpe político e casar-se no mesmo ano.

Os bacharéis tinham suas ligações com Santa Rita do Paranaíba através do preenchimento de cargos públicos, sendo o mais importante o de administrador da Recebedoria do Arraial, ocupado por exemplo por Antônio Xavier Guimarães, irmão de Joaquim Xavier Guimarães Natal, que representava os vitoriosos do Golpe político de 1909, inclusive cedendo sua fazenda para organização do golpe a partir do Norte ao lado do anapolino José  Baptista, o coronel   Zeca Batista, que assinou em 16 de julho de 1909 a lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

A família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes colocou como funcionário público de confiança o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, inicialmente escrivão da Recebedoria em 1873 (Cachoeira Dourada), e depois de 1880 a 1899, delegado literário em 1906,1908 e 1911, administrador da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba em 1898, 1903, 1906, 1907 1908 e 1909 e ainda subdelegado de polícia em 1892.

Estavam colocados os principais protagonistas dos embates e arranjos políticos de Goiás na Primeira República: bacharéis e suas mulheres, coronéis, fazendeiros e funcionários públicos ocupando espaços e disputando relações de poder nas diversas instituições como, Município, Estado, União, além das casas das famílias envolvidas com a política e o poder, onde ocorreu o fenômeno da politização dos espaços privados.

            Assim que caiu o grupo político do bacharel José Xavier de Almeida, imediatamente o grupo político do bacharel José Leopoldo Bulhões Jardim separou o distrito de Santa Rita do Paranaíba de Morrinhos, como medida imediata de enfraquecimento político de Morrinhos. Neste caso, a opinião pública e as mulheres não participaram, ficando como protagonistas os bacharéis, fazendeiros, comerciantes e funcionários públicos. Mais que coronéis, o golpe político foi idealizado e executado por bacharéis em Direito.

 

3.2  O “GOLPE POLÍTICO”  DE 1909 EM GOIÁS

 

            O processo que se torna o “golpe político” de 1909 em Goiás tem relações que podem estar ligadas ao ano de 1869, em pleno desenrolar da Guerra do Paraguai, com o casamento de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que construiu uma família que mudou os rumos políticos de Goiás.  Podem também apontar desdobramentos a partir de 1901, com  a chegada de Amélia Augusta de Moraes ao Palácio Conde dos Arcos, na capital do Estado, quando assume a presidência do Estado o bacharel José Xavier de Almeida, até concluir com o evento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, sempre passando pela casa de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, mesmo a partir de 1905 com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, quando a casa de Morrinhos tem uma mulher como protagonista a partir de seu ambiente privado.

            Além dos casamentos, da formatura dos bacharéis, das viagens e da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, outros embates políticos que ocorreram a partir de 1904 fazem parte do processo que vai resultar no golpe político de 1909 e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

            Outras relações além de políticas, religiosas e familiares também fazem parte do processo, como a política fiscal dos governos Xavier de Almeida e Miguel Rocha Lima, que influíram na eclosão do Movimento golpista de 1909, colocando em evidência e ao lado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, os fazendeiros descontentes  no Estado, responsáveis pela principal atividade  da economia goiana entre 1901 e 1909.

A eleição de 1908 para deputados e senadores estaduais também influenciou  no Movimento golpista  de 1909, já que  aliados de José Leopoldo de Bulhões elegeram maioria, fato que  possibilitou não reconhecer o presidente eleito, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1909.

            Devido à crise econômica e arrocho fiscal, e tendo ainda o deslocamento do poder da capital para o interior, com o fortalecimento do grupo político de Morrinhos,  o bacharel Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado, e o engenheiro e militar Eugênio Jardim  lideraram o movimento golpista ao lado  de fazendeiros, que cercaram a capital de Goiás em 13 de março de 1909 e forçaram a saída de Miguel da Rocha Lima do governo e a retirada da vida política do bacharel José Xavier de Almeida.

            Além de não reconhecer a vitória de Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho, como presidente de Goiás a partir de 1909, não foram reconhecidos também deputados e senadores eleitos. O perdedor Urbano Coelho de Gouveia, cunhado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, assumiu o poder em julho de 1909, após o golpe político iniciado em março do mesmo ano.

            O Congresso Legislativo Estadual, composto por doze senadores e vinte e quatro deputados estaduais, reunia-se duas vezes por ano, entre maio e julho, ocasião em que votou a Lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que foi sancionada em 15 de julho de 1909 pelo presidente do Estado em exercício, José Baptista, terceiro vice-presidente.

            O enfraquecimento de Morrinhos ocorre entre 13 de março, quando Miguel da Rocha Lima é obrigado a abandonar o governo pelo golpe de 1909, passa pela mudança do poder para o primeiro vice-presidente Francisco Bertoldo e em seguida para o presidente do Senado  Joaquim Ruffino Ramos Jubé, chegando até ao coronel anapolino  José da Silva Baptista, antes de assumir definitivamente o engenheiro Urbano Coelho de Gouveia em 24 de julho de 1909, derrotado nas urnas e elevado presidente através de golpe político.

            Quando parte da família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes está fora da política com a volta para casa do genro José Xavier de Almeida e da filha Amélia Augusta de Moraes, Morrinhos está fora do poder e Santa Rita do Paranaíba está emancipada.

            Alguns nomes aparecem na emancipação de Santa Rita do Paranaíba, como do coronel José da Silva Batista, o Zeca Batista, terceiro vice-presidente do Estado, que estava exercendo a presidência até 23 de julho de 1909.      Liderou parte do “golpe” de 1909 a partir de Anápolis e assumiu o governo de Goiás a partir de primeiro de maio de 1909. Sancionou a Lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 16 de julho de 1909.

            Antônio Xavier Guimarães, irmão de Guimarães Natal, ligado aos Bulhões, foi para Santa Rita do Paranaíba para exercer o cargo público de Administrador da Recebedoria. Padrinho de casamento de Jacintho Luiz da Silva Brandão, cedeu sua fazenda para reunião de pessoas que participaram do Movimento golpista de 1909 a partir do norte e fez a intermediação política quando da emancipação entre os políticos de Santa Rita do Paranaíba e o então governo golpista que assumiu em 1909.

Outro líder do Movimento de 1909, Eugênio Rodrigues Jardim, ao se tornar delegado geral de Polícia de Goiás, nomeou o major  Militão Pereira de Almeida para delegado em Santa Rita do Paranaíba, dando início a um novo ciclo de poder no município emancipado através golpe político de 1909.

            Nas eleições de 1909 a coligação republicana acabou levando ao poder, através do “golpe político”, José Leopoldo de Bulhões para senador federal e Antônio Ramos Caiado, Marcelo Francisco da Silva e Padre Trajano Balduíno como deputados federais, embora não fossem os mais votados. Na mesma eleição para presidente do Estado foi reconhecido o engenheiro Urbano Coelho de Gouvêa, que havia perdido as eleições no voto para o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes.

            Na fazenda Quinta, de propriedade de Eugênio Rodrigues Jardim, o Movimento golpista foi organizado entre abril e maio, para derrubada do presidente eleito, quando mais de mil homens foram arregimentados.

            Os fazendeiros descontentes com a política fiscal do grupo político de José Xavier de Almeida, no poder desde 1901, uniu até aqueles que estavam separados,  como o bacharel e fazendeiro Antônio Ramos Caiado, que  se uniu ao grupo de José Leopoldo de Bulhões Jardim  para ajudar no Movimento golpista de 1909, mesmo tendo sido companheiro do bacharel José Xavier de Almeida em seu governo.

            Até a morte do Presidente Afonso Pena, em 14 de junho de 1909, também ajudou no fortalecimento dos Bulhões, pois tendo como amigo de Nilo Peçanha, o vice que se tornou presidente, levou José Leopoldo de Bulhões Jardim a assumir novamente o cargo de ministro da Fazenda e assim se tornar novamente um dos protagonistas da política em Goiás, pelo menos até 1912, quando será derrotado por outros, até então aliados no golpe político de 1909, como o bacharel Antônio Ramos Caiado.

            Derrubado o grupo político da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, a partir de maio de 1909 começou a gestação da emancipação com a votação no Congresso Goiano e que foi concretizada no dia 16 de julho de 1909 pelo então presidente do Estado em Exercício, José da Silva Baptista.

 

 

 

 

 
3.2  A EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA DO PARANAÍBA

 

            Até culminar com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, ocorreram várias relações políticas e acontecimentos, que têm início quarenta e seis anos antes, com a chegada de Hermenegildo Lopes de Moraes a Santa Rita do Paranaíba como funcionário público da Recebedoria em 1863.

            A construção da riqueza e da família que deram origem ao poder político exercido por Morrinhos na Primeira República tem seu início no Arraial de Santa Rita do Paranaíba, quando o coronel Hermenegildo, possuidor de tropas de burros e de um comércio no povoado, consegue abastecer as tropas que iam para a Guerra do Paraguai, período em que também casou-se com Francisca Carolina de Nazareth Moraes, cuja família era de fazendeiros bem sucedidos em Santa Rita do Paranaíba. É ainda em Santa Rita do Paranaíba que nasce o primogênito de Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1870, e que irá sucedê-lo na liderança das relações de poder a partir de 1905 com a morte do pai coronel.

            Morrinhos aparece nessas relações de poder a partir de 1871, quando Hermenegildo Lopes de Moraes se muda para o município, que logo se emancipa em 1872. Para alguns, o motivo da mudança seria uma doença de Francisca Carolina de Nazareth, mas Hermenegildo sempre antecipava as grandes mudanças e foi para Morrinhos, onde foi o primeiro intendente e consolidou-se como fazendeiro adquirindo mais de vinte e sete fazendas, consolidando o comércio entre Santa Rita do Paranaíba, Morrinhos, Pouso Alto e outras vilas com o sudeste do Brasil.

