RESUMO
Este trabalho pretende inovar na abordagem dos embates e
arranjos políticos em Goiás que resultaram na emancipação de Santa Rita do
Paranaíba no sul do Estado, a partir da reflexão sobre a participação das
mulheres no campo político, levando em consideração a categoria Gênero na
concepção da historiadora norte-americana Joan W. Scott, como forma primária
de relações significantes de poder. A pesquisa está estruturada em três partes e procura
utilizar a definição de Poder segundo o pensamento de Michel Foucault que o
vê como feixes mais ou menos organizados, sem estar centralizado em uma
instância das organizações sociais. Na
parte inicial a política é abordada dentro do contexto da nova história
política, com um deslocamento do poder de instituições públicas e do Estado
para a vida privada e cotidiana de homens e mulheres. O eixo da pesquisa está na segunda parte ao privilegiar
a perspectiva de Gênero para analisar e dar visibilidade as mulheres. Ao final
procura-se trazer novas interpretações e significados aos eventos políticos
ocorridos neste período por meio de estratégias metodológicas que permitam
revelar o “não dito” nas pesquisas sobre o assunto. A
abordagem central leva em consideração as mulheres, que embora não
pudessem participar das eleições e dos partidos políticos, conseguiram
influenciar as relações de poder, a partir de outros ambientes privados, com
atuação alternativa levando o político para o cotidiano familiar, religioso e
social. Por este enfoque o trabalho privilegia o estudo das ações de mulheres pertencentes a uma
família de Morrinhos no sul do Estado para descobrir como participaram
nas relações sociais e políticas que influenciaram no surgimento do
movimento golpista de 1909 em Goiás e na emancipação política de Santa
Rita do Paranaíba. O trabalho procura diferenciar-se de algumas
abordagens descritivas que se tornaram preponderantes na historiografia goiana
que atribuem aos coronéis o papel de protagonistas das relações de poder na
primeira República em Goiás, oferecendo como resultado um novo documento
histórico com novas questões, hipóteses e um método que utiliza a categoria
Gênero para analisar e compreender como se deram as relações sociais e
políticas entre homens e mulheres que configuraram novas instituições do
período republicano, relações de dominação, elaboração das normas
eleitorais, papéis sociais e práticas que foram contestadas,
transformadas ou legitimadas nestas relações de poder.
Palavras-chave: Política, Mulheres, Poder, Gênero, Emancipação.
ABSTRACT
This paper aims
to innovate in addressing conflicts and political arrangements in Goias that
resulted in the emancipation of Santa Rita Paranaíba in the south of the State,
from the reflection on the women’s participation in the political field, taking
into account the category of Gender in the design historian American Joan W.
Scott, "a primary way of signifying relationships of power." The
research is structured in three parts and seeks to use the definition of power
according to Michel Foucault’s thought that sees it as more or less organized
bundles without being centered on an instance of social organizations. In the
early part of the political is addressed within the context of the new
political history, with a shift of power to the state and public institutions
to private life and everyday men and women. The axis of research is in the
second part, the focus on the Gender perspective to analyze and give visibility
to women. At the end we seek to bring new interpretations and meanings to the
political events that occurred during this period through methodological
strategies that allow to reveal the
"unsaid" in research on the subject. The central approach takes into
account women, who they could not participate in the elections and political
parties though, were able to influence power relations from other private
settings, with alternative performances, leading politician for everyday family,
religious and social. From this approach, the work focuses on the study of the
women’s actions those that belonged to a family of Morrinhos in the south of
the state to find out how they participated in social and political movement
that influenced the coup in 1909 in Goiás and the political emancipation of
Santa Rita do Paranaíba. The research seeks to differentiate itself from some
descriptive approaches that have become prevalent in the goiana historiography.
They attach to the colonels leading role of power relations in the first
Republic in Goiás, offering as a result a new historical document with new
questions, hypotheses and a method that uses the category Gender to analyze and
understand how to have the social and political relations between men and women
who have set new institutions of the republican period, relations of
domination, preparation of electoral norms, social roles and practices that
have been challenged, transformed or legitimized these power relations.
Keywords: Politics, Women, Power, Gender, Emancipation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – O Velório do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes..........................21
FIGURA 2 – Francisca Carolina de
Nazareth Marquez Moraes................................51
FIGURA 3 – Maria Carolina Nunes da Silva e
filhos..................................................52
FIGURA 4 – Anna Theodora da Silveira
Amorim........................................................53
FIGURA 5 – Amélia Augusta de Morais e José
Xavier de Almeida............................57
FIGURA 6 – Messias Alexandrina Marquez
Brandão.................................................60
FIGURA 7 – Diploma de Bacharel em
Direito..........................................................122
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 –
Relação de bens herança Francisca Carolina de Nazareth...............56
QUADRO 2 –
Distrito Eleitoral em
1904....................................................................70
QUADRO 3 – Distrito Eleitoral em 1908.....................................................................71
QUADRO 4 – Eleição para presidente do Estado
1905.............................................72
QUADRO 5 – Eleição para vice-presidente do
Estado 1905.....................................72
QUADRO 6 – Eleição para Senado
Federal..............................................................73
QUADRO 7 – Eleição para Deputado
Federal...........................................................73
QUADRO 8 – Eleição para presidente do Estado
em 1909.......................................73
QUADRO 9 – Eleição para vice-presidente do
Estado de Goiás 1909......................73
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – Decreto sobre casamento civil na
primeira República.........................164
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09
1 MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA
PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS 17
1.1 A NOVA HISTÓRIA POLÍTICA
NA EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA.............. 35
1.1.1 O perfil da mulheres da
casa de Dona Francisca Carolina................................. 50
1.2 OS PROCESSOS ELEITORAIS.............................................................................. 62
1.2.1 A Comissão de Verificação
dos Poderes............................................................... 67
1.2.2 Os Partidos Políticos.................................................................................................. 74
1.3 O PARADIGMA INDICIÁRIO NA
ABORDAGEM POLITICA................................. 77
1.4 A POLÍTICA E A NOVA HISTÓRIA CULTURAL..................................................... 79
1.5 A HISTORIOGRAFIA DO BRASIL
NA PRIMEIRA REPÚBLICA......................... 82
2 RELAÇÕES DE GÊNERO EM GOIÁS NA PRIMEIRA
REPÚBLICA................ 84
2.1 AS MULHERES NAS RELAÇÕES
POLÍTICAS EM GOIÁS................................ 88
2.1.1 As mulheres do Interior.............................................................................................. 89
2.1.2 As Mulheres da Capital.............................................................................................. 94
2.2 A EXPERIÊNCIA E AS MULHERES....................................................................... 97
2.3 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA
CONSTRUÇÃO DE GÊNERO..................... 102
2.3.1 A Igreja Católica ........................................................................................................ 103
2.3.2 A Imprensa.................................................................................................................. 106
2.3.3 A Escola...................................................................................................................... 108
2.3.4 A Família...................................................................................................................... 111
3 NOVOS PROTAGONISTAS, GOLPE POLÍTICO E
EMANCIPAÇÃO ........... 114
3.1 O BACHARELISMO EM
GOIÁS........................................................................... 120
3.2 O GOLPE POLÍTICO DE 1909 EM
GOIÁS........................................................ 130
3.3 A EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA
DO PARANAÍBA...................................... 133
3.4 AS MULHERES DA CASA DE DONA
FRANCISCA.......................................... 141
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 149
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 158
ANEXOS................................................................................................................ ...164
INTRODUÇÃO
Durante os primeiros anos da
República em Goiás, ocorreram vários
embates e arranjos políticos com relações de
poder, os quais foram descritos pela historiografia goiana com a
abordagem tradicional da história política. Foram considerados como
protagonistas os coronéis que se
organizaram em grupos para obtenção do poder no Estado.
Na descrição dos embates ocorridos no período aparecem como principais
articuladores os bacharéis em direito formados pela Faculdade do Largo do São
Francisco em São Paulo, José Leopoldo de
Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida.
Bulhões se tornou ministro da
fazenda no governo Rodrigues Alves, entre 1902 e 1906, e depois entre
14/06/1909 e 15/11/1910, no governo Nilo Peçanha. Além de ministro, foi diretor
do Banco do Brasil, deputado federal e
senador da República. Sua base de
atuação política foi a capital federal nos primeiros anos da República.
O principal opositor, José Xavier de Almeida, aliado de
Bulhões nos primeiros anos da República, tornou-se presidente do Estado de Goiás entre 1901 e
1905, figura que corresponde a governador nos dias atuais. Foi ainda Secretário
de Estado, deputado federal e eleito senador federal em 1909, sem, entretanto,
assumir a cadeira. Iniciou a política na capital do Estado e transferiu sua
base política para a cidade de Morrinhos, no sul de Goiás.
Após várias disputas, ambos
os bacharéis foram sucedidos no poder por outra personalidade formada na área
de direito na mesma faculdade paulista: Antônio Ramos
Caiado, fazendeiro, deputado federal e também antigo aliado tanto de Bulhões
como de Xavier de Almeida. Ajudou a liderar o movimento político de 1909, que
tirou o comando político de Morrinhos no governo do Estado e após 1912, tornou-se a
liderança política que coordenou as relações de poder no Estado de Goiás
até o ano de 1930.
Nessas relações de poder foi excluída a
presença de mulheres na política,
reforçando assim o discurso universal de dominação dos homens sobre as
mulheres, que se fazia presente na
Igreja, na família, na imprensa, nas legislações, nos cargos
públicos, nos governos e nos parlamentos.
As disputas
políticas e conquistas das instituições em que o poder se concentrava no Estado
nesses primeiros anos da República foram descritas na historiografia goiana
como um sistema protagonizado pelos coronéis, termo utilizado tanto no sentido dado aos
antigos titulares de patentes da antiga Guarda Nacional criada em 1831, como no
atribuído à política comandada por fazendeiros, comerciantes, bacharéis e
capitalistas de Goiás, que dominaram todo o sistema eleitoral no período.
Ao ampliar a historiografia política sobre este processo, almeja-se dar
visibilidade às mulheres a partir de casamentos que tiveram origem na casa de
Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que deixou Santa Rita do Paranaíba
em 1871 e mudou-se para Morrinhos, após ter contraído o segundo matrimônio com
o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, no ano de 1869.
Santa
Rita do Paranaíba, até julho de 1909 era um pequeno distrito com cerca de dois
mil habitantes, localizado no sul de Goiás e ligado administrativamente ao
município de Morrinhos, que na época possuía cerca de treze mil habitantes.
Essa região servia como principal ponto de ligação do Estado de Goiás com a
região sudeste do Brasil, através da cidade mineira de Uberaba.
Morrinhos
tornou-se referência comercial na região sul de Goiás, através da estrada do
sul e da ponte Afonso Pena em Santa Rita do Paranaíba, que foi inaugurada em
novembro de 1909. Situada no ponto de divisa de Goiás com Minas Gerais, por
essa ponte havia intenso comércio e transporte, ligando o sul do Estado a
cidades como Uberlândia e Uberaba no Estado mineiro, ponto final por onde
chegava a linha ferroviária vinda de São Paulo e eram transportadas pessoas e
mercadorias.
Em todos os capítulos, os estudos procuram dar visibilidade à
participação de mulheres de uma família
que se fez presente nas relações de poder em Goiás na Primeira República, com
destaque para a figura e a casa de
Dona Francisca Carolina de Nazareth
Moraes. Essa mulher, nascida em Santa Rita do Paranaíba por volta de
1843, mãe de sete filhos, católica, fazendeira, primeira-dama de Morrinhos e
viúva por duas vezes, teve como origem uma família mineira de Uberaba, Minas
Gerais, que na década de 1840 havia se mudado para o povoado de Santa Rita do
Paranaíba. Esse povoado se tornou distrito por volta de agosto de 1852.
Uma referência à emancipação da mulher dá-se quando Dona Francisca se
torna herdeira, em 1905, de grande fortuna em fazendas, créditos, comércios e
depósitos, tornando-se administradora da casa que foi o centro do poder
político em Goiás entre os anos de 1901 e 1909, período marcado pelo processo
de deslocamento provisório das decisões políticas da capital para o interior de
Goiás.
Esta é uma oportunidade de se refletir sobre os casamentos, arranjos e
embates políticos através de análise das relações de poder que resultaram na
emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 1909, tendo as mulheres como foco
central nas suas relações de poder e com a política, com abordagem nos moldes
da nova história política.
A construção da obra se faz com a utilização do método de pesquisa
bibliográfica, auxiliado pelo paradigma indiciário para observação de sinais e
vestígios presentes em figuras, quadros, pinturas, documentos e jornais, fontes
que tornam atraentes os caminhos a serem percorridos e assim proporciona
desvendar a participação das mulheres em acontecimentos que marcaram os
primeiros anos da República em Goiás.
A proposta inova nas conclusões, quando oferece como
resultado um novo documento histórico com novas questões, hipóteses e um método
que utiliza a categoria Gênero para analisar e compreender como se deram as
relações sociais e políticas entre homens e mulheres que configuraram novas
instituições do período republicano, modos de dominação, elaboração das normas
eleitorais, papéis sociais e práticas que foram contestadas, transformadas ou
legitimadas nessas relações de poder.
Descobrir a
presença das mulheres nas relações de poder na Primeira República em um
contexto de dominação dos homens na política é um desafio que se verifica com a politização dos espaços
privados, como na família, nas viagens, nas igrejas e nos palácios. Esta é a
principal novidade que se pretende acrescentar à historiografia da política
goiana existente sobre o período
estudado.
Em relação
aos espaços ocupados pelas mulheres, procuram-se adotar os conceitos de público e privado como
algo histórico, levando em consideração as constantes mudanças que ocorreram ao
longo do tempo. As linhas de demarcação são tratadas de modos distintos,
havendo momentos em que as atividades familiares e as públicas se mesclaram e
em outras ocasiões em que foram explicitamente diferenciadas.
Entender como as mulheres agiram para contestar
ou legitimar um discurso de dominação e ainda descobrir os fatores que levaram
a região sul de Goiás a ter um papel importante no destino do Estado e assim,
acrescentar algo novo na historiografia goiana para se juntar aos trabalhos
existentes, são fatores de motivação para a realização do trabalho.
O percurso da pesquisa é de constante interrogação e formulação de
hipóteses, com o questionamento sobre como as mulheres, através do casamento,
influenciaram nos embates e arranjos políticos, mesmo que excluídas dos
processos eleitorais, dos partidos políticos e da ocupação de cargos públicos.
Com base nessas relações de poder, procura-se
responder como foi possível a essas mulheres ir além dos papéis de mãe, esposa
e filha a elas reservados pela sociedade, assim como descobrir o processo da
politização dos espaços privados que possibilitaram a visibilidade e
protagonismo em um momento em que tudo foi atribuído aos homens.
Questiona-se também se as mulheres teriam conseguido a
emancipação na Primeira República ou se teriam concordado com o discurso de
dominação dos homens. Teriam elas rompido o discurso de dominação nas relações
de poder em Goiás? E quais fatores influenciaram na emancipação de Santa Rita
do Paranaíba a partir da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes? A todas
estas questões se propõe responder ao final do trabalho.
A pesquisa
está estruturada na observação da participação das mulheres nas relações
familiares, na política e na sociedade em geral, com análise baseada na definição de Gênero feita pela americana Joan W. Scott, quando utiliza o
termo na concepção de forma primária
de relações significantes de poder (SCOTT,
1995, p. 12).
A questão do poder é vista como relações de
poder, discutidas na visão de Michel Foucault (1979, p. 248), que o descreve
como feixes mais ou menos organizados,
sem estar centralizado em uma única instância das organizações sociais.
A política
é abordada dentro do contexto da nova história politica, com um deslocamento do
poder de instituições públicas e do Estado para a vida privada e cotidiana de
homens e mulheres. O eixo da pesquisa
está na parte que privilegia a perspectiva de Gênero para
analisar e dar visibilidade às mulheres.
A
definição de Política está embasada no pensamento também de Joan W. Scott, que faz
uma reflexão crítica sobre a conexão histórica das mulheres com a política e a
própria disciplina História, destacando os vários sentidos desta categoria levados em consideração na análise do
cotidiano das mulheres (SCOTT, 2011, p. 68-69).
Trazem-se
novas interpretações e significados aos eventos políticos ocorridos nesse
período, com estratégias metodológicas
que permitem encontrar, através de vestígios e sinais, algo ainda não revelado
nas pesquisas anteriores sobre o assunto.
Observa-se
a participação das mulheres que, embora não pudessem participar das eleições e
dos partidos políticos, conseguiram influenciar nas relações de poder a partir
de outros ambientes privados, com atuação alternativa que levou a política para
o cotidiano familiar, religioso e social.
Como essas mulheres
agiram e que influências tiveram na política, num período em que todas as realizações
eram atribuídas aos homens? O que fizeram para legitimar ou contestar essa
situação de dominação dos homens manifestada nas instituições como Família,
Igreja, Estado, Imprensa e Escola?
Avança-se nos questionamentos
para alcançar a resposta sobre qual foi o papel dessas mulheres no processo de
emancipação de Santa Rita do Paranaíba, mesmo não podendo fazer parte dos
cargos públicos, dos partidos políticos e das eleições.
Quais foram as relações entre
bacharéis, políticos e funcionários públicos que ajudaram na emancipação de
Santa Rita do Paranaíba? São questões sobre as quais se pretende refletir e
responder.
Ao utilizar a categoria Gênero para análise histórica do período, além
de dar visibilidade às mulheres nas relações de poder, o trabalho procura
abordar de maneira diferenciada os protagonistas desse período, analisando os
papéis atribuídos aos bacharéis em Direito no lugar que a historiografia goiana
sempre reservou aos coronéis, quando tratou dos embates e arranjos políticos
da Primeira República.
Ao se abordar a figura dos
coronéis, não se colocam os mesmos como protagonistas e trabalha-se com a concepção relacionada às
pessoas detentoras de patentes criadas com a Guarda Nacional a partir de 1831 e
não com a concepção do típico coronel goiano tratado pela historiografia, que o
vê como aquele detentor de terra ou comerciante, que utiliza a força para
dominar e controlar os processos eleitorais.
A partir da casa comandada pelo coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes até 1905 e depois por Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes, analisam-se várias relações de poder, não se faz apenas relato
de ações políticas e econômicas já citadas em várias outras obras.
Na primeira parte do trabalho trabalha-se com a nova história política,
com abordagem técnico-metodológica da história política renovada, em que os
comportamentos coletivos são mais destacados do que as iniciativas individuais,
ocasião em que se interroga sobre o sentido dos fatos e formulam-se hipóteses,
entre as quais se destacam a da participação efetiva das mulheres nas relações
de poder.
O perfil das mulheres é destacado através das presenças e relações a
partir da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes e suas filhas, todas
primeiras-damas, desde a própria dona da casa, sua filha mais jovem, Amélia
Augusta de Moraes, que se casou com o presidente do Estado, bacharel José
Xavier de Almeida, em julho de 1901, até as duas filhas do primeiro casamento.
As filhas de Francisca, com origem no primeiro casamento em Santa Rita
do Paranaíba, estão presentes neste estudo. Maria Carolina da Silveira Nunes,
que se casou com o tenente Pedro Nunes Silva, de Morrinhos, e com quem teve
seis filhos, assim como Anna Theodora da Silveira Amorim, que foi casada com o
major Pacifico do Amorim, cuja união resultou em treze filhos. Ambas seguiram ainda crianças para Morrinhos,
onde estudaram, e após os casamentos com os sócios e aliados políticos do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, tornaram-se primeiras-damas em Morrinhos
e Piracanjuba.
Na segunda parte do trabalho, quando se abordam as relações entre homens
e mulheres no casamento, procura-se fazer um estudo das mulheres no período,
sem adotar a concepção da realização de casamentos arranjados nas relações
políticas, como tratada em outras obras. Faz-se análise das formas como os
relacionamentos se iniciaram, foram construídos e como se concretizaram em
núpcias, para se chegar assim a outras conclusões diferentes das existentes
atualmente.
Ao se fazer ainda a análise da vida das mulheres, vai se perceber que
essa família vivia bem diferente da maioria no período, quando as mulheres com
poucos recursos econômicos ocupavam-se de serviços domésticos e como
costureiras e lavradoras.
As mulheres oriundas da casa do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes podiam
avançar com o conhecimento em atividades culturais, religiosas e escolares, e
assim alcançar a formação do curso normal, como ocorreu com Amélia Augusta de
Moraes, que estudou até o segundo ano na cidade mineira de Uberaba.
A figura
de Amélia Augusta de Moraes será utilizada como uma das referências de
superação do papel das mulheres atribuído pela sociedade, a partir do momento
que se torna a mais jovem primeira-dama do Estado de Goiás desde a Primeira
República. Seu casamento se deu por ato civil na casa de Dona Francisca e por
ato religioso na Igreja local em Morrinhos.
Assim, Amélia Augusta de Moraes esteve junto em todos os momentos de
ascensão e queda do marido na política goiana nos primeiros dez anos do século
XX, percorrendo os caminhos entre a capital do Estado e a capital federal,
sempre tendo como ponto de partida ou chegada a cidade de Morrinhos no sul de
Goiás.
A terceira parte do trabalho tratará dos acontecimentos políticos de
1909 a partir do deslocamento do centro do poder político da cidade de Goiás,
então capital do Estado, para a cidade de Morrinhos. Destaca-se inicialmente o
papel dos bacharéis nesses movimentos políticos, reflete-se sobre os
acontecimentos políticos e conclui-se com a participação das mulheres nesse
momento importante da política goiana.
O casamento ocupa um lugar de destaque nos embates e arranjos políticos,
cujas relações retratadas começaram com o matrimônio de Francisca Carolina de
Nazareth Moraes com Hermenegildo Lopes de Moraes em 1869, no então povoado de
Santa Rita do Paranaíba, e se ampliaram para Morrinhos em razão de outros
casamentos, como o de José Xavier de Almeida e Amélia Augusta de Moraes em
1901.
Ainda em Morrinhos são tratados outros casamentos, como das enteadas do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, Maria Carolina Nunes, com o tenente Pedro
Nunes da Silva, e Anna Theodora Silveira do Amorim, com Pacífico Alves do
Amorim. Nesses dois casos, as relações
que começaram comerciais foram além, para a política, tendo em vista que os
homens eram sócios e pessoas da confiança do coronel Hermenegildo em alguns
estabelecimentos comerciais.
As relações que envolvem o casamento como entrada completa-se com o
enlace de Messias Alexandrina Marquez com o coronel Jacintho Luiz da Silva
Brandão em 1900, unindo o chefe político local com a família de Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes em Morrinhos, já que Messias era sua sobrinha.
Assim, casamento, embates e arranjos políticos são tratados de maneira
analítica na terceira parte do trabalho, quando se discute como ocorreu o
processo do deslocamento do poder político da capital de Goiás para Morrinhos.
Esse processo tem início com a
chegada ao governo de Goiás, em 1901, de José Xavier de Almeida e termina com o
Movimento político de 1909. Esse período é precedido de uma década, quando José
Leopoldo de Bulhões Jardim foi o comandante da política goiana desde a
Proclamação da República, sempre através de seus cunhados, já que ficava na
capital federal no Rio de Janeiro, ora como deputado federal ou senador, ora
como ministro da fazenda ou diretor de banco público.
A abordagem das relações de poder na perspectiva de Gênero, com análise
dos vários embates e arranjos políticos em Goiás, inova na historiografia goiana, pois além de
considerar as mulheres como sujeitos
participantes desses acontecimentos políticos,
também irá considerar a nova história política, procurando observar a
participação e a presença delas através de instituições que vão além da figura
do Estado, como os partidos políticos, o sistema eleitoral, a Igreja, as
famílias a Escola e a Imprensa.
Na última parte reflete-se propriamente sobre os diversos embates e
arranjos políticos a partir de comportamentos coletivos e relações de Gênero
que se desenvolveram nos primeiros anos da República em Goiás a partir de novos
sujeitos como os bacharéis e suas mulheres, o clero católico, os bacharéis
liberais e propõe-se uma hipótese de como se deu o processo da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que
seria a medida primeira do retorno do poder político à capital de Goiás, depois
de quase uma década de deslocamento para
Morrinhos.
Colocam-se em evidências novos
protagonistas nos embates e arranjos políticos, com a presença e visibilidade
das mulheres nas relações que vão além dos espaços públicos que foram
demarcados para os homens na política, para chegar à politização dos espaços
privados na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes.
1 MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS
Estudar a história política é estar convencido de que ela existe por si
mesma, é professar que ela tem uma consistência própria e uma autonomia
suficiente para ser uma realidade distinta em relação aos domínios do social,
do econômico e do cultural, como defende René Rémond na obra organizada com
outros colaboradores e intitulada “Por uma história política” (RÉMOND, 1996, p.
443).
Embora seja uma construção abstrata, como também são os outros
domínios, a política passa a ser
considerada concreta quando todos se deparam na vida com ela, interferindo em vários setores e até na
atividade profissional e na vida privada
em família. A partir daí, ela não tem fronteiras naturais, ora se dilata, ora
se retrai e em certos momentos, como nas guerras e revoluções, amplia-se de tal
maneira que tudo se transforma em política (RÉMOND, 1996, p. 443).
A Política não está restrita à
referência relacionada com o poder localizado na figura do Estado, como
ocorre com frequência quando se trata
dos acontecimentos políticos de 1909 em Goiás, situação em que ela é vista como
“atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prática do poder”
(REMOND,1996, p. 443). Trabalha-se com ela em outras definições e sentidos que
ampliam essas relações entre pessoas e
instituições, tais como nas igrejas, nas famílias, na imprensa, no
comércio e nas escolas.
A
política vai além da concepção mais tradicional ligada aos gregos e com
influência de Aristóteles, em quem tem o sentido de atividades relacionadas ao
Estado e aos governos; ela amplia-se para outras definições que envolvem
práticas sociais e relações de poder com variados interesses e tomadas de
decisões.
Assim
como o poder, verifica-se a presença da política nas relações sociais,
incorporada nas relações do cotidiano, materializando-se em relações que têm a presença de homens e mulheres, que
se completam no outro como no sentido aristotélico e atingem outras
dimensões mais gerais, em que ela é
entendida pela atividade de pessoas e instituições que lutam continuamente pela conquista e
manutenção do poder político, presente tanto na figura do Estado, como na
sociedade civil, através de partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais,
corporações, meios de comunicação, instituições e outros canais (SILVEIRA e
GHIRADELLI JR. 2004 p. 21).
A concepção de poder utilizada nesta pesquisa é a de um elemento
presente nas relações entre os indivíduos, como uma força sem lugar fixo e
propriedade de alguém. Mais do que poder, as relações entre as pessoas são
tratadas como relações de poder, que se realizam dentro de uma dimensão que
elas tem o espaço necessário para exercer a liberdade e tomar sua decisão. Esta
definição está contida nas ideias de Michel Foucault, que as vê presente em
qualquer relação do cotidiano. Assim, as relações de poder estão ligadas a
consciente liberdade que as pessoas tem e
possibilidade das mesmas tomarem
decisões. Nada poderia atingir a liberdade dos indivíduos em suas relações sem
o consentimento ou concordância deles (FOUCAULT apud MARINHO, 2008).
Em
síntese, assim manifestou Foucault sobre relações de poder:
Quando se fala de poder, as pessoas pensam
imediatamente em uma estrutura política, um governo, uma classe social
dominante, o mestre frente ao escravo, etc. isto não é de nenhum modo aquilo
que eu penso quando falo de relações de poder. Eu quero dizer que, nas relações
humanas, quaisquer que sejam - que trate de comunicar verbalmente, como fazemo-lo agora, ou que
trate de relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder continua
presente: eu quero dizer a relação na qual um quer tentar dirigir a conduta do
outro. Estas são, por conseguinte, relações que podem-se encontrar em diversos
níveis, sob diferentes formas; estas relações de poder são relações móveis, ou
seja, elas podem alterar-se, elas não são dadas de uma vez para sempre (FOUCAULT apud MARINHO, 2008).
Verifica-se a presença da política em várias atividades, jogo de
discursos e pluralidade de sujeitos, sempre ligada ao poder, que se encontra em
todas as relações das pessoas e instituições, de maneira que um se apresenta em
relação ao outro na manifestação de seu poder, da persuasão e do convencimento.
Trabalha-se
a política também para referir-se as relações de poder e suas estratégias para
manutenção e contestação dessas relações. Vai-se desde essa mais típica, em que
ela é considerada como “atividade dirigida para/ou em governos ou outras
autoridades poderosas, atividade essa que envolve um apelo à identidade
coletiva, à mobilização de recursos, a avaliação estratégica e à manobra
tática”( SCOTT, 2011, p. 68).
A política
também é considerada como prática que reproduz ou desafia as Ideologias, sendo
estas entendidas como “sistemas de convicções e práticas que restabelecem
identidades individuais e coletivas e que formam as relações entres indivíduos
e coletividade e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas e
autoevidentes” (SCOTT, 2011, p. 69).
A inclusão das mulheres e a política em diferentes tipos de ação e em
diversas esferas de atividades não
comporta uma só definição de política, já que os limites de definição e espaço
são indistintos, e segundo Joan W. Scott, qualquer definição utilizada tem
múltiplas ressonâncias (SCOTT, 2011, p. 69).
Portanto, utiliza-se a política
em todos os sentidos para analisar sua presença nos casamentos, embates e
arranjos políticos em Goiás, que se acentuaram nos primórdios do século XX, com
destaque especial para a participação das mulheres, o que ocorre com a
politização dos espaços privados na vida das famílias, dos comerciantes,
fazendeiros e políticos, sem deixar de fora os espaços tradicionais de disputas
pelo poder através do Estado.
Tem-se, assim, a possibilidade de se ter a política articulada com as
relações de poder na perspectiva de Gênero, posicionando homens e mulheres em
evidência nas relações sociais e
políticas nos espaços privados na casa de Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes em Morrinhos.
Busca-se, através do estudo familiar, verificar as consequências
políticas, econômicas e sociais provocadas pela presença das mulheres nos
palácios, nas festas, nas viagens, nas Igrejas e nas casas em um momento em que
o discurso universal de dominação dos homens lhes reservava apenas os papéis de
mãe, esposa e filha.
Verificam-se também relações de dominação presentes na sociedade da
Primeira República, praticadas através de discursos que excluíram as mulheres
dos cargos públicos e processos eleitorais, que foram reservados exclusivamente
aos homens. Essas práticas foram legitimadas e reconhecidas como necessárias
naquele período para manutenção da ordem social nas famílias. Neste contexto,
segundo o pensamento de Max Weber, a dominação é descrita como a “probabilidade
de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de um
determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1999, p. 139).
Quanto ao termo “casa”, procura-se referir às relações ocorridas dentro
do espaço de convivência da família de Dona Francisca Carolina de Nazareth de
Moraes em Morrinhos, utilizando-se uma abordagem que vai além do espaço físico
ou geográfico, considerando-a como local onde homens e mulheres praticavam
relações sociais simbólicas e complexas que possibilitaram a construção de
relações de Gênero. Nesse aspecto, o termo é empregado designando um espaço por
onde circularam, encontraram-se e se reconheceram meninos e meninas, rapazes e
moças, homens e mulheres, na perspectiva de Michel Certeau, quando discorreu
sobre o cotidiano (CERTEAU, GIARD E MAYOL,1996, p. 56).
As relações essencialmente políticas manifestadas nas eleições, nos
partidos políticos e na ocupação dos cargos públicos em Goiás na Primeira
República também têm uma análise articulada com a categoria Gênero como
referência para buscar vestígios e sinais da presença das mulheres nesses
eventos, órgãos e atividades.
Um dos vestígios do empoderamento da mulher dá-se com a morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, ocasião em que se abre um espaço à participação e
presença de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes em outras relações
que não as familiares, já que, na condição de herdeira da riqueza econômica,
passou a ser a figura central da casa política em Morrinhos, compartilhada em
alguns momentos com os filhos e genros nas figuras dos bacharéis José Xavier de
Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes Filho, dos comerciantes Pedro Nunes da
Silva e Pacífico do Amorim e dos políticos com participação local: Francisco
Lopes de Moraes e Alfredo Lopes de Moraes.
Para revelar esse evento marcante da emancipação de Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, coube ao meio genro do falecido, coronel Pedro
Nunes da Silva, declarar a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes no dia
15 de maio de 1905, nos seguintes termos:
Às doze e meia
horas da noite, nesta cidade de Morrinhos, em seu próprio domicílio, faleceu de
hemorragia cerebral o Excelentíssimo Senhor Coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, capitalista, com setenta e dois anos de idade, natural de Curralinho
deste Estado, residente nesta cidade, casado com a Excelentíssima Senhora Dona
Francisca Carolina de Nazareth, filho legítimo do cidadão André Corsino de
Moraes e da Excelentíssima Senhora Dona Maria Lopes de Oliveira, já falecidos;
deixou quatro filhos: o Excelentíssimo Senhor Doutor Hermenegildo Lopes de
Moraes Filho, com trinta e quatro anos de idade, casado, Senhor Francisco Lopes
de Moraes, trinta de dois anos de idade, solteiro, naturais de Santa Rita do
Paranaíba deste município; Senhor Alfredo Lopes de Moraes, vinte e quatro anos
de idade, solteiro, a Excelentíssima Senhora Dona Amélia Augusta de Moraes e
Almeida, com vinte e um anos de idade, casada, naturais desta cidade; deixou
bens a inventário e deve ser sepultado hoje no cemitério público desta cidade.
E para constar lavrei este termo em que comigo assinou o declarante. Eu João
Fleury Alves de Siqueira, Oficial do Registro Civil, o escrevi (BARBOSA, 2013).
Figura 1 – O velório do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes
Fonte: (MENESES, 1998,
p. 164)
O casamento foi a porta de entrada para Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes nas relações políticas que ocorriam a partir de Morrinhos, e a
morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes foi o passaporte para que ela
assumisse relações de poder que até então tinham a figura do coronel como
referência no sul de Goiás. Embora ocorresse ainda na memória a figura do
coronel morto como referência, pela herança Dona Francisca Carolina de Nazareth
Moraes assumiu todas as prerrogativas inerentes à nova situação jurídica.
Ainda que não tenham sido encontrados registros do exercício dessa
emancipação jurídica e econômica, pelo modo de vida dos quatro filhos de Dona
Francisca, entende-se que ela a exerceu na plenitude os seus direitos.
Vestígios desse poder podem ser encontrados nos almanaques mercantis publicados
até o ano de sua morte, em 1923 (ALMANAK LAEMMERT, 1921).
Seus filhos seguiram suas vidas após a morte do coronel, desde a mais
jovem Amélia Augusta de Moraes, que foi para o Rio de Janeiro ao lado do esposo
José Xavier de Almeida, uma vez que ele era deputado federal, passando pelo
bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes,
que também era deputado federal e ficava mais na capital federal e em viagens
até mesmo ao exterior do que na casa de Dona Francisca Carolina.
Os outros dois filhos solteiros,
Francisco Lopes de Moraes e Alfredo Lopes de Moraes, não exerciam até então
cargos relevantes e levavam uma vida um pouco diferenciada relativamente à
política. Por isto, conclui-se que, a partir daquele momento, a referência na
“casa” já não era a figura do coronel Hermenegildo e sim Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes.
Várias dissertações já trataram do
lado econômico da família, pontuando que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes
construiu a sua riqueza a partir da Guerra do Paraguai, em um momento em que
tropas passavam por Santa Rita do Paranaíba e ele foi um dos principais
provedores do Exército na região sul de Goiás.
Entre os trabalhos publicados com
enfoque na economia, destaca-se a dissertação de Hamilton Afonso de Oliveira (2006) com o título “A construção da
Riqueza no Sul de Goiás – 1835-1910”, que mostra a estrutura produtiva da
região, o processo de ocupação das terras e ainda permite captar o pensamento
do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em relação à necessidade de a economia
do Estado estar ligada à exportação para o sudeste e para o exterior.
Quando
se discute a política e o cotidiano na região sul de Goiás nesse período, duas
dissertações se destacam num mesmo espaço a partir de Morrinhos e no mesmo
período, sendo uma com abordagem mais política, intitulada “Morrinhos:
Coronelismo e Modernização – 1889/1930” (AMORIM, 1998), e a outra com um
enfoque nos aspectos sociais, tendo o título “Coronelismo e cotidiano”
(FONSECA, 1998).
A participação política do
coronel Hermenegildo se deu através das suas passagens como vice-presidente do
Estado várias vezes no final do século XIX,
como intendente em Morrinhos a
partir de 1882 e ainda por meio de suas articulações para levar o filho, que
tinha o mesmo nome, a uma cadeira do Congresso Nacional, além da sustentação dada ao genro José Xavier de
Almeida, presidente do Estado de 1901 a 1905. Viveu também os principais
embates, com destaque quando o então presidente do Estado José Xavier de
Almeida rompeu politicamente com o grupo do bacharel José Leopoldo de Bulhões
Jardim, em 1904. A saída do coronel da vida política se deu com sua morte em
1905 (AMORIM, 1998).
Em relação
ao estudo da politização do espaço privado a partir da casa de Dona Francisca
Carolina, ele tem como base o entendimento de Maria Izilda Santos Matos sobre o
público e o privado, verificando-se que na coincidência das atividades
familiares com as públicas, “a posição
da mulher é comparável ou inclusive superior a dos homens e, quando esta
situação se inverte, a desvalorização das mulheres legitima-se” (MATOS, 2002,
p. 131).
Neste
sentido observa-se que, enquanto os homens ocupavam os espaços públicos e
políticos, as mulheres da casa de Dona Francisca também ganhavam presença e
visibilidade no espaço privado, sendo que ela própria se destacava como
fazendeira desde 1886, quando herdou herança de seu pai, o capitão Manoel
Martins Marquez, em Santa Rita do Paranaíba. Depois, a partir de 1905, está
presente na administração da parte dos bens herdados do coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes.
Os primeiros anos do século XX provocaram intensas mudanças políticas no
Estado de Goiás, estando frente a frente, nos embates travados, os bacharéis
José Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim. A amizade que foi
construída no final do século XIX se rompeu definitivamente no ano de 1904,
fato que ocasionou o pedido de intervenção federal em Goiás no ano de 1905 e
que não logrou êxito, mesmo em uma época em que José Leopoldo de Bulhões era
ministro da Fazenda do Governo Rodrigues Alves (1902-1906).
O processo de mudança se
consolidou com o movimento golpista de 1909, que impediu o bacharel
Hermenegildo Lopes do Moraes, o filho, de assumir o governo do Estado,
retornando os pecuaristas como líderes dos processos políticos e culminando com
mudanças locais, que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba no
sul do Estado. Todos estes fatos impactaram a vida de famílias, dos políticos e
das pessoas em geral no Estado de Goiás.
Até chegar ao golpe político de 1909 e a consequente emancipação de
Santa Rita do Paranaíba, muitas relações de poder ocorreram tendo a política
presente, no sentido de estar relacionada com a conquista, o exercício e a prática do Poder. Mas quando se amplia essa
discussão e se faz uma articulação dessa categoria com as relações de Gênero,
as mulheres aparecem em evidência nas relações de poder em outros setores da atividade humana, como o da família, o das escolas, o das
relações interpessoais, o da religião e
o dos negócios comerciais.
Os acontecimentos que se desenvolveram entre 1900 e 1909 mostram
bem essas relações do poder: neles as
mulheres aparecem como participantes no espaço das famílias na capital de
Goiás, em Morrinhos e em Santa Rita do Paranaíba, afetando também as relações
entre as pessoas, com influência nas escolas, na Igreja católica, no governo,
nas cidades e em outras associações.
Nessas relações de poder, a política
foi trabalhada com a participação das mulheres a partir de múltiplas
ressonâncias, tanto naquela que a considera como atividade de governo e do
Estado, quanto naquela referenciada por Joan W. Scott, em que ela assume uma
identidade coletiva a partir da mobilização de recursos, avaliações
estratégicas e manobras táticas, ou ainda como relações de poder mais gerais e
estratégicas para manter o poder ou contestá-lo.
Além da politização do espaço privado, ao tratar de política não há como
deixar fora as instituições públicas que a têm na essência, como os partidos,
que são políticos porque têm essa finalidade dos membros e que procuram chegar
ao poder (REMOND, 1996, p. 443). Mas o grande objetivo é procurar abordar as
relações de poder com participação das mulheres, sempre priorizando as relações
de Gênero para entender como se deu a presença das mulheres nas relações que
culminaram com o Movimento golpista de 1909 em Goiás e na emancipação de Santa
Rita do Paranaíba.
Utiliza-se o termo “Movimento golpista” para retratar as práticas
políticas que mudaram os resultados das eleições de 1909 em Goiás, e que,
segundo Itami Campos (CAMPOS, 2003, p. 88-89), foi organizado e articulado
pelos coronéis insatisfeitos com a política fiscal implantada pelo grupo
político de José Xavier de Almeida, que assumiu o governo de Goiás em 1901,
ocasião em que duas legiões de homens
armados, contando com cerca de mil recrutados a partir das regiões norte e sul
do Estado, acamparam no início de 1909
na Fazenda Quinta, nos arredores da capital no Estado e no início de maio
avançaram sobre a cidade de Goiás, fazendo com que o então presidente do
Estado, Miguel da Rocha Lima, deixasse o governo antes do prazo final do
mandato.
Ressalta-se que neste período, logo após a Proclamação da República, o
termo presidente era utilizado para
designar o chefe do poder Executivo no Estado de Goiás, que tinha pelo menos
três vice-presidentes, normalmente coronéis das várias regiões do Estado de Goiás.
Essa nomenclatura prosseguiu até a Revolução de 1930.
Assumiu a chefia do governo provisório em Goiás, na ocasião do Movimento golpista de 1909, o terceiro
vice-presidente, José Baptista da Silva, que era coronel representando a cidade
de Anápolis e um dos líderes revoltosos do norte, no espaço de tempo que vai da
saída do então presidente, Miguel da Rocha Lima, até a colocação no poder do
então perdedor da eleição de março de 1909, engenheiro Militar Urbano Coelho de
Gouveia.
Os eventos eleitorais são abordados partindo do entendimento de outras
aplicações que vão além do político, numa operação que consiste em organizar a
transmissão do poder ou a designação de representações por um método eletivo
(REMOND, 1996, p. 441).
Ao se tratar desses acontecimentos políticos, tem-se um primeiro
questionamento: por que as mulheres não podiam ocupar os cargos políticos,
votar e participar dos partidos políticos, embora não houvesse a vedação
literal no ordenamento legislativo que disciplinava as eleições naquele período?
Por certo predominava o discurso dos homens, estabelecendo que caberia às
mulheres a organização do lar e a educação dos filhos, enquanto somente aos
homens caberia o exercício da política.
As mulheres da casa de Dona Francisca ficaram próximas da política em
Goiás quando o sobrado tornou-se um centro político entre 1901 e 1909. Com a
idade avançando para a faixa de sessenta
anos e todos seus filhos já casados, Dona Francisca assumiu a posição do
esposo, com seu falecimento em 1905, como administradora de fazendas e de dinheiro para empréstimos,
sem deixar de exercer os papéis que lhes foram reservados: de mãe, desde a
década de 1860, e de avó nos cuidados dos netos mais novos nos primeiros anos
do século XX.
A política continuou muito presente na casa de Dona Francisca, sendo que
ela participou como proprietária da casa onde foram organizadas as eleições de
deputado federal em 1905 e 1909 de seu filho, o bacharel Hermenegildo Lopes de
Moraes, e também de genro, o bacharel
José Xavier de Almeida, eleito Deputado Federal em 1905 e Senador em 1909. O
maior feito ocorreu nas eleições de 1909 quando o filho, então deputado
federal, foi eleito para presidente do
Estado. Tanto o filho como o genro, apesar de eleitos, devido ao movimento
golpista de maio de 1909, não assumiram os cargos para os quais foram eleitos.
A presença de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes nas relações
políticas ocorre desde seu casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, em 1869, tendo em vista que os alistamentos eleitorais e as próprias
eleições se davam em espaços privados e sua casa era o centro político de Goiás
neste período que vai desde a proclamação da República até a 1909.
É a partir dessa casa que é
articulada a eleição do sucessor de José Xavier de Almeida no governo goiano,
assim como as eleições para deputados federais do então presidente do Estado de
Goiás e do filho Hermenegildo Lopes de Moraes. Na política local participavam o
genro Pedro Nunes da Silva, que se tornou Intendente do Município de Morrinhos,
e um dos filhos, que era deputado estadual. Não há evidências de que ela teria
aberto mão do direito de dirigir a casa e a fortuna herdada em dinheiro e bens.
Em relação ao termo intendente,
foi a nomenclatura utilizada para designar os chefes do poder executivo nos
municípios, figura que desempenhava as funções hoje atribuídas aos prefeitos.
Enquanto Dona Francisca viveu a politização do espaço privado a partir
de sua casa em Morrinhos, a sua filha caçula Amélia Augusta de Moraes foi além
do papel de filha, esposa e mãe, exercido na geração de praticamente um filho a
cada ano a partir do casamento, pela situação de contar nos palácios do governo
com uma equipe para cuidar dos filhos pequenos ou com a própria avó. Ela pôde
exercer a função de primeira-dama mais
jovem do Estado de Goiás entre 1901 e 1904, quando seu marido foi presidente.
Ela também o acompanhou nas viagens
para o Rio de Janeiro, quando José Xavier de Almeida exerceu o mandato de
Deputado Federal entre 1905 e 1908. Se não ocupou nenhum cargo político, esteve
presente em todas as decisões do marido, José Xavier de Almeida, nas relações
de poder entre 1901 e 1909.
A presença de Amélia Augusta nas relações políticas do esposo José
Xavier de Almeida se deu a partir do casamento em 1901, com sua mudança para a
capital de Goiás, quando o acompanhava como primeira-dama fazendo trabalhos
sociais e reuniões festivas no Palácio de Governo. Quando José Xavier de
Almeida deixa o governo de Goiás em 1905, ela está junto na viagem para a capital
federal e durante o mandato do marido. Até nas campanhas de 1908, ela veio a
cavalo com o marido do Rio de Janeiro para a cidade de Goiás para participação
nas eleições. Até na saída do palácio do governo, em março de 1909, quando do
golpe político, novamente estava presente, deixando a cidade a cavalo ao lado
do então senador eleito e que não assumiu, José Xavier de Almeida.
Ainda na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, a política também esteve presente na
casa de suas duas filhas do primeiro casamento, tanto na de Maria Carolina da
Silveira Nunes, como na de Anna Theodora da Silveira Amorim, mulheres com
idades acima dos trinta anos e que viveram as relações de poder com seus
maridos e sócios do padrasto, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, pois eram
casadas, no final do século XIX, respectivamente com o Major Pedro Nunes da
Silva, de Morrinhos, e com o tenente Pacífico Alves do Amorim, de Piracanjuba.
A politização do espaço privado em Santa Rita do Paranaíba ocorre a
partir da casa de Messias Alexandrina Brandão, sobrinha de Francisca Carolina
de Nazareth Moraes, que se casou no início de 1900 e não teve filhos.
Acompanhou o esposo Jacintho Luiz da Silva Brandão, funcionário público,
comerciante, fazendeiro e primeiro intendente provisório do emancipado distrito
nas relações de poder entre 1900 e 1909.
No então distrito de Santa Rita do Paranaíba cabia a familiares de Dona
Francisca Carolina de Nazareth de Moraes organizar os processos políticos e
ocupar os cargos públicos, funções que eram realizadas pelo filho Galdino
Marquez da Silveira e pelo irmão Damaso Martins Marquez, pai de Messias
Alexandrina Marquez. Jacintho Luiz da Silva Brandão já conhecia a futura esposa
desde seu batizado, com poucos meses de vida, e desses encontros políticos que
se realizavam nas casas dos familiares de Dona Francisca acabou nascendo o
casamento com Dona Messias.
Foi assim que de forma ainda tímida, as mulheres da casa de Dona
Francisca legitimaram e apoiaram os discursos dos homens de quem a elas caberia
ser mães, esposas, boas filhas, enquanto eles se formavam bacharéis, faziam
política e ocupavam os cargos públicos. Entretanto, cada uma a sua maneira
participou das diversas relações de poder, conquistando um espaço como
primeiras-damas, companheiras,
fazendeiras e administradoras de heranças.
Percebe-se no contexto de utilização do termo política, de René Rémond (1996, p. 447), que ocorreu um jogo de
variados interesses, uma vez que os homens e as mulheres da casa de Dona
Francisca foram movidos por outras circunstâncias que não as racionais ou
utilitárias da busca do poder no Estado. O político foi o ponto para onde
confluiu a maioria das atividades, mas permitiu recapitular outros componentes
do conjunto social.
A política, em seus variados significados, estava presente em outras
áreas, principalmente na imprensa, e os jornais que se destacavam no período o
faziam por sua natureza e realidades políticas, em virtude de sua destinação.
Ou seja, foram instrumentos transformados em armas políticas. Quando se estudam
as publicações de jornais da época, como o “GOYAZ”, ligado aos Bulhões ou o
“Correio Official”, voz do grupo de Xavier de Almeida, tem-se a percepção que
predominavam praticamente em todo seu conteúdo assuntos da política. Era na
imprensa que se via mais um meio de dominação dos homens. Eram eles os donos
dos jornais, os redatores e as principais figuras que dominavam o noticiário,
com o predomínio do político e dos homens em seus espaços.
A religião também, mesmo que tentando se distanciar das marcas da
política e ressaltando as diferenças entre sociedades políticas e comunidades
eclesiais, tornaram-se objetos de decisão política. Foram memoráveis os embates
entre os liberais e o clero católico na imprensa, nos discursos e nos partidos
políticos, do que resultou, inclusive, a saída de Goiás para Uberaba em Minas
Gerais, no ano de 1896, do Bispo Dom Eduardo Duarte da Silva, devido a embates
com José Leopoldo de Bulhões Jardim.
No período Imperial as funções religiosas misturavam-se com as políticas
na administração dos municípios, devido ao sistema do padroado e também ao fato
de uma autoridade religiosa executar serviços que caberiam somente ao Estado,
depois da Proclamação da República.
Embora a Igreja Católica tratasse
do sagrado, não há como afastar sua influência nessas relações de poder que
estavam presentes entre homens e mulheres nos primeiros anos da República. Os
debates sobre a obrigatoriedade do casamento civil, pelo lado dos liberais, e a
luta pela manutenção do casamento religioso, pelo clero, figuraram entre os
embates mais frequentes no período.
Além das disputas em relação ao casamento, a Igreja católica foi para o
campo essencialmente político com a fundação de um partido católico. Como foi
derrotado nas eleições nos primeiros anos da República, aos poucos o partido
foi se tornando sem importância nas disputas políticas eleitorais. A Igreja perdeu na disputa da obrigatoriedade
do casamento católico e também perdeu a representatividade política, que tinha
antes no período imperial.
Embora todos os vestígios das relações entre as mulheres e os homens a
partir de Santa Rita do Paranaíba se confluíram para a política, percebem-se
outros interesses e razões que moveram essas pessoas. Francisca Carolina de
Nazareth Moraes, por exemplo, não
contraiu núpcias com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes por interesses
ligados à política, já que se conheceram a partir de eventos na Paróquia do
Arraial de Santa Rita do Paranaíba, tais como batizados, casamentos e festas.
Messias Alexandrina Marquez, que vivia na zona rural, teve seu enlace
com Jacintho Luiz da Silva Brandão por uma paixão fulminante do noivo, já que a
fez buscar na fazenda, encontrar um padre na cidade mineira de Abadia do
Bonsucesso, hoje Tupaciguara, para realizar o desejo da esposa e casar-se
também no religioso, embora no período fosse obrigatório apenas o casamento por
ato civil. Essa união nasce de relações com a família, através do avô, pai e
tio, as quais eram antigas e cotidianas, e não necessariamente com fins políticos.
Informações colhidas nos documentos da Igreja Católica tornam possível
verificar, no casamento de Messias com o coronel Jacintho Luiz da Silva
Brandão, relações de poder entre a Igreja e o coronel, uma vez que se percebe
que a jovem de dezesseis anos tinha o desejo de se casar na Igreja Católica. O
coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão havido sido padrinho de batizado de
Messias no ano de 1884, e não era tão participante das atividades da Igreja,
como se percebeu em pelo menos uma das passagens do então bispo da diocese de
Goiás na década de 1890 por Santa Rita do Paranaíba. No episódio do casamento,
o padre local se recusou a fazer o casamento em 1900 da afilhada e do padrinho,
mas o obstáculo foi vencido com a vinda de outro padre da cidade mineira de Tupaciguara,
que realizou a cerimônia religiosa.
Não se pode falar, em relação ao casamento de Amélia Augusta de Moraes e
José Xavier de Almeida, que ele tenha sido de interesse eminentemente
relacionada à política ou que seria apenas para a busca do apoio financeiro do
então eleito presidente do Estado para bancar seus projetos pessoais. Se assim
fosse, essas relações, que começaram bem antes, com as viagens do então
deputado federal em março de 1900 quando foi para o Rio de Janeiro exercer o
mandato de deputado federal e culminaram com o Movimento de 1909, com a derrota
de seu grupo político, teriam perdido forças. Mas percebe-se, pelas aparições
dos mesmos, que os laços seguiram fortes, mesmo depois da saída de José Xavier
de Almeida do cenário de disputas políticas no Estado. É também um caso em que
é possível concluir que não foi casamento arranjado, pois estavam presentes
mais razões pessoais no relacionamento do que propriamente razões políticas e
econômicas.
Além das viagens de Goiás ao Rio de Janeiro, em que Morrinhos era um
ponto de passagem, assim como a cidade mineira de Uberaba, locais em que
estavam presentes tanto Amélia Augusta de Moraes, por morar em Morrinhos e
estudar o curso normal na cidade do Triângulo mineiro, como Hermenegildo Lopes
de Moraes, pois esse era igualmente o
caminho percorrido pelo bacharel, que era também deputado federal. Estes fatos
levaram José Xavier de Almeida a conhecer a família e o coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes e, posteriormente, a casar com Amélia Augusta de Moraes, o que
se deu um ano depois, em 1901.
Tanto no casamento do líder local, coronel Jacintho Luiz da Silva
Brandão, com Messias Alexandrina, que se caracterizou pela união do homem já
maduro, com mais de cinquenta anos, e a mulher com pouco mais de dezesseis,
como no casamento do líder estadual, José Xavier de Almeida, com Amélia Augusta
de Moraes se repete o fenômeno, quando a política aproxima homens e mulheres e
avança para o espaço privado, sempre tendo a benção da Igreja Católica no sul
de Goiás.
Quando se aborda o acontecimento da emancipação de Santa Rita do
Paranaíba, verifica-se que a política estava presente nas diversas relações e
modificou o curso das vidas das pessoas, tanto no Distrito como em Morrinhos
que vivia tempos áureos nesta área. Criou-se neste período uma nova geração e
suas lembranças, que até então perduraram, foram carregadas de afetividades
positivas ou negativas (REMOND, 1996, p. 447). Foram negativas para todo o
grupo político de Morrinhos, que deixou de ser o centro de atenção, e alcançou
também aqueles que até então dominavam o cenário político, fazendo surgir novos
atores também na então emancipada Santa Rita do Paranaíba, em 1909.
Embora voltassem a receber
atenção, a partir de 1912, quando outro grupo político assumiu o poder em
Goiás, o político marcou como uma das expressões das relações sociais de Santa
Rita do Paranaíba e Morrinhos, que certamente teve outra forma de conceber a
política, diferente da maneira como até aquele momento fora conduzida no então
Distrito, como a mulher dominada, sem vez e sem voz no espaço público
(RÉMOND,1996, p. 449).
Os vários acontecimentos trazem inúmeros significados políticos no
período: a união de Amélia Augusta de Moraes com José Xavier de Almeida marca,
por exemplo, o apogeu do poder político do grupo de Morrinhos; já o Movimento
de 1909, por outro lado, vai marcar o final de carreiras políticas, de
independência, de nascimento de um novo município e de novas relações de poder.
Ao se analisar a política nesse período propicia-se explorar outros acontecimentos, como casamentos e processos
eleitorais que marcaram as mudanças em Goiás no início do século XX, culminando
com o Movimento golpista de 1909 na capital do Estado e com a emancipação de
Santa Rita do Paranaíba no sul.
Também inovando na própria abordagem, pretende-se ir além do que é
específico na política de disputa pelo poder no Estado de Goiás, como
admoesta Antoine Prost quando, ao
tratar das palavras (PROST, 1996, p. 295), orienta a buscar o que não está
evidente nas disputas eleitorais pelo poder e ocupação dos cargos públicos no
Estado.
Analisam-se os discursos e os jogos políticos da Primeira República, que
não se resumiram na luta pela cadeira de presidente do Estado através dos
partidos. Procura-se, a partir desses acontecimentos políticos, refletir sobre
o que é secundário, implícito e mascarado nos discursos eleitorais, nos
discursos dos comerciantes e dos fazendeiros, nas mensagens da Igreja Católica
através dos Bispos.
Observa-se todo um arcabouço de disputas entre políticos liberais que
assumem o poder com a Proclamação da República e conservadores que procuram
reconquistar o espaço da Igreja Católica perdido em 1890; trata-se aqui também
de fazendeiros que querem fugir do pagamento de impostos no governo de Xavier
de Almeida, famílias que querem ocupar os principais cargos públicos e manter
suas riquezas, entre outros aspectos.
Trava-se ainda uma busca de informações sobre as mentalidades, as
maneiras de pensar dos grupos sociais e políticos em determinadas datas e
lugares específicos (PROST, 1996, p. 315). Os políticos liberais realmente
buscavam o Estado Moderno, ao mesmo tempo em que negavam espaço para a
participação das mulheres nos partidos políticos e nas eleições? A Igreja
queria realmente engrandecer a Pátria e a Liberdade, ou somente manter o poder
temporal?
Como respostas a essas questões, formulam-se hipóteses, como a de que os
políticos liberais, que inicialmente buscaram a queda da monarquia, estavam
mais preocupados na ocupação do poder em seus Estados do que necessariamente na
implantação de um estado moderno, e foram conservadores em relação à
participação das mulheres nos processos políticos.
Percebe-se também, entre as coisas não evidentes nessas relações, que a
Igreja Católica estava preocupada na reconquista do espaço de poder que tinha
antes, no período monárquico, quando caminhara junto com o poder do Império,
mas fora alijada pelos republicanos. Utilizou o discurso da necessidade do
casamento religioso, não somente pela defesa do sagrado, mas principalmente
preocupada com o poder terreno perdido.
Não se pode atribuir a conquista do governo do Estado a um simples
confronto entre coronéis do período. Os grupos utilizaram os meios possíveis e
fizeram suas alianças para alcançar seus objetivos dentro das regras vigentes.
Ora, nem a José Leopoldo de Bulhões Jardim, nem a José Xavier de Almeida
poderiam ser atribuídas as características de puros coronéis do século XX. Eles
tiveram aliados coronéis, mas suas ações foram desenvolvidas principalmente nos
processos eleitorais, utilizando os meios apropriados na época para terem o
controle do poder através da Legislação, das juntas eleitorais e do Congresso
Goiano formado pela Câmara de Deputados e Senadores Estaduais.
Ao tratar de política e suas
experiências nas relações de Gênero, percebe-se a participação das mulheres e
sua visibilidade em relações que envolvem várias pessoas, desde padres,
bispos, até fazendeiros, comerciantes, políticos que também participaram dos
acontecimentos, seja através de um partido, de um jornal ou de uma revista. A
amizade de uns pode ter levado à atração pela causa ou até à rivalidade, assim
como à ruptura. Certamente, sentimentos
e afetividades prevaleceram tanto quanto a razão presente nos embates
políticos.