 Inicialmente chamada de Vila Bela de Morrinhos em 1845, quando então era   distrito da Vila de Santa Cruz, Morrinhos conseguiu sua primeira emancipação em 05 de novembro de 1855 com a denominação de Vila Bela do Paranaíba, tendo como distrito Santa Rita  do Paranaíba. Após quatro anos, retorna à condição de Distrito de Santa Cruz, tendo sido suprimida sua condição de Vila independente administrativamente. Em 1871 o município é restabelecido com o nome de Vila Bela de Morrinhos e reinstalado em  03 de fevereiro de 1872. No ano de 1882 é elevado à categoria de cidade, com o nome de Morrinhos, que prevalece até os dias atuais.

            Nascimentos, casamentos e mortes foram eventos que antecederam os principais embates que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba em julho de 1909.

Os nascimentos das jovens primeiras-damas de Santa Rita do Paranaíba e do Estado de Goiás se deram no início da década de 1880, sendo que  Amélia Augusta de Moraes nasceu em Morrinhos, no dia 27 de agosto de 1884, e Messias Alexandrina Marquez  em Santa Rita do Paranaíba, no dia 13 de outubro de 1883. A mesma sequência foi observada em relação aos casamentos, sendo que ambas contraíram matrimônio ainda menores de dezoito anos, sendo a primeira em 27 de julho de 1901, quando tinha dezessete anos e a outra em outubro de 1900, com apenas dezesseis anos.

            A morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em maio 1905, também foi um acontecimento que antecedeu a emancipação de Santa Rita do Paranaíba e consolidou a presença da mulher e herdeira Francisca Cândida de Nazareth Moraes, cuidando dos netos e dos bens.

A morte do presidente Afonso Pena, em junho de 1909, também influenciou a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, fato que possibilitou mais poder a José Leopoldo de Bulhões, que voltou a ser ministro da Fazenda do sucessor Nilo Peçanha.

Enfim, as relações de poder que levaram à emancipação de Santa Rita do Paranaíba e que se deram através de nascimentos, casamentos e mortes, estiveram sempre ligadas a uma série de processos políticos, que vão desde a eleição de José Xavier de Almeida, em 1901, para presidente do Estado, ao seu rompimento com Leopoldo de Bulhões, em 1904, o que levou ao pedido de intervenção por Leopoldo de Bulhões em 1905. Passaram pelas vitórias de José Xavier de Almeida, que homologou as eleições de 1904, mas que começou a se inverter em 1908, ocasião que o grupo de José Leopoldo de Bulhões fez a maioria de deputados e senadores, condição que levaria ao não reconhecimento das eleições para deputados federais, senador e presidente do Estado para 1909, e que dá origem ao Movimento de 1909,  que tem como primeiro resultado a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

               A imagem que se tem do sul de Goiás no início do século XX  é de um espaço de carência geral de seus moradores, diferenciando-se em poucas coisas os homens que tinham comércio e cargos públicos, em especial os coletores, que trabalhavam nas recebedorias fiscais de Santa Rita do Paranaíba.

              O quadro da vida, das casas, das vestimentas e da própria alimentação, narrado por (FRANCO, 1997 p. 119), mostra um lugar onde predominavam moradias simples, e alimentação à base de feijão preto, farinha de mandioca e um pedacinho de carne salgada ou toucinho para todos os moradores.

              Uma das características marcantes da região é o seu destaque como posto de fiscalização do Estado, em um período em que se travou um grande arrocho fiscal provocado pelo grupo dominante do período no Estado, que estava bastante ligado à cidade de Morrinhos, cidade-mãe de Santa Rita do Paranaíba, que teve sua fundação ligada a um porto e criação  da Recebedoria tributária no período anterior à República, por volta de 1834, quando se consolidava a primeira organização fiscal do Brasil Independente de Portugal.

              As atividades comerciais predominantes no período estavam ligadas à pecuária e em especial ao comércio, que eram as principais fontes de tributação na região.

              Relacionando à cidade pesquisada, é possível imaginar  a mistura que se fazia através de uma administração pública deficiente, com funcionários desqualificados, que misturava o público com o privado e que estava mais sujeita ao controle dos costumes locais e do mando de seus coronéis, do que aos regulamentos tributários, como pode ser notado nos embates entre o Ministério Público e coletores públicos, que faziam uso particular dos recursos arrecadados dos impostos.

              Com a ausência do Estado, uma justiça sem poder e dominada pelas autoridades locais, municípios pobres e sem fonte de recursos,  o local vai se constituir em um espaço perfeito para o domínio dos coronéis e seu fortalecimento, o que pode ter ocorrido com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que fez fortuna com a Guerra do Paraguai e ocupou cargos públicos, chegando no início do século XX com condições  de fazer aliança com os governos devido sua situação econômica abastada.

              O período de emancipação mostra um Estado com estruturas arcaicas, com os grupos dominantes dos coronéis detendo os meios de administração na nomeação de delegados, coletores e outras autoridades, proporcionando um desencontro entre as aspirações dos cidadãos e a possibilidade do Estado de provê-las.

              As cidades não tinham recursos para investimentos menores, como cuidar de suas ruas, ocorrendo em muitos casos o investimento privado com posterior indenização do Estado, quando era possível, e assim foi se institucionalizando o poder dos coronéis nas cidades.

              Cabe aos que têm recursos econômicos, como os fazendeiros e comerciantes, exercerem funções do Estado ausente, como as policiais e judiciárias, o que se faz através de capangas, já que tais funções não eram supridas por pessoas especializadas.

              É dentro desse quadro de pobreza do poder público local, de uso do aparelho do governo como propriedade privada e de dominação pessoal sem separação do público com o privado, com o grupo de coronéis locais ligados aos presidentes da província que vai ocorrer a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

              É a imagem de uma cidade que vai ter dono por muitos anos, desde sua fundação, onde o coletor, o delegado, o conselho de Intendência e a própria intendência vão ser uma extensão das famílias de comerciantes locais, o que vai ocorrer pela escassez de funcionários qualificados e ausência do exercício despersonalizado das funções públicas, com o grupo dominante utilizando o aparelho estatal para atingir interesses particulares.

              A formação dos coronéis de Santa Rita do Paranaíba a partir da Primeira República pode ser vislumbrada nas obras “Os donos do Poder” (FAORO, 1989), assim como a maneira como funcionava o sistema eleitoral, baseado na política dos governadores que sustenta todo o período.

              Nas palavras de Rui Barbosa (apud FAORO, 1989, p. 569), “substitui-se os principais interesses, o povo pelas facções e os Estados pelos seus governos.”

              A política dos governadores tinha como características o apoio dos presidentes dos Estados ao Governo Federal, recebendo poderes e privilégios, que por sua vez formavam suas bases nos municípios, que deviam obediência aos coronéis que governavam o Estado. Enquanto fossem aliados, poderiam utilizar as estruturas no Estado no exercício dos poderes locais.

              Verifica-se na Primeira República uma pequena participação política da população, como se observa nos números apresentados entre 1870 e 1890, quando o percentual de votantes no período variava de 2,3% a 3.4% da população, que girava em torno de 10 milhões em 1872 e que atingiu 14 milhões em 1889, sendo que apenas 24% moravam na zona urbana.

              A República Velha, período em que nasceu Santa Rita do Paranaíba caracteriza-se pela pouca participação da população na vida política, que era para poucos, decorrente do sistema eleitoral altamente restritivo, com uma população pouco alfabetizada, contando com cerca de 14,8% por volta de 1890, e um sistema eleitoral viciado, que dava sustentação à política dos governadores e  à afirmação do coronelismo.

              O sistema eleitoral permitia a qualificação dos eleitores, que era feita pelos coronéis ou por seus indicados, assim como a tomada e apuração dos votos, tendo o presidente do conselho de intendência ou o intendente municipal a supremacia do controle, às vezes feito nas próprias casas das autoridades.

              Era utilizada uma forma de controle que ficava na mão do coronel do Estado e para o comando eleitoral ser efetivo, o sistema deveria ser estrangulado no município e tudo isso era garantido pelas milícias estaduais e por instrumentos financeiros.

              Prevalecia o sistema de partido único, do presidente da província ao coronel no município, e as despesas eleitorais locais cabiam ao coronel local que, em troca, tinha os empregos na sua região, que seriam ocupados por pessoas indicadas por ele. É um sistema de reciprocidade, onde o Estado dá os empregos, os favores, tendo a força policial através de seus capangas, nomeando o delegado, o coletor de impostos, o juiz, o promotor, e prevalecendo os laços de amizade e compadrio.

              A obra de Faoro (1989), permite entender a figura do coronel que assume o poder local, onde alguns receberam o nome da antiga Guarda Nacional criada em 1831 e que recaiu também sobre pessoas detentoras de riquezas, que podiam comprar as patentes.

              O coronelismo penetra de tal maneira nas atividades políticas, constituindo-se no primeiro degrau dessa estrutura. Ele não manda só porque tem a riqueza, mas há pela população um reconhecimento de seu poder, sem necessidade de um pacto escrito. É um poder que se consolida com o aliciamento e preparo de seus eleitores, bem como o amplo número de cargos locais que terá a sua disposição para fazer suas indicações.

              A política dos governadores e seu criador, Campos Sales, aconselhando aos presidentes dos Estados a dissolverem as câmaras municipais e nomear os intendentes, são reflexões tratadas por Faoro, (1989), que permitem entender os primeiros embates e arranjos que ocorrem em Santa Rita do Paranaíba. É a política que atrelará os chefes políticos ao governo estadual, atrofiando os núcleos locais, como ocorreu com Santa Rita do Paranaíba.

              Nos capítulos estudados é possível entender o uso do poder político como extensão da família e o coronel Sidney Pereira de Almeida é fruto dessa construção política, havendo historicamente uma mistura do particular com os bens do Estado.

              Nessa obra têm-se os fundamentos do sistema coronelista que já está imposto desde a fundação da cidade e manifesta-se com intensidade em sua emancipação, prevalecendo as escolhas e indicações de cargos públicos de acordo com a confiança e o compadrio, e não com a capacidade dos escolhidos.

              As oligarquias que nascem no século XIX, o jeito personalista de governar e a própria impregnação do coronelismo como forma de governo vêm  dos tempos da fundação da cidade.