No campo dos sentimentos e nas relações de poder, observa-se que José
Xavier de Almeida tinha grande afetividade para com José Leopoldo de Bulhões
Jardim, mas seu casamento com Amélia Augusta de Moraes o levou a um
distanciamento do seu criador e até à ruptura, em 1904, pela ocupação de cargos
no governo do Estado por adversários de Bulhões.
As ideias também moveram a política no período, através dos intelectuais
com seus discursos pelo Abolicionismo, pelo Federalismo e pela República, que
se uniram pela causa e foram vencedores nos vinte primeiros anos da República.
A Igreja que havia rompido com a política em 1896, mudou com o tempo e a
partir de 1908 a relação novamente passou a ser amistosa. Os fazendeiros que se
sentiram derrotados com a vitória e o governo de José Xavier de Almeida,
ganharam o poder com a chegada do também bacharel e fazendeiro Antônio Ramos
Caiado, que, na ocasião do Movimento de 1909, havia se unido com José Leopoldo
de Bulhões Jardim. Tais relações demonstram outros sentimentos e afetividades, que
prevaleceram nestas relações de poder em Goiás até o Movimento golpista de 1909
e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
No
meio das relações de poder borbulharam ideologias e projetos, destacando-se o
abolicionismo, o federalismo, o laicismo, bacharelismo, coronelismo e
positivismo, entre outros, como coloca o professor de História das Ideias
Michel Winock, que fala da influência das ideias no campo político (WINOCK,
1996, p. 271). Assim, no momento em que as luzes eram dominantes com sua ideia
de força- motriz das sociedades em direção ao progresso, o discurso era de
dominação total dos homens em relação às mulheres, como destaca Soihet:
Constituem-se
as mulheres, de acordo com a maioria dos filósofos iluministas, no ser da
paixão, da imaginação, não do conceito. Não seriam capazes de invenção e, mesmo
quando passíveis de ter acesso à literatura e a determinadas ciências, estariam
excluídas da genialidade. A beleza atributo desse sexo era incompatível com as
faculdades nobres, figurando o elogio do caráter de uma mulher como a prova de
sua lealdade (SOIHET apud SANTOS,
1997).
Além
do Iluminismo, o Positivismo e o Liberalismo eram ideias presentes nos
principais embates políticos do período da Primeira República, daí a
necessidade de localizar as pessoas em suas atividades reais, como nas famílias
políticas desde Santa Rita do Paranaíba, passando por Morrinhos e pelas
capitais do estado e do país, ampliando o objeto de estudo (WINOCK, 1996, p.
282).
Estas ideias também foram buscadas através dos jornais, uma das fontes
mais ricas no período, além das pinturas, utilizadas como representação. Enfim
buscaram-se observar as variações das palavras no tempo, porque as ideias
políticas daquele período não eram apenas dos filósofos, políticos e teóricos, mas
também do homem comum, como mostra Aline Tosta Santos, em seu trabalho, quando
destaca a influência do Positivismo no final do século XIX na formação do papel
social das mulheres e das justificativas para as diferenças em relação aos
homens:
Acompanhando as correntes de pensamento europeu, no Brasil durante o
século XIX foi grande a difusão do Positivismo e do Evolucionismo. Estas
teorias utilizavam a diferença biológica entre os sexos como uma justificativa
para as desigualdades sociais e culturais entre homens e mulheres (SANTOS,
2010, p. 5).
É possível Identificar as marcas das ideias em todos os setores da
sociedade e, notadamente, nos comportamentos políticos das pessoas nas relações
de poder nos primeiros anos da República. Fazendo um exercício de pesquisador
que passa de uma história da literatura e da filosofia para uma história das
mentalidades políticas, realiza-se a tarefa de conhecer os sistemas de
representação da sociedade, não só a ideia que age, mas o lugar de onde ela
saiu (WINOCK, 1996, p. 285).
Em Santa Rita do Paranaíba verifica-se uma mentalidade apequenada. O
interesse é apenas local, pela ocupação dos cargos públicos. Já a partir de
Morrinhos, os interesses vão além do local, quando o coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes prepara os filhos para assumirem grandes cargos no Estado e no
Congresso Nacional, e controla o sistema político através de suas alianças e de
seu poderio econômico. Com o bacharel e ex-ministro da fazenda nacional, José
Leopoldo de Bulhões Jardim, o interesse
é nacional e suas ideias são geradas a partir da Academia de Direito em São
Paulo.
José Leopoldo de Bulhões, a partir da amizade com seu grupo de bacharéis
nos primeiros anos da República, ocupou o Ministério da Fazenda, por ser
contemporâneo na Faculdade de Rodrigues Alves; combateu a Igreja Católica, pela
formação liberal e anticatólica, inclusive realizando seu casamento só no
civil; utilizou um conjunto de instituições do Estado e da sociedade para pôr
em prática o ato de dominação, como dos partidos políticos, da imprensa e do
próprio Estado para fazer prevalecer sua vontade, até o momento em que José
Xavier de Almeida, utilizando dos mesmos instrumentos, lhe tirou o poder em
Goiás até 1904, retomando-o através de golpe em 1909.
Trabalha-se a história política com a participação das mulheres, em um
processo que vai além de aspectos da história econômica, social e política
voltada para longa duração, com seus heróis a partir da figura central do
Estado, num período em que todas as realizações eram atribuídas aos coronéis,
para abordar o assunto através da história política e de Gênero, com vários
sujeitos e relações, colocando as mulheres em evidência na participação nas
relações de poder com seus bacharéis.
Para essa nova abordagem levou-se em consideração a análise
historiográfica embasada em René
Rèmond, no seu estudo da trajetória da história política desde seu apogeu,
passando pelo período de desprestígio com a Escola dos Annalles e chegando ao momento atual, em que recuperou sua
importância na pesquisa histórica (RÈMOND, 1996).
Enfim, através da política procura-se abordar o Movimento golpista de
1909 e a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, a partir da recuperação da
nova história política, colocando como ponto comum a política e o Gênero como
domínio privilegiado de articulação de todo social, com novos objetos, novos
sujeitos, e não apenas através dos partidos, eleições e biografias.
Levam-se em consideração outros
elementos, como a mídia, a opinião pública e o discurso e tendo o contato com
outras disciplinas, o que permitirá mais à frente a análise dos processos
eleitorais, dos grupos de pressão, da opinião pública, do discurso e das razões
que levaram às mudanças em Goiás nos primeiros anos da República.
1.1 A
NOVA HISTÓRIA POLÍTICA NA EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA
O evento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, hoje Itumbiara,
sempre foi tratado em algumas obras da história local, como um acontecimento
resultante dos atos de bravura de coronéis locais, que conquistaram, através de
suas lutas, a independência política e administrativa do município, seguindo o
velho modelo da escrita da história política que colocava o Estado em evidência
e os dirigentes como heróis.
Santa Rita do Paranaíba era um pequeno povoado que surgira com a criação
de um porto no Rio Paranaíba pelo governo imperial, por volta de 1830, na
região sul de Goiás. Foi denominado distrito do município de Santa Cruz de
Goiás em agosto de 1852, com o nome de Freguesia de Santa Rita do Paranaíba. No
período de 1855 a 1859 passou a fazer parte de Vila Bela do Paranaíba, nome
primeiro da cidade de Morrinhos em sua emancipação naqueles anos. Voltou a
fazer parte do município de Santa Cruz de Goiás até por volta de 1872, quando
Morrinhos recupera a condição de município e também integra Santa Rita do
Paranaíba como seu distrito. A emancipação política e administrativa de Santa
Rita do Paranaíba ocorreu em 16 de julho de 1909 e a mudança para o nome de
Itumbiara foi aprovada em dezembro de 1943 (FREIRE, 2011, p. 20).
As
relações entre o Arraial de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos foram
constituídas desde a metade do século XIX, primeiro entre 1855 e 1859, quando
foi criada a Vila Bela de Morrinhos, tendo Santa Rita do Paranaíba como
distrito, condição que muda a partir de
1859, quando Morrinhos perde a condição de Município e Santa Rita do Paranaíba
volta a ser distrito do município de Santa Cruz de Goiás, situação que
permanece até 1871, quando novamente é recriado o município de Morrinhos, que
passa a fazer parte de Pouso Alto, hoje Piracanjuba, até 1882, quando Morrinhos
se emancipa (FREIRE, 2011, p. 30).
Como exemplo de história descritiva da emancipação,
apresenta-se a obra de Almeida Neto (1997, p. 9) que a descreve como luta
política liderada por seus familiares, o bisavô Major Militão Pereira de
Almeida, e seu avô, o coronel Sidney Pereira de Almeida, que teriam levado em
mãos as reivindicações da população. Mas quando se faz uma análise da realidade
política daquele período à luz da nova história política, verificam-se outras disputas
de poder, que não se resumem em ações locais, até porque esses homens não
tinham nenhuma influência política no Estado e nem tiveram participação
relevante no Movimento político de 1909 em Goiás que resultou na emancipação de
Santa Rita do Paranaíba.
Aconteceram
intensas relações políticas locais que envolveram fazendeiros, comerciantes
e funcionários públicos em Santa Rita do Paranaíba e que se ligavam à casa de
Dona Francisca, em Morrinhos, através do casamento do coronel Jacintho Luiz da
Silva Brandão com uma de suas sobrinhas. Por outro lado, apesar de ser padrinho
de casamento do coronel Jacintho, Antônio Xavier Guimarães era ligado a outro
grupo político, uma vez que seu irmão, Joaquim Xavier Guimarães Natal, era
aliado e cunhado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, que se tornara rival, a
partir de 1905, dos familiares da família de Dona Francisca em Morrinhos.
Esses homens ocuparam os papéis de funcionários públicos da Recebedoria
de Santa Rita do Paranaíba, nas relações que antecederam o acontecimento da
emancipação em 1909. Com exceção de Antônio Xavier Guimarães, que cedeu sua
fazenda para a base dos revoltosos no norte do Estado, os demais não
desempenharam nenhum papel político relevante. Eram pessoas com atuação local e
todo poder político estava em Morrinhos, sob o comando da família de Dona
Francisca Carolina de Nazareth Moraes, entre 1871 e 1909.
Dentro desse contexto, utilizando-se da abordagem da nova história
política, procuram-se encontrar as raízes das decisões e estratégias dos grupos
que se enfrentaram e os sentidos dos acontecimentos, colocando como
protagonistas pessoas que foram excluídas da escrita da história, mas que
participaram dos embates e arranjos que se iniciaram na década de 1860 e
culminaram com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 1909.
Ao se avançar sobre o estudo dos
espaços privados, para também ir além de relações eminentemente políticas,
procura-se evidenciar como foram construídas e modificadas as representações de
mãe, filha, esposa e dona de casa pelas mulheres, e de heróis, construídas
pelos homens, e ainda compreender por que lutaram, como agiram e quais outros papéis assumiram.
São algumas das vivências e questões que
vão ser tratadas na sequência.
A construção dos papéis de mãe, filha e esposa foi solidificado pelo
parlamento, que fazia leis reforçando a atuação das mulheres no espaço privado
dentro da formação da família e excluindo-as dos espaços públicos através da
política e de cargos. A Igreja reforçava esses papéis na doutrina católica de submissão
das mulheres, e a dominação chegava às escolas, onde também as mulheres
dificilmente poderiam obter o diploma de bacharel.
Mas é evidente que as mulheres que são estudadas conseguiram superar
esses discursos de dominação em algumas situações. Nessa perspectiva procura-se
formar novas hipóteses explicativas para esses eventos políticos, quando se
colocam os casamentos como porta de entrada para as modificações nos papéis de
homens e mulheres nas relações sociais, a exemplo daquele realizado em 1869,
entre o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes.
Embora possa parecer um paradoxo, uma vez que o casamento pela Igreja
Católica reforçava o papel de submissão das mulheres, é exatamente através dele
que se permitia que as mulheres pudessem estar ao lado de seus maridos, o que
possibilitava que a política invadisse os espaços privados, favorecendo, assim,
a participação das mulheres.
Ressalta-se que o casamento, até a proclamação da República, era um ato
administrado pela Igreja Católica. Na região de Santa Rita do Paranaíba havia
um grande número de amancebados, justamente pela dificuldade de acesso das
pessoas mais pobres ao sacramento.
Um dos casamentos que faz parte
desses processos ocorreu exatamente na Paróquia de Santa Rita de Cássia,
envolvendo a figura do então comerciante e funcionário público Hermenegildo
Lopes de Moraes, que contraiu núpcias com a viúva Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes, filha de família tradicional da região, que tinha o sobrenome
Marquez. Depois do padre Félix, maior autoridade do Distrito, o Capitão Manoel
Martins Marquez era também respeitado e ouvido. Além da função de padre, de
fazendeiro ou de comerciante, a recebedoria de Santa Rita do Paranaíba fazia
parte do grupo seleto de cargos públicos disponíveis para ocupação dos homens.
Como instituição disciplinada pela Igreja Católica naquele período, o
casamento era acessível a poucos, apesar do incentivo do Clero para que os
concumbinos e amancebados regularizassem suas situações. As mulheres ligadas ao
ambiente político por meio de seus esposos e que fazem parte desses estudos,
todas iniciaram seus papéis como mãe, filha, esposa e dona de casa, nos moldes
propostos pela Igreja, tanto pelas condições econômicas que possuíam para
realizar os casamentos na Igreja, como pelas condições sociais determinadas
pela vivência diária no templo. Portanto, era natural no período que pessoas em
condições semelhantes ficassem mais próximas e isso torna possível refletir
sobre o motivo que levou à aproximação do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes,
com Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Santa Rita do Paranaíba, na
década de 1860, e ao casamento em 1869.
O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes chegou a Santa Rita do Paranaíba,
vindo de Curralinho, hoje Itaberaí, como pequeno comerciante, proprietário de
tropas e funcionário público,
desempenhando funções na Recebedoria do Arraial. Sua vida começou a ser
transformada após dois eventos: o primeiro, trata-se da Guerra do Paraguai, entre
1865 e 1870. O segundo, se deu por volta de 1869, ocasião do seu casamento com
Francisca Carolina de Nazareth Moraes. Foi através desses acontecimentos que
lhe foram ampliadas as condições para uma carreira como grande comerciante,
fazendeiro, coronel da Guarda Nacional, deputado constituinte em Goiás,
vice-presidente e Intendente em Morrinhos, assim como foi possibilitado
transformar sua casa em centro do poder
político nos primeiros dez anos do século XX no Estado (FERREIRA e PINHEIRO,
2009).
Junto, nessas transformações, sempre esteve presente, por um período de
mais de trinta anos, a sua esposa, recém-viúva, que saíra do Arraial. Casada
pela segunda vez quando do enlace com o coronel Hermenegildo teve uma década
para se tornar fazendeira, primeira-dama de Morrinhos e administradora de uma
das maiores fortunas de Goiás em fazendas, comércios, depósitos, créditos e
outros bens. Junto com Dona Francisca, suas três filhas Maria Carolina, Anna
Theodora e Amélia Augusta participaram ativamente de relações sociais e
políticas desde Santa Rita do Paranaíba, em 1871, até a efetiva emancipação
como distrito em 1909.
É possível constatar que o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes foi para
Santa Rita do Paranaíba vislumbrando crescimento de sua vida financeira com a
possibilidade da Guerra do Paraguai, fato que se concretizou. Sobre a entrada
na sua vida de Francisca Carolina de Nazareth Moraes e o seu casamento com ela,
o processo se deu pela presença de ambos em eventos realizados dentro da Igreja
de Santa Rita de Cássia, nas várias ocasiões em que se encontraram em
casamentos e batizados, mesmo quando ela era casada com Alcebíades José da
Silveira, o primeiro esposo, conforme se verifica na obra escrita pelos
historiados goianos Josmar Divino Ferreira e Antônio César Caldas Pinheiro,
quando da comemoração do centenário de Itumbiara (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes não
tinham inicialmente condições de fugir dos papéis a elas reservados pela
sociedade, tanto as filhas do primeiro casamento, Maria Carolina e Anna
Theodora, como Amélia Augusta, filha do segundo casamento. Entretanto,
percebe-se que todas essas mulheres modificaram seus papéis no decorrer do
tempo, seja na área econômica, como proprietárias, seja na social, com a
presença nos processos eleitorais em que os maridos participavam, seja também
com a politização dos espaços privados, ocupando espaços nas relações de poder
como primeiras-damas, quando do exercício de cargos nos poderes executivos e legislativos
no município de Morrinhos e no Estado de Goiás.
Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes é um
exemplo de emancipação por meio da herança, já que com a morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes tornou-se legalmente a líder da família e proprietária
da metade dos bens deixados pelo coronel.
Outra porta para a visibilidade foi a politização
dos espaços privados, fato que colocou em evidência as primeiras-damas Amélia
Augusta de Moares, Maria Carolina Silveira Nunes, Anna Theodora Silveira Amorim
e Messias Alexandrina Marquez Brandão. Neste contexto entende-se que o privado
foi politizado pela realização de articulações políticas e até da organização
dos processos eleitorais, que vão desde os alistamentos até as próprias
eleições, as quais eram realizadas na casa de Dona Francisca Carolina Nazareth
de Moraes, assim como na de suas filhas.
Em Santa Rita do Paranaíba, embora
tendo ela sido criada no então distrito,
não se verificaram vestígios da participação de Dona Francisca Carolina
de Nazareth Moraes nas relações políticas do Arraial. Neste aspecto cabe uma
indagação: por que ela não intercedeu, em nenhum momento, pela emancipação do
distrito, mesmo contando com parentes no local, como seu próprio filho Galdino
Marquez Silveira, o irmão Damaso Martins Marquez e a sobrinha Messias
Alexandrina Marquez, casada com o primeiro intendente da emancipada Santa Rita
do Paranaíba, o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão?
A resposta a essas indagações está no fato de
as mulheres serem ausentes nas decisões essencialmente políticas, tais
como participação em partidos, alistamento eleitoral, mesas de votações e
ocupação de cargos públicos e políticos.
Não se percebe qualquer interferência de Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes e de suas filhas, que poderiam ter influenciado o presidente do
Estado, José Xavier de Almeida, e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes até
1905, além do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, após 1905, a tomar
qualquer medida pela emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
Prevaleceu a ideia de que os
homens não queriam repartir o poder a partir de Morrinhos e as mulheres não
manifestaram nenhum interesse em participar do processo de emancipação de Santa
Rita do Paranaíba, nem que isso favorecesse seus parentes mais diretos que
ficaram no arraial. Mulheres pensavam e influenciavam no espaço privado, mas
aos homens cabia decidir sobre as coisas públicas.
Entretanto, a partir de Morrinhos coube às mulheres da família que
tiveram origem em Santa Rita do Paranaíba desempenhar uma relação estreita com
o poder, no sul de Goiás, nos primeiros anos da República. A própria Francisca
foi primeira-dama em Morrinhos no início da década de 1890, papel depois
assumido por sua filha mais velha, Maria Carolina da Silveira Nunes, enquanto à
filha mais nova, Amélia Augusta de Moraes, coube o papel de primeira-dama do
Estado a partir de 1901. Anna Theodora da Silveira, filha do primeiro
casamento, também foi, conjugando essa atividade com a de mãe e dona de casa;
assim, acompanhou o marido em Pouso Alto, hoje Piracanjuba, tornando-se também
primeira-dama daquela localidade.
Quando seguiu para Morrinhos em 1871, Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes já era mãe de quatro filhos, sendo o caçula de um ano, o futuro
bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes.
Como o coronel, seu esposo já tinha boa situação financeira, obtida em tão
pouco tempo com a Guerra do Paraguai, era natural sua permanência no distrito
que tantos progressos lhe proporcionou, tanto na vida privada como na vida
pública. Questiona-se então: o que o teria levado para Morrinhos com toda a
família?
A resposta para a mudança de Santa Rita do Paranaíba para Morrinhos de
Dona Francisca e do coronel Hermenegildo
vai trazer também outras explicações de
como essas mulheres foram além do papel de mãe e esposa imposto pelo discurso
de dominação dos homens e instituições daquele período da Primeira República
e se tornaram primeiras-damas atuantes,
trabalhando junto com os maridos no comércio, passeando nas viagens e ficando
presentes no exercício de cargos
públicos e políticos, apesar de não serem competentes legalmente para esses
lugares.
O motivo da mudança da família para Morrinhos é, segundo alguns
familiares, um surto de malária que viveu Santa Rita do Paranaíba e que poderia
afetar a saúde da própria esposa e de seus escravos; mas pela visão
empreendedora do coronel, é possível arriscar que o sentido principal de sua
mudança seria a possibilidade de
emancipação de Morrinhos que viria logo acontecer, assim como a
perspectiva de melhores condições de vida naquela cidade, o que veio a se
confirmar anos depois e que de fato
possibilitou um crescimento econômico e político da família (MENESES,
1998).
A situação econômica favoreceu as mulheres da casa de Francisca a
vivenciarem outros papéis, pois o grande número de auxiliares em suas casas
permitia viagens por Goiás, pelo Brasil e até para a Europa. Além disso, se
elas não podiam disputar os cargos públicos e os processos eleitorais,
vivenciavam a situação com os homens através da politização do espaço privado
em suas casas. Os políticos também faziam políticas na Igreja, nas casas e nas
viagens.
As filhas de Dona Francisca, Maria Carolina e Anna Theodora, seguiram
ainda crianças com sua mãe para Morrinhos, em 1871, e no ano de 1884, já
adultas e prontas para o casamento, ganharam mais uma irmã, Amélia Augusta de
Moraes. Observa-se que Francisca Carolina não segue uma sequência linear no
tempo em relação à gestação de seus filhos, pois foge à regra do período de
casar nova e ter muitos filhos em seguida. Ela teve sete filhos em um período
de vinte anos.
Para chegar até os eventos dos
casamentos, é importante observar o círculo de relações da família, onde
estavam os caixeiros e sócios do então coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e
políticos da capital. Essa proximidade levou aos casamentos das enteadas com os
também patenteados da Guarda Nacional Major Pedro Nunes da Silva, da região de
Morrinhos, e tenente Pacífico do Amorim, da região de Piracanjuba. As articulações políticas aproximaram a filha,
Amélia Augusta, do presidente do Estado, José Xavier de Almeida. Os enlaces
foram os pontos iniciais que permitiram a essas mulheres, primeiro exercer o
papel de mãe, esposas e filhas, e posteriormente, com a politização do espaço
privado, tornar-se primeiras-damas, com participação política nas relações de
poder.
As relações que se tornam casamentos já eram antigas em Santa Rita do
Paranaíba. José Fleury Alves do Amorim e o irmão, padre Félix Alves do Amorim,
foram os primeiros a ter o poder político em Santa Rita do Paranaíba. O coronel
Pacífico do Amorim era filho natural de José Fleury Alves do Amorim e se casou
com Anna Theodora, filha de Francisca Carolina de Nazareth Moraes. O círculo de
amizade entre as famílias se formou na então Paróquia de Santa Rita de Cássia,
onde todos participavam dos eventos religiosos.
Como essas mulheres da casa de Francisca saíram dos limites impostos
pelos discursos de dominação dos homens, principalmente sendo mães de muitos
filhos, e tornaram possível acompanhar os maridos? Considerando que Francisca
teve sete filhos em períodos alongados, de 1862 a 1884, que Amélia Augusta teve
onze, entre 1901 e 1912, e ainda que Maria Carolina e Anna Theodora, criaram um
número superior a cincos filhos a partir do final da década de 1890, a
explicação pode estar na boa situação econômica, que lhes permitia a
contratação de serviçais para cuidar das crianças em casa, nas viagens e nos
palácios e assim podiam se ausentar do lar em viagens e eventos.
Em relação ao aspecto de emancipação, através destes relacionamentos não
é possível constatar esta situação das mulheres ou uma contestação ao papel a
elas reservados, pois a prática política foi exercida na plenitude pelos homens
e elas não participaram das decisões que mudaram a vida em Santa Rita do
Paranaíba até a emancipação e no Estado de Goiás com o Movimento golpista de
1909.
Quando se refere à Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes é até
possível falar em emancipação, o que ocorreu com a morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes em maio de 1905, percebendo-se esse fenômeno nas
publicações da época que se referiam à mesma como fazendeira, capitalista e
herdeira de parte da riqueza do coronel.
Cabem reflexões, relacionadas aos eventos de 1909, que fazem parte de um
processo que se concretiza em 16 de Julho de 1909, após o Movimento golpista
que não permitiu que o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes assumisse a
presidência do Estado. A resposta está na sequência de relações que marcaram a
chegada ao poder de José Xavier de Almeida como aliado de José Leopoldo de
Bulhões Jardim em 1901, após exercer o cargo de Secretário no Estado de
Interior e Justiça no grupo de Bulhões, e depois romper relações políticas em
1904, assim como arranjos e embates que se desencadearam a partir de 1908,
ocasião em que a eleição deu ao grupo de Bulhões maioria no Congresso Goiano,
entre os vinte e quatro deputados e doze senadores do Estado.
O grupo político de Morrinhos
nunca quis a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, povoado que originou a
família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, para não dividir o poder, e
quando foi derrotado no campo político, teve que aceitar a independência de
Santa Rita do Paranaíba como punição primeira pela derrota.
O que faziam as mulheres da casa de Francisca e seus filhos, nos anos
que antecederam o “golpe político” de 1909 e a emancipação de Santa Rita do
Paranaíba? Francisca Carolina de Nazareth Moraes, na condição de viúva do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1905, administrava a riqueza da
família a partir da cidade Morrinhos. Amélia Augusta de Moraes Almeida estava
ao lado do marido José Xavier de Almeida desde 1905, no Rio de Janeiro, quando
seu esposo exercia o mandato de deputado federal.
Em 1908 Amélia Augusta veio a
Goiás para a organização das eleições para deputados e senadores goianos, já
que o bacharel José Xavier de Almeida comandava o diretório do partido e também
era candidato, sendo eleito como senador federal. Já o irmão de Amélia, o
bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, havia sido eleito como deputado federal
e no início de 1909, presidente do Estado. Maria Carolina estava em Morrinhos
ao lado do Major Pedro Nunes da Silva, Anna Theodora havia mudado para
Piracanjuba e Galdino da Silveira estava ocupando cargos públicos em Santa Rita
do Paranaíba.
A emancipação do distrito de Santa Rita do Paranaíba se dá com a derrota
política dos homens da casa de Francisca para os aliados dos Bulhões. As lutas
envolveram de um lado, os bacharéis José Xavier de Almeida, genro, e
Hermenegildo Lopes de Moraes, filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes;
pelo outro lado o bacharel José Leopoldo de Bulhões aliado a militares,
engenheiros, fazendeiros insatisfeitos com o governo do grupo de Xavier de
Almeida, e outros bacharéis, que
promoveram imediatamente o enfraquecimento do grupo de Morrinhos,
modificando toda estrutura política até então vigente no Estado.
As mudanças foram visíveis na ocupação dos cargos públicos nos
municípios de Morrinhos e Santa Rita do Paranaíba, que passaram para outros
aliados, não ligados à família de Francisca, que eram, até então, ocupantes dos
cargos públicos e políticos na região sul de Goiás.
Em Santa Rita do Paranaíba, com a aprovação de José Leopoldo de Bulhões
Jardim e do grupo político de José Xavier de Almeida, ocuparam os principais
cargos políticos no distrito o irmão de Guimarães Natal, Antônio Xavier
Guimarães e o aliado do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o coronel
Jacintho Luiz da Silva Brandão, nos primeiros dez anos da República.
O domínio do grupo político de Morrinhos a partir de 1900 foi sustentado
por relações econômicas, através da riqueza da família de Francisca Carolina de
Nazareth Moraes, por relações políticas
lideradas pelos bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes
e por relações familiares, que permitiram o controle das principais cidades do
sul de Goiás e a ligação com a capital através de Amélia Augusta de Moraes.
O processo da queda do domínio político da casa de Morrinhos deu-se por
razões meramente políticas, já que começara um ano antes, em 1908, na eleição
de deputados e senadores estaduais, quando o bacharel José Leopoldo de Bulhões
Jardim fez maioria entre os eleitos e acelerou-se no momento em que o Movimento
de 1909 tirou o presidente Miguel Rocha Lima do governo de Goiás, em 11 de
março daquele ano. O primeiro vice-presidente, Francisco Bertholdo, não assumiu
e o segundo vice do Estado, coronel José da Silva Batista, o Zeca Batista de
Anápolis, um dos líderes do movimento a partir da região, é quem se torna presidente
do Estado enquanto durou o golpe político de 1909.
Todos os instrumentos de dominação política começaram a mudar de mãos a
partir de 1908 no Congresso goiano, que se reunia de maio a julho, e foi
consolidado ao não reconhecer o resultado da eleição de 1909, que dava a
vitória para a presidência do Estado ao bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes.
Mesmo vencedor nas eleições, ele perdeu a vaga para Urbano Coelho de Gouveia, o
segundo colocado na eleição. José Xavier
de Almeida, que havia sido eleito senador federal e já se preparava com a
mulher para voltar ao Rio de Janeiro, ocasião em que deixaria parte dos filhos
com a avó em Morrinhos, também sofreu a degola, processo de não reconhecimento
pela Comissão de Verificação dos Poderes dos eleitos.
Estavam criadas as condições para aprovação da emancipação de Santa Rita
do Paranaíba, que foi votada pelo congresso goiano entre maio e junho de 1909 e que levou à aprovação da Lei de emancipação sancionada
em 16 de julho de 1909 pelo presidente em exercício, José da Silva Baptista,
marcando como primeira medida a que
representava a mudança do centro do poder político em Goiás: a exclusão
política da casa de Francisca, a partir de Morrinhos, da política goiana, com o
retorno imediato das decisões para a capital do Estado de Goiás.