              Este estudo permite uma reflexão sobre as origens da população que formaria a cidade de Santa Rita do Paranaíba, onde prevalecia o comércio e a pecuária. No trabalho percebem-se as raízes dos trabalhadores, que se dá através de aventureiros que vieram em maior parte de Minas Gerais e dos próprios coronéis que vão governar a cidade em seus primeiros anos de existência.

              Enfim, essa obra permite refletir sobre o urbano e o rural no período de emancipação, o funcionamento do poder público nas mãos dos coronéis, a emancipação da cidade como instrumento de dominação e um povo constituído por aventureiros assentados em sua maioria na zona rural e os poucos que habitavam o centro urbano, numa cidade com forte influência ibérica na sua arquitetura, com uma praça central, duas grandes ruas em duas direções e uma Igreja em sua parte central. Essas são as raízes dessa cidade do interior do Estado de Goiás, com seu povo, seus costumes, seus governantes e suas práticas políticas.

O primeiro documento localizado no primeiro ofício da cidade de Goiás e que trata de Santa Rita do Paranaíba descreve a arrematação do Porto da Fazenda Nacional por Cândido Rodrigues de Paiva, em 1835, que fazia parte de uma estrada nova construída até Uberaba-MG (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 23).

Inicialmente o Distrito do Arraial de Santa Rita do Paranaíba foi criado como parte da Vila de Santa Cruz, em 1849, perdurando essa situação até 1855, quando então passa a pertencer a Morrinhos, que na época se denominava Vila Bela do Paranaíba. De 1859, quando é suprimida Vila Bela do Paranaíba, até 1871 quando novamente ocorre a emancipação de Vila Bela de Morrinhos, Santa Rita do Paranaíba fez parte da Vila de Santa Cruz (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 25-29).

Nas relações de poder em Santa Rita do Paranaíba, destacam-se Jacintho Luiz da Silva Brandão, casado com Messias Alexandrina Marquez, em 1900, e que não teve nenhum filho; Major Militão Pereira de Almeida, casado pela primeira vez com Ermelinda Borges de Almeida, em 1883, tendo 10 filhos, sendo o primeiro o coronel Sidney Pereira de Almeida.  Viúvo em 1903, Major Militão casou-se pela segunda vez em 1905 com Laudelina Mendes de Almeida, com quem teve nove filhos. Filho de Major Militão, o coronel Sidney Pereira de Almeida casou-se em 1909 com Maria Clarinda Cotrim, com quem teve seis filhos.

Qual a relação de Messias Alexandrina Marquez, Laudelina Mendes de Almeida e Maria Clarinda Cotrim com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba? São as mulheres presentes na vida privada dos homens que faziam política  quando da emancipação de Santa Rita do Paranaíba e depois nos primeiros anos da Vila emancipada.

Como Villa Bela de Morrinhos exercia um poder político na região sul do Estado de Goiás, desde 1895, quando Hermenegildo Lopes de Moraes era vice-presidente do Estado, até 1905 com sua morte, e após este período, o poder continuou a ser exercido por José Xavier de Almeida, genro de Hermenegildo Lopes de Moraes, ex-presidente do Estado e deputado federal em exercício, entrava na cena política outro filho de Hermenegildo Lopes, também deputado federal e homônimo do pai,  Santa Rita do Paranaíba não tinha nenhuma esperança de emancipação.

            O principal líder local, Jacintho Luiz da Silva Brandão era do grupo de Morrinhos, tanto é que assumia os principais postos no Arraial de Santa Rita do Paranaíba, como Administrador da Recebedoria.

            Como principal oponente de Jacintho Luiz da Silva Brandão, apareceu a figura do coronel  Sidney Pereira de Almeida, filho do maior comerciante do Arraial em 1909.

            O sistema político local tinha no comando o intendente geral, que era figura escolhida pelo presidente do Estado. O poder legislativo, escolhido pelo povo, era o conselho Municipal de Intendência.

Nos primeiros anos de governo, os membros do primeiro Conselho Municipal vão se revezar no poder como intendentes, ora aderindo aos Bulhões, que mandavam no Estado, quando da emancipação, e depois com o alinhamento do grupo de Sidney Pereira de Almeida com os Caiado, até 1927.

A Lei de emancipação é o principal documento que corrobora a hipótese de que a emancipação de Santa Rita do Paranaíba foi o primeiro ato do grupo dos Bulhões, que assumiu o governo do Estado de Goiás a partir do Movimento de 1909, no mês de maio, quando o poder foi passado ao primeiro vice-presidente e após ao segundo vice-presidente, que sancionou a lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba em julho de 1909.

            Da publicação da lei de emancipação à efetiva instalação do município levaram cerca de dois meses. No mês de setembro, foi nomeado o Conselho Municipal Provisório, tendo Jacintho Luiz da Silva Brandão sido escolhido presidente provisório e a missão também de governar o município até a escolha do Intendente Geral, que ocorreu em dezembro de 1909.

Existiam em Santa Rita do Paranaíba cercam de 83 estabelecimentos comerciais, figurando como maior, segundo pagamento de impostos, o comerciante Jacintho Luiz da Silva Brandão, com sete unidades e pagamento de 360$000 réis (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

Havia uma escola com cerca de sessenta alunos. Enquanto o chefe político de Morrinhos mandou os filhos para estudar em São Paulo, os filhos da família de Militão estudavam em Santa Rita do Paranaíba. Mas os primeiros anos iniciais das filhas de Francisca foram feitos na escola da Vila de Morrinhos, conforme aparece na relação de alunas matriculadas por volta de 1873.

Enquanto as crianças da família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes estudavam e viajavam, as crianças das famílias que moravam na zona rural viviam do pastoreio e de vigiar plantações (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 117).

O então Arraial de Santa Rita do Paranaíba se destacava por algumas casas comerciais e a família de Major Militão Pereira de Almeida era a segunda maior comerciante, com dois estabelecimentos, enquanto o filho de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, o Major Galdino da Silveira Marquez também tinha comércio no Arraial. No ano da emancipação, em 1909, a família de Major Militão era a maior pagadora de impostos no então Arraial de Santa Rita do Paranaíba.

O ano de 1909 vai marcar o aparecimento da família do coronel Sidney Pereira de Almeida e o afastamento do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, então aliado da família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes. O que segurou alguns dias a presença de Jacintho Brandão na política da emancipada Santa Rita do Paranaíba foi a presença de Antônio Xavier Guimarães, padrinho de casamento e aliado do grupo vencedor do golpe político de 1909.

             O Arraial de Santa Rita do Paranaíba começou com um porto e uma estrada, cresceu com a família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, emancipou-se com o golpe político de 1909 em Goiás e tem na Ponte Afonso Pena o símbolo desse momento, que marcou a passagem da família pela política de Goiás como protagonistas das relações de poder que colocaram a região sul em evidência.

3.3  AS MULHERES DA CASA DE DONA FRANCISCA

                        

             Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes tornou-se capitalista e fazendeira após a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em maio de 1905. A legislação brasileira que disciplinava a herança nos primeiros anos da República manteve a proteção dos direitos das mulheres previstos nas leis civis de Portugal e que foram adotadas após a independência do país até 1916, reservando a elas a metade dos bens deixados quando da morte dos esposos. Um terço dos bens podia  ser disposto através de testamento e dois terços  eram divididos entre os filhos nascidos do matrimônio  e de uniões anteriores (MELO e MARQUES, 2001 p. 03).

               O volume de riqueza deixado como herança era muito significativo, conforme resume o presidente da Academia de Letras de Morrinhos, José Afonso Barbosa:

 

[…] O coronel deixou um império econômico de fazer inveja aos homens mais ricos do País (oitenta e dois mil alqueires de chão,   cinquenta mil cabeças de gado vacum, três mil e quinhentos equinos, cem contos de réis em caderneta de poupança, uzentos contos de réis em títulos da dívida pública,lojas comerciais em Morrinhos, Santa Rita do Paranaíba, Caldas Novas e Pouso Alto, uma infinidade de imóveis urbanos     e uma montanha de dinheiro em empréstimos a particulares.[...](BARBOSA, 2013).

 

 

             Os indícios de que ela assumiu a condição de herdeira em relação a sua meação podem ser vistos nas publicações do Almanak Laemmert, conhecido como Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial  do Rio de Janeiro, que colhia dados das áreas comerciais, sociais e financeiros das cidades naquele período através das intendências. Dona Francisca aparece no rol dos agricultores e de capitalistas, ao lado de seus filhos e genros na cidade de Morrinhos.

              Como capitalista da cidade de Morrinhos, Dona Francisca é relacionada nos Almanaques dos anos de 1919, 1921 e 1922, ao lado do filho Francisco Lopes de Moraes e do genro Pedro Nunes da Silva (ALMANAK LAEMMERT,  ed. 76, 77 e 78). Nessas edições aparecem como agricultores ao lado do outro genro José Xavier de Almeida. O nome de Dona Francisca foi grafado incorretamente como  Francisco C. de Nazareth Moraes. O filho bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes e o genro José Xavier de Almeida são relacionados como exportadores de gado.

               Na edição 78-79 do Almanak Laemmert do ano de 1922, Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes aparece na relação de criadores de gado da região de Santa Luzia, hoje denominada de Luziânia (AMANAK LAEMMERT, 1922, ed. 78-79).

              Outros documentos que mostram a participação de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes são petições dirigidas a juízes de várias comarcas através de editais por condôminos que solicitam citação pessoalmente ou por carta precatória para Dona Francisca, que morava em Morrinhos, para demarcação e medição de terras em outros municípios, por condôminos que não desejavam continuar com as terras comuns a vários proprietários.

              O primeiro Edital  que pede a citação de Dona Francisca foi publicado em 1906 na edição 373 do Semanário Official, similar ao Diário Oficial publicado nos dias atuais. Na Comarca de Morrinhos, o agricultor Antônio Ventura da Costa Coutinho, informa que comprou parte dos imóveis contíguos e comuns denominados “Fazendas Vinagre e Três Barras” e que seja feita a divisão para formar o quinhão de cada um (SEMANÁRIO OFFICIAL, 1906, Ed. 373).