Enquanto o chefe político da região sul foi o coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes, até 15 de maio de 1905, não houve qualquer interesse em emancipar
Santa Rita do Paranaíba e nem tampouco quando o filho, o bacharel com o mesmo nome, sucedeu-o politicamente, mesmo contando com a
aliança do presidente do Estado através do cunhado, bacharel José Xavier de
Almeida. Estavam todos ocupando os principais espaços políticos no Estado e os
pequenos cargos já estavam com a família também no Arraial.
A descrição do evento de emancipação de Santa Rita do Paranaíba não
apresentou grandes embates, mas novas pesquisas, contando com a abordagem da
nova história política aliada às relações de Gênero, tornam possível inserir
nas relações a participação das mulheres com ligações com a política no Estado
de Goiás na Primeira República, destacando ações ao lado de seus maridos
que culminaram com essa queda do poder
político dos bacharéis a partir de Morrinhos, em 1909, e a consequente e
imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba, berço da família de Francisca
Carolina de Nazareth Moraes.
Os embates políticos que antecederam a emancipação de Santa Rita do
Paranaíba colocaram vários homens e mulheres como protagonistas. Pelo lado dos
vencedores havia o bacharel José Leopoldo de Bulhões, ao lado de sua sobrinha e esposa, Cecília de
Sousa Félix, os quais deixaram o Rio de Janeiro, onde ele desempenhava mandato
de senador federal e o cargo de diretor do Banco do Brasil, depois de ser
ministro da fazenda durante os embates,
e para onde retornariam para assumir de novo, no governo federal, depois da
morte de Afonso Pena, em 14 de junho de 1909,
o cargo de ministro da fazenda,que ele já havia desempenhado no governo Rodrigues Alves
até 1904.
O bacharel José Xavier de Almeida veio também para Goiás em 1908
influenciar na eleição de deputados e senadores que lhe dariam condição de
mudar as eleições de 1909, sendo eleito senador federal em Janeiro de 1909, ao
derrotar José Leopoldo de Bulhões; o bacharel viria a perder esse cargo com o
Movimento de 1909.
Como perdedor, o bacharel José Xavier de Almeida, primeiro como
presidente do estado e depois como deputado federal e senador eleito, viveu
todos os momentos ao lado de Amélia Augusta de Moraes, na capital do Estado e
no Rio de Janeiro, enquanto o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o pai,
esteve sempre presente, ao lado de Francisca Carolina de Nazareth Moraes até 1905, quando faleceu.
Percebe-se que, desde o casamento, em 1869, em Santa Rita do Paranaíba,
o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes não se ausenta da relação com Francisca
Carolina de Nazareth de Moraes até 1905, quando se dá sua morte. Os papéis
políticos exercidos pelo coronel foram sempre a partir de Morrinhos, de onde
comandava seus negócios e mantinha suas relações de Poder. Os políticos é que
iam à casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes para falar de política.
Com Amélia Augusta de Moraes também é possível observar esta presença
constante com seu esposo, o bacharel José Xavier de Almeida, que vai do
casamento, em 1901, até a saída do poder como líder político, com o golpe de
1909. Se o marido era presidente do Estado, ela estava no palácio exercendo seu
papel de primeira-dama; se o marido foi para o Rio de Janeiro exercer o mandato
de deputado federal, ela também foi morar na capital do país naquela época. Até
nas cenas da derrota política do marido, em maio de 1909, ela está presente,
cavalgando com destino a Morrinhos e depois a Minas Gerais.
Mesmo em um espaço mais reduzido
de relações do Poder, Jacintho Luiz da Silva Brandão e Messias Alexandrina
Marquez, a partir de Santa Rita do Paranaíba, viveram parte dos embates
políticos que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba. A relação,
que começou em 1900 com o casamento, se manteve mesmo após a emancipação de
Santa Rita do Paranaíba. O diferencial de Messias Alexandrina é que ela não
exerceu o papel de mãe, por motivos não revelados pela família.
Então na emancipação de Santa
Rita do Paranaíba verifica-se mais do que uma luta de políticos locais, pois
ocorreram várias relações de poder envolvendo vários sujeitos em diferentes
partes de Goiás e até da capital federal, relações que começaram em 1901 e
culminaram com o Movimento político da cidade de Goiás e a emancipação de Santa
Rita do Paranaíba de Morrinhos, em 1909. Como fazer novas abordagens na
investigação histórica dentro do campo político e, com novas perspectivas,
buscar a participação desses novos sujeitos a partir de suas múltiplas
relações?
Para atingir esse objetivo é fundamental a abordagem dentro da nova
história política e das relações de Gênero, distanciando-se da antiga história
política que retratou o Estado, o Poder,
as disputas pela conquista dessas instituições através do Movimento de 1909,
mas agora com novas abordagens, objetos
e problemas, com reflexões e buscando sentido nos fatos ocorridos em 1909
(RÉMOND,1986, p.14).
Os estudos são feitos a partir de uma História política rejuvenescida,
levando em consideração uma diversidade de setores, como o cultural, o
econômico, o social e também o político. Para isso utiliza-se também a história do pensamento político de Burke
(2011, p. 32), que faz uma reflexão sobre novas maneiras para explicar os
acontecimentos políticos. Para ele, “a história política se expande e está
presente em outros lugares onde se dá a luta pelo poder” (BURKE, 2011, p. 8),
como nas fazendas, nas repartições públicas, na família, nas escolas, de
maneira que são observadas as atividades humanas envolvidas na construção da
realidade. Não se tem mais a abordagem tradicional, essencialmente direcionada
ao Estado. Se a política está em toda parte, justifica-se sua autonomia.
Agora,
toda a realidade humana interessa ser estudada no campo da política, porque a
realidade é social e culturalmente constituída. Esse novo enfoque permite-nos
ver os contrastes entre a antiga e a nova história política, saindo do
paradigma tradicional, que restringiu a própria história essencialmente à
política, descrevendo as disputas pelo poder no Estado.
Não é mais a história
de um sujeito, mas de várias relações presentes nos diversos embates que se
sucedem entre fazendeiros, comerciantes, mulheres, servidores públicos e
políticos, assim como das instituições que são utilizadas nesses embates. Como
resultado dessas relações se sucedem várias consequências, tais como troca de
funcionários, que perdem as funções, a formação de uma nova sociedade política,
a ação das mulheres, entre outras. Ou seja, não se vai restringir o trabalho à
alta política, aos líderes e às elites (BURKE, 2011, p. 37). A sociedade e a cultura serão a arena para se
perceber essa realidade de 1909 em Goiás e, em especial, no distrito de Santa
Rita do Paranaíba.
Outro aspecto
importante destacado por Peter Burke (2011, p. 13), e que se utiliza nesse
trabalho é a questão de o mesmo não estar ancorado simplesmente em documentos
ou registros oficiais; ampliaram-se as fontes, preocupando-se com todas as
atividades humanas e relações que marcaram o Movimento de 1909 e a emancipação
de Santa Rita do Paranaíba.
Busca-se ao tratar do
assunto um distanciamento da história tradicional e objetiva, já que não se
pretende simplesmente apresentar aos leitores os fatos e dizer como eles
aconteceram, até porque nossas mentes não são capazes de refletir diretamente o
que ocorreu em 1909, como explica Burke (2011): “só percebemos o mundo através
de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos – um entrelaçamento que
varia de uma cultura para outra.”
Ao relembrar um pouco da
história política tradicional, percebe-se que ela, depois de alcançar o apogeu
no século XIX, perdeu espaço com os “Annalles”, que trouxeram novas abordagens,
objetos e problemas, fazendo com que a história política recuperasse sua
participação a partir dos anos 80 do século XX, alargando o espaço de estudos
que inicialmente compreendiam os partidos, eleições, guerras e biografias,
alcançando a imprensa, a opinião pública, os grupos de pressão e o discurso.
René Rémond destaca a importância que o
contato da história política com outras disciplinas, principalmente com a
Ciência Política, a Sociologia, a Linguística e a Antropologia proporciona em
novas pesquisas, rebatendo críticas (RÉMOND,1996, p.6) de que a História
Política só se interessava por minorias privilegiadas em detrimento das massas,
tendo objetos efêmeros e superficiais de curta duração. Ao estudar a
participação na vida política e nos processos eleitorais, integra novos atores,
preenchendo todos os requisitos para ser reabilitada. Ela também não descuida
da longa duração, buscando na história das formações políticas e das ideologias
e ainda da cultura política para entendimento dos fenômenos políticos
(RÉMOND,1996, p. 07).
Outro
aspecto a ressaltar é quanto às fontes anteriormente utilizadas, através de
vestígios escritos, onde se destacavam as figuras do Estado e do Soberano. Tudo
se resumia (RÉMOND, 1996, p. 14) na formação dos estados nacionais, as lutas
por sua unidade, a emancipação, as Revoluções políticas, a Democracia, as lutas
partidárias e os confrontos de ideologias políticas.
O que está
em jogo em Goiás são lutas que envolvem bacharéis, homens, mulheres, igreja,
famílias, comerciantes, fazendeiros e servidores públicos, com suas estratégias
nas relações de poder.
Durante a
reflexão sobre esses embates e arranjos políticos, procura-se preocupar mais
com os comportamentos coletivos, do que com iniciativas individuais
(RÉMOND,1996, p. 15), como por exemplo, como atuavam os comerciantes, a
comunidade católica, os fazendeiros, os funcionários públicos, os bispos, as
mulheres, e não só os políticos.
A posição
adotada pelo pesquisador é de interrogação sobre o sentido dos fatos e de
formação de hipóteses explicativas (RÉMOND,1996, p. 17). Como ocorre, por que
acontece o Movimento de 1909 e por que o grupo dos Bulhões emancipa rapidamente
Santa Rita do Paranaíba, assim que tomam o poder em Goiás?
Ao se
fazer uma análise política, percebe-se que o Movimento de 1909 é desdobramento
dos embates de 1904, quando José Xavier de Almeida, contando com maioria no
Congresso Goiano, rompeu com José Leopoldo de Bulhões Jardim e fez seu sucessor
Miguel Rocha Lima na presidência do Estado. Em 1908, José Leopoldo de Bulhões
faz maioria no Congresso Goiano e dá o troco a José Xavier de Almeida, não
reconhecendo a eleição de Hermenegildo Lopes de Moraes para assumir o
governo em 1909.
Os embates
também são ideológicos entre os bacharéis José Leopoldo de Bulhões e José
Xavier de Almeida, trazendo como consequência imediata em 1909 a emancipação de
Santa Rita do Paranaíba, tendo como objetivo o enfraquecimento do grupo
político de Morrinhos.
Há ainda
repercussões em outras áreas, como a religiosa. O bacharel José Leopoldo de
Bulhões, com ideias liberais, havia causado o rompimento com a Igreja Católica
em 1896, e a consequente mudança da Diocese e do bispo para Uberaba em Minas
Gerais. Com José Xavier de Almeida no comando do Estado, a Diocese volta para
Goiás em 1908 e se dá a aproximação com o bispo Dom Prudêncio.
Além da
briga política pela tomada do poder, dos conflitos com a religião católica, os
embates vão também influir na economia do Estado. Com baixa arrecadação, os
governos de José Xavier de Almeida e Miguel Rocha Lima provocam aumento da
tributação na Pecuária, maior atividade econômica do Estado no início do século
XX, causando uma revolta dos pecuaristas contra o Governo. A união dos
pecuaristas, que tinha também a participação do bacharel Antônio Ramos Caiado
atuando ao lado do líder político José Leopoldo de Bulhões provocou as
condições ideais para mudança do grupo político no Poder em Goiás a partir de
1909.
1.1.1 O perfil das mulheres
da casa de Dona Francisca Carolina
Para
entender o perfil das mulheres que têm participação nos embates e arranjos
políticos do início do século XX em Goiás, trabalha-se o aspecto biográfico,
e leva-se em consideração a nova postura
da história política, evitando, assim, a
exaltação dos chefes políticos, com seus problemas e seus humores, e se busca,
através do relato das pessoas e da
sociedade, uma maneira de restituir um lugar
para os esquecidos da história, em especial, nesta pesquisa, as mulheres
que tinham relações com o Poder (RÉMOND, 1996, p. 18).
Ao se
levarem em conta os estudos organizados por René Rémond, verifica-se que o
fenômeno da biografia teve seu florescimento na França em 1970, quando foi
mostrada uma nova maneira, através de Philippe Leiwain, para situar o sujeito
no tempo, interrogando a época através do indivíduo, sua história religiosa,
intelectual e social (LEIWAIN, 1996, p.
141).
Procura-se
evitar a biografia dos tempos passados, em que predominava o elogio
(LEIWAIN,1996, p. 149), não deixando de ordenar, em função de uma vivência,
documentos que podem provir de testemunhos para uma história a ser feita.
Assim, este trabalho não escapa aos julgamentos do autor, que participa da
construção resultante, seja da hipótese, seja da afirmação e que serão
confirmadas ou fabricadas, mesmo que isto faça correr o risco de erro como um
apelo à verdade (LEIWAIN,1996, p. 174).
Por ser um
empreendimento de homologação, seja do conhecimento adquirido, seja das ideias
prontas, seja das relações, a biografia reassume uma função a meio caminho
entre o particular e o coletivo. É como um exercício para identificar uma
figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação, analisar
relações entre o desígnio pessoal e forças convergentes ou concorrentes e fazer
o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios. Enfim, captar a
realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida (LEIWAIN,1996,
p. 165).
Nesse aspecto,
o trabalho apresenta como novidade a identificação dessas mulheres que
participaram das relações de poder que antecederam a emancipação de Santa Rita
do Paranaíba e vai confrontar essa participação dentro da sociedade, desde a
infância, passando pela educação, pela participação religiosa, social e
intelectual, assim como os gestos e fatos que tiveram a participação dessas
pessoas.
A partir
da figura de Francisca Carolina de Nazareth Moraes abrem-se as portas da
visibilidade de participação nos espaços privados. Se o poder está na
instituição da Igreja Católica no tempo do Império, as mulheres estão presentes
nas cerimônias da Igreja Católica e se o poder está disposto na ocupação de
cargos públicos na Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, presentes estão o
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes ao lado de Dona Francisca. Quando o poder
se manifesta através dos comerciantes e dos políticos, Dona Francisca está
presente ao lado do marido comerciante, capitalista, vice-presidente do Estado
e Intendente de Morrinhos. A sua casa é o símbolo do poder político em Goiás
quando o presidente do Estado é seu genro.
Percebe-se
na figura de Dona Francisca Carolina, uma mulher forte e bem sucedida. Já tinha
boas condições financeiras com parte da herança de seu pai falecido em 1886, no
então distrito de Santa Rita do Paranaíba e com a morte de seu segundo marido
em 1905, marca de vez o seu papel de protagonismo e presença nas relações de
poder. É com ela herdeira que seu filho, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes
exerce o mandato de deputado federal e também é eleito presidente do Estado,
assim como seu genro era o principal interlocutor da política goiana até 1909.
Dona
Francisca Carolina de Nazareth de Moraes juridicamente obteve a emancipação com
a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes. Não estava mais sob o poder
paternal ou marital, mas mesmo assim não teve participação nos processos
eleitorais, diferente do que ocorreu em relação aos aspectos econômicos, já que
administrou a herança recebida do coronel, que se somou à parte já recebida em
1886 de seu pai, o capitão Manoel Martins Marquez em Santa Rita do Paranaíba.
Figura 2 – Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes
Fonte – Museu Municipal de
Morrinhos
Francisca Carolina de Nazareth Moraes nasceu em Santa
Rita do Paranaíba no dia 24/11/1843. Filha do fazendeiro Manoel Martins
Marquez, que faleceu em 1886 e de Hipóllita Maria de Nazareth, falecida no
final da década de 1850. Viveu sua adolescência no pequeno arraial no sul de
Goiás, local onde grande parte da população morava na zona rural. Constituiu a
primeira família com Alcebíades José da Silveira no início da década de 1860,
com intensa participação católica: costumava levar os filhos para participar dos eventos religiosos, sendo
figura constante na Paróquia de Santa Rita de Cássia, que havia sido criada em
1852 (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Foi mãe de três filhos no primeiro casamento, com Alcebíades
José da Silveira, sendo Maria Carolina
da Silveira a primogênita, cujo nascimento se deu no então distrito de Santa
Rita do Paranaíba em 30/10/1862. Aos nove anos, Maria Carolina mudou-se com a
mãe para Morrinhos e anos mais tarde contraiu casamento com o sócio e caixeiro do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, major da guarda nacional Pedro Nunes da Silva em
07/02/1883, com quem teve treze filhos e
tornou-se primeira dama de Morrinhos na década de 1890, tendo executado
destacado trabalho social, que lhe valeu o nome de “mãe da pobreza” na região,
conforme dados colhidos no Museu Municipal da cidade de Morrinhos.
Figura 3 – Maria Carolina Silveira Nunes e filhos
Fonte: (AMORIM, 1998, p. 171)
Por volta de 1865, quando Dona Francisca contava com vinte e
dois anos nasceu o segundo filho, com o nome de Galdino da Silveira Marquez,
que após a infância voltou para Santa Rita do Paranaíba e ocupou cargos
públicos, como o de Inspetor escolar e nas eleições trabalhava nas mesas
eleitorais atendendo os interesses da família.
Um ano depois nasceu Anna Theodora da Silveira Amorim, que
também seguiu para Morrinhos com cinco anos, em 1871, onde conheceu mais
tarde Pacífico do Amorim, também sócio e
caixeiro do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes. Casou-se com o futuro Intendente de Pouso
Alto, hoje Piracanjuba, que exerceu naquela cidade os cargos de tabelião,
delegado, juiz municipal e também intendente.
O esposo de Anna Theodora da Silveira Amorim era filho
natural do professor e funcionário público da Recebedoria de Santa Rita do
Paranaíba, José Fleury Alves do Amorim, irmão de Padre Félix Fleury Alves do
Amorim, primeiras autoridades no então distrito de Santa Rita do Paranaíba.
Figura 4 – Anna Theodora da
Silveira Amorim
Fonte: Museu Municipal de Morrinhos
Do segundo casamento, com o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, nasceu em 1870, em Santa Rita do Paranaíba, o homônimo do pai, e depois
de se mudar para Morrinhos, teve em 1873, Francisco Lopes de Moraes e encerrou
o período de maternidade, então com 40
anos em 1884, ocasião em que nasceu
Amélia Augusta de Moraes em 27 de agosto.
Francisca Carolina de Nazareth Moraes fugiu do padrão das
mulheres da época em Goiás que se casavam muito cedo e os filhos eram em
sequência e em grande número. Teve apenas três filhos no primeiro casamento e
quatro no segundo. Era bem religiosa, participava das atividades comerciais,
tendo inclusive fazendas em seu nome e não estudou além das primeiras letras,
apesar de seus pais serem fazendeiros. Esteve sempre ao lado do esposo, o
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, ajudou a cuidar dos bens, dos filhos e
dos netos e ajudou a administrar a fortuna da família. Também foi primeira-
dama.
Vivendo
em família tradicionalmente católica, foi batizada em Minas Gerais na cidade de
Monte Alegre. Os registros relacionados ao seu primeiro casamento com Alcebíades
José da Silveira marcam o nascimento e batizado de três filhos, sendo a
primeira Maria Carolina em 1862, o filho Galdino Marquez em 1865 e a terceira
filha em 1866 de nome Anna Theodora (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Ainda
nos registros de batizados da Paróquia de Santa Rita de Cássia (FERREIRA e
PINHEIRO, 2009), mostra-se a presença de Francisca e seu primeiro marido
Alcebíades em uma cerimônia perante o Padre Félix, irmão de José Félix do
Amorim, em outubro de 1863, em um ato de reconhecimento da paternidade feito
por seu sogro, José Manoel da Silveira, em relação a um menino chamado
Alexandre, filho de mãe solteira. Nesta ocasião é também registrada a primeira
aparição de Hermenegildo Lopes de Moraes, naquele tempo ainda solteiro e
testemunha no evento, futuro marido de Francisca após a morte de Alcebíades
José da Silveira (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 218).
Os
vestígios nos registros de batizados e casamentos na Igreja Católica de Santa
Rita do Paranaíba apontam que Francisca conhecera o coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes pelos idos de 1863, em eventos na Igreja Católica, e após o
falecimento de seu primeiro esposo, casou-se com o coronel em 1869, tendo o
primeiro filho Hermenegildo Lopes de Moraes nascido em 06/10/1870 em Santa Rita
do Paranaíba.
Com a morte do pai Manoel Martins Marquez em 1886, herdou uma fazenda em
Santa Rita do Paranaíba. No segundo casamento, teve ainda em Morrinhos os
filhos Francisco Lopes de Moraes, nascido em 09/03/1873, Alfredo Lopes de
Moraes em 23/11/1880 e a caçula Amélia Augusta de Moraes, nascida em
27/08/1884.
A mudança de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, de Santa Rita
do Paranaíba para Morrinhos, teria se dado por motivo de saúde no início de
1871, já que o Arraial vivia uma epidemia de malária (AMORIM, 1998, p. 81), fato que
motivou a mudança do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que seguiu com a
esposa, o filho de um ano, Hermenegildo Lopes de Moraes, e ainda as três
crianças do primeiro casamento com quatro, cinco e oito anos.
O
casamento de Dona Francisca e o coronel Hermenegildo se realizou às quatro
horas da tarde do dia 04 de novembro de 1869, quando se travava a Guerra do
Paraguai, ele com 36 anos e com boa situação financeira adquirida nos anos em
que foi administrador da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, comerciante e
fazendeiro na região de Santa Rita do Paranaíba até 1871 (PINHEIRO e FERREIRA,
2009, p. 219).
O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, além do primeiro emprego público
na Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, foi ainda Inspetor Paroquial em 1869
e 1871. O coronel teve uma atuação destacada como fornecedor de mantimentos e
tropas a partir de Santa Rita do Paranaíba no início de 1865, onde se
estabeleceu como comerciante e fazendeiro, fazendo fortuna com a Guerra do
Paraguai entre 1865 e 1870.
O coronel Hermenegildo Lopes de Moraes era um empreendedor. O seu
casamento em 1869 com Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, filha Manoel
Martins Marquez, um importante fazendeiro da região e finalmente, no ano de
1870, o nascimento de seu primeiro filho, que leva o seu nome, foram os fatos
marcantes que encerraram sua passagem pelo então distrito de Santa Rita do
Paranaíba.
Após mudar-se para Vila Bela de Morrinhos, que iria se emancipar,
torna-se seu primeiro intendente e principal líder político. A partir de
Morrinhos, aumenta em muito sua fortuna com empréstimo de dinheiro e compra de
fazendas e aumento do comércio, tornando-se vice-presidente do Estado de 1895 a
1905.
Em Morrinhos foi o primeiro intendente e criou uma estrutura de poder
que permitia o controle do sul de Goiás, com parentes ocupando cargos públicos
no distrito de Santa Rita do Paranaíba, em Morrinhos e Piracanjuba. Costumava
viajar para os estados de Minas e São Paulo e até para o exterior a passeio, conforme
alguns relatos do período. Mas se caracterizava mesmo como grande fazendeiro,
comerciante e capitalista do Estado de Goiás.
A morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 15 de maio de 1905,
após cinco anos sofrendo doença cardíaca, pode ser considerada o marco de
emancipação de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, considerando a
vultosa fortuna herdada do marido, correspondente à metade de todos os bens,
conforme disciplinava a Legislação no período. Constava do inventário os
seguintes bens em 1905:
Quadro 1 – Relação de bens
herdados por Francisca Carolina de Nazareth
Bens |
Valor |
Bens móveis |
21:342$500 |
Bens imóveis |
256:045$810 |
Bens semoventes (gado,
cavalos, burros) |
81:600$000 |
Caderneta de poupança |
10:000$000 |
Titulos da dívida pública |
740:000$000 |
Dívida ativa |
630:077$324 |
Lucros das casas
comerciais |
15:689$842 |
Valor da Herança: 1.774:775$476
mil contos de réis |
|
Fonte: (AMORIM, 1998)
Observa-se, pela relação de bens herdados por Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, que os três
principais itens da herança referem-se a títulos da dívida pública oriundos de
empréstimos aos governos. Dívida ativa era constituída por créditos através de
empréstimos que seu esposo, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, fazia às
pessoas da região e que acabou incrementando também o terceiro item relativo
aos bens imóveis, já que muitas dividas certamente foram pagas com fazendas.
Nos estudos de inventários e partilhas no sul de Goiás
no período estudado, o doutorando Hamilton Afonso de Oliveira mostra as
diferentes situações entre as mulheres herdeiras, ocorrendo que muitas viúvas,
após a morte dos esposos fazendeiros, ficavam em situação de pobreza, perdendo
as fazendas para pagar as dívidas (OLIVEIRA, 2006, p. 134). Situação diferente
ocorreu no caso de Dona Francisca Carolina, que
herdou parte das fazendas, inclusive algumas recebidas em cobrança pelo
marido no tempo que exercia a função de capitalista emprestando dinheiro.
Enquanto Francisca Carolina de Nazareth Moraes se
destacou pela administração da fortuna herdada, primeiro a parte de seu pai, em
1886, e finalmente com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, sua
filha Amélia Augusta de Moraes Almeida é visível pelas participações em
processos políticos junto com o esposo José Xavier de Almeida.
Diferentemente de sua mãe, Amélia Augusta de Moraes
Almeida, natural de Morrinhos, caçula da família de quatro irmãos do segundo
casamento de Francisca, viveu sua infância a partir da residência da família, centro do poder de Goiás, na zona
urbana de Morrinhos, onde contava com boas condições de vida na cidade.
Além de receber educação diferenciada em relação às
primeiras letras, contando com professor exclusivo em sua casa, teve a
oportunidade de avançar nos estudos através do curso normal em uma escola na
cidade mineira de Uberaba.
Amélia Augusta de Moraes é uma das mulheres que mais
tiveram relações com a política nos
primeiros anos da República em Goiás, porque sempre esteve presente com seu
esposo, José Xavier de Almeida. Apesar da geração de muitos filhos, participou
ativamente das viagens e dos eventos no palácio do Governo. Esteve presente na
chegada e na saída do poder em 1909.
Figura 5 – Amélia Augusta de
Moraes e José Xavier de Almeida
Fonte: (AMORIM, 1998, p. 170).
Amélia
Augusta de Moraes Almeida nasceu em 27 de agosto 1884 e fez os estudos das
primeiras letras em Morrinhos, primeiro em casa e depois em uma escola de
meninas. Fez os primeiros anos do curso normal em Minas Gerais, na cidade de
Uberaba, por volta de 1899 e 1900, ocasião em que conheceu seu futuro marido
José Xavier de Almeida, com quem se casou tanto por ato civil, obrigatório na
época, quanto por ato religioso em Morrinhos, no mês de maio de 1901 e se mudou
para a sede do governo na capital do Estado a partir de agosto do mesmo ano
(BRITTO, 1994, p. 298).
Participou ativamente ao lado de José Xavier
de Almeida da vida política do esposo nas festividades, nas reuniões políticas,
nas ações sociais e nas viagens. Após seu marido deixar a presidência do Estado
de Goiás e ser eleito deputado federal novamente em 1905, após ter três filhos,
entre os quais uma menina natimorta, seguiu com o marido para o Rio de Janeiro,
deixando os filhos pequenos aos cuidados da avó. Voltavam sempre para a casa da
mãe nos recessos parlamentares, e o verão passavam em Petrópolis, no Estado do
Rio de Janeiro.
Em 1908 participou com o marido da escolha dos
candidatos a deputados, senadores e presidência da República, já que ele era
membro da executiva do partido que fazia essa a escolha. Nesta ocasião deixou o
Rio de Janeiro e veio para Goiás.
Em maio de 1909, quando iniciou o Movimento
que se tornaria um golpe político que deporia o grupo político liderado por seu
marido, Amélia Augusta de Moraes estava junto com José Xavier de Almeida;
inclusive essa passagem marca o fim de seu poder político em Goiás, conforme
narra Maria Seixo de Britto (BRITTO, 1974, p. 305-306):
[...] Com a vitória para o
Senado, Xavier de Almeida e D.Amélia preparavam-se para retornar a Morrinhos,
onde deixariam, com a avó materna, os filhos José e Hermenegildo e, de lá,
rumariam para o Rio, levando Álvaro e Paulo. Marcou-se o dia da partida de
Goiás. Tudo ajeitado para a longa viagem a cavalo. O ex-presidente, agora
Senador, é sigilosamente, avisado de que lhe preparavam uma demonstração de
desafeto,à hora da partida.
Xavier de Almeida não era homem de confusão nem violência, mas também não era
covarde. O casal guardou reserva sobre o aviso e com isso, certamente, poupou o
sacrifício de muitos amigos e correligionários, que sem dúvida, reagiriam em
sua defesa. Poderiam deixar a cidade na calada da noite. Poderiam percorrer as
vias mais afastadas e menos movimentadas para esta viagem de que participavam
mulheres e crianças. Mas, não, saíram em plena luz do dia e pelo principal
caminho, às 11 horas, após o almoço, que lhes oferecera o presidente Rocha
Lima. No Largo da Matriz, onde está o Palácio do Governo, havia alguma
aglomeração. Grupos formados em vários pontos. Uns com intuito de dizerem adeus
e levar votos de boa viagem aos seus benfeitores; muitos simplesmente para
assistirem à partida do ex-presidente; enquanto numerosos outros eram
adversários mal intencionados.Gente miúda e gente graúda. Era chegado o momento
do desabafo, da demonstração de desagrado. Cochichos e olhares maliciosos
faziam pairar no ar uma atmosfera de apreensão. Xavier de Almeida trajava-se
com esmero: montaria branca e amplo chapéu do Chile. Cavalheirescamente ajudou
sua admirável esposa, elegantemente vestida com uma bata de cor clara, a
ajeitar-se no seu silhão conduzido por Vesúvio, altaneiro e luzidio cavalo
preto.Uma espanhola, babá das crianças, levava consigo a menor. Terminadas as
despedidas com votos de feliz viagem, deram sinal de partida. Mal começou o
cortejo pelo lado do terraço do Palácio, irromperam-se assobios, estalos de
bombinhas, traques baianos e foguetes de vaia. Um manifestante mais ousado
atira uma carteira de traques na cabeça do Vesúvio. D. Amélia não se perturba:
ao contrário, mantém sua postura nobre e firme como o seu caráter. Ela
percebera de onde partira aquele indigno, inconsequente e desprezível insulto.
Mas, sem deter-se, sem indecisão, firmou-se em seu animal, que tão bem sabia
cavalgar, e, num gesto altivo e resoluto, levantou o chicotinho preso ao pulso
por um correntinha de prata, e num rápido açoite, pôs em marcha seu cavalo,
embora pudesse punir o insultante. Um foguete atinge a garupa do animal montado
pelo fiel camarada baiano, alcunhado de Charuteiro, que levava consigo no colo
o pequeno Hermenegildo. Assustado o cavalo dispara pela rua do Horto acima, por
detrás da igreja da Boa Morte. Só muito distante, o bom cavaleiro consegue
sofreá-lo. Tudo feito à moda do tempo. Eram coisas da época.
E, assim, uma grande Dama e um dos maiores homens público de Goiás deixavam a
Metrópole para jamais a ela retornar (BRITTO, 1974, p. 305-306).
Amélia Augusta de Moraes teve onze filhos, começando logo no
primeiro ano de casamento, em 1902, quando teve José Xavier de Almeida Júnior
na capital do estado. Um ano depois nasceria Helena, que não sobreviveu e foi
sepultada na cidade de Goiás. No terceiro ano do governo de seu esposo nasceu,
em 1904, Hermenegildo. Após deixar o governo, muda com seu esposo, então
deputado federal para o Rio de Janeiro, quando, em 1906, nasceu Álvaro.
Em 1908 Amélia Augusta de Moraes veio para a cidade de Goiás
com o marido para participar de reunião do diretório do partido e das eleições
de deputados e senadores em Goiás, ocasião em que nasceu Paulo. Quando ocorre o
Golpe de 1909, estava voltando para o Rio de Janeiro, onde o marido assumiria o
cargo de senador; passando por
Morrinhos, deixaria José, com sete anos, e Hermenegildo, com cinco, que
ficariam com a avó, levando junto Álvaro, com três anos, e Paulo, com apenas um
ano. Como aconteceu o Golpe Político de 1909, seu esposo José Xavier de Almeida
não assumiu a vaga no senado, mas mesmo assim seguiram para o Rio de Janeiro
(BRITTO, 1974, p. 304,305).
Amélia afastou-se das relações políticas em Goiás a partir do
ano de 1909 e no Rio de Janeiro nasceu Guilherme. Depois, morando em Juiz de
Fora-MG, em 1912 nasceu Maria Luiza; de volta a Goiás, a partir de 1913
nasceram em Morrinhos Francisco e Maria
Helena, sendo que esta se tornaria religiosa. Os dois últimos a nascerem foram Maria Amélia e Alberto (BRITTO, 1974,
p. 304-305).
Como contraponto às mulheres-mães, tem-se Messias
Alexandrina Marquez, que nasceu ainda no
distrito de Santa Rita do Paranaíba. Em um local que tinha o rio, o Ribeirão
Trindade, a Praça Central e a Igreja Católica, viveu a infância. Teve acesso às primeiras letras ainda no
Arraial de Santa Rita do Paranaíba, mas sua maior participação nos primeiros
anos de casamento foi na pequena praça, onde localizava o comércio, a igreja e
a residência da família.
Figura 6 – Messias
Alexandrina Marquez Brandão
Fonte: (FERREIRA e PINHEIRO,
2009)
Alguns
parentes ainda vivos de Messias Alexandrina Marquez contam que ela teria vindo
da fazenda trazida por Jacintho Luiz da Silva Brandão, que buscou um padre em
Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara, para realizar o casamento, certamente
por vontade da noiva, já que o coronel não era um participante ativo. Porém há
registros de uma participação maior do coronel na Igreja depois do casamento,
inclusive ajudando na reforma.
O coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, filho sacrílego, termo
utilizado na época por ser filho de um padre, ao casar-se também chocou-se com
as orientações da Igreja ao contrair núpcias com sua afilhada em batizado católico,
Messias Alexandrina Marquez Brandão. Desse casamento não nasceram filhos, mas
não se tem informações se foi por problemas de saúde do casal ou por opção.
Messias
conheceu Jacintho Luiz da Silva Brandão nas reuniões políticas em que
participavam seu pai, Damaso Martins Marquez , e seu primo, Major Galdino da Silveira
Marquez. Não teve filhos e era católica fervorosa. Filha de Damaso Martins
Marquez, irmão de Francisca Carolina e Philomena Alexandrina da Silveira
Marquez.
Todas essas mulheres tiveram em comum o fato de se tornarem
primeiras-damas, já que seus esposos governaram o Estado e os municípios de
Morrinhos e Santa Rita do Paranaíba. Embora naquele período o cargo não tivesse
as mesmas formalidades dos dias atuais, as mulheres tinham participação
importante na área social e participavam ativamente como continuação das ações
governamentais em relação às pessoas mais pobres, como dar esmolas, por
exemplo.
O novo papel além de mãe, esposa e filha, surge
principalmente com a entrada da política na casa de Francisca Carolina de
Nazareth Moraes, que permite à sua filha o protagonismo e a evidência como
primeira dama no Estado de Goiás, no período de agosto de 1901 a julho de 1905,
e mesmo tendo três filhos, participava ativamente dos eventos festivos e sociais
enquanto morou no Palácio Conde dos Arcos. Ela é quem melhor representa esse
papel social na Primeira República em Goiás. Sempre ao lado do esposo,
cumprindo compromissos sociais e destacando-se pela assistência social, ajuda
aos pobres e necessitados. Mas é uma participação ao lado dos homens nas
relações de Poder.
Se o casamento foi porta de entrada para a participação das
mulheres na área política, as eleições comandadas por seus maridos e a
conquista dos mandatos de deputados federais, estaduais, intendentes e
presidentes do Estado permitiram às mulheres da casa de Francisca vivenciarem a
politização de suas casas e ganharam espaço na políticas, apesar de estarem
impedidas de ocupar os cargos políticos.
A própria Dona Francisca de Nazareth Moraes, que teve sete
filhos em período alongado, também se tornou primeira-dama de Morrinhos nos
períodos de 1891 a 1893 e de 1899 a 1903, quando Hermenegildo Lopes de Moraes
foi intendente e depois foi a protagonista da família como herdeira, fazendeira
e comerciante.
Outras
filhas do primeiro casamento de Dona Francisca, que foram ainda crianças para
Morrinhos, também se destacaram a partir de suas casas na vida política,
como Maria Carolina Nunes da Silva que,
casada com Pedro Nunes da Silva, também
se tornou primeira-dama do município de Morrinhos no período de 1894 a 1895.
Alguns anos depois, foi a vez de Anna Teodora da Silveira também ser primeira-
dama em Pouso Alto, hoje Piracanjuba, casada com outro sócio de seu padrasto, o
comerciante Pacifico Alves do Amorim.
Casamento
e eleição colocaram as mulheres em evidências nos embates e arranjos políticos
na Primeira República em Goiás. A estratégia foi observar o potencial de
obtenção de riqueza, estruturar a família para ocupação dos principais cargos
públicos e manter o poder através dos processos eleitorais.
1.2 OS PROCESSOS ELEITORAIS
Quando se trata de política, não há como deixar de falar em eleição,
porque segundo René Rémond, ela “é um indicador do espírito público, revelador
da opinião pública e seus movimentos” (RÉMOND, 1996, p. 40). Neste contexto
procura-se nesta parte do trabalho fazer um estudo sobre as eleições em Goiás a
partir da Proclamação da República, verificando quais foram as estratégias
adotadas a partir da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes e, por
outro lado, como agiu o grupo político de José Leopoldo de Bulhões Jardim a
partir da capital federal nesses eventos.
Os estudos procuram dar ênfase aos pleitos realizados nos anos de 1900
a 1909, período marcado por intensos
movimentos dentro da sociedade goiana, onde funcionários públicos controlavam
os alistamentos eleitorais, as mesas e as juntas apuradoras; fazendeiros e
comerciantes entravam na lista como elegíveis para os cargos de deputados e
senadores estaduais e os bacharéis eram colocados na lista dos deputados e
senadores federais. Todos esses movimentos seguiam uma estratégia, segundo a
qual o presidente do Brasil controlava os governadores nos Estados e os
governantes estaduais controlavam os funcionários públicos, os intendentes e
todos os eleitores através do alistamento nos municípios.
O voto era um direito de poucos e as mulheres, os militares, os
religiosos e os analfabetos não podiam alistar e estavam inelegíveis pela
Legislação Eleitoral. Nos processos eleitorais era evidente o discurso de
dominação dos homens em relação às mulheres, o que leva ao questionamento dos
motivos da exclusão. Por que mulheres não podiam votar, mesmo tendo boa
formação cultural ou capacidade econômica, como no caso de uma professora, uma
fazendeira, uma comerciante? E vai-se
mais além: por que a vedação se até o próprio ordenamento jurídico não tinha a
previsão literal dessa exclusão?
A exclusão do alistamento dos militares e religiosos era justificado pelos legisladores naquele
tempo pela impossibilidade de manifestação livre das pessoas investidas destas
funções.
As respostas
a essas indagações podem estar ligadas ao fato de que, mesmo sem a proibição
legal na Legislação eleitoral desde o início da República do direito de voto
das mulheres, ele foi negado na prática porque não se permitia o alistamento
eleitoral, fase da eleição que ocorria nos municípios através de pessoas
indicadas pelos governantes. O próprio governo conduzia o processo eleitoral,
já que não existia a Justiça eleitoral.
Até que
alguns parlamentares tentaram, quando da discussão no Congresso constituinte de
1891, expressar este direito, quando foram propostas seis emendas à
Constituição; essas propostas, porém, não foram aprovadas. Elas procuravam
assegurar o direito de voto às mulheres, destacando-se a participação do então
deputado José Leopoldo de Bulhões Jardim na primeira emenda em que
solicitou, juntamente com outros dois deputados, a inclusão do voto
limitado a ser proporcionado a algumas mulheres através da seguinte frase que
seria acrescentada no Artigo 70 da Constituição em elaboração, quando
assegurava o voto “ às mulheres
diplomadas com títulos científicos e de professora, desde que não estivessem
sob o poder marital nem paterno, bem como às que estivessem na posse de bens”
(KARAWEJCZYK, 2011, p. 07).
Outras duas emendas foram apresentadas com o mesmo
teor de voto limitado às mulheres capazes de se sustentarem e que não
estivessem sob jugo do chefe de família, permitindo o voto “às cidadãs,
solteiras ou viúvas, diplomadas em direito, medicina ou farmácia e às que
dirigem estabelecimentos docentes, industriais ou comerciais.” Em ambas as
emendas foi negado o direito de voto às mulheres casadas. O deputado Costa
Machado, de Minas Gerais, juntamente com outros trinta e um deputados,
acrescentou o direito às mulheres casadas, mas todas as emendas foram
rejeitadas (KARAWEJCZYK, 2011, p. 07).
O discurso dominante dos homens foi vencedor no Congresso Nacional, já
que tanto a Câmara quanto o Senado Federal não contavam com mulheres em seus
quadros, e assim foi negado o direito de voto às mulheres, tendo como principal
fundamento o fato de que a participação das mulheres no processo eleitoral
atingiria a estabilidade da família e que a política caberia aos homens.
Concluiu na época um grupo de deputados e de senadores que, se não
houvera nenhuma aprovação de emendas dando o direito de voto às mulheres,
então esse direito havia sido negado.
Por outro lado, outros parlamentares interpretaram que esse direito poderia ser
assegurado por Lei ordinária, mas essa iniciativa não foi à frente e assim não
foi votada. Dessa forma, as mulheres ficaram sem direito de participação nos
processos eleitorais, pois nem o alistamento conseguiram fazer.
Mônica Karawejczyk assim
sintetiza os principais argumentos contrários à concessão do direito de voto às
mulheres:
O primeiro deles aponta para o perigo da desagregação da família e da degradação da figura da mulher se fosse
concedido o direito de voto para o
gênero feminino. Este tipo de argumento exalta a figura feminina na sua missão doméstica e promotora da educação
dos filhos e é claramente baseada nos postulados positivistas, tão em voga na época em questão. Tais argumentos despontam como principais em seis dos pronunciamentos dos congressistas. Outro argumento
levantado pelos congressistas
era de que em nenhum lugar do mundo civilizado se concedia este privilégio para as mulheres, motivo
considerado mais do que satisfatório
para se negar este direito no Brasil. O último grupo temá- tico dos argumentos apresentados girava em
torno da questão de que o direito de voto
para as mulheres já estava implícito na legislação eleitoral em vigor no país e, se elas não o
aproveitavam, era porque não o queri am.
Assim, segundo estes congressistas, esse fato deixava claro que as mulheres não tinham capacidade para
atuar na vida pública e política. (KARAWEJCZYK, 2011, p. 09).
O texto final da Constituição de 1891 dizia, em seu artigo 70, que eram
eleitores os maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei. Pela
Legislação só eram elegíveis os alistados, que incluíam pouco mais de cinco por
cento de toda população. Os excluídos
literalmente foram os analfabetos, os mendigos, soldados e religiosos, conforme
se verifica no texto da Constituição:
[...]Artigo 70 – São
eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.
§ 1 – Não podem
alistar-se eleitores para as eleições federais ou as dos Es- tados:
1º - os mendigos;
2º - os analfabetos;
3º - As praças de
pré, excetuado os alunos das escolas militares de ensino superior;
4º - Os religiosos de
ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer
denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a
renúncia da liberdade individual.
§ 2° - São
inelegíveis os cidadãos não alistáveis [...] (Constituição do Brasil - 1891).
Mesmo com essa Legislação falha e o discurso contrário dos homens,
algumas mulheres conseguiram votar e ser votadas nos primeiros anos da
República, como se vê nesta passagem descrita por Alves (1980, p. 94-95):
[...] Com o advento da
República e a convocação de
eleições para a Assembléia Constituinte, Isabel, que na época estava morando no
Rio de Janeiro, procurou a Comissão de Alistamento Eleitoral para fazer valer a
sua conquista. Diante do fato inusitado de uma mulher pleitear o direito de se
alistar, a comissão solicitou um parecer ao ministro do Interior que fez uma
negativa contundente: julgou absolutamente improcedente a reivindicação. A luta
prosseguiu. E foi também de outra Isabel a segunda tentativa. No caso, da
baiana Isabel Dillon, primeira a apresentar-se como candidata a deputada na
Constituinte de 1891. Ela argumentou que a Lei Eleitoral de 1890 não excluía as
mulheres, uma vez que a mesma assegurava o direito de voto aos maiores de 21
anos que soubessem ler e escrever, sem referência explícita ao sexo do
eleitor.[...] Não conseguiu sequer se alistar para votar. Após muitas
tentativas isoladas, surgem os primeiros grupos organizados de mulheres como o Partido Republicano Feminino, fundado
em 1910 por Leolinda Daltro e outras feministas cariocas. Essa estratégia
provocou debates, através de manifestações
públicas que criticavam a “cidadania incompleta” das mulheres, gerando
polêmicas e reações negativas por parte da imprensa. Por que as mulheres são
excluídas do processo eleitoral? No
período da República Velha, entre 1889 e 1930, algumas alterações foram
executadas: aboliu-se a restrição da renda; o analfabeto perdeu o direito do
voto; a Constituição de 1891 instituiu que os eleitores deveriam ser maiores de
21 anos; excluíram-se mulheres, mendigos, praças de pré e religiosos em
comunidade claustral. O argumento utilizado para a exclusão de analfabetos e
mulheres do processo eleitoral justificava-se pela ideia de que seriam mais influenciáveis,
fosse pelos patrões, fosse pelos maridos e pais. Portanto, por esse argumento
as mulheres e os analfabetos não teriam opinião política própria (ALVES, 1980, p. 94-95).
As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, pelas
condições econômicas e culturais, teriam condições de exercer o direito do
voto, mas como outras mulheres do país na época, o direito lhes foi negado e
também não houve interesse das mesmas em romper o discurso e as práticas de
dominação.
Em Goiás não houve resistência aos discursos dos homens e as mulheres
aceitaram a situação de exclusão dos processos eleitorais, mas participaram de
outras maneiras ao lado dos homens. Quais seriam as formas de participação
então dessas mulheres nos processos eleitorais em Santa Rita do Paranaíba,
Morrinhos e na capital do Estado de Goiás?
Para se ter
uma ideia do tamanho do eleitorado de Santa Rita do Paranaíba, em 1877 havia 6
eleitores, sendo que familiares de Francisca Carolina de Nazareth Moraes eram eleitores, como o pai, capitão
Manoel Martins Marquez, e o marido, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, além
de Jacintho Luiz da Silva Brandão, Pe.
Félix Fleury Alves do Amorim, da
Paróquia de Santa Rita de Cássia e seu irmão José Fleury Alves do Amorim. Em
1881 aumentou o colégio eleitoral para 42 eleitores e na primeira
eleição, que ocorreu em 31 de janeiro
de 1891 na casa de Tenente Galdino
Silveira Marquez, filho de Francisca Cândida de Nazareth Moraes, e comandada por Jacintho Luiz da Silva
Brandão, auxiliado por Damaso Martins
Marquez, o colégio eleitoral tinha 56 eleitores, que votaram para escolha de
vinte deputados constituintes no Estado, destacando que o coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes recebeu a totalidade dos votos (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p.
254).
Em carta ao bacharel José Leopoldo de Bulhões, publicada no jornal
“Goyaz”, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes afirmava que havia conseguido
alistar 253 eleitores em Santa Rita do Paranaíba.
Percebe-se
pela ata da primeira eleição realizada em Santa Rita do Paranaíba (FERREIRA e
PINHEIRO, 2009, p. 254) e depois em 1898, quando foram realizadas eleições para
presidente e vice-presidente da República, que todos os processos eleitorais no
então distrito tinham o comando da família do coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes a partir de Morrinhos, já que controlavam o alistamento eleitoral, a
mesa e as juntas apuradoras, e como tinham maioria no Congresso Goiano, também
controlavam o reconhecimento dos eleitos.
Já
em 1904, nas eleições comandadas por José Xavier de Almeida, Santa Rita do
Paranaíba ainda era bem pequena e possuía apenas 807 habitantes.
Um aspecto interessante a ressaltar é que, enquanto se desenvolvem os
processos eleitorais, também vão surgindo novos relacionamentos que também
influenciam nas eleições, com destaque para o casamento do coronel Jacintho
Luiz da Silva Brandão com Messias Alexandrina Marquez, em janeiro de 1900, no
distrito de Santa Rita do Paranaíba que, consequentemente fez a ligação
política com Morrinhos, assim como a união do bacharel José Xavier de Almeida
que fez a ligação política da capital de Goiás com Morrinhos também.
Nesta primeira parte dos processos eleitorais, verificou-se como a
família de Francisca Carolina de
Nazareth Moraes foi se relacionando com
os processos eleitorais, seja no Estado, com o esposo, que se tornou
vice-presidente e o genro, presidente do Estado em 1901, seja na própria cidade
de Morrinhos, em que o genro Pedro Nunes
e também o esposo e filhos que foram eleitos intendentes. Um dos filhos também
se tornou deputado federal e senador na capital federal.
1.2.1 A Comissão de Verificação dos Poderes
Como foi observado, na primeira eleição realizada em Santa Rita do
Paranaíba (FERREIRA e PINHEIRO, 2009), então distrito de Morrinhos, para
escolha dos deputados constituintes em 1891, não havia justiça eleitoral e os
grupos políticos tinham o controle do processo eleitoral. Essa eleição, por
exemplo, foi realizada na casa do filho de Francisca Carolina de Nazareth
Moraes e seu esposo obteve a totalidade dos votos das pessoas que compareceram
para votar.
Foi através do controle da diplomação de candidatos, que consistia na
exclusão de opositores através da depuração ou degola, quando alguns candidatos
eleitos pela oposição eram degolados no processo de verificação dos diplomas
(RICCI e ZULINI, 2010), que os bacharéis José Xavier de Almeida, em 1904, e
José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1908 e 1909, conseguiram manter o grupo
político no poder.
Após Assembleia Constituinte de 1891, os pleitos eleitorais para escolha
de senadores com mandato de seis anos e deputados ocorreram de três em três
anos, a partir de 1894 até o ano de 1904. Goiás elegia três deputados federais
e um senador federal a cada período, cabendo ao bacharel José Leopoldo de
Bulhões Jardim uma cadeira para o senado
por duas vezes e ao bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes a cadeira de deputado federal também por três vezes
antes de 1909.
Até 1904 quando foi aprovada a Lei nº 1269 de 15 de novembro de 1904,
denominada de Rosa e Silva, os estados eram divididos em distritos eleitorais
de três deputados. A partir de 1904 foi feita outra divisão, constituindo-se um
único distrito para quem elegia até cinco deputados federais. O município era a
unidade territorial inferior ao distrito, dividido em seções, onde se
realizavam as eleições.
Sobre a apuração e os registros das eleições, feitos por funcionários
públicos de confiança nos municípios, eram realizados em ambientes privados, já
que não existia a Justiça Eleitoral nos moldes dos tempos atuais, favorecendo o
controle de todo o processo pelo grupo que detinha o poder político no Estado
na Primeira República, conforme se verifica na descrição deste processo:
Encerrada a
votação, eram inicialmente apurados os votos. No caso o presidente da sessão ou
quem o substituía, auxiliado pelos escrutinadores, abria a urna e apurava os
votos aos candidatos cujo resultado era transcrito na ata da seção. Uma cópia
da ata, após lavrada, era enviada ao presidente do governo municipal na sede de
cada circunscrição eleitoral. Os cinco mais votados e os cinco menos
votados passavam a uma nova apuração dos
votos. Os resultados das eleições eram transcritos na ata geral da apuração,
que continha os votos, as reclamações e os protestos, apresentados durante os
trabalhos da junta ou mesas de seções. As atas serviriam de diplomas (RICCI e
ZULINI, 2010, p. 05)
Após o encerramento dos trabalhos das juntas apuradoras, iniciava-se o
outro processo, que cabia à Comissão de Verificação dos Poderes, para
certificar e reconhecer os poderes de seus membros, tanto a Câmara do Estado,
como a Federal.
O diploma era a cópia autêntica da ata de apuração geral assinada por
todos os membros da Câmara ou Intendência Municipal. Depois passou a ser o
documento que tivesse sido expedido pela maioria da junta apuradora. Após 1904,
passou a ser a cópia autêntica da ata geral da apuração, assinada pela maioria
dos membros da junta que tivesse funcionado (RICCI e ZULINI, 2010, p. 10).
Só eram reconhecidos os diplomas dos eleitos pelo situacionismo local,
reforçando a política dos governadores. E foi assim que o bacharel José Xavier
de Almeida venceu seu antigo líder, José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1904 e
levou o troco em 1908 e 1909.
Em 1905 as divergências dos bacharéis José Xavier de Almeida e José
Leopoldo de Bulhões Jardim ocasionaram a presença de duplicatas do poder, com
mais deputados do que o previsto em Lei, cabendo na época à Câmara, através da
verificação dos poderes, fazer a degola dos deputados e senadores do grupo de
José Leopoldo de Bulhôes Jardim. Alguns casos podiam ser resolvidos nas
próprias juntas apuradoras, mas quando elas não eram capazes de solucionar, o
caso ia para a Comissão de Verificação dos Poderes. A própria degola também era
prevista pela comissão de cinco divergentes da Junta Apuradora, que levava a
questão para decisão do Plenário (RICCI e ZULINI, 2010).
Outro exemplo do exercício desse papel feito pela Comissão de
Verificação dos Poderes ocorreu na eleição para senado federal em 1903, quando
a Comissão do Senado aprovou a o pleito
em que foi eleito Urbano Coelho de Gouvêa:
Commissão do Constituição, Poderes e Diplomacia, tendo
examinado as authenticas das actos da
eleição procectida no Estado de Goyaz em 18 do
fevereiro proximo findo para um Senador, e bem assim o quadro organizado pela
Secretaria do Senado, verificou o seguinte resultado Dr. Urbano Coelho do
Gouvêa 16.719 votos Não tendo sido apresentado nenhum protesto em relação ao pleito,
é a Commissão do parecer
1. Que seja approvada a eleição a que se
procedeu no Estado do Goyaz no dia 18 de fevereiro de 1903.
2.° Que seja reconhecido e proclamado Senador da
República pelo Estado do Goyaz o Sr. Urbano Coelho de Gouvêa.
Sala das commissões, 18 do
abril de 1903.
Pedro
Velho.- Sigismando Gonçalves. -A. Azeredo.
(Diário Oficial da União –
p. 16 de 21/04/1903)
O relacionamento entre os bacharéis José Xavier de Almeida e José
Leopoldo de Bulhões Jardim foi rompido em 1904, fato que levou ao pedido de
intervenção federal no Estado, por parte de políticos ligados ao então ministro
da Fazenda Leopoldo de Bulhões, nas eleições em que Miguel da Rocha Lima foi
eleito presidente do Estado.
Nas eleições de 1905 para o mandato do presidente que ia suceder José
Xavier de Almeida, no período entre 14 de julho de 1905 até 14 de julho de
1909, ocorreu a duplicata dos Poderes, considerando que o governador José
Xavier de Almeida liderou o processo em que houve o reconhecimento de Miguel Rocha
Lima como seu sucessor, tendo como vice-presidentes José Balduíno de Souza,
Francisco Bertoldo de Souza e José da Silva Baptista; enquanto a oposição
liderada por José Leopoldo de Bulhões Jardim
proclamou para presidente José
Joaquim de Souza e como vice-presidentes
Francisco Ferreira Lemos, José Vaz e Manoel do Carmo Lima.
O problema levado para pedido de intervenção tinha como fundamento o não
reconhecimento pela Comissão de Verificação dos Poderes dos eleitos ligados ao
presidente José Xavier de Almeida, sob a alegação de que as Juntas de Apuração
expediam diplomas ilegais. Assim houve duplicata da Câmara de Deputados e da
Câmara do Senado, que se reuniram em locais diferentes.
O pedido foi feito por senadores e deputados ligados a José Leopoldo de
Bulhões Jardim, que estava no Rio de Janeiro como ministro da Fazenda. A
comissão de Verificação dos Poderes iniciou os trabalhos em cinco de maio e o
presidente José Xavier de Almeida contava com maioria dos deputados e senadores
diplomados.
Sobre o pedido de intervenção a Consultoria Geral da União se manifestou
contrária a ele, fato que desagradou ao então ministro da Fazenda, José
Leopoldo de Bulhões Jardim, que contava como certa a medida, já que fazia parte
do governo federal.
O sistema
eleitoral do período dividia o Estado de Goiás em círculos, dos quais eram
eleitos para o Congresso goiano doze senadores e vinte e quatro deputados
estaduais. Uma das razões das brigas políticas entre José Xavier de Almeida e
José Leopoldo de Bulhões Jardim foi justamente a organização desses círculos,
que permitia o controle eleitoral do governo. José Xavier de Almeida fez as
alterações que lhe permitiriam ter o controle do processo eleitoral e dos
eleitos, fato que contrariou José Leopoldo de Bulhões Jardim e o levou então a
propor a intervenção em Goiás.
Uma
das alegações também para o pedido de intervenção era que o Decreto 1272 de
7/06/1904 seria ilegal e consequentemente os diplomas expedidos pelas Juntas
Apuradoras com base neste Decreto também seriam ilegais.
O
argumento para a ilegalidade baseava-se no fato de que a Lei que autorizou a
divisão dos círculos fora feita quatro anos antes, utilizada na eleição de José
Xavier de Almeida, e, portanto, deveria valer a divisão anterior que havia
incorporado a Lei e não esta, conforme a tabela a seguir:
QUADRO 2 - DISTRITO ELEITORAL
– DECRETO 1.272, DE 7/6/1904
1º- C |
–
Capital (sede), Alemão, Morrinhos |
2º- C |
–
Rio Verde (sede), Jatahy, Rio Bonito |
3º- C |
– Curralinho ( sede), Jaraguá, S. José do
Tocantins, Pilar. |
4º- C |
–
Bella Vista (sede), Antas, Pyrenopolis, Corumbá |
5º- C |
– Pouso Alto (sede), Bonfim, Santa Cruz |
6º- C |
– Catalão (sede), Entre Rios. |
7º- C |
–
Formosa (sede), Mestre D’Armas, Santa Luzia |
8º- C |
–
Flores (sede),Forte, Cavalcante, Posse. |
9º- C |
– São Domingos (sede), Arrayas,
Taguatinga. |
10º-C |
–
Conceição (sede), Duro, Palma. |
11º-C |
– Porto Nacional (sede), Peixe,
Natividade |
12º-C |
–
Boa Vista (sede), Pedro Afonso. |
Fonte: (AMORIM, 1998, p. 133).
No ano de 1908, a coligação de Leopoldo de Bulhões em oposição a Xavier
de Almeida conseguira eleger catorze deputados estaduais das vinte e quatro
vagas disponíveis para a Câmara Estadual, fato que animou José Leopoldo de
Bulhões a visitar Goiás, de onde há sete anos estava ausente, para buscar novas
alianças. No seu retorno ao Rio de Janeiro, Leopoldo de Bulhões continuou a
articular e projetou um plano golpista para ser posto em execução caso José
Xavier de Almeida vencesse as eleições.