               No ano de 1918, através do jornal Correio Official de Goiás, na  edição 157 de janeiro de 1918,  ela é citada por edital para acompanhar divisão da Fazenda Vargem das Flores, no município de Santa Rita do Paranaíba, como condômina, ao lado dos filhos Alfredo Lopes de Moraes e Francisco Lopes de Moraes, além do genro Pedro Nunes da Silva (CORREIO OFFICIAL, 1918, ed. 157).

              Em abril de 1919, o mesmo jornal Correio Official faz citação  para que Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes acompanhe medição e demarcação da Fazenda Camarão, na região de Palmeiras de Goiás (CORREIO OFFICIAL, 1919, ed. 218). No mesmo ano, em maio, novo edital é publicado, para que Dona Francisca na condição do condômina, acompanhe a demarcação e medição da Fazenda Boa Vista,  também localizada em Palmeiras de Goiás ( CORREIO OFICIAL, 1922, ed. 222).

               Era tão rara a presença das mulheres como proprietárias, que na seção de agricultores o nome de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes foi digitado como Francisco, possivelmente por erro na digitação e pela raridade de haver mulheres naquele período como agricultoras (ALMANAK LAEMMERT, 1919, ed. 77).

               Os bacharéis unidos aos fazendeiros mudaram o governo do Estado de Goiás em 1909 através de um golpe político que resultou na imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba, mas foram as mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes que, a partir de Morrinhos,  ganharam presença e visibilidade nas relações de poder ocorridas naquele período.

            Os homens foram para as melhores escolas e se tornaram bacharéis, mas as mulheres da casa de Francisca puderam desempenhar mais do que se esperava delas na criação dos filhos e administração da casa, contando com o privilégio de serem chamadas de "Dona” , fazendeira, capitalista e primeira-dama através do casamento e de eventos como da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e sua herança.

            As relações das mulheres da casa de Dona Francisca foram além dos bordados, das visitas às igrejas e das criações dos filhos, ampliaram-se para a politização do espaço privado, viagens para a capital do país e exterior, atividades filantrópicas nos palácios e sociais nas festas, e principalmente no caso de Dona Francisca, a administração de fazendas e a condição de capitalista, pois herdou uma significativa soma de valores em depósitos e empréstimos.

            Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes não costumavam viajar muito, tanto que até a assinatura da Constituição de 1891 foi realizada em sua casa na cidade de Morrinhos, trazida pelo então líder político José Leopoldo de Bulhões Jardim. Este é um exemplo da politização do espaço privado.

            Além da casa da família, outro espaço em que se verificou a presença de Dona Francisca foi a Igreja Católica nos eventos de batizados e casamentos, tanto em Santa Rita do Paranaíba, quanto em Morrinhos. Registros da igreja de Santa Rita de Cássia mostram a presença de Dona Francisca em batizados a partir de 1863, período da chegada do coronel Hermenegildo a Santa Rita do Paranaíba, o seu casamento em 1869 e no casamento de Damaso Martins Marquez em 1873 (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

              Apesar de reproduzir os discursos de dominação dos homens em relação às mulheres, a Igreja foi um espaço público que permitiu às mulheres saírem de suas casas e frequentarem espaços públicos. Foi assim que Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, através de batizados e casamentos, conheceu o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que levou as relações políticas para dentro de sua casa.

              O casamento de Dona Francisca foi a porta de entrada nas relações políticas, já que a partir  de Morrinhos passaram a fazer articulações para eleição de deputados federais, senadores, intendentes e até de governador do Estado. Entretanto, foram as mortes dos coronéis, tanto o pai em 1886, como o esposo em 1905, que possibilitaram relações comerciais e a emancipação jurídica de Dona Francisca.

               Pertencente a uma família de cinco irmãos, com a mãe já falecida em 1886, a morte do seu pai capitão Manoel Martins Marquez proporcionou à Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes alguns bens como herança e que foram mantidos em seu nome mesmo após o casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.

              Com o falecimento do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, assumiu a posição de representante legal da família, o que possibilitou à Dona Francisca ampliar sua participação em relações econômicas, já que administrou a parte que lhe coube por herança. Ressalta-se que, apesar da morte, a política continuou presente em sua casa, já que os filhos e os genros continuaram ativos nas disputas eleitorais, até 1930, quando finalmente o filho caçula Alfredo Lopes de Moraes renunciou à presidência do Estado após assumi-la em julho de 1929.

              Embora contasse com muitos filhos e genros, as atividades políticas dos bacharéis Hermenegildo Lopes de Moraes Filho e José Xavier de Almeida os levaram a ficar ausentes da casa de Dona Francisca, já que residiam  na capital do país para o exercício do mandato de deputado federal. As suas presenças em Morrinhos após 1905 davam-se nos recessos parlamentares.

              Entre os demais filhos, destaca-se que Galdino  da Silveira Marquez, filho do primeiro casamento, preferiu ficar na região de Santa Rita do Paranaíba, onde exercia alguns cargos públicos e foi também fazendeiro.

               Francisco Lopes de Moraes, que não se casou e não terminou o curso superior em direito, foi deputado estadual entre 1905 e 1908. Alfredo Lopes de Moraes  deve ter seguido o caminho do irmão Hermenegildo e assim que terminou as primeiras letras foi para São Paulo fazer o ensino secundário e cursar direito na Faculdade do Largo de São Francisco, onde deve ter concluído o curso nos primeiros anos do início do século XX. Nascido em 1880, só foi desempenhar cargos importantes a partir de 1917, como secretário do Estado, deputado federal e finalmente presidente do Estado em 1929.

              Para descrever a vida de Francisco Lopes de Moraes e reforçar que Dona Francisca assumiu o controle e exerceu o papel de herdeira, o acadêmico de Morrinhos José Afonso Barbosa assim comenta sobre a ausência da casa por um dos filhos:

 

                                     […] Francisco Lopes de Moraes (09/05/1873-20/07/1958), fazendeiro, industrial, super-rico, boa-vida, preferindo sempre o conforto, os prazeres      que o dinheiro dá as portas que ele vai abrindo, as lindas mulheres, sempre           passeando; de Morrinhos a Araguari no lombo de mula. De Araguari a Uberaba, São Paulo, Rio de Janeiro, de trem. De navio. França, Espanha,     Inglaterra, Portugal, Itália, Grécia... Pois bem, coronel Chiquinho, como era      conhecido, nessas alturas já avançado em dias, levando a vida na folga,          surpreende os familiares e começa também a aparecer na política. Elege-se    Conselheiro (1904-1908). Em 1907 preside o Conselho Municipal. Elege-se        também deputado a Câmara Estadual, na 5ª Legislatura (1905-1908). Mas      não passa de fogo de palha. De novo volta ao ócio, aos encantos que o          dinheiro dá e de novo ganha o mundo. Foi viver sua vida de playboy [...]               (BARBOSA, 2013).

 

 

              Entre as enteadas do coronel Hermenegildo, a primeira a exercer a função de primeira-dama foi Maria Carolina da Silveira Nunes, entre 1893 e 1896, ocasião em que seu esposo foi intendente em Morrinhos. Suas ações ficaram restritas aos limites de Morrinhos, mas continuou a estar presente nas lutas políticas locais travadas pelo esposo, que se tornou várias vezes intendente de Morrinhos e substituiu o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes na liderança política local e também como capitalista e fazendeiro.

              A atuação de Anna Theodora da Silveira Amorim foi limitada a Piracanjuba como primeira-dama,  para onde seguiu com o esposo Pacífico Alves do Amorim, que havia sido sócio do seu padrasto e se tornou intendente daquele município a partir de 1913.

              Quanto aos genros, os antigos sócios do coronel Hermenegildo,  Pacifico Alves do Amorim e Pedro Nunes da Silva estavam mais ligados aos negócios comerciais, destacando que as relações políticas locais em Morrinhos foram assumidas pelo coronel Pedro Nunes da Silva, que, inclusive, substituiu o coronel na chefia da Guarda Nacional na Região do Rio Piracanjuba, enquanto Pacífico Alves do Amorim foi administrar sua riqueza e exercer a política em Pouso Alto, hoje Piracanjuba.

              Entre as noras de Dona Francisca Carolina, que não lhes proporcionou netos, destaca-se Maria Amabini Paranhos, esposa do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, que era bastante ligada às atividades da Igreja Católica e se destacava em ações sociais na cidade de Morrinhos, ganhando inclusive o apelido de “Mãe da pobreza”.  Outra nora, a viúva de um espanhol, Maria Marquez Otero realizou o segundo casamento com o filho  Alfredo Lopes de Moraes, ocasião em que tinha um filho do primeiro casamento, chamado Gumercindo Marquez, que se tornou deputado estadual (FONSECA, 1998, p. 185). 

              Entre todas as mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Moraes, foi Amélia Augusta de Moraes Almeida, a mais jovem primeira-dama que o governo de Goiás teve no início do século XX, que se destacou pela presença nas relações de poder ligadas à política.

              A entrada nessas relações de poder também se deu através do casamento. Não seria bom para a imagem do recém-presidente do Estado eleito em março de 1901, José Xavier de Almeida, ocupar o cargo sem uma primeira-dama. A cerimônia foi realizada em 27 de julho de 1901

              Assim como a mãe, era católica participante e também viveu relações a partir da Igreja e da Família. Mas sua presença foi marcada nos embates e arranjos políticos ao lado do esposo desde 1901, quando ele ocupou o cargo de presidente, até a derrota política do bacharel José Xavier de Almeida em março de 1909, fato que o afastou dos embates políticos; a partir daí ele passou a viver as relações de família, primeiro em Juiz de Fora,  Minas Gerais, por alguns anos e depois em Morrinhos, onde era grande fazendeiro e exportador de gado.

               Amélia Augusta de Moraes, delimitou presença nos espaços públicos desde a frequência de um curso normal entre os anos de 1899 e 1900, mas foi principalmente como primeira-dama do Estado de Goiás, a partir de 1901, quando desempenhava atividades filantrópicas e sociais no palácio do governo goiano, que marcou presença nas relações de poder, especialmente a partir dos espaços privados, já que não ocupou formalmente nenhum cargo público.