Novamente foram feitas mudanças nos Distritos Eleitorais para as
eleições de 1908, mas não surtiram os mesmo efeitos da mudança anterior, já que
nessas eleições, José Leopoldo de Bulhões Jardim acabou levando vantagem no
processo eleitoral e fez maioria no Congresso goiano de deputados e senadores
estaduais. O distrito eleitoral foi organizado da seguinte maneira:
QUADRO 3 - DISTRITO ELEITORAL
– DECRETO 2.127, DE 6/6/1908 – CÍRCULOS
1º- C |
–Capital (sede), Allemão, Morrinhos |
2º- C |
–Rio Verde (sede), Jatahy, Rio Bonito,
Mineiros |
3º- C |
–Curralinho (sede), Jaraguá, S. J. do
Tocantins, pilar. |
4º- C |
–Bella Vista (sede), Antas, Pyrenópolis,
Corumbá, Campinas. |
5º- C |
– Bonfim, Santa Cruz, Pouso Alto
(sede),Campo Formoso |
6º- C |
–Catalão (sede), Entre Rios, Xavier de
Almeida |
7º- C |
–Formosa (sede), Mestre d’Armas, Santa
Luzia. |
8º- C |
–Sítio d’Abadia (sede), Forte Cavalcante,
Posse |
9º- C |
–São Domingos (sede), Arrayas, Taguatinga,
Chapéu. |
10º-C |
–Conceição (sede), Duro, Palma. |
11º-C |
–Porto Nacional (sede), peixe, Natividade. |
12º-C |
–Boa Vista, Pedro Afonso (sede). |
FONTE: (AMORIM, 1998, p. 133)
Na eleição de 1905, o candidato Miguel da Rocha Lima, apoiado por José
Xavier de Almeida, venceu a eleição. Só em Santa Rita do Paranaíba, a chapa
vencedora obteve todos os 613 votos possíveis para o presidente e os três vice-presidentes.
O resultado divulgado pelo Semanário Oficial em março de 1905 foi:
QUADRO 4 - ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE
DO ESTADO 1905
Nome |
Votos |
Senador Rocha Lima |
5.317 |
Senador Souza |
1.126 |
Fonte: Semmanário Official –
numero 280, 06 de março de 1905
QUADRO 5 - ELEIÇÃO PARA VICE-
PRESIDENTE 1905
Nome |
Votos |
Cel José Balduino de
Souza |
5.144 |
Cel José da Silva Batista |
5.142 |
Cel Francisco Bertholdo
de Souza |
5.140 |
Cel José Vaz |
1.119 |
Cel Manoel do Carmo Lima |
1.119 |
Cel Frederico Ferreira
Lemos |
1.118 |
Fonte: Semanário Official – número
280, 06 de março de 1905
Com
o grupo político derrotado nessas eleições, com a liderança do ministro da
Fazenda José Leopoldo de Bulhões Jardim pediu intervenção no Estado e o não
reconhecimento da eleição, inclusive provocando a duplicata dos poderes, mas
foi derrotado no pedido e Miguel Rocha Lima assumiu o governo em julho de 1905
até março de 1909.
Nas eleições de 1909 José Xavier de
Almeida foi eleito senador e o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes foi eleito
presidente do Estado de Goiás, mas essas eleições não foram reconhecidas pela Comissão de
Verificação dos Poderes, já que nas eleições de deputados e senadores estaduais
eleitos em 1908, José Leopoldo de Bulhões fez a maioria, fato que levou à queda
da liderança de José Xavier de Almeida e à
ascensão no Estado de José Leopoldo de Bulhões e consequentemente à
emancipação de Santa Rita do Paranaíba para enfraquecimento do grupo político
de Morrinhos, cujas riquezas antes pertencentes ao coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes neste período eram administradas por Francisca Carolina Nazareth de Moraes e seus filhos.
As eleições de
1909 tiveram os seguintes resultados não reconhecidos pela Comissão de
Verificação dos Poderes:
QUADRO 6- RESULTADO DA ELEIÇÃO FEDERAL 30/01/1909 -
SENADO
Nome |
Profissão/endereço |
Votos |
José Xavier de Almeida |
Advogado – residente na
capital |
3.435 |
José Leopoldo de Bulhões |
Diretor Banco – Residente
Petrópolis RJ |
2.629 |
Fonte: Semanário Oficial – número
460, 13 de março de 1909
QUADRO 7 - RESULTADO DA ELEIÇÃO
FEDERAL 30/01/1909 - DEPUTADO
Nome |
Profissão/endereço |
Votos |
João Alves de Castro |
Advogado – residente na
capital |
3.739 |
Hermenegildo Lopes de
Moraes |
Advogado – residente em
Morrinhos |
3.655 |
Eduardo Arthur Socrates |
Engenheiro Militar –
residente no Rio de Janeiro |
3.517 |
Antônio Ramos Caiado |
Fazendeiro – residente na
capital |
2.469 |
Fonte – Semmanario Official,
número 460, 13 de março de 1909
Na
eleição de 1909, novamente o grupo de José Xavier de Almeida saiu vitorioso,
mas com o Movimento de 1909 não houve o reconhecimento desse resultado e
assumiu a presidência do Estado Urbano Coelho de Gouveia. Desta vez o grupo de
José Leopoldo de Bulhões Jardim tinha a maioria dos deputados no Congresso de
Goiás.
QUADRO 8 - ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE
DO ESTADO DE GOIÁS EM 1909
Nome |
Profissão |
Votos |
Hermenegildo Lopes de
Moraes |
Advogado |
1.653 |
Urbano Coelho de Gouveia |
Engenheiro |
1048 |
Major Virgílio José de
Barros |
|
1 |
Fonte: Semmanario Official ,
número 460, 13 de março 1909
QUADRO 9 - ELEIÇÃO PARA VICE
PRESIDENTE ESTADO DE GOIÁS 1909
Nome |
Votos |
Cel. Francisco Bertoldo
de Souza |
1640 |
Cel. Alfredo Paranhos |
1.484 |
Cel. Jacintho Honorato
Pinheiro |
1.452 |
Cel. José da Silva
Batista |
1.225 |
Cel. Luiz Fleury de
Campos Curado |
1.217 |
Cel. Herculano de Souza Lobo |
1.166 |
Fonte: Semmanario Official, numero
460, 13 de março 1909
Em Santa Rita do Paranaíba, a primeira eleição como município emancipado
deve ter sido realizada no dia 16 de dezembro de 1909, entre os membros do
Conselho Provisório de Intendência, ocasião que foi eleito intendente Antônio
Joaquim da Silva. O coronel Jacintho Brandão ficou como presidente no Conselho
Municipal de Intendência, equivalente hoje à Câmara de Vereadores.
Em fevereiro de 1910 Major Militão assim manifestou ao então presidente
do Estado, conforme nota no Jornal “Goyaz”:
Santa Rita,
24
Congratulo V.Excia. Instalação foro Villa hoje trabalhos eleições
sahirao contento v.excia. Afectuosas saudações. Militão
(sábado 26
fevereiro 1910)
(GOYAZ, numero 1104, 26 de fevereiro 1910, p.
4)
Esses foram os principais processos eleitorais realizados nos primeiros
anos do século XX em Goiás e que resultaram no Movimento de 1909 em Goiás e na
emancipação de Santa Rita do Paranaíba. Feito exclusivamente por homens e para
a eleição dos homens. As mulheres não conseguiram participar dessas eleições.
1.2.2 Os Partidos Políticos
As mulheres não participavam dos partidos políticos, mas os homens de
suas casas, que protagonizaram os principais embates e arranjos, sempre
estiveram reunidos em uma agremiação partidária e até mesmo o clero, através do
bispo Dom Eduardo Duarte e Silva fundou o Partido Católico no início da
República em Goiás.
Os partidos políticos do período eram partidos regionais e predominaram
aqueles com pensamento liberal, em oposição ao Partido Católico que era
tradicional.
Os bacharéis inicialmente estavam em uma mesma facção política
denominada de Partido Republicano, mas com o tempo e os embates formaram-se
novos grupos e denominações.
Onde estava os homens da casa de Francisca, seu esposo, o coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes e o
genro José Xavier de Almeida? E os homens da casa de Bulhões, o bacharel José
Leopoldo de Bulhões Jardim e seus cunhados Guimarães Natal, Urbano Coelho?
Enfim, onde estavam os servidores públicos, os bacharéis, os fazendeiros e
comerciantes e os religiosos?
Para o estudo dos Partidos Políticos, utilizam-se as ideias do professor
Serge Berstein, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, também presente na
obra organizada por René Rémond (BERSTEIN, 1996, p. 57-94). O trabalho faz-se
dentro de uma perspectiva mais ampla, que procura explicar as ações dos
participantes, observando a tradição, o jogo das mentalidades, os discursos, os
grupos sociais e as ideologias (BERSTEIN, 1996, p. 58).
Estudar os partidos é importante, porque o partido é um lugar onde se
opera a mobilização de massas, o ajuntamento de uma elite e a difusão das
ideologias e a estruturação social (BERSTEIN, 1996, p. 93).
As forças políticas, com suas tendências e suas aspirações (BERSTEIN,
1996, p. 62), são constituídas no
interior dos grupos que participam, buscam o apoio da população para atingir
seus objetivos. Foi assim com a Libertação dos Escravos, depois com a
Proclamação da República, com a Igreja buscando manter os privilégios do tempo
da Monarquia e agora mais na busca do poder.
Procuram-se identificar os grupos a partir do que foi chamado por Serge
Berstein de Cultura Política, que “se exprime por um sistema em que se
reconhecem todos os membros de uma mesma família política, lembranças
históricas comuns, heróis consagrados, documentos fundamentais, símbolos,
bandeiras, festas, vocabulários de palavras codificadas”, que enfim comungaram
de elementos comuns da tradição
(BERSTEIN, 1996, p. 88).
O grupo da casa de Francisca Carolina, seu esposo, filho e genro,
inicialmente integram a mesma agremiação de José Leopoldo de Bulhões Jardim,
mas nos principais embates estará dentro do Partido Republicano Federal, que
foi formado a partir de 1891 por parte de dissidentes do Centro Republicano
para fazer oposição ao Partido Republicano Democrata dos Bulhões (MOTA e
QUADROS, 2011, p. 34).
Embora tenha saído vitorioso nas eleições de 1891 na escolha de 24
deputados constituintes, não conseguiu substituir a Constituição que havia sido
promulgada tendo a liderança do Partido Republicano Democrata, cuja liderança
maior era José Leopoldo de Bulhões Jardim.
Já o grupo da casa de José Leopoldo Bulhões Jardim ficou reunido dentro
do Partido Republicano Democrata e utilizava, para defesa de suas ideias, o
jornal GOYAZ, fundado em 1890 por Félix de Bulhões.
Os religiosos liderados por Dom Eduardo Duarte e Silva fundaram, em 20
de julho de 1890, O Partido Católico de Goiás, em um período em que o Estado tinha
como base o setor agrário e a organização coronelística. A Igreja Católica
adotava a linha denominada ultramontana, que condenava as teses liberais e seus
princípios, que instituíam uma nova ordem política, social e econômica (MOTA e
QUADROS, 2011 p. 33).
O objetivo principal era lutar contra a aprovação das propostas liberais
no parlamento e preservar o domínio da Igreja. Já nas eleições de 1890 foram
lançados candidatos, que foram derrotados. Com a saída de alguns líderes da
facção Fleury-Jardim, consolida-se a derrota do partido Católico e assim foram
sofrendo derrotas nos embates eleitorais, prevalecendo no parlamento goiano a
posição contrária à Igreja. É um período em que ocorrem relações de poder entre
Igreja e Política.
Os valores defendidos pelo partido Católico eram: Deus, Pátria e
Liberdade. O Partido usou como porta-voz o jornal “Gazeta Goyana”, que tinha
como editor-chefe o Cônego Ignácio Xavier da Silva. Foi um período conturbado
da Diocese de Goiás, que antes fora comandada por Dom Claudio José Gonçalves
Ponce de Leão até 1890 e depois deste período até 1908 por Dom Eduardo Duarte
da Silva (MOTA e QUADROS, 2011, p. 33).
Dom Cláudio participou da primeira reunião do Partido, mas depois foi
transferido para Porto Alegre. A igreja defendia, naquele momento, fortalecer a
nova identidade católica, com rígida formação religiosa e moral, cuja
influência social deveria ser obtida pela participação dos leigos na política.
Era preciso combater o Liberalismo (MOTA e QUADROS, 2011, p. 37).
Os objetivos desse partido foram consolidados em junho de 1890 e assim
estavam disciplinados:
a) Reorganizar e consolidar a
Pátria pelo regime democrático, em harmonia
com a crença religiosa do povo brasileiro;
b) Escolher para deputados,
vereadores, governadores, etc. homens verdadeira mente católicos;
c) Promover a fundação de
diretórios em todas as cidades, vilas e arraiais;
d) Congregar todos os
católicos em torno do partido. Posteriormente, foi adotado até um lema para a
agremiação: Deus, Pátria e Liberdade;
e) Lutar pela revogação dos
decretos de 7 de janeiro (separação da Igreja) e 24 de janeiro (casamento
civil), “ monstruosidade hedionda” (MOTA E QUADROS, 2011, p. 39).
1.3 O PARADIGMA INDICIÁRIO NA ABORDAGEM POLÍTICA
Pesquisar sobre a participação das mulheres nas relações com a política
no início do século XX em Goiás é uma tarefa que exige alguns métodos
específicos que tornem possível achar as respostas e comprovar as
hipóteses que se propõem no trabalho,
além de dar visibilidade e revelar a presença das mulheres em um contexto em
que sempre ficaram escondidas.
Nesse sentido utiliza-se o paradigma indiciário que, segundo
Ginzburg (1989, p.143), surgiu
silenciosamente no final do século XIX no âmbito das ciências humanas, com
origem atribuída ao médico italiano Giovanni Morelli para atribuição a pinturas
antigas. Segundo Ginzburg, seu método tem relação com o trabalho dos médicos
que produzem diagnósticos através da observação de sintomas. Através dos
indícios será possível produzir conhecimento, por meio da leitura e da
interpretação de sinais, pistas e indícios deixados pelas mulheres goianas nas
relações de poder na Primeira República.
O método morelliano servia para distinguir as pinturas originais e seus
autores das cópias feitas por outros autores. Ensinava ele que a análise não
deveria voltar-se para as características mais vistosas, facilmente imitáveis
nos quadros, mas sim examinar os pormenores que seriam negligenciáveis
(GINZBURG, 1989, p.144).
Ginzbug defende ser esse um método ideal para se demonstrar um tipo de
saber semelhante à semiótica médica, que dá a capacidade ao observador de
analisar dados aparentemente negligenciáveis e montar uma realidade não
experimentável diretamente. Ele utiliza de metáfora através de uma fábula
oriental de três irmãos na antiguidade, que encontraram um homem que havia
perdido um camelo e, mesmo não tendo conhecido o animal que havia desaparecido,
o descrevem minuciosamente ao seu dono: “é branco, cego de um olho, tem dois
odres nas costas, um cheio de vinho, o
outro cheio de óleo”. Mesmo condenados, para os irmãos foi um triunfo
reconstruir as características de um animal que nunca tinham visto (GINZBURG,
1989, p.151-152).
Assim procura-se utilizar-se desse método para revelar a presença e
visibilidade das mulheres negligenciadas nas relações de poder nos principais
eventos políticos da Primeira República em Goiás. O paradigma epistemológico
denominado de indiciário, que tem suas raízes no modelo de Morelli, orienta a
focar naquilo que aparentemente não tem importância, mas que é fundamental para
a explicação científica; ele se faz através de pistas, sinais e indícios que
permitam remontar uma realidade complexa
e que não se pode contemplar diretamente (GINZBURG, 1989, p.152).
A utilização do paradigma de Ginzburg é importante devido ao fato de a
historiografia contemporânea ser insuficiente perante o surgimento de fenômenos
imprevistos na política, tendo em vista estar atenta apenas à curta duração. A
sua contribuição é no sentido da análise do texto. Ele permite, a partir de um
exame da realidade daquele período, descobrir pistas nos eventos do golpe
político de 1909 e da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, dos quais o
pesquisador não pôde participar diretamente.
O trabalho de Ginzburg valoriza a erudição, construindo hipóteses e
arriscando conclusões. Nesta perspectiva, pretende-se demonstrar que as
mulheres que tinham relação com o poder político tiveram participações nos
acontecimentos políticos na Primeira República em Goiás.
A análise das pinturas, dos discursos, de fotografias e documentos torna
possível obter informações sobre as relações cotidianas do ambiente privado no
passado de Santa Rita do Paranaíba e Morrinhos, para evidenciar a presença das
mulheres da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes.
Assim, o trabalho de Ginzburg demonstra ser possível, através de vários
fenômenos, aparentemente desprezíveis, como nos processos de inventários, na
análise das correspondências, nas matérias dos jornais, nos discursos e em
especial no estudo do coronelismo, encontrar a presença e a visibilidade de
mulheres.
Utilizar o paradigma indiciário é uma forma de analisar escritas,
pinturas, discursos, cerimônias de casamentos, festas, viagens e Leis,
encontrando vestígios e pistas da presença de mulheres em um contexto de dominação
dos homens na Primeira República em Goiás. A realidade descrita sob o prisma do
coronelismo vai mostrar pontos privilegiados, onde se encontram as mulheres,
tornando aquilo que foi considerado irrelevante, uma realidade onde as mulheres
estiveram presentes nos eventos políticos daquele período.
Com erudição, criatividade e muita imaginação, vão se produzir análises
através de relações de Gênero e reconstruir uma realidade em que as mulheres
estiveram presentes e foram negligenciadas pelos discursos de dominação dos
homens.
1.4
- A POLÍTICA E A NOVA HISTÓRIA CULTURAL
A abordagem desta pesquisa leva em
consideração as ideias contidas na nova história cultural, refletindo sobre
como lidar com os textos, as linguagens, as representações e as práticas
individuais e coletivas em Goiás e Santa Rita do Paranaíba no início do século
XX.
Ancora-se no pensamento de Roger Chartier,
que leva em consideração as linguagens, as representações e as práticas,
buscando compreender as relações entre as formas simbólicas e o mundo social,
assim como encontrar modelos de inteligibilidade em outras ciências vizinhas,
como a antropologia e a crítica literária (CHARTIER, 2006, p. 29).
Na visão de Chartier, essa proximidade faz
com que o historiador busque compreender nos documentos, mais que sua leitura
direta, os seus significados simbólicos, os comportamentos individuais e os
ritos coletivos (CHARTIER, 2006, p. 29).
O estudo oportuniza pensar na emancipação de
uma maneira que leve a ler as fontes de forma menos documental, assim como os
textos e as imagens, procurando compreender nos seus significados simbólicos os
comportamentos individuais, as práticas
dos políticos envolvidos e suas representações
no processo do Golpe Político de 1909 em Goiás e da emancipação de Santa Rita
do Paranaíba (CHARTIER, 2006, p. 29).
Outra postura dentro dessa perspectiva de
nova história cultural é que a história se faz mais de estudos de casos do que
de teorização global, de maneira que a postura do historiador leve em
consideração suas próprias escolhas ou práticas que comandaram a sua construção
de narrativas e análises (CHARTIER, 2006, p. 30).
Procuram-se evitar os postulados então
dominantes nos anos da década de 1980 quando, através da história das
mentalidades, o objeto era coletivo, automático, repetitivo, serial e
estatístico, como as histórias das economias, das populações e da sociedade.
Utilizando a crítica da historiadora Lynn
Hunt, evitam-se os defeitos da abordagem da história das mentalidades, que
privilegiou as fontes mais numerosas, representativas e disponíveis por longo
período de tempo, tais como inventários, testamentos, arquivos judiciais ou
ainda fazendo a adoção do modelo braudeliano de longa duração, conjuntura e
acontecimento (CHARTIER, 2006, p. 30).
Chartier, ao fazer a análise da história das
mentalidades, concluiu também que ela se
apropria de procedimentos e métodos de análises da história econômica e social.
Outros críticos, como Carlo Ginzburg, recusou a noção de mentalidades,
fundamentando em três razões principais suas críticas: a que reduziu a importância das ideias
racionais e insistiu em elementos inertes, obscuros e inconscientes de visões
do mundo, assim como aquela que pressuponha a partilha em categorias e representações
por todos os meios sociais e finalmente a aliança com procedimentos
quantitativos e seriais, ignorando singularidades ( CHARTIER, 2006 p. 32).
Várias críticas que abundaram contra a
história das mentalidades, modalidade da História cultural, abriram novos
maneiras de pensar as produções e as práticas culturais, embora não
consideradas todas justas na visão de Roger Chartier (2006. p. 41).
Assim, dentro dessa postura da nova história
cultural, vão-se privilegiar os usos individuais em detrimento das estatísticas
e, principalmente, concebendo as representações que faremos do mundo social
como constitutivos das diferenças e das lutas que caracterizaram aquela
sociedade (CHARTIER, 2006, p. 33).
Adverte-se que, apesar das dificuldades na
definição da história cultural, uma vez que só a partir dos objetos não é
possível traçar uma fronteira segura com outras histórias, tais como a
política, a econômica e a social, trabalha-se em forma de diálogo entre nova
história política e nova história cultural.
Não se pretende situar esta pesquisa como de
história cultural, mas é inegável que a mesma, assim como a econômica, social e
demográfica, estão em confluência com a política.
Portanto, assim como outras categorias,
procura-se historicizar também a própria definição de cultura política,
práticas e representações, termos bastante presentes na corrente de Chartier e
Certeau.
Recorre-se à nova história cultural para
observar e analisar obras e gostos, numa dada sociedade, submetidos a um juízo
estético ou intelectual, ou ainda como a que visa práticas vulgares através da
comunidade, que vive e reflete a sua relação com o mundo, com os outros e com
ele próprio, assim como aquela que considera a cultura de uma comunidade, como
a totalidade das linguagens e das ações
simbólicas que lhe são próprias.
Buscando relação também com a Antropologia,
observam-se as manifestações coletivas nas quais um sistema cultural se
manifesta, como nos ritos de passagens, festas e outros meios (CHARTIER, 2006,
p. 33).
A nova história cultural privilegiou objetos,
domínios e métodos diferentes, e reagiu contra o estrito formalismo. Por isso,
pretende-se fazer uma análise dos embates e arranjos políticos menos formal e
produzir um texto onde a autoridade de um poder ou a dominação de um grupo
depende do crédito concedido ou recusado às representações que esse grupo
propõe de si mesmo” (CHARTIER, 2006, p. 40). Esse tipo de história propõe a
história política que tratasse as relações de poder como relações de forças
simbólicas.
Utiliza-se da corrente historiográfica dentro
da nova história cultural que leva em consideração os aspectos discursivos e
simbólicos presentes na vida sociocultural da família de Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes. Faz-se uma ligação entre o sistema político
daquela época e os aspectos culturais presentes nos discursos.
Neste cruzamento de campos históricos,
políticos e culturais, dá-se grande enfoque às práticas relacionadas à figura
do coronel como objeto historiográfico. Observa-se como viviam, estudavam,
andavam, comiam, viajavam, conversavam, adoeciam, recebiam os amigos e até a
sua morte.
Busca-se compreender como as representações e
os discursos constroem as relações de dominação e como eles próprios foram
dependentes desses recursos desiguais e dos interesses contrários, que separam
aquele que tem o poder legitimado daqueles que usam representações e discursos
para assegurar a submissão.
É dentro desse contexto da nova história
cultural que se procura identificar o modo como no sul de Goiás, a realidade
cultural e política foram construídas, pensadas e vistas como representações.
Acolhendo uma diversidade de objetos de investigação, outras
perspectivas metodológicas e outros referenciais teóricos são utilizados em
confluência. Não se busca uma unidade de abordagem para definir onde se encontra
a pesquisa, seja dentro da nova história cultural ou política, mas é pelo
espaço de intercâmbios, debates construídos com outros historiadores, que têm
como identidade comum a recusa em reduzir os fenômenos históricos a apenas uma
dimensão, afastando-se de heranças que postularam ou do primado do político ou
do poder absoluto do social.
É um direcionamento da pesquisa que tem
compromisso com a teoria e que se estende desde o domínio da política a
diálogos com a Antropologia, a Linguística e a Ciência Política. Há também uma interconexão da história
cultural com a micro-história de Carlos Ginzburg, quando se dá atenção aos
detalhes, vestígios e sinais para se atingirem questões sociais mais amplas na
Primeira República em Goiás.
Enfim, nas lutas de práticas
culturais e representações, verificam-se os discursos de dominação, os
interesses envolvidos, as imposições e as resistências políticas que nasceram
nos ambientes privados e que marcaram relações de poder entre homens e mulheres
em confrontos políticos em Goiás na Primeira República, numa análise interativa
entre nova história política e cultural, principalmente levando em consideração
os aspectos discursivos e simbólicos, colocando o discurso como centro da
análise numa postura metodológica que leva em consideração, além de Roger
Chartier, Michel de Certeau e Pierre Bordieu.
1.5 HISTORIOGRAFIA DO BRASIL
REPÚBLICA
O estudo sobre a história política e
historiografia do Brasil República (OLIVEIRA, 2007 ) situa esta pesquisa dentro
de uma abordagem da nova história política, permitindo uma reflexão da história
tradicional que vai desde Heródoto, em que se tem uma história que serve de
memória, narrando grandes feitos e tem o Estado como foco mais importante e o
alicerce na visão centralizada do poder.
Com o estudo da historiografia verifica-se
também que se evita a utilização da história tradicional que prevaleceu no
século XIX, deixando de fazer o estudo a partir de figuras relevantes como
únicos sujeitos da história no período da Primeira República, tempo em que se
faz o estudo da emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
Também não se pretende utilizar a
historiografia metódica ou positivista, que instituiu a “verdade” histórica, já
deixando claro que não se busca uma história narrativa, factual, circunstancial,
cronológica e linear.
O “político”, visto como autor principal
dentro do estado não é foco principal do trabalho; já sofrendo a influência dos
Annales, o econômico, o social, a
partir de análises das estruturas de outros sujeitos, de pessoas comuns, são
levados em consideração na pesquisa, dando à história política um novo
tratamento.
Este fenômeno político é descrito por
Rosanvallon (apud OLIVEIRA, 2007),
como uma construção abstrata, vendo o local onde se articulam o social e sua
representação, como uma matriz simbólica na qual a experiência objetiva se
enraíza e se reflete.
Quanto ao Poder, as reflexões são feitas a
partir do campo de representação social atrelado aos diversos aspectos da
existência humana, trazendo questionamentos sobre como ele é socialmente
produzido, como se difunde pelos variados domínios da vida social no período
estudado e ainda se houve resistência da sociedade.
O Estado também é questionado sobre como é
socialmente institucionalizado no período da Primeira República e como se
relaciona o conjunto de instituições com os diversos segmentos da estrutura
social, identificando ainda as principais prerrogativas dos órgão
administrativos e jurídicos do período.
Enfim, o estudo parte do pensamento de que as relações políticas na sociedade estudada não podem ser
compreendidas apenas mediante o estudo do Estado e suas instituições e de um
poder, mas sim a partir de relações de poder, que levam em consideração a participação política
de vários autores, as representações políticas, os processos eleitorais, novos
autores que vêm da vida comum, deixando de contemplar o caráter individualista
e elitista, até então utilizado para tratar do fenômeno do coronelismo em
Goiás.
Há uma escolha em estudar o fenômeno da
emancipação de Santa Rita do Paranaíba utilizando a historiografia com conexão
com outros campos historiográficos, que vão da história cultural, econômica,
social e não através de acontecimentos exclusivamente políticos, abordando
variáveis quantitativas como dados eleitorais, partidários, organizações
políticas e outros quantitativos, que levam em conta novas personagens, eventos
e variados textos que tratam do assunto com diferentes enfoques.
2
RELAÇÕES DE GÊNERO EM GOIÁS NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Por meio da utilização da categoria
Gênero para análise de relações de poder que resultaram na emancipação de Santa
Rita do Paranaíba, procuram-se proporcionar evidências da participação das
mulheres nos acontecimentos políticos em Goiás nos primeiros anos da República,
assim como trazer novas interpretações das várias ações e experiências que possibilitaram a elas figurarem como partícipes
dos lugares e práticas de poder.
Trabalha-se com a definição adotada
para Gênero da professora americana de Ciências Sociais do Instituto de
Princeton, Joan W. Scott, que o vê como “elemento constitutivo das relações
sociais, baseadas em diferenças percebidas entre os sexos e como sendo um modo
básico de significar relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 12). Pretende-se a
partir dessa definição dar significação a essas relações, mostrando como as
hierarquias do Gênero foram construídas, legitimadas, contestadas, narradas e
mantidas no início do século XX em Goiás.
Parte-se de um modelo
imaginário imposto às mulheres nas relações de poder na Primeira República de
guardiã da família através dos papéis de mãe, filha, esposa e amplia-se à
medida que se encontram vestígios das suas participações como estudantes,
católicas, herdeiras, primeiras-damas,
viajantes ao lado dos homens nas relações políticas, embora excluídas do
direito ao voto, da participação partidária, da ocupação de cargos públicos e
da possibilidade de serem elegíveis nos processos eleitorais.
Quando se aborda a
dominação dos homens vigente no período, levam-se em consideração os vários
instrumentos e instituições que foram utilizados, como nas famílias, nas
escolas, na imprensa, nas igrejas e no próprio Estado, para efetivar um
discurso de dominação. Embora as mulheres não tenham manifestado resistências a
essa situação de dominação, cada uma daquelas que são estudadas neste trabalho,
a sua maneira, conseguiram efetiva participação nas relações em que viveram nos
espaços públicos e privados.
A historiografia goiana preponderante, quando trata do
período, não destaca a participação das mulheres nas relações políticas, mesmo
sendo visível que elas tiveram atuação nas áreas sociais, culturais, religiosas
e familiares, enquanto se desenvolviam os embates e arranjos políticos na
Primeira República no Estado de Goiás.