               Apesar de ser deísta e de ter formação liberal por ter estudado na Faculdade de Direito de São Paulo, o bacharel José Xavier de Almeida sofreu influências da mulher Amélia Augusta de Moraes Almeida, participando dos eventos religiosos na Igreja Católica, tais como batizados, casamentos e missas, para agradar a esposa.

               A filha mais jovem de Dona Francisca Carolina de Nazareth esteve presente em todas as viagens, seja a passeio para o exterior, quando trazia vestidos de Paris ( FONSECA, 1998, p. 185), seja para os eventos políticos em Goiás, até março de 1909, quando houve o golpe político de 1909 e a saída de cena política, para viver a vida no espaço privado da família, sem as disputas políticas que marcaram os anos de 1901 a 1909.

               Os indícios dessa presença e visibilidade de Amélia Augusta de Moraes estão descritos  na obra de Célia Coutinho Seixo de Britto, que narra a chegada da primeira-dama no Palácio Conde dos Arcos, sua vida ao lado do esposo, mesmo depois que deixou a presidência do Estado, suas viagens para reuniões políticas na capital do Estado e finalmente a saída de cena, quando ocorreu o Movimento golpista de 1909.

               A casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes foi, durante toda a Primeira República em Goiás um centro de poder político que elegeu presidentes do Estado, senadores da República, deputados federais, intendentes e deputados estaduais. A partir dessa casa formaram-se bacharéis, as mulheres foram instruídas e construíram-se riquezas de fazendeiros, comerciantes e capitalistas.

               Mudaram-se governos em Goiás, emancipou-se Santa Rita do Paranaíba, mas o maior feito foi revelar a presença e visibilidade de mulheres, que mesmo não ocupando os cargos públicos da República reservados aos homens, souberam e exerceram a partir de outros ambientes funções e posições relevantes, que nos espaços privados foram iguais e até superiores em algumas situações, como na da herança, que proporcionou a emancipação e a participação das mulheres como protagonistas em um tempo em que tudo foi atribuído aos homens e aos coronéis.

            Desde o começo do século XX, a casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes praticamente só ficava movimentada durante os processos eleitorais. Conclui-se que apenas o casal e seus empregados passavam ali nos dias normais, já que os filhos crescidos e criados tinham tomados outros rumos.

            A caçula  Amélia Augusta de Moraes Almeida mudara para a capital de Goiás em 1901, quando  se casou e acompanhou o esposo, José Xavier de Almeida, gerando vários netos para Dona Francisca. O filho Hermenegildo Lopes de Moraes, como deputado federal e sem geração de filhos, passava maior parte do tempo onde morava, no Rio de Janeiro, vindo para Morrinhos nas férias parlamentares.  Francisco e Alfredo, ainda solteiros, viajavam muito pelo país e exterior.

            Percebe-se uma maior proximidade da casa de Dona Francisca de suas duas filhas do primeiro casamento, Maria Carolina e Anna Theodora, casadas com os sócios do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes,  Pedro Nunes da Silva e Pacífico Alves do Amorim que ficaram na região sul de Goiás. Logo, deviam frequentar constantemente a casa com seus filhos.

            Eram intensas as relações comerciais, sociais e políticas durante todos estes primeiros anos do século XX na casa de Dona Francisca. Discutia-se compra de fazendas, os negócios do comércio e empréstimos e até  guardava-se dinheiro.

            Na política foram tantas eleições vividas a partir da casa de Dona Francisca, que se tornou primeira-dama de Morrinhos a partir de 1890 até 1893, quando o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes se tornou primeiro intendente de Morrinhos e retornou ao mesmo cargo de 1899 até 1903. Seguiu  em 1894, quando o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes se elegeu deputado federal naquele ano e foi se reelegendo em 1897, 1900, 1903, 1906, 1909 e 1912.

            Ainda em 1894, o genro de Dona Francisca, Pedro Nunes da Silva se tornou intendente de Morrinhos até 1896, ocasião em que Maria Carolina Silveira Nunes se tornou primeira-dama da cidade.

            No início do século XX, em 1901, José Xavier de Almeida quando ainda namorava com Amélia Augusta de Moraes, foi eleito  presidente do Estado de Goiás, o bacharel  Hermenegildo Lopes de Moraes deputado federal, em 1903, Francisco Lopes de Moraes disputou e ganhou mandato de deputado estadual, em 1905.

            Após a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1905, um ano depois foi novamente eleito o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes  para deputado federal, acompanhado de seu cunhado José Xavier de Almeida, que havia deixado o governo do Estado.

             Em 1908, como liderança política e chefe do diretório do Partido Republicano, José Xavier de Almeida veio para Goiás organizar o partido para as eleições de 1908. Em 1909, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes foi eleito deputado federal e também presidente do Estado, mas só assumiu o mandato de deputado federal. José Xavier de Almeida chegou a ser eleito senador federal em 1909, mas não assumiu devido ao golpe político de 1909.

                         As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes não ocuparam o espaço público da política, mas a politização constante de sua casa trouxe a política para suas relações do dia a dia.

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

                                   

O estudo das mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Morrinhos mostra como elas se tornaram presentes e visíveis em um momento de muitos discursos de dominação dos homens na sociedade. Para quem foram reservado os papéis de mães, filhas e esposas, ir além através da ocupação de  funções como primeiras-damas, fazendeiras, capitalistas e parceiras dos homens, foi um marco que foi possível através do processo de politização dos espaços privados e privatização dos espaços públicos em Goiás na Primeira República.

Constatou-se que os homens utilizaram todos os instrumentos de dominação em todas as instituições, desde o parlamento para discussão e aprovação de leis que excluíram  as mulheres dos partidos políticos, dos cargos públicos e dos processos eleitorais, até na escola, na Igreja e na família, onde foram reforçados os  papéis destinados aos homens de bacharéis, coronéis, funcionários públicos, deputados, senadores e presidentes.

As mulheres aceitam a dominação, quando se postaram nas diversas situações em posição de obediência aos discursos na família, na Igreja e em suas casas. Conseguiram avanços através das escolas, das heranças e do exercício de primeira-dama nos palácios. Pode-se afirmar que houve uma superação parcial dos discursos de dominação dos homens, mas não foi possível avançar nos  espaços políticos através de eleições e ocupação de cargos públicos.

Quanto à emancipação política de Santa Rita do Paranaíba do município de Morrinhos, observou-se que as ações e relações de poder que envolveram as mulheres e os homens da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes,  resultou em participações ativas nos embates e arranjos políticos que se travaram, embora não tenham conseguido a emancipação e participação nos processos eleitorais, assim como a ocupação de cargos públicos.

As mulheres não contestaram o discurso de dominação dos homens na política, legitimados pela legislação eleitoral, mas souberam articular para estarem presentes nas decisões, desde o distrito de Santa Rita do Paranaíba, em Morrinhos até a capital do Estado e o Rio de Janeiro, fenômeno que ocorreu com a politização dos espaços privados na ocasião que seus esposos foram intendentes, presidente do Estado, deputados e senadores.

Várias categorias utilizadas pelas ciências sociais foram historicizadas, desde Gênero, política e poder, passando pela Experiência e também em relação ao público e privado.

Metodologicamente fez-se uma conexão com outras correntes históricas, colocando a política com a nova história cultural para analisar as práticas e representações do período a partir de vestígios e sinais, revelando novas interpretações em relação aos sujeitos homens e mulheres, assim como as novas instituições políticas, religiosas e sociais que se transformaram após a proclamação da República.

As vivências políticas na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes deram visibilidade e presença às mulheres nas Igrejas através de eventos religiosos, em especial casamentos e batizados.  Elas entraram no campo econômico com a partilha  das heranças, que lhe deram poder e também foram presentes  nos eventos sociais onde as primeiras-damas e suas festas nos palácios e sedes dos governos chegaram perto das relações políticas.

Mas foi também na vida privada das famílias, com a politização desses espaços,  o exercício do poder político na capital de Goiás e na capital federal, tendo como ponto de partida a cidade de Morrinhos que as mulheres marcaram presença e se revelaram em um processo que teve como pano de fundo a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

A evidência da participação das mulheres se deu com maior ênfase com Francisca Carolina de Nazareth  Moraes e suas filhas Amélia Augusta de Moraes, Maria Carolina Silveira Nunes e Anna Theodora Silveira do Amorim, todas a partir de Morrinhos e com menor intensidade em relação à sobrinha Messias Alexandrina Marquez Brandão, cujas relações  foram restritas ao distrito de Santa Rita do Paranaíba.

Todas tiveram em comum a origem em Santa Rita do Paranaíba, a relação com comerciantes, fazendeiros e políticos e seus casamentos  na Igreja Católica, em um momento em que se travavam debates ideológicos e políticos entre liberais e o clero católico, processos eleitorais entre os grupos dos bacharéis José Leopoldo de  Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida.

Notaram-se também relações de poder na convivência entre os homens e mulheres no ambiente da Igreja Católica, em um momento em que proclamada a República e a laicidade do Estado, a Igreja lutou contra a obrigatoriedade do casamento apenas no civil e essas mulheres souberam contestar seus maridos liberais, conseguindo a adesão ao discurso do clero de que seus casamentos fossem feitos também na Igreja, embora não produzissem efeitos legais.

Apesar de não ter sido objeto de estudo deste trabalho, os estudos permitem novos desdobramentos na busca da presença e visibilidade das mulheres, como o fato de no decorrer da pesquisa ter sido observado que outras mulheres também buscaram ocupar espaços nos anos iniciais da República em Goiás em outros campos que foram sempre reservados aos homens.

Destacam-se a formação da Academia Goiana de Letras, criada em 1904 e que teve como primeira presidente  Euridice Natal, assim como também a formação da primeira bacharel em Direito por Goiás, na Academia de Direito em 1908, Rosa Godinho de Oliveira, em um tempo que esses papéis estavam reservados aos homens.

Com a utilização da categoria Gênero e dentro do  campo  casamento, foi possível fazer uma análise e concluir que esses eventos não foram arranjados para fins políticos na família estudada, contrariando o que atribuíram alguns historiadores desse período, pois constatou-se, a partir da vida de  Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, que a aproximação se dá no ambiente da própria Igreja através de casamentos e batizados  e devido à proximidade de pessoas em condições econômicas semelhantes.