Não foi diferente o que historicamente no mundo se verificou
nos primeiros relatos em que aparecem as mulheres, feitos pelos historiadores
gregos e romanos, em que elas são quase
invisíveis no espaço público, já que ficavam em casa, atuando em família e
longe da sociedade, considerando que a invisibilidade representava a ordem perfeita das coisas e a garantia da tranquilidade nas cidades gregas. Nessas
primeiras abordagens, só os homens são indivíduos, têm nomes e sobrenomes para
serem transmitidos (PERROT, 2007, p. 17).
Entretanto, mesmo em
remotos tempos encontram-se as presenças das mulheres, como nas crônicas
medievais que tratavam dos santos e que mostravam as mulheres preservando a
virgindade, rezando ou ainda reforçando o discurso de serem piedosas; assim
como também o oposto, na posição de escandalosas e malvadas para aparecer,
entre as quais se destacaram os casos das cruéis rainhas merovíngias.
O reino merovíngio foi palco das relações entre duas mulheres
que foram além dos espaços privados. Quando a Gália foi entrega aos Francos, os
reis e seus exércitos martirizavam seus prisioneiros de Guerra, cortando as
mãos, os pés e a ponta do nariz, mutilando o resto do corpo com ferro quente.
Entre os diversos reinados merovíngios, destacaram-se as figuras de Brunilda e
Fredegunda, conhecidas como as mulheres mais sanguinárias da história
(CHARRONE, 2010, p. 02).
Escreve João Paulo Charrone que, na segunda metade do século
VI, os irmãos Sigiberto e Chilperico eram rivais na região da Gália, travaram
vários embates na disputa por territórios, que
se tornaram mais cruéis com a morte da esposa de Chilperico, a princesa
visigoda Galswinta, irmã de Brunilda e que apareceu estrangulada no palácio.
Este crime colocou as duas mulheres malvadas no cenário histórico da época: Brunilda
e Fredegunda (CHARRONE, 2010, p. 02).
Fredegunda, rainha consorte de origem humilde, era serviçal
da primeira esposa de Chiperico e convenceu o rei a enviar sua mulher para o
convento e então se tornou concubina dele. Prosseguindo sua saga de maldades,
conseguiu o assassinato de seu cunhado Sigiberto (CHARRONE, 2010, p. 02).
Brunilda lutou contra Chilperico a partir do assassinato de
Sigiberto, seu esposo, liderando relações de poder, intrigas e conspirações. No
final, ela caiu nas mãos de Clotário II,
filho de Chilperico com Fredegunda e teve morte em 613, após a tortura, com
seus cabelos, braços e pés atados a um cavalo, sendo arrastada pelas ruas
(CHARRONE, 2010, p. 3).
Com a
profissionalização da história científica nos
séculos XVII e XVIII, as narrativas mostram a inconveniência das
mulheres no poder, como no caso de Catherine de Medici ou no papel de mãe, dona
de casa ou de heroína na França, com Joana d’Arc (PERROT, 2007, p. 18).
Já no século XIX aparecem mulheres aristocráticas que,
segundo Michelle Perrot, buscavam ganhar a vida escrevendo biografias de outras
mulheres, destacando em seus trabalhos as rainhas, as santas, as cortesãs ou
“mulheres excepcionais”, ou seja, aquelas que mais se destacavam (PERROT, 2007,
p. 18).
Mais recentemente, Joan W. Scott faz uma reflexão crítica
sobre a conexão histórica das mulheres com a política e com a própria
disciplina História, destacando que há
vários sentidos de política atualmente
utilizados. Em especial neste trabalho será levado em consideração o pensamento
de que existem indistintos limites de definição e espaços, fazendo com que
qualquer utilização tenha múltiplas ressonâncias:
[…] “política” é usada
atualmente em vários sentidos. Primeiro, em sua definição mais típica, ela pode
significar a atividade dirigida para/ou em governos ou outras autoridades
poderosas, atividade essa que
envolve um apelo à identidade coletiva, à mobilização de recursos, à avaliação
estratégica e à manobra tática. Segundo, a palavra “política” é também utilizada
para se referir às relações de poder mais gerais e às estratégias visadas para
mantê-las ou contestá-las. Terceiro, a
palavra “política” é aplicada ainda mais amplamente a práticas que reproduzem
ou desafiam o que é às vezes rotulado de “ideologia”, aqueles sistemas de convicção e
prática que estabelecem as identidades individuais e coletivas que formam as relações entre indivíduos e
coletividade e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas ou
autoevidentes (SCOTT, 2011, p. 68-69).
Nas narrativas convencionais da origem do campo história das
mulheres e sua conexão com a política, criticada por Joan W. Scott, o ponto de
partida se dá nos Estados Unidos após o ano de 1960, “quando as ativistas
feministas reivindicavam uma história que estabelece heroínas, prova de atuação
das mulheres e também explicações sobre a opressão e inspiração para a ação”
(SCOTT, 2011, p. 66).
Depois, ainda na narrativa criticada por Joan W. Scott (2011,
p. 66), entre a segunda metade e o final da década de 1970, haveria um
afastamento da história das mulheres da política, quando se ampliaria o campo
de questionamento, buscando documentar todos os aspectos da vida das mulheres
no passado e ganhando energia própria.
Nesta narrativa linear, o desvio para o Gênero ocorreria na
década de 1980, quando este campo conseguiria seu próprio espaço e romperia
definitivamente com a política do movimento feminista (SCOTT, 2011, p. 66). A
história das mulheres passou do
feminismo político para a história das mulheres, até chegar à teorização
através do Gênero. Ela teria saído da política para a história especializada e
daí para a análise ( SCOTT, 2011, p. 67).
Este tipo de narrativa não é aceito sem críticas por Joan W.
Scott, que defende um relato mais complexo, levando em consideração ao mesmo
tempo a posição variável das mulheres na história, o movimento feminista e a
disciplina História (SCOTT, 2011, p. 67).
Reconhece Joan W. Scott que a história das mulheres está
associada ao surgimento do movimento feminista e que este não desapareceu,
tanto da sociedade, quanto da universidade. Discorre ela que mesmo aqueles que
utilizam a categoria gênero se denominam historiadores feministas e grande
parte da atual história das mulheres opera com conceitos de Gênero, voltados
com preocupação para a política feminista. Defende ela, ainda, que os
desenvolvimentos da história das mulheres estão relacionados com o feminismo
como movimento político e que essa história
é um campo dinâmico na política de produção do conhecimento com ligações
à política feminista e à academia (SCOTT, 2011, p. 68).
É dentro dessa perspectiva de Gênero e história das mulheres
de Joan W. Scott que se insere a
participação das mulheres nas relações nos
embates e arranjos políticos em Goiás no início do século XX, tendo em vista
que é a partir da política e do poder, como
domínios do Gênero, que se parte para a
análise histórica (SCOTT, 1990).
Mas por que escrever a história das mulheres em relações já
retratadas em que prevaleceu o discurso do coronelismo e do domínio dos homens
nesses eventos? O diferencial do trabalho
resulta neste ponto, pois as mulheres não estavam ausentes desses
acontecimentos e propõe-se aqui responder indagações sobre essa participação,
com questões entre outras, sobre como as mulheres legitimaram o discurso do
poder masculino ou se já naquele período era possível
perceber algumas experiências que as tornaram emancipadas.
Pretende-se também encontrar as respostas sobre qual seria a
base, como ocorreu o processo de construção, como se deu a experiência e de que
maneira essas relações foram moldadas,
se num processo de negociação, de
imposição ou consensual.
Não simplesmente reproduzir tudo que já foi dito, mas
problematizar e trazer novos conhecimentos a partir das relações de poder na perspectiva
de Gênero e política na Primeira República em Goiás é o que se desenvolve neste
estudo.
2.1 AS MULHERES NAS RELAÇÕES POLÍTICAS EM GOIÁS
Quando
se fala da categoria Gênero nos estudos históricos
para compreensão da emancipação política de Santa Rita do Paranaíba,
tem-se como novidade a articulação deste com a noção de poder e o
reconhecimento desta categoria como um modo de dar
significação às relações que se desenvolveram nos primeiros anos da República
em Goiás e mostrar ainda como a hierarquia de gênero foi construída,
legitimada, contestada, narrada e mantida (SCOTT, 1995, p. 12).
Procura-se ainda refletir sobre as abordagens históricas de
dimensão social e política que
atribuíram aos sistemas do
patriarcado e do coronelismo, a
legitimação da liderança masculina nas
relações de poder durante a Primeira República em Goiás.
Articula-se o Gênero com o
Poder, levando-se em consideração esta categoria na
concepção de Foucault, que assim
discorre:
[…] O poder não existe. Quero dizer o seguinte:
a ideia de que existe, em um determinado lugar, ou emanando de um determinado
ponto, que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos.
Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou
menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. […] Mas se o poder na realidade
é um feixe aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de
relações, então o único problema é munir-se de princípios de análise que
permitam uma analítica das relações do poder (FOUCAULT, 1979, p. 248).
Trabalha-se a história das
mulheres no espaço público a partir do processo de emancipação de
Santa Rita do Paranaíba da cidade de Morrinhos, que foi centro do poder
político em Goiás no início do século XX.
Faz-se uma ligação com a capital do Estado com Amélia Augusta de
Moraes em suas relações na política, na sua condição de mulher que,
mesmo vivendo em um período e locais em que predominava o discurso de
dominação dos homens, soube articular
para ser participante ativa dos embates e arranjos políticos que ocorreram em Goiás .
Seja Messias como a jovem fiel católica no pequeno arraial, seja
como Francisca, a capitalista herdeira na cidade de Morrinhos ou como suas
filhas Amélia Augusta, jovem primeira-dama
na capital de Goiás, Maria Carolina e Anna Theodora como primeiras-damas em
Morrinhos e Piracanjuba, as mulheres estavam presentes na política e nas
relações de poder nos anos que marcaram
a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
As hierarquias de Gênero foram moldadas de várias maneiras.
Consensuais nos espaços privados, como na família e na igreja, enquanto nos
espaços públicos foram impostas. Foram feitas legislações que impuseram a
exclusão das mulheres deste meio. Em
ambos os espaços as mulheres legitimaram a dominação.
Entretanto, em alguns aspectos opera a superação da dominação de
forma natural, seja através do evento de morte que torna Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes herdeira do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes,
seja na participação ativa como primeira-dama de Amélia Augusta de Moraes
Almeida.
As
mulheres da casa de Dona Francisca Carolina conseguiram avanços na Primeira
República com estratégias de participação, legitimadas pelo direito de herança
e também pelas condições econômicas que proporcionaram visibilidade e presença
ao lado dos homens nos eventos políticos. Aos poucos ocorre a politização do
espaço privado, com atividades políticas e públicas na casa da família, apesar
da proibição do acesso ao voto e aos cargos públicos.
2.1.1
As mulheres do Interior
Em Santa Rita do Paranaíba, as
mulheres aparecem nas relações políticas através de Messias Alexandrina
Marquez, esposa do líder político local Jacintho Luiz da Silva Brandão. Nascida
em Santa Rita do Paranaíba em 13/10/1883, filha do comerciante Damaso Martins
Marquez, irmão de Dona Francisca Carolina Nazareth Moraes, Messias passou sua infância na
fazenda dos pais, que estava situada nos arredores do Arraial, e foi batizada
nos primeiros meses de vida na paróquia local de Santa Rita de Cássia, conquistada aos dezesseis anos, e trazida para a cidade em um cavalo para se
casar com então padrinho de batizado (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, nascida em 1843, viveu sua infância e adolescência
em Santa Rita do Paranaíba, onde se casou no início da década de 1860 e teve
seus primeiros três filhos. Filha do capitão Manoel Martins Marquez, mais
importante fazendeiro e comerciante do Arraial até 1886, quando faleceu. Foi em
Santa Rita do Paranaíba que viveu os momentos marcantes de sua vida, como
batizado, casamento inicial na década de 1860, viuvez no final da década de
1860, novo casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1869 e
recebimento da primeira parte da herança de seu pai em 1886. Ainda no Arraial
teve intensa participação na Paróquia de Santa Rita de Cássia.
O
casamento de Messias Alexandrina Marquez com o líder santa-ritense Jacintho
Luiz da Silva Brandão foi realizado em
1900, ele então com cinquenta anos e ela
com pouco mais de dezesseis. Messias era católica, não teve filhos e não
participava das atividades políticas do marido, mas deixou
alguns vestígios através de seus familiares ainda vivos, que podem
ajudar na produção de novos conhecimentos sobre a participação das mulheres na
emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
Certamente,
ela aceitou fazer parte do jogo do poder local e deve ter encontrado o
coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão
na participação das missas na igreja católica e nas reuniões políticas em que
participavam seu pai Damaso Marquez e seu tio
Tibúrcio Marquez e o primeiro filho de Dona Francisca, o major Galdino
da Silveira Marquez, membros de uma família tradicionalmente militante na
política local.
As
ligações entre o distrito e o município de Morrinhos estavam relacionadas com
as famílias, fato que mantinha a dominação, já que Francisca Carolina de
Nazareth Moraes casou-se em 1869 com
Hermenegildo Lopes de Moraes e mudou-se para Morrinhos em 1871. Francisca
Carolina era tia de Messias Alexandrina, que por sua vez participava das
relações de poder no distrito através de Jacintho Luiz da Silva Brandão, seu
esposo. Por causa desta relação, é provável que Santa Rita do Paranaíba não se
emancipasse.
Não era interesse dos Jacintho Luiz da Silva Brandão
a partir de Santa Rita do Paranaíba e do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, enquanto vivo até 1905, e após a
sua morte, do líder político da região, seu filho que tinha o mesmo nome, emancipar o distrito de Santa Rita do Paranaíba
(FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
As presenças de Dona Francisca e do
coronel Hermenegildo a partir de Santa Rita do Paranaíba já eram percebidas
desde a segunda metade do século XIX, através de vestígios nas participações na
igreja local de Francisca Carolina de Nazareth Moraes com seu futuro marido Hermenegildo Lopes de
Moraes, ela na época com cerca de vinte anos de idade e casada com o primeiro
marido Alcebíades José da Silveira. Um dos encontros pode ser constatado
conforme registros batismais da Paróquia de Santa Rita de Cássia, ocasião de um
reconhecimento de paternidade:
[…] a quatro de outubro de
1863, o vigário Félix Fleury Alves de Amorim Baptizou e poz os santos óleos ao
innocente Alexandre Filho de Anna Rosa Ribeiro, solteira, foram padrinhos Alcebíades José da Silveira e sua
mulher D. Francisca Carolina de Nazareth. No acto de fazer-se o presente assentamento
apresentaram-se-me Manoel Silveira, Alcebíades Jose da Silveira, sua Mulher D.
Francisca Carolina Ferreira, Joaquim Martins
Marquez, e Hermenegildo Lopes de Moraes abaixo assignados perante quaes José
Manoel da Silveira declarou-me que reconhece por seo legítimo filho o innocente
Alexandre, filho de Anna Roza e pediu-me que fizesse a presente declaração que
vae assignada por mim Padre Félix Fleury de Amorim Vigário collado desta
Freguesia de Santa Rita do Paranahyba por
se achar parallytico das mãos José Manoel da Silveira assigna por seu mandato o
seo filho Alcebíades Jose da Silveira, os padrinhos, e as testemunhas acima
declaradas (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 218).
O coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes era comerciante, fazendeiro e administrador do Porto de Santa Rita do
Paranaíba, num momento em que estava ocorrendo a Guerra do Paraguai
(1864-1870), em que as tropas necessitavam de gêneros alimentícios e sal, além
dos serviços de transportes, ocasião em que ele aproveitou e tornou-se um
grande fornecedor. Até percebe-se pelos relatos, certo conflito
de interesses, já que era funcionário público, como administrador do
Porto, e podia usar os recursos do Estado para pagar a compra dos mantimentos;
por outro lado, como comerciante era um grande fornecedor destas tropas.
Com a
morte de Alcebíades José da Silveira, primeiro esposo de Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, a viúva
então com vinte e seis anos, casou-se com
o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes no dia 04 de novembro de 1869,
conforme registros de casamentos da Paróquia de Santa Rita de Cássia:
[...]
novembro de 1869. Aos quatro dias do mês de novembro de mil oitocentos e sessenta e nove nesta Parochia de
Santa Rita do Paranahyba, da
Província e Bispado de Goiaz pelas quatro horas da tarde em minha presença
compareceram os nubentes Hermenegildo Lopes de Moraes e D. Francisca Carolina de Nazareth, habilitados
com as trez admoestações que ordena o sagrado concilio Tridentino, e a
Constituição Metropolina, e com os
demais papéis de estylo, e sem impedimento algum canônico, ou civil para o
cazamento: elle de idade trinta e seis anos, solteiro natural e baptizado na Freguezia de N..S. Da Abadia do
Curralinho, filho legitimo de André
Corcino de Moraes, e de Maria das Virgens da Conceição: ella de idade vinte e seis
annos, viúva por falecimento de Alcebíades José da Silveira, nascida nesta Freguezia e Baptizada na Freguezia
de S. Francisco de Monte
Alegre, filha legiítima de Manoel
Martins Marquez, e da fallecida D.
Hyppolita Maria de Nazareth, todos naturaes deste bispado e moradores nesta
Parochia de Santa Rita do Paranahyba os quaes os nubentes se receberão por marido e mulher com
palavras de presente conforme os votos cerimoniais
da Santa madre Igreja Cathólica Apostólica
Romana, sendo
testemunhas presentes o Tenente
José Fleury Alves D´Amorim,sua consorte
D. Anna de Siqueira Fleury, e Carlos Martins Marquez, moradores nesta Freguezia, que sei serem os próprios;
do que tudo para constar lavrei este
assento que depois de lido, e conferido perante as testemunhas, commigo a assignaram (FERREIRA e PINHEIRO,
2009, p. 219).
No primeiro
casamento, Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes teve três filhos com
Alcebíades José da Silveira e após ter o primeiro filho no segundo casamento,
em 1870, com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, mudou-se para a cidade de
Morrinhos em 1871, que estava em processo de emancipação.
No auge dos movimentos que vão mudar a política em Goiás em
1909, a partir de Morrinhos, centro do poder político em Goiás na ocasião,
quando da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, aparece a figura de Francisca
Carolina Nazareth Moraes, administrando uma grande fortuna, herdada do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes em 1905 (OLIVEIRA, 2006).
Sobre a cidade de Morrinhos, que
antes era chamada de Vila Bela de Morrinhos, e que se tornou influente na
política de Goiás no início do século XX, em 1845, quando então era distrito da Vila de Santa Cruz, conseguiu
sua primeira emancipação em 05 de novembro de 1855, com a denominação de Vila
Bela do Paranaíba e tendo como distrito Santa Rita do Paranaíba. Após quatro
anos, retorna à condição de Distrito de Santa Cruz, tendo sido suprimida sua
condição de Vila independente administrativamente. Em 1871 o município é
restabelecido com o nome de Vila Bela de Morrinhos e reinstalado em 03 de
fevereiro de 1872. No ano de 1882 é elevado à categoria de cidade com o nome de
Morrinhos, que prevalece até os dias atuais.
A
única filha de Francisca Carolina de Nazareth
Moraes com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, Amélia Augusta de
Moraes Almeida, estava casada com o
líder político em Goiás desde 1901, José Xavier de Almeida. Na capital do
Estado de Goiás, ocasião em que se
tornou a primeira-dama mais jovem do Estado, então com dezessete anos, quando acompanhou o
marido na chegada ao Palácio do governo, em agosto daquele ano e de sua
saída do poder em março de 1909, com o
movimento golpista promovido por José
Leopoldo de Bulhões Jardim e seus aliados (BRITTO, 1974, p. 297-308).
O
primeiro filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes com o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, nascido em 1870, em Santa Rita do Paranaíba, tinha sido eleito
presidente do Estado, mas não veio a
assumir, devido ao Golpe Político de 1909 em Goiás, articulado pelo grupo
político dos Bulhões (BRITTO, 1974, p.297).
É
importante destacar também a partir de Morrinhos as relações de poder das
filhas do primeiro casamento de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes,
Maria Carolina da Silveira e Anna Theodora da Silveira, que nasceram na década
de 1860 em Santa Rita do Paranaíba e se casaram na década de 1880 com caixeiros
e sócios do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, tornando-se
primeiras-damas, respectivamente, em
Morrinhos e em Pouso Alto, hoje Piracanjuba.
Maria
Carolina Silveira Nunes, nascida em 30/10/1862, casou-se em 07/02/1883 com o
coronel Pedro Nunes da Silva, tendo sete filhos gerados a partir de 1884.
Tornou-se primeira-dama de Morrinhos a partir da década de 1890 e depois no
início do século XX. Por ter
desenvolvido destacado trabalho na área de assistência social, foi chamada de
“Mãe da pobreza” em Morrinhos.
Anna
Theodora da Silveira Amorim, a caçula do primeiro casamento de Francisca se
casou com Pacífico do Amorim, um dos sócios do coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes em Morrinhos, que praticava o comércio e exercia cargos públicos em
Pouso Alto, hoje Piracanjuba. Ela também se tornou primeira-dama daquele
município.
Nos embates e arranjos políticos, que resultaram no
Movimento de 1909 em Goiás e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba, há uma
série de relacionamentos que ligam o município de Morrinhos à capital de Goiás, como se nota nas pessoas
das lideranças políticas e suas esposas,
como na capital com José Xavier de
Almeida e Amélia Augusta, e principalmente no interior, com Hermenegildo Lopes
de Moraes e Francisca Carolina de Nazareth Marquez Moraes em Morrinhos, até
chegar em Santa Rita do Paranaíba com Jacintho Luiz da Silva Brandão e sua
esposa Messias Alexandrina.
As relações de poder vividas
por essas mulheres provenientes da casa de Francisca Carolina de Nazareth de
Moraes estavam presentes em uma vasta região do sul de Goiás, que começou na
divisa com Minas Gerais, a partir de Santa Rita do Paranaíba, passou por
Morrinhos e chegou a Piracanjuba.
A partir dos casamentos de
Francisca, Maria Carolina e Anna Theodora, é interessante observar que eles
foram realizados com coronéis e as mulheres tinham boa situação econômica e com
idade superior a vinte anos quando contraíram as núpcias. Todas realizaram o
casamento na igreja católica.
Amélia Augusta de Moraes
Almeida, caçula do casamento entre Hermenegildo Lopes de Moraes e Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, realizou
suas núpcias por ato civil e especialmente religioso na cidade de Morrinhos,
mudando imediatamente para a capital do Estado, já que no mês de agosto, seu
esposo, o bacharel José Xavier de Almeida iria a assumir o governo do Estado e
ela, o papel da mais jovem primeira-dama que Goiás teve.
Mesmo com a morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes em 15 de maio de 1905, a casa de Dona Francisca
continuou influenciando a política em Goiás e permaneceu como local de
articulações, com o bacharel que tinha o mesmo nome do pai liderando o
processo, mas levando em consideração que Francisca Carolina de Nazareth de
Moraes estava presente administrando a herança herdada com a morte do marido.
Seja com José Xavier de
Almeida na presidência do Estado e como deputado federal e depois eleito
senador, seja também com a participação do bacharel Hermenegildo Lopes de
Moraes como deputado federal e depois eleito presidente do Estado, a casa de
Dona Francisca no interior do Estado foi o centro do poder político em Goiás,
apesar da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1905.
2.1.2 As mulheres da Capital
Essas
mulheres que tiveram vivência com os embates e arranjos políticos da Primeira
República em Goiás também alcançaram a cidade de Goiás, capital do estado
naquele período.
Como
se observa nos casamentos dos principais líderes políticos do período, os
bacharéis José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida, casaram-se
com jovens com idade aproximada de dezesseis anos, quando ambos já eram
formados e tinham idades superiores a trinta anos, destacando que o primeiro
casou-se com alguém dentro da própria família, que foi com a sobrinha e somente por ato civil e o outro fez a
vontade da esposa casando também por ato religioso na cidade de Morrinhos.
O
registro do casamento de José Leopoldo de Bulhões Jardim foi feito no final do
século XIX ao contrair núpcias com Cecília Adelaide Félix de Souza, nascida em
1873, que se realizou no dia 12 de outubro de 1890, com o líder vencedor do
movimento golpista de 1909 (GOYAZ, 1890, ed. 265).
É
interessante também mostrar o lugar nessas relações de poder, a capital goiana, a participação de uma família que não recebe influência da igreja
católica, já que José Leopoldo de Bulhões Jardim tinha formação liberal e
contrária à hegemonia da igreja católica na região, gerando grandes conflitos,
que inclusive ocasionaram a mudança da sede do episcopado da capital goiana
para Uberaba,
em Minas Gerais, devido a desentendimentos com o bispo Dom Eduardo Duarte da
Silva (SILVA, 2003).
Pelos
vestígios vão ocorrer casamentos realizados apenas pelo ato civil, como o de Adelaide Emília de Bulhões
Jardim, nascida em 1850, irmã e sogra de José
Leopoldo de Bulhões Jardim, que
se casou com o irmão de seu pai, Benedicto Felix de Sousa.
Nos primeiros anos da Primeira República foi aprovado o Decreto
181 de 24/01/1890, considerando somente válido para os efeitos legais o
casamento realizado no civil, desencadeando uma série de conflitos entre o
político José Leopoldo Bulhões Jardim com a igreja católica. Nesse período o
clero fez intensa campanha para se evitar o casamento civil e defendia a
necessidade da “moralização da vida privada” através do casamento religioso
(SILVA, 2003).
Exatamente no ano de 1890, José Leopoldo Bulhões Jardim se casa e,
confirmando sua posição liberal e republicano, seu casamento é realizado
somente como ato civil, enquanto que a maioria das famílias em Goiás naquela
época ainda fazia questão de realizar as cerimônias religiosas como pregava e
defendia a igreja católica (SILVA, 2003).
O jornal GOYAZ ,de propriedade da família Bulhões, na sua edição
nº 250, de 04 de julho de 1890, traz informações sobre a validade somente do
casamento civil, informando que, desde 24 de maio de 1890, somente ele é
válido, ressaltando que eram permitidas as formalidades e cerimônias
religiosas, mas que não produziam nenhum efeito legal, tais como o
estabelecimento do vínculo conjugal, sobre direitos e deveres dos cônjuges,
pátrio poder, legitimidade da prole, parentesco legítimo e direitos sucessórios
(GOYAZ, 1890, ed. 250).
José
Leopoldo de Bulhões Jardim também faz sua ligação entre a capital e o distrito
de Santa Rita do Paranaíba através de sua irmã, Ângela de Bulhões Jardim, casada com o ex-ministro do STF- Supremo
Tribunal Federal no ano 1905 e Procurador Geral da República, Guimarães Natal.
Joaquim
Xavier Guimarães Natal era irmão do administrador
da recebedoria de Santa Rita do Paranaíba,
Antônio Xavier Guimarães, e que foi um dos líderes, a partir de sua
fazenda no norte, do movimento de 1909, que resultaria na emancipação de Santa
Rita do Paranaíba e no reconhecimento daquele que tinha perdido a eleição como
presidente do Estado de Goiás, o engenheiro e militar Urbano Coelho de
Gouveia, casado com Leonor Adelaide
Bulhões Jardim, também irmã de José Leopoldo de Bulhões Jardim (CAMPOS, 1996).
Católicos,
engenheiros, militares, advogados e funcionários públicos, mães, filhos/as, irmãos/ãs,
cunhados/as, um
círculo de relações que muda a história de Goiás, num tempo em que se
atribuíram todas as mudanças aos coronéis, excluindo as mulheres dos espaços
públicos do poder, quando se ainda escrevia uma história em que as mulheres estavam ausentes do discurso oficial.
A
expansão dos estudos sobre as mulheres levou a uma redefinição do político,
antes ligado ao campo do poder das instituições públicas e do Estado, passando
para a esfera privada e do cotidiano (MATOS, 2002 p. 1050). Assim, é possível
encontrar nas “brechas” ocupadas por essas mulheres goianas na Primeira
República mostras de que elas ocuparam o espaço público como parceiras dos
homens nas viagens, nos encontros festivos nos palácios e, enfim, nas relações
com a política (MATOS, 2002, p. 1050).
Antes,
os limites entre o público e o privado estavam bem delimitados, com o privado
sendo considerado o espaço das mulheres, o locus
da moralização, ocupando com a definição das esferas sexuais e da delimitação
do espaço entre os sexos, a representação do lar, da família, destacando a
maternidade como necessidade (MATOS, 2002, p. 1055).
Busca-se aqui mudar a narrativa histórica
através de representações que mostrem as mulheres goianas ativas e parceiras
nas experiências com a política, evidenciando-se que, apesar de elas não conseguirem visibilidade nas tramas das eleições e nos
partidos políticos, ganham voz e presença com a participação nos embates e
arranjos políticos do início do século XX em Goiás, pela
historicidade da vida íntima, dos lugares da vida doméstica como mães, filhas, esposas.
Constrói-se
assim uma abordagem histórica considerando-se os espaços em que as mulheres
ganham visibilidade, a partir de experiências em que o sujeito é constituído,
como nas igrejas, na família, nos eventos festivos, nas viagens. Conforme
ressalta Maria Izilda Santos Matos, acontece a politização dos espaços privados
com a política chegando ao âmbito do cotidiano, permitindo questionar várias
transformações na sociedade, como o funcionamento da família, a vida das
mulheres, as lutas e os gestos do cotidiano (MATOS, 2002, p. 1048).
Como
foi tratado em relação às categorias Gênero, anteriormente, e nesta parte do
trabalho em relação à cultura, também é importante se utilizarem outras
categorias que possam permitir uma análise das relações de poder em Goiás, e a
experiência que será tratada em seguida, ocupa espaço importante nesta
pesquisa.