 O estudo mostrou, em relação a Amélia Augusta de Moraes, que as relações políticas do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes influenciaram na aproximação entre ela e José Xavier de Almeida, pois encontraram-se evidências de que o relacionamento se deu inicialmente com as passagens do bacharel por Morrinhos e Uberaba, em Minas Gerais, quando ele exercia o mandato de deputado federal por Goiás e obrigatoriamente para se deslocar para a capital federal tinha que passar pelo sul de Goiás e por Uberaba, onde ela fazia o curso Normal.

Esses tipos de relações levaram ao casamento típico do período, quando homens situados na meia idade conheceram jovens mulheres nas conversas políticas, eventos religiosos e relações comerciais e estas se desdobraram em casamentos.

Em Santa Rita do Paranaíba, o relacionamento de Messias Alexandrina Marquez de Moraes com o futuro marido surgiu a partir dos encontros políticos do coronel, fazendeiro e comerciante Jacintho Luiz da Silva Brandão com o pai dela, Damaso Martins Marquez.

A relação teve inicio em uma fazenda da região e  mostrou a influência da mulher em se casar também na Igreja Católica,  realizando o matrimônio em 1900, destacando-se o fato de a  noiva contar então com apenas dezesseis anos e ser católica fervorosa, além de afilhada de batizado do noivo. O apadrinhamento provocou a negativa de um padre local para fazer o casamento, mas que foi superado pela escolha de outro padre para realizar a cerimônia.

Não se pode atribuir também o interesse de José Leopoldo de Bulhões Jardim em ter em sua família, por laços matrimoniais, o então aliado, que se tornaria  adversário, José Xavier de Almeida, porque as cinco irmãs de Bulhões já estavam casadas e contando com faixa etária com idade superior a quarenta anos, pois nasceram na década de 1850. Pelo contrário, José Xavier de Almeida foi escolhido para ser o presidente do Estado justamente por críticas à utilização da familiocracia na escolha dos presidentes anteriores por José Leopoldo de Bulhões Jardim.

A relação entre os líderes políticos estavam mais fundadas nos fatos de serem bacharéis em direito, com boa situação econômica, por serem fazendeiros e comerciantes, além do fato de suas relações políticas, que já duravam alguns anos, desde a proclamação da República, o que lhes permitiu conhecer as futuras esposas.

É possível até deduzir que José Leopoldo de Bulhões Jardim escolheu José Xavier de Almeida para disputar a presidência do Estado pelo seu grupo político, o Centro Republicano, justamente para desvincular a imagem já desgastada de familiocracia, pois sempre colocava para ocupar o poder nas instituições políticas,   seus cunhados, fato  que já contava com muitas criticas no meio político.

Em relação às mulheres da família  Bulhões, verificou-se que o bacharelismo e a política as aproximaram dos futuros  governantes, como ocorreu com Ângela de Bulhões, que contraiu matrimônio  com o bacharel  Joaquim Xavier Guimarães Natal. As demais irmãs  casaram-se com outros aliados políticos de José Leopoldo de Bulhões Jardim, destacando-se Maria Nazareth de Bulhões, que realizou matrimônio com Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim, irmão de Eugênio Rodrigues Jardim. Outra irmã de José Leopoldo de Bulhões, Adelaide Emilia de Bulhões, também se tornou sogra, já que do casamento com o desembargador Benedito Felix de Bulhões nasceu sua futura esposa Cecília Adelaide.

Fora da regra de uniões que resultaram em cargos públicos e políticos, Josefina de Bulhões Jardim contraiu matrimônio com Jacome Martins Baggi, cuja origem era de fazendeiros baianos. A irmã  Leonor Adelaide Bulhões Jardim  casou-se com Urbano Coelho de Gouvêa, governante de Goiás antes da chegada e saída de José Xavier de Almeida do poder nos anos de 1900 e 1909 .

É interessante ressaltar as características de proximidade e rompimento entre José Leopoldo de Bulhões Jardim, nascido em 1856 e que se casou em 1890 com sua sobrinha Cecília Adelaide de Sousa, então com dezessete anos, e José Xavier de Almeida, nascido em 1870 e que também se  casou  com uma jovem, Amélia Augusta de Almeida, também com  dezesseis anos em julho de  1901.

 As relações de proximidade entre ambos podem ser atribuídas ao fato de serem bacharéis em direito, maçons e membros da Associação da Faculdade de Direito da “Bucha”, que mais influenciou na ocupação do poder. O rompimento deve ser atribuído à formação de outros grupos políticos e pela ausência de José Leopoldo de Bulhões da política goiana. Quando novamente aproximou-se de Goiás,  tomou o poder através das regras eleitorais vigentes, por ter maioria em 1908 no Congresso goiano de deputados e senadores.

As mulheres que se tornaram visíveis neste trabalho tiveram intensa participação nas relações de poder, seja nos ambientes familiares quando administraram as riquezas herdadas tais como fazendas e comércios, ou nos eventos sociais como primeiras-damas nos palácios dos governos, assim como nas viagens para participar das eleições; mesmo que lhes tenha sido negado a participação nos partidos políticos e cargos públicos, elas souberam utilizar formas de driblar a dominação dos homens nos seus mais variados órgãos e instituições.

Mesmo que não se fale em emancipação das mulheres, porque a elas foram negados alistamento eleitoral, elegibilidade e ocupação de cargos públicos, não se pode deixar de notar a sua visibilidade, pois  estiveram presentes nos arranjos e embates políticos ao lado dos homens, através da politização dos espaços privados. Como foi negada às mulheres a participação nos espaços públicos da política, elas souberam usar estratégias com a entrada da política nos espaços privados em suas famílias, nas viagens, nos comércios, nas fazendas e na Igreja.

Especialmente em Goiás, embora tenham conseguido  certa liberdade, seja pela herança, seja pela família e educação, as mulheres  conseguiram espaço nos jogos políticos, mas mesmo assim acabaram  legitimando a dominação dos homens, sem indícios de contestação dessa situação. Foram parceiras, aceitando pacificamente as regras colocadas pelos homens.

Verificou-se com a pesquisa que várias instituições foram utilizadas neste processo de dominação dos homens, contraditoriamente em um momento em que o discurso era de liberalismo e modernidade. A Igreja queria manter a sua posição em que favorecia o domínio dos homens, o Estado não proporcionou leis e interpretação favoráveis à participação das mulheres no processo político e as famílias simplesmente reproduziam as relações de poder.

As mulheres tiveram condições de influir no processo de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, uma vez que irmãos e até o filho de Dona Francisca estavam no então distrito de Morrinhos, mas elas não defenderam em momento algum a emancipação.          Nem Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que comandava a fortuna herdada do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, nem Amélia Augusta de Moraes, que era esposa do presidente do Estado, moveram qualquer ação pela emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

A relação que demonstra   maior participação política foi  de Amélia Augusta de Moraes Almeida, que esteve presente com o presidente do Estado José Xavier de Almeida na chegada ao poder em 1901 e na saída, com o movimento de 1909. Francisca Carolina de Nazareth de Moraes pode ser colocada como referência na emancipação provocada pelo motivo de herança, quando da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes. Ambas, contribuíram de maneira significativa para a presença e visibilidade das mulheres nas relações de poder em Goiás.

Em um momento em que o discurso era da mulher, mãe e esposa dedicadas ao lar,             Messias Alexandrina Marquez Brandão em Santa Rita do Paranaíba não seguiu esse padrão, pois ao casar-se com Jacintho Luiz da Silva Brandão, filho de um padre e primeiro presidente do Conselho Provisório de Intendência do Município, não se tornou mãe e sua participação se reduziu à família e à Igreja local. Alguns acontecimentos de natureza religiosa, como o fato de o coronel ser filho de um padre, assim como sua esposa ser afilhada através de batizado católico, podem ter contribuído para que a família não tivesse filhos.

Em relação à participação política, as mulheres que tiveram visibilidade neste trabalho aceitaram o discurso de dominação dos homens nas relações de poder em relação ao voto, à ocupação de cargos públicos e aos cursos superiores nas escolas. Mas elas não se contentaram só com o que lhes era reservado nos papéis de mãe, filhas e dona de casa. Influíram nos espaços privados, especialmente como primeiras-damas.

Os primeiros anos da República deram às mulheres condições para contestação da dominação dos homens, porque obtiveram heranças, influência das famílias e da própria condição intelectual, e poderiam ir mais além da condição de parceiras nas viagens, nos palácios, nos eventos festivos e políticos.

Até que surgiram alguns espaços para participação, como ocupar uma vaga na Academia, onde até então só os homens se tornavam bacharéis, pois em Goiás nos Primeiros anos da Republica foi criada a Academia de Direito e somente  uma mulher,  em 1908, concluiu o curso de direito. Poderiam ter lutado pelo voto e poderiam ter contribuído para a emancipação de Santa Rita do Paranaíba e principalmente delas mesmas.

Estas mulheres foram excluídas da participação do voto e da ocupação de cargos públicos, funções atribuídas aos homens. Essa exclusão não se deu por vedação literal da legislação no período, mas sim pela interpretação e dominação dos homens neste sentido, através de seus discursos.

            Fez-se a desconstrução de certas abordagens,  como a que considerava o coronelismo como principal modelo político e realizador dos embates políticos nesses primeiros anos da República, pois conclui-se que os embates políticos de Goiás na Primeira República se deram entre os bacharéis em direito José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida, que utilizaram estratégias políticas que inclusive atenderam  à legislação eleitoral vigente no período como quando foi possível reconhecer os eleitos e quando foi necessário, em 1909, fazer a degola e colocar nos poder os perdedores das eleições de  1909.

            Ao fazer uma nova interpretação das representações dos coronéis no período, analisaram-se suas práticas e, através da nova história cultural, verificou-se que esta figura tinha uma imagem bem diferente daquela do período imperial até a Proclamação da República. Já não tinham as mesmas forças e não foram exclusivamente os protagonistas das relações de poder.

            Criados pelos coronéis com o papel de serem os grandes representantes no Estado e no país, foram os bacharéis que protagonizaram, ao lado de suas mulheres, as principais relações de poder até o golpe político de 1909.

É possível afirmar que a emancipação de Santa Rita do Paranaíba não passou de um ato político do grupo vencedor, dos bacharéis liderados por José Leopoldo de Bulhões Jardim, para enfraquecer e retornar o poder político para a capital do Estado de Goiás que, por quase uma década, se deslocou para Morrinhos.     Assim, os embates que nasceram com a chegada ao governo de Goiás por José Xavier de Almeida, em 1901, e terminaram em março de 1909 com o golpe político que não reconheceu a vitória na eleição do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes,  levaram à emancipação de Santa Rita do Paranaíba, como uma das primeiras medidas do grupo vencedor para enfraquecimento político do grupo até então majoritário, que deslocou para Morrinhos  o centro provisório do poder político em Goiás.

Em relação à emancipação de Santa Rita do Paranaíba, assim como os homens locais, não tiveram as mulheres intensa participação nas relações de Poder. A jovem Messias viveu em seu ambiente do Arraial, enquanto Dona Francisca Administrava as riquezas herdadas. Amélia Augusta acompanhava José Xavier de Almeida nos embates políticos no Rio de Janeiro, em Morrinhos e na cidade de Goiás. As outras duas filhas de Dona Francisca ocuparam espaços como primeiras-damas em Morrinhos e Piracanjuba.

Pode-se concluir que os embates e arranjos políticos em Goiás nos primeiros anos da República emanciparam Santa Rita do Paranaíba, mas não conseguiram  o mesmo resultado em relação às mulheres, que estavam bem perto destas relações de poder, e que, embora pudessem contestar a situação de dominação, apenas a legitimaram.

Em um ponto se consegue atingir o objetivo de dar visibilidade às mulheres, pois é possível comprovar esta presença, porque os homens não fizeram política sozinhos e as mulheres estiveram juntas em todos os processos políticos, com condições de irem além, mas sucumbiram na intensa massificação da dominação exercidas pelo Estado, pela Igreja e pela Família, sempre tendo os homens atrás destas instituições.

Mesmo que  limitadas pelas condições impostas pelos homens e a sociedade, verificou-se a saída das mulheres do espaço da casa, seja para a rua ou outros lugares através de viagens e eventos políticos. Para Michelle Perrot ( apud SANTOS,  1994, p. 503), as mulheres saíram moralmente dos papéis que lhes foram atribuídos pelos homens e manifestarem sua opinião, passando de um estado de submissão para independência, tanto no espaço público como no privado.

E foi assim que,  seja pela filantropia praticada por Amélia Augusta de Moraes Almeida no Palácio do governador ou pelas suas viagens ao Rio de Janeiro e Europa, seja em outras esferas, como na administração das heranças por Francisca Carolina de Nazareth  Moraes, essas mulheres ocuparam espaços além daqueles impostos pela dominação dos homens e marcaram as suas influências nas relações de poder dentro da sociedade.

Como bem sintetizou Michele Perrot:  “as mulheres souberam apoderar-se dos espaços que lhes eram deixados ou confiados para alargar a sua influência até as portas do poder” (apud SANTOS,1994, p.503). Mas elas poderiam ter ido mais longe.

Santa Rita do Paranaíba foi emancipada, as mulheres não. Os acontecimentos de 1909 em Goiás foram os primeiros sinais de uma luta que estava começando.

Depois de 1909, novos grupos políticos surgiram, sempre com homens e mulheres bem perto. Foi assim com  José Xavier de Almeida, o bacharel da turma de 1894  e sua mulher, Amélia Augusta, que estavam no centro do poder nos primeiros anos do século XX e ao sair de cena,  o grupo de José Leopoldo de bulhões Jardim também saiu para a chegada de Antônio Ramos Caiado com sua esposa Maria Adalgisa,  seguindo um ritual onde mais um bacharel da turma de 1895 do Largo de São Francisco, acompanhado por uma  mulher com quem se casara em 1909, foi  comandar as relações de poder em Goiás nas próximas duas décadas.

O Bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim comandou Goiás através de seu cunhado Urbano Coelho de Gouveia nos primeiros anos da República, que foi sucedido por José Xavier de Almeida, que se casou com Amélia Augusta de Moraes Almeida em 1901, que teve como sucessor Miguel da Rocha Lima, que se casou com a irmã de José Xavier de Almeida, que elegeu seu cunhado e bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes para o governo em 1909 e não sendo reconhecida sua eleição voltou ao poder em 1909 Urbano Coelho de Gouveia, o cunhado de Bulhões.

 Houve sempre uma mulher e um bacharel nas relações do poder nos primeiros anos da República em Goiás até a emancipação de Santa Rita do Paranaíba. Como não foi possível as mulheres entrarem nos espaços públicos delimitados para e pelos homens em suas ações e discursos de dominação, coube às mulheres da casa de Dona Francisca tornarem-se presentes e visíveis em todas as relações de poder que levaram senão à emancipação das mulheres, pelo menos à de Santa Rita do Paranaíba.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

AGE, Mônica de Paula P. Entre o real e ideal: a publicidade dos perfis femininos nos jornais da cidade de Goiás (século XIX). Disponível em <http://www.fazendogênero.ufsc.br/9/resources/anais/1277669632-arquivo>. Acesso em: 07  out. 2013. 13:58.

 

ALMANAK LAEMMERT,  edição 76 (1919) e edição 78/79 (1922). Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/313394/78616.>    Acesso em 17/10/2013.

 

ALMEIDA NETO, Sidney Pereira de. Itumbiara, Um século e meio de História. Itumbiara: Ed. do autor. 1997.

 

ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo. Petrópolis: Vozes, 1980.

 

ALVES, Mirian Fábia. Política e escolarização em Goiás: Morrinhos na Primeira República. Dissertação ( Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da UFMG. Belo Horizonte, 2007.

 

AMORIM, Eron Meneses de.  Morrinhos: Coronelismo e Modernização 1889-1930.  Dissertação ( Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da UFG. Goiânia, 1998.

 

ANZALDÚA, Glória. A consciência mestiça e o “feminismo da diferença”.  Universidade Federal de Santa Catarina. Revista Estudos Feministas  - Ver. Estud. Fem. Florianópolis, v. 13 n.3, set/dez. 2005.

 

BARBOSA, José Afonso. O coronel e seu poderio. Diário da Manhã, caderno Opinião, .edição 04/10/2013.

 

BERSTEIN, Serge. Os partidos Políticos. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 57-94.

 

BRITTO, Célia Coutinho, S. A Mulher, A história e Goiás. Editora e cultura goiana. Goiânia, 1974.

 

BURKE, Peter. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In:  A escrita da história: novas perspectivas.  2ª ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1992, p. 327-348.

 

BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: feminismo da identidade. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

CAMPOS, Francisco Itami; DUARTE, Arédio Teixeira. O Legislativo de Goiás. v 1 e 2 Goiânia. Assembleia Legislativa de Goiás, 1996.

 

CAMPOS, Francisco Itami. Coronelismo em Goiás. Goiânia: Vieira, 2003.

 

CERTEAU, Michel de; GIARD, Luci; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

 

CHARRONE, João Paulo. As relações de poder do episcopado na Gália no período da terceira geração da dinastia merovíngia (561-593). Revista Alétheia de Estudos sobre Antiguidade e Medievo. v. 2/2, ago-dez, 2010. 

 

CHAUL, Nars Nagib Fayad (Coord.). Coronelismo em Goiás: estudo de casos e famílias. Goiânia: UFG, 1998.

 

CORREIO OFFICIAL DE GOIÁS – Ed. 157 – 1918 – Disponivel em:http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/167487/8340.>

 

COSTA, Claúdia de Lima. O sujeito no feminismo. Caderno Pagu, Campinas, n. 19, 2002.

 

COUTROT, Aline. Religião e Política. In: RÉMOND, René (org.) Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p.331-364.

 

DÉLOYE, Yves. Sociologia histórica do político. Bauru: EDUSC, 1999.

 

DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.

 

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO – Edição de 21/04/1903 – p.16. Disponível .em: <www.jusbrasil.com.br/diários/1630007/pg-16> consulta em 21/10/2013

 

ERGAS, Yasmine. O sujeito mulher. O feminismo dos anos 1960-1980. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente. v. 5: Porto: Afrontamentos. São Paulo: Ebradil, 1993.

 

FAORO, Raymundo. Os donos do Poder: formação do patronato brasileiro.- 8. Ed. São Paulo: Globo, 1989.

 

FERREIRA, Joaquim Carvalho (1902-1970). Presidentes e governadores de Goiás. Goiânia, Ed. Da Universidade Federal de Goiás, 1980.

 

FERREIRA, Josmar Divino e PINHEIRO, Antônio César Caldas. Santa Rita do Paranahyba: origem e desenvolvimento. História de Itumbiara. .v. 1 – Itumbiara, Edição Independente, 2009.

 

FLEURY, Nelson Rafael. Histórias não contadas. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2010.

 

FONSECA, Maria Lúcia. Coronelismo e Cotidiano. Morrinhos (1889-1930). In.: CHAUL, Nars Nagib Fayad (Coord.). Coronelismo em Goiás: estudo de casos e famílias. Goiânia: UFG, 1998.  p. 119-206.

 

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

 

 

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4. Ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

 

FREIRE, N.S. Nas Barrancas de Santa Rita do Paranaíba – jogos do poder de 1830-2011. Goiânia: Kelps, 2011.

 

GINZBURG, Carlo.  A micro-história e outros ensaios.  Lisboa: Difel: Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

 

______. Mitos, emblemas e sinais. 2 ed. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003.

 

GODOY, Arnaldo Morais de Sampaio. O caso da provocação para intervenção federal em Goiás. Disponível em <http://www.anfap.org.br/portal/wp-content/uploads/2012.>  Acesso em 15/05/2013.

 

GOYAZ, 04 de julho de 1890, numero 250. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/246590/948.> Acesso em 17/10/2013

 

GOYAZ, 31 de outubro de 1890, número 267. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/246590/948.> Acesso em 17/10/2013

 

GOYAZ, 20 de março de 1900, número 636. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/246590/948.> Acesso em 17/10/2013

 

GOYAZ, 26 de fevereiro de 1910, número 1104. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/246590/1865.> Acesso em 17/10/2013.

 

GOMES, Ângela de Castro (org.).  Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.

 

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

 

JEANNERNEY, Jean Noel. A mídia. In: RÉMOND, René (org.) Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 213-230.

 

KARAWEJCZYK, Mônica. O voto feminino no Congresso Constituinte de 1891: primeiros trâmites legais. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH – São Paulo, julho 2011.

 

LAKATOS, Eva Maria.  MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa. São Paulo : Atlas,
1998.

 

LANG, Daniel Welzer. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n2.>. Acesso em 07 out 2013.15:30.

LAQUER, Thomas. In: Inventando o sexo. Corpo e Gênero dos Gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume, 2001.

 

 LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do Gênero. In: HOLANDA, Heloísa Buarque (Org). Tendências e Impasses. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

 

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto. São Paulo: Alfa-Omega, 2ª ed,, 1975.

 

LEIWAIN, Phillippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, René (org.) Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 141-184

 

LIMA Valdivino Borges de (Coord). A Urbanização goiana: os fatores de origem e crescimento das cidades. In: Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo. p. 7825-7852.

 

MATOS, Maria Izilda S. de. Da invisibilidade ao Gênero: percurso e possibilidades. In: Fragmentos de Cultura. v. 12, n. 6.  Goiânia, IFITEG-SGC-UCG, nov-dez, 2002.

 

MARINHO, Ernandes Reis. As relações de poder segundo Michel Foucault. E Revista Facitec, v.2, n. 2, art. 2, dezembro, 2008. Disponível em: <http:www.facitec.br/ojs2/index.php/erevista/article/view/7> acesso em 23 ago. 2013.

 

MELO, Hildete Pereira de; MARQUES, Teresa Cristina Novaes. A partilha da riqueza na ordem patriarcal. Anais do XXIX Encontro Nacional de Economia, Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia, ANPEC, 2001.

 

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 5 ed. São Paulo:  Hucitec. Rio de Janeiro: Abrasco, 1998. p. 197-247.

 

MOTA, Ireni Soares da. QUADROS, Eduardo Gusmão de. Deus, Pátria e Liberdade: um estudo sobre o Partido Católico em Goiás (1881-1909). Ciberteologia – Revista de Teologia e Cultura – v. 7 n. 35 –Jul/ago/set 2011.

 

NICHOLSON, Linda. Interpretando o Gênero. V.8. n. 2. Revista de Estudos Feministas. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. UFSC. 2000.

 

NORA, Pierre. Entre  memória e história. Projeto História, SP, 1993. p 7-28.

 

OLIVEIRA, Ione. História política e historiografia do Brasil República. Textos de História, vol. 15, 2007.

 

OLIVEIRA, Hamilton Afonso. A Construção da Riqueza no Sul de Goiás-1835-1910. Franca – 2006. Dissertação ( Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Franca, 2006.

 

O Democrata, ano VI, n°366, pagina 01, edição de 15 maio 1923. Disponível em: <http://www.atleca.com.br/texto_l.php?acao=add&id=5.> Consulta em 17/10/2013.

 

PEDRO, Joana Maria. Relações de Gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Topoi, v. 12, n. 22, jan-ju. 2011, p.270-283

 

PEDRO, Joana Maria e GROSSI, Mirian (orgs.). Masculino, feminino, plural. Florianópolis: Ed. Mulheres, 1998.

 

PERROT, Michele. Minha história das mulheres. Michele Perrot. Tradução: Ângela M.S. Correa. São Paulo, Contexto, 2007.

 

PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

 

PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. Brasília: UnB, 2000. p. 427-436

 

PROST, Antoine. As palavras. In: RÉMOND, René (org.) Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

 

RÉMOND, René (org.) Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

 

RICCI e  ZULINI. Eleições e Representação na Primeira República: o papel da Comissão de Verificação dos Poderes.  VII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política ABCP – Recife, 04-07 ago 2010.

 

ROCHA, Hélio. Os inquilinos da casa verde: governos de Goiás de Pedro Ludovico a Marconi Perillo. Hélio Rocha – Ed. Revista ampliada – Goiânia: Asa, 2004.

 

RODRIGUES, Carla Martins. As vozes que não se calaram: história e memória do movimento feminista em Goiânia. PUC-GO. Dissertação ( Mestrado em História) Goiânia, 2010.

 

RODRIGUES, Maura Afonso. Fagulhas de História do Triângulo Mineiro. Disponível em: <http://.www.novomilenio.inf.br/santos/bonden45.htm> Acesso em: 26 ago. 2013. 16:07.

 

RODRIGUES, Neuma Brilhante Rodrigues. Nos caminhos do Império: a trajetória de Raimundo José da Cunha Mattos. Dissertação (Doutorado em História).  Universidade de Brasília.  Brasília,  2008.

 

RODRIGUES, Alberto Tosi. Política. In: SILVEIRA,  Ronie Alexsandro Teles da Silveira e GHIRADELLI JUNIOR, Paulo (orgs.). Humanidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

 

ROSA, Joaquim. Por Esse Goiás Afora. Goiânia: Livraria e Editora Cultura Goiania, 1974.

 

ROSANVALLON, Pierre. Por  uma história conceitual do político. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 15, n. 30, 1995, pp. 9-22.

 

SANTOS, Aline Tosta dos. A construção do papel social da mulher na Primeira República. Revista em Debate – fascículo 8, 2009. Disponível em <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/>. Acesso em 15  jul. 2013. 16:08.

 

SEMMANÁRIO OFFICIAL, 06 de março de 1905, número 280. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/709484/1721.> Acesso em 17/10/2013.

 

SEMMANÁRIO OFFICIAL, 06 de março de 1909, número 459. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/709484/1721.> Acesso em 17/10/2013.

 

SEMMANÁRIO OFFICIAL, 13 de março de 1909, número 460. Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/WebIndex/WIPagina/709484/1721.> Acesso em 17/10/2013.

 

SCOTT, Joan. A história das mulheres. In: BURKE, Peter (org). A escrita da História: novas perspectivas; tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora UNESP, 2011.

 

______. Experiência. In: Falas do Gênero. SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza e RAMOS, Tânia Regina Oliveira (orgs). Editora Mulheres: Santa Catarina, 1999. (p. 21-55).

 

______.  A invisibilidade da experiência. Projeto História, São Paulo (16), fev. 1998.

 

______. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade, Porto Alegre, FAE: UFRGS, v. 20, n.2, jul-dez, 1995.

 

SILVA, Maria da Conceição. Catolicismo e casamento civil na Cidade de Goiás: conflitos políticos e religiosos (1860-1920). Rev. Bras. Hist. Vol. 23 nº 46. São Paulo, 2003.

 

SILVEIRA, Ronie Alexsandro Teles da; GHIRALDELLI JR., Paulo (orgs.). Humanidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

 

SIMÕES,Teotônio. Os bacharéis na política. A política dos Bacharéis. Dissertação        ( Doutorado em Ciência Política). USP – Universidade de São Paulo, São Paulo,1983.

 

TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. Cadernos Pagu (3) 1994.

 

VARIKAS, Elene. Gênero, experiência e subjetividade: a propósito do desacordo Tilly-Scott. Cadernos Pagu (3) 1994.

 

WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB, 1999.

 

WINOCK, Michel. As ideias políticas. In: RÉMOND, René (org.) Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 271-294

 

 

ANEXO A

 DECRETO SOBRE CASAMENTO CIVIL NA PRIMEIRA REPÚBLICA

 

Decreto Federal nº 181, de 24 de Janeiro de 1890

Disponível em< www.planalto.gov.br/cccivil-03/decreto/1851-1899/D181.htm> Acesso em 09/12/2013.

 

Promulga a lei sobre o casamento civil.

    O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, tendo ouvido o Conselho de Ministros, resolve decretar a lei seguinte:

 

[...] CAPITULO VII

DOS EFFEITOS DO CASAMENTO

    Art. 56. São effeitos do casamento:

    § 1º Constituir familia legitima e legitimar os filhos anteriormente havidos de um dos contrahentes com o outro, salvo si um destes ao tempo do nascimento, ou da concepção dos mesmos filhos, estiver casado com outra pessoa.

    § 2º Investir o marido da representação legal da familia e da administração dos bens communs, e daquelles que, por contracto ante-nupcial, devam ser administrados por elle.

    § 3º Investir o marido do direito de fixar o domicilio da familia, de autorizar a profissão da mulher e dirigir a educação dos filhos.

    § 4º Conferir á mulher o direito de usar do nome da familia do marido e gozar das suas honras e direitos, que pela legislação brazileira se possam communicar a ella.

    § 5º Obrigar o marido a sustentar e defender a mulher e os filhos.

    § 6º Determinar os direitos e deveres reciprocos, na fórma da legislação civil, entre o marido e a mulher e entre elles e os filhos.

    Art. 57. Na falta do contracto ante-nupcial, os bens dos conjugues são presumidos communs, desde o dia seguinte ao do casa mento, salvo si provar-se que o matrimonio não foi consummado entre elles.

    Paragrapho unico. Esta prova não será admissivel quando tiverem filhos anteriores ao casamento, ou forem concubinados antes delle, ou este houver sido precedido de rapto.

    Art. 58. Tambem não haverá communhão de bens:

    § 1º Si a mulher for menor de 14 annos, ou maior de 50.

    § 2º Si o marido for menor de 16, ou maior de 60.

    § 3º Si os conjuges forem parentes dentro do 3º gráo civil ou do 4º duplicado.

    § 4º Si o casamento for contrahido com infracção do § 11 ou do § 12 do art. 7º, ainda que neste caso tenha precedido licença, do presidente da Relação do respectivo districto.

    Art. 59. Em cada um dos casos dos paragraphos do artigo antecedente, todos os bens da mulher, presentes e futuros, serão considerados dotaes, e como taes garantidos na fórma do direito civil.

    Art. 60. A faculdade conferida pela segunda parte do art. 27 do codigo commercial á mulher casada para hypothecar ou alhear o seu dote é restricta ás que, antes do casamento, já eram commerciantes.[...]