Trabalha-se
com a sugestão de Joan W. Scott, que
propõe historicizar a experiência (SCOTT, 1999, p. 41), isto é, construir as abordagens históricas considerando os espaços em que os sujeitos se constituem
e a partir das experiências
possíveis nos lugares e
tempos em que estas acontecem, e
fazendo uma análise dos modos de vida, das relações pessoais, das redes
familiares, das amizades tanto entre homens e mulheres, como entre as próprias
mulheres, os vínculos afetivos, as formas de comunicação, de resistência e de
lutas neste período de embates e arranjos políticos em Goiás.
2.2
A EXPERIÊNCIA E AS MULHERES
As
mulheres sempre estiveram presentes nas relações políticas na Primeira
República em Goiás, mas por várias razões sempre foram omitidas nas abordagens
descritivas de historiadores do período. Dentro dessa perspectiva busca-se,
através do pensamento de Joan W. Scott, historicizar a Experiência (SCOTT, 1999, p.
41), isto é, construir as abordagens históricas considerando os espaços em que os sujeitos se constituem
e a partir das experiências possíveis
nos lugares e tempos em que estas acontecem e fazendo uma análise
dos modos de vida, das relações pessoais, das redes familiares, das amizades
tanto entre homens e mulheres, como entre as próprias mulheres, os vínculos
afetivos, as formas de comunicação, de resistência e de lutas nesse período de
embates e arranjos políticos em Goiás.
Utiliza-se
de estratégias metodológicas para tornar histórico o que foi sempre escondido
da história goiana, e dentro dessa perspectiva a Experiência é vista como integrante da linguagem
cotidiana, e como tal é utilizada para falar dos acontecidos e nesse
relacionamento entre as coisas que aconteceram e a linguagem, evitando-se a
naturalização da mesma e a levando em
consideração, ainda conforme a
historiadora Joan W. Scott, que orienta analisar seu funcionamento e redefinir
o seu significado, tratando-a como categoria de análise histórica, que, ao ser
escolhida, é contextual, contestável e contingente (SCOTT, 1999, p. 46).
As
experiências são analisadas na pesquisa para buscar respostas sobre como foram
constituídos os sujeitos, sendo tomadas como ponto de partida para a desconstrução da história social, do
discurso, da linguagem e de todas outras
formas que excluíram as mulheres como participantes dos embates e
arranjos políticos de Goiás e constituíram os coronéis como protagonistas
desses eventos. Não se faz a simples reprodução e transmissão do que já foi
escrito sobre as relações de poder na Primeira República em Goiás, mas
procura-se fazer uma análise de como foram produzidos esses conhecimentos sobre
o período que colocaram os homens como protagonistas dos mesmos.
Embora as mulheres estivessem presentes nas relações de poder que
resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba e no golpe político de
Goiás em 1909, elas sempre foram omitidas na historiografia goiana em relação
ao campo político, que reproduziu o discurso de dominação dos homens e lhes
reservou exclusivamente a participação nos embates e arranjos políticos.
Pretende-se então, com a utilização da Experiência como mais uma categoria,
fazer uma análise e encontrar, a partir dela, outros protagonistas nesses
eventos políticos da Primeira República. Assim não se pretende partir das
experiências com sujeitos previamente constituídos, mas historicizar a
categoria e ver como os sujeitos foram constituídos, como admoesta Scott:
[…] Não são os indivíduos
que têm experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da
experiência. A experiência, de acordo com essa definição, torna-se, não a
origem de nossa explicação, não a
evidência autorizada (porque vista
ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos
explicar, aquilo sobre o qual se produz conhecimento. Pensar a experiência dessa
forma é historicizá-la, assim como as
identidades que ela produz. Esse tipo de historicização representa uma resposta
aos/às muitos/as historiadores contemporâneos/as que argumentam que uma
“experiência” sem problematização é o fundamento de suas práticas; é uma
historicização que implica uma análise crítica de todas as categorias
explicativas que normalmente
não são questionadas, incluindo a
categoria “experiência” ( SCOTT, 1999, p. 27-28).
Com a análise das
experiências relatadas na documentação escrita sobre os homens e as mulheres, na economia, nos costumes, na sociedade, enfim nas diversas situações busca-se entender
como foram articuladas e construídas essas diversas relações de poder e assim
chegar à construção de outros sujeitos que estiveram presentes e que não se
resumiram aos coronéis, como tratam as abordagens descritivas.
Essa abordagem permite trazer respostas sobre o que estava por
trás das relações de casamento,
dos pactos matrimoniais, dos embates, das alianças
para a composição de poder que legitimou
uma prática de pacto coronelista em Goiás no início do séc. XX e
produzir novas narrativas sobre esse período,
usando as experiências como ponto de partida da pesquisa para encontrar
a participação das mulheres.
A novidade e originalidade
desta proposta é justamente perceber nesses pactos a presença das mulheres e a
possibilidade de fazê-las atuar como protagonistas nesse momento político
pesquisado.
A
categoria Experiência, nos moldes proposto por Joan W. Scott, vai além da
constatação das diversas ações das mulheres nas relações de poder na Primeira
República em Goiás, como já descrito pelos historiadores ortodoxos, que
utilizaram como evidência incontestável o domínio dos homens; e assim parte-se
para produzir conhecimento a partir da reflexão sobre a maneira como as mulheres viveram e
interpretaram sua existência nessas
relações de poder como mães, filhas, esposas, primeiras-damas, herdeiras das
fortunas, sempre ativas em todos os
embates e arranjos que se deram em Goiás nos primeiros dez anos do século XX.
Utiliza-se da categoria Experiência não como origem da explicação
dos acontecimentos políticos em Goiás que colocaram os coronéis como principais
sujeitos, mas vai se interrogar o processo de criação através dos discursos de
dominação dos homens, concebendo que ela não é apenas aquela que legitima a autoridade
de uma narrativa; muito mais
que isso, ela pode gestar outros sujeitos históricos até então omitidos,
como explica Joan W. Scott:
Quando a experiência é
considerada como a origem do conhecimento, a visão
do sujeito individual (a pessoa que teve
a experiência ou o/a historiador/a que a relata) torna-se o
alicerce da evidência sobre o qual se ergue
a explicação. Questões acerca da
natureza construída da experiência, acerca
de como os
sujeitos são, desde
o início, constituídos de maneiras diferentes, acerca de como a visão de um
sujeito é
estruturada - acerca da linguagem (ou discurso) e história – são postas de lado. A evidência da
experiência, então, torna-se evidência do fato
da diferença, ao invés de uma maneira de explorar como se estabelece a diferença, como ela opera, como e de
que forma ela constitui sujeitos que veem
e agem no mundo ( SCOTT, 1999, p. 26).
As
experiências das mulheres quando desses embates e arranjos não podem ser consideradas como um momento de emancipação
no sentido de superação dos discursos de dominação dos homens, mas em certos
aspectos como o jurídico chega a ocorrer nesta situação. As experiências
revelam a presença das mulheres ao lado dos
homens em diversos espaços públicos e privados, com táticas para entrarem
nesses espaços, sem entretanto contestarem de frente a dominação e assim
legitimando o discurso dos homens.
A
Experiência, nesse contexto, é uma história do sujeito e também um evento
linguístico, pois, não acontece fora de significados estabelecidos. A
explicação histórica não pode separar as duas, mas também não está presa a uma
ordem de significados. A Experiência é uma história do sujeito e a linguagem é
o local onde a história é encenada (SCOTT, 1999, p.
42). Por isto, a prática de historicizar
a Experiência dessas mulheres em
seus lugares estabelecidos para
reconhecer os seus lugares de sujeito
nessas articulações políticas em Santa Rita do Paranaíba.
Com
quem as mulheres dialogaram nessas relações de poder? Com os padres, os pais, os filhos, a imprensa, os
políticos, os professores, os amigos, os parentes? Há um movimento, uma lógica.
Elas não são obrigadas a entrar nessas relações de poder, fazem isso com liberdade e se
articulam, embora não consigam
emancipar-se, enquanto sujeitos historicamente engajadas, participam como
parceiras, mas fortalecendo o discurso do poder dos homens.
Então, a partir desses
questionamentos, vai-se refletir sobre essas experiências, questionando-se
sobre como o que evidencia o movimento dessas mulheres, e quais as brechas no
poder em que se constituíram os sujeitos nos eventos políticos em Goiás na
Primeira República.
Como
essas vivências foram sendo moldadas? Houve um processo de negociação ou foi
consensual a dominação dos homens? Como aparecem as mulheres nos encontros políticos, nas visitas, nas
reuniões festivas e que culminaram no casamento? Elas foram por imposição dos
homens ou agiram livremente em suas vontades?
Embora houvesse o desejo dos pais, dos líderes
políticos, as mulheres tinham condições de dizer não, como fizeram algumas que
preferiram ficar solteiras e não participaram das
relações de poder, mas as que assim decidiram, foi porque aceitaram as
condições do jogo do poder.
As mulheres estavam presentes nos eventos festivos dos palácios,
nos eventos públicos e nas viagens entre a capital, Morrinhos, Santa Rita do
Paranaíba e Rio de Janeiro, mas era em suas residências que confidenciavam com
seu parceiro o seu dia a dia, como bem enfoca Célia Coutinho Seixo de Britto
(1974).
Como essas
relações de gêneros foram moldando-se e como foram se naturalizando? Foram aceitas essas
negociações de maneira consensual, levando as mulheres das relações de poder a
ganhar, já que poderiam participar bem de perto dos embates e arranjos políticos
que mexeram com as estruturas do poder em Goiás e em Santa Rita do Paranaíba em
1909 ou isso se deu de outra maneira?
Tudo
nesse contexto é contestável e político. Não se pretende naturalizar os
sujeitos reproduzindo o que já foi escrito sobre esses embates e arranjos
políticos, daí a importância da utilização da categoria Experiência, para que,
a partir dela, façam-se todos esses questionamentos e se compreenda a
construção e a participação de vários protagonistas nesse campo político nos
acontecimentos que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
Utilizar
a categoria experiência ajuda a entender a participação das mulheres nas
famílias, na igreja, na imprensa e no próprio Estado, através da presença dos
esposos nos governos e no parlamento, constituindo-se em um caminho para dar
respostas sobre como foi moldada a hierarquia nessas relações que colocaram os
homens em posição de dominadores e as mulheres na de excluídas de muitos
processos, principalmente nos espaços públicos.
Como
as instituições agiram na constituição dos sujeitos e que base ideológica foi
utilizada é o que se pretende analisar na próxima parte deste trabalho.
2.3 AS
INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DE GÊNERO
A ideologia,
neste trabalho, é vista como um sistema de convicção e prática que estabelece as identidades
individuais e coletivas, que formam as relações entre os indivíduos,
coletividades e seu mundo, e que são
encaradas como naturais, normativas e autoevidentes (SCOOT, 2011, p. 69).
A família, a igreja, a escola e a imprensa são algumas
instituições que trabalharam na construção do discurso em que o masculino
prevaleceu nos embates e arranjos políticos de Goiás naquele período. Os
vestígios mostram que as mulheres da casa de Dona Francisca aceitaram participar
das relações de poder sem interpelação e posição de subordinação,
aproveitando-se de situações que foram motivadoras de suas participações e
visibilidade além dos espaços privados.
Praticamente
todas as instituições engendraram esses discursos em que a dominação dos homens
prevaleceu, sejam políticos, jurídicos,
educacionais, familiares e religiosos.
Nas escolas, por exemplo, aos homens foram
reservadas maiores possibilidades profissionais, como estudar direito em São Paulo e as mulheres, o
máximo que vislumbraram, foi chegar à conclusão de um curso normal que as
preparava para serem professoras, ou no caso específico da filha de Francisca,
o acesso ao conhecimento que se encerrava por aí como
ciclo de estudos, mesmo
morando em grandes centros, como no Rio de Janeiro.
Ideologicamente,
parte dessas mulheres está ligada à igreja católica, que neste momento trava
uma batalha contra o casamento civil, instituído com a proclamação da
República. Toda mulher católica, além do ato civil, deve também casar no
religioso que,
segundo o Clero, era o sacramento abençoado por Deus e
efetivamente constituía-se na verdadeira união (SILVA, 2003).
Por que
essas mulheres que ora se estuda foram além dos papéis de mães, filhas,
esposas, donas de casa? Como o Gênero pode ter
definido outros lugares diferentes a essas pessoas em suas relações com outras
instituições como a igreja, escola, imprensa e família, superando o discurso
sexualizado utilizado na fabricação desses papéis reduzidos a elas?
A seguir
faz-se uma análise de como algumas instituições trabalharam na construção do
Gênero e atuaram na legitimação do discurso de dominação dos homens nas
relações de poder.
2.3.1 - A Igreja Católica
Os
anos iniciais da República em Goiás foram marcados por tentativas da igreja
católica de recuperar o espaço político
perdido a partir de 1891, quando se deu a separação entre o Estado e a Igreja,
condenada pelos cardeais e arcebispos que incitavam os cristãos a formar grupos
de pressão, inclusive resultando em Goiás na formação do Partido Católico.
A atuação do
clero foi muita intensa nesse período estudado, com suas ações voltadas para
normalizar o comportamento das pessoas, o que se torna bem visível pelo incentivo do
casamento religioso, em um período em
que só o casamento civil produzia os efeitos legais, como mostra o estudo de Maria da Conceição
Silva, realizado em Goiás no período de 1860 a 1920:
[…] A cidade de Goiás, capital da província e depois do Estado, onde
as notícias chegavam tardiamente, não permaneceu apática ao que acontecia nas
demais províncias do País, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Assim, a
análise da temática catolicismo e casamento nos propicia entender a conturbada
história que ali se desencadeara entre eclesiásticos ultramontanos e políticos
liberais liderados pela oligarquia dos Bulhões. A capital goiana foi palco das idéias liberais introduzidas por esses jovens
que estudaram Ciências Políticas e Direito em São Paulo. A família dos Bulhões,
constituída de intelectuais,
tinha compreensão do que representavam
as propostas do Partido Liberal para Goiás. Vale ressaltar que, mais tarde, os arranjos políticos e as alianças matrimoniais os favoreceram para galgar um
espaço no Partido Republicano. À frente deste partido estava o líder do
movimento republicano goiano Joaquim Xavier de Guimarães Natal, formado em
Direito em São Paulo, casado com Ângela de Bulhões, irmã de José Leopoldo de
Bulhões Jardim. Sendo eles os promotores de concepções modernizadoras na capital, na segunda metade do século
XIX, empenharam-se pela "liberdade de culto, secularização dos cemitérios,
registros e casamento civil", confrontando-se com a linha
religiosa adotada pelos bispos que conduziram a diocese até o ano de 1896. A
partir do bispado de D. Joaquim Gonçalves de Azevedo
(1865-1876), depois com D. Cláudio José Gonçalves Ponce de
Leão (1881-1890), e por último com D. Eduardo Duarte e Silva (1891-1908), o
ultramonismo foi a linha de trabalho seguida por eles (SILVA, 2003).
Nesta área
religiosa é possível verificar embates entre as ideias liberais dos jovens que
estudaram ciências políticas e direito em faculdades de São Paulo, como José
Leopoldo de Bulhões Jardim e Joaquim Xavier Guimarães Natal, que buscavam a
liberdade de culto, registros e casamentos civis e o clero que tentava manter o
casamento religioso com o mesmo status de antes da proclamação da
República, ocasião em que houve a separação da Igreja e do Estado (SILVA,
2003).
Por outro
lado percebe-se que, mesmo tendo formação também na área de direito, os
bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes, além do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, por influência de suas esposas Amélia
Augusta de Moraes, Maria Amabini Paranhos e Francisca Carolina de Nazareth de
Moraes tiveram boas e constantes relações com a igreja católica.
Assim é
possível deduzir que nos espaços religiosos as mulheres da casa de Dona
Francisca usaram como estratégias realizar o casamento religioso, mesmo que
seus esposos fossem adeptos dos discursos liberais. Seria mais uma demonstração
da politização dos espaços privados, considerando que a Igreja contextualmente
estivesse localizada neste espaço.
Aline
Coutrot, especialista em estudo contemporâneo da Igreja, com participação
destacada no trabalho organizado por René Rémond, ao tratar da relação entre a Religião e a Política
(COUTROT,1996, p. 331), enfatiza que na história política, ao se tratar do
político, foram desprezadas ligações intimas entre religião e política, embora
antes da Proclamação da República, a Igreja e o Estado caminhassem juntos.
No início do
século XX, em que se dá o Movimento golpista de 1909, já tinha havido conflitos
entre os liberais e o clero, com a condenação de cardeais e arcebispos à laicidade do Estado, incitando os cristãos
a formar grupos de pressão. Em Goiás, os embates liderados por José Leopoldo de
Bulhões Jardim, iniciados com a proclamação da República, culminaram com a
mudança da sede da diocese da cidade de Goiás em 1896 para Uberaba, em Minas
Gerais, através de decisão do Bispo Dom Eduardo Duarte e Silva. A volta da
Diocese para a capital de Goiás em 1908 se dá justamente com o grupo de José
Xavier de Almeida no poder através do presidente Miguel da Rocha Lima, que se
aproximou do Bispo Dom Prudêncio Gomes
da Silva.
É
importante ressaltar que as Igrejas, consideradas como corpos
sociais dotados de um tipo de organização e com traços comuns com a sociedade
política, sempre tiveram
ligações
íntimas com a política, e que foram
desprezadas na história do político, embora alguns estudos feitos por Charles Seignobos e André
Siegfried, já entravam na área interrogando sobre os componentes religiosos do
voto e estudando os diferentes tipos de atitudes políticos, segundo os modos de
ligação com a igreja católica e também através da análise do voto protestante
(COUTROT,1996, p. 334).
Com a nova história política, as forças religiosas são levadas em
consideração como fator de explicação política em numerosos domínios. A crença
religiosa se manifesta nas igrejas, que são corpos sociais dotados de uma
organização e possuem mais de um traço comum com a sociedade política
(COUTROT,1996, p. 334).
A Igreja não se limitava ao sagrado, porque entende que na sociedade
nada é estranho a igreja. O religioso informa o político e o político estrutura
o religioso. A política impõe, provoca, questiona as igrejas (COUTROT, 1996, p.
334).
Até algumas ideias originárias da Igreja foram utilizadas na política do
período, como a fé teocêntrica em um
Deus único, que reforçou a figura de uma autoridade e de sistema hierárquico.
As declarações de hierarquia foram uma das formas mais notáveis de intervenção
da Igreja na vida da cidade e ainda o modelo cristocêntrico, onde o evangelho
chama os homens à missão coletiva de salvar a humanidade aqui na terra
(COUTROT,1996, p. 337).
Embora
no período da República a Igreja não devesse fazer política, por não ser de sua
competência, verificou-se, quando do estudo dos partidos políticos, que sua
atuação foi intensa, sem entretanto, produzir bons resultados. Mesmo assim,
entende Aline Coutrot, as forças religiosas intervieram com mais frequência de
forma coletiva, embora o voto fosse uma decisão individual (COUTROT,1996, p.
340).
Assim as relações entre religião e política, que foram separadas pelo
embate entre José Leopoldo de Bulhões Jardim, entre 1896 e 1908, sofreram
mudanças com o governo de José Xavier de Almeida e seu grupo político a partir
de 1908 e, neste sentido, as mulheres católicas que tinham relação com o poder,
como Amélia Augusta de Moraes, tiveram certa participação nesta mudança de
relação.
Houve uma invasão da política na Igreja e, apesar também do discurso de
dominação dos homens, as mulheres da casa de Dona Francisca aproveitaram a
oportunidade e a utilizaram como estratégia para que os batizados, os
casamentos e demais eventos religiosos fossem utilizados a seu favor e não como
instrumentos de manutenção de dominação.
São visíveis as participações de Dona Francisca, de Amélia Augusta e de
Dona Messias, ressaltando que com referência às relações desta última,
destaca-se o fato de ela ter-se casado contrariando o pároco local de Santa
Rita do Paranaíba, por ser afilhada do futuro esposo, coronel Jacintho Luiz da
Silva Brandão, e ainda deste ter sido gerado de uma relação contrária aos
mandamentos da Igreja, por ser filho de um Padre de Itaberaí, antiga
Curralinho. Destaca-se ainda que desta relação não houve descendência.
2.3.2 A Imprensa
Os homens da
casa de Dona Francisca e o grupo político de José Leopoldo de Bulhões Jardim
utilizaram bem a imprensa na Primeira República para a defesa de suas ideias e
os jornais da cidade de Goiás no século possibilitam ver vestígios dos padrões
comportamentais estabelecidos socialmente naquela época. Através de jornais
goianos do período, é possível perceber as imagens das mulheres goianas no
início da República, já que como expressa Mônica de Paula, a imprensa reflete e
reforça esses padrões de comportamentos
(AGE, 2010, p. 01).
É possível
compreender os perfis das mulheres através dos jornais da cidade de Goiás, em
especial observando o que era publicado sobre elas no jornal “GOYAZ”, da
família de José Leopoldo de Bulhões Jardim, e também do “Correio Oficial”,
porta-voz do pensamento governista. E qual era a imagem da mulher nesse período
estudado retratado pelos jornais?
Inicialmente
cabe destacar que os jornais atingiam um público pequeno de mulheres, tendo em
vista o número reduzido de pessoas alfabetizadas e que tinham acesso aos
jornais.
O Correio
Oficial nº 5, de 17/01/1880 (AGE, 2010,
p. 04), definia a mulher ideal para o
casamento, como mãe, esposa e filha, através de um discurso de dominação dos
homens:
[...]
E a missão da mulher na vida da humanidade, é uma trindade santa!
Mãe
– é a expressão do que há de mais sublime sobre a terra! Seu coração é o cofre
do amor e da bondade. Esposa – é a nossa companheira inseparável, quer nas
nossas dores, quer nos nossos prazeres. É um outro nós que nos consola, quando
sofremos; que nos alenta, quando sentimo-nos sem força; que ri nas nossas
alegrias, e chora nos nossos sofrimentos; que enfim, ajuda-nos a levarmos nossa
cruz por esse caminho escabroso da vida. Filha – é uma sagrada, onde
depositamos todas as nossas esperanças onde encerramos todo o nosso futuro; que
as filhas são pedaços de nossa alma; são fibras de nosso coração! Eis a
trindade gloriosa da mulher. É della, pois, que dependem nossos destinos; todos
gravitamos em torno della, como a terra em torno do sol [...] (AGE, 2010, p.
03).
Nas relações políticas em Goiás na Primeira República, a imprensa também
foi utilizada como base de sustentação do poder. Para essa reflexão sobre o trabalho da
imprensa no período, utilizam-se as ideias de Jean-Noel Jeanneney, que também
colabora no trabalho sobre política organizado por Réne Rémond (JEANNENEY,
1996, p. 213).
Como primeira reflexão procura-se entender a influência da imprensa
sobre a opinião pública e quais os meios que o Estado, os governantes, os
partidos políticos, os grupos de pressão dispõem para pressionar essa imprensa
e através dela, a opinião pública?
Historicamente sempre se percebeu o uso político da imprensa, como na
segunda guerra mundial, quando houve a compra de jornais inimigos, sempre com a
ideia de que em política, uma ideia falsa vira depressa um fato verdadeiro
(JEANNENET,1996, p. 218).
Mas como funcionam essas influências? E a vida cotidiana dos jornais
refletiria a vida no Estado de Goiás na Primeira República? José Leopoldo de
Bulhões Jardim utilizou bem esse meio através do jornal O GOYAZ (1885/1912),
dirigido por Félix de Bulhões, seu irmão, e financiado pelo pai, enquanto vivo,
Ignácio de Bulhões. Nota-se bem esse uso
na sua maneira política de agir apoiando os pecuaristas em suas lutas e
recebendo o apoio político e econômico em suas disputas, como bem retratado
pelo periódico.
Constata-se que a imprensa foi mais um dos meios utilizados pelos homens
nas convivências para reforçar o discurso de dominação, mas que as mulheres,
mesmo de forma tímida, utilizaram-na
também para manifestar reivindicações,
como esta publicada no mesmo jornal GOYAZ de 20 de maio de 1890 (AGE, 2010, p.
07):
Emancipação da Mulher
[ . . .] No primeiro período de nossa vida nacional
dominaram os homens, nos princípios de ordem e autoridade, no segundo porém, em
que estamos, imperam os de autonomia e liberdade. A occasião é, pois, mais que
opportuna para a propaganda de idéia da
igualdade econômica, social e política dos dous sexos. [ . . .] Goyaz, 20 de
Maio de 1890 (AGE, 2010, p.7).
As mulheres praticamente passaram invisíveis nos meios de comunicação da
Primeira República em Goiás, mas em relação aos homens, os mesmo a utilizaram
para reforçar os discursos de dominação.
2.3.3 A Escola
Embora o discurso fosse o de que era preciso
investir na educação, a referência
civilizatória com o regime republicano implantado, os primeiros anos do novo
regime não mostram grande progresso nessa área, como se verifica nos estudos de
Mirian Fábia Alves, em sua dissertação de doutorado sobre a escolarização em
Goiás na Primeira República (ALVES, 2007).
Desde 1853
já se ouvia falar da obrigatoriedade da frequência escolar para crianças de
cinco a catorze anos em casa ou em escolas públicas pelos pais de família
(ALVES, 2007, p. 70). A partir de 1884, a
legislação tornava-se obrigatória para os meninos de sete a treze anos, desde
que a distância da escola não fosse superior a 2 km e para as meninas de 6 a 11
a distância máxima não poderia exceder 1 km. Com essa medida, um pequeno número
de crianças tinha acesso ao ensino primário. No final do Império, de uma
população em Goiás de 156 mil habitantes, 15 a 18% tinha idade de estar na
escola, mas pouco mais de 10% deles conseguiam acesso.
O acesso às
escolas estava reservado para os homens, que deveriam compor um grupo que era
preparado para ocupar os cargos públicos de intendentes, juízes de paz,
promotores, tabeliães. Às mulheres, com muito custo foi disponibilizado o curso
normal para formação de professoras.
Legislações
editadas em 1893 e 1898 disciplinavam sobre a obrigatoriedade e gratuidade do
ensino para escolas públicas das cidades, vilas e povoados, ou seja, só na zona
urbana. Eram permitidas as escolas confessionais e o ensino em família sob
vigilância dos chefes de famílias. Cabia aos municípios a manutenção das
escolas, que muito pobres não conseguiam.
Em resumo,
tinha-se a escola de primeira entrância nas vilas, que exigia frequência
superior a vinte alunos e onde se ensinava a leitura e escrita; a de segunda
entrância nas cidades e deveria ter frequência de mais de vinte e cinco alunos,
e a de terceira, que funcionava na capital e que ampliava para conhecimentos de
pontuação e que deveria ter frequência
de mais de trinta alunos (ALVES, 2007, p. 820).
Os
currículos também serviam à dominação dos homens, porque enquanto a estes era
ensinada a leitura, escrita e conhecimentos de aritmética, geografia, línguas,
numa preparação para ocupação de atividades nos espaços públicos, às mulheres o
ensino de primeiras letras previa gramática portuguesa e francesa, música,
canto, dança, todas voltadas para o lar, aos serviços de casa e à educação dos
filhos.
Nos povoados
e arraiais como o de Santa Rita do Paranaíba, havia escolas elementares, com
frequência inferior a vinte alunos. Foi numa dessas que estudou Messias
Alexandrina Marquez, que não chegou a alcançar o ensino normal, não passando
das primeiras letras.
Para se ter
o certificado de Estudos Primários, requisito para entrar na instrução
secundária e normal, só na capital. Os filhos da Francisca Nazareth de Moraes
seguiram esse caminho. Os homens se formaram em direito e Amélia Augusta fez
até o segundo ano normal, quando deixou a escola para se casar com o então
eleito presidente do Estado José Xavier de Almeida.
O sistema de
educação era baseado na localização geográfica e na frequência do número de
alunos. Sexista, não permitia a mistura entre homens e mulheres e onde fosse
possível ter turmas de homens e turmas de mulheres, mesmo em escolas mistas,
estes não se deveriam misturar.
Para manter
suas escolas, os municípios poderiam cobrar três tributos, até o governo de
José Xavier de Almeida, que passou a custear, através do Estado, a manutenção
das escolas de primeiras letras:
- Valor locativo de prédios urbanos;
- Taxas sobre reses mortas para consumo
- Direito sobre Tavernas e Armazéns
Ao Estado,
podiam cobrar impostos sobre a exportação de gado, atividade preponderante
naquele período. Caso o município não desse conta da manutenção dos estudos
primários, o Estado assumiria. Como José Xavier de Almeida era presidente do
Estado e ligado a Morrinhos, na região o Estado mantinha as escolas e foi assim
até a queda de seu grupo em 1909.
As meninas
aprendiam leitura, caligrafia, aritmética, história do Brasil, gramática e
trabalhos de agulha. A escola era um ambiente de dominação dos homens através
de suas leis, mas as mulheres de relações de poder tiveram a oportunidade de
estudar, como Amélia Augusta, que assim fez somente para conhecimento e não
para legitimar o modelo de dominação criado pelos homens.
Amélia
Augusta de Almeida, nascida em 1884, foi a mulher do grupo político que mais
avançou em estudos, sendo que fez os estudos primários em Morrinhos de 1890 a
1898 e em Uberaba fez dois anos no normal de uma escola confessional católica,
entre 1899 e 1900, quando deixou a escola
para casar-se com o então presidente do Estado, José Xavier de Almeida.
[...] AMÉLIA
AUGUSTA, filha do Cel. Hermenegildo
Lopes de Moraes, natural deste Estado, e de sua esposa, Francisca Carolina de
Nazareth, [...].
O Cel. Hermenegildo, de ótima situação financeira, considerado um dos homens de
maior fortuna de Goiás, procurou dar a todos os filhos boa instrução.
Era o hábito das famílias abastadas sustentarem para os filhos professores
particulares, que iam lecionar nas cidades do interior e nas fazendas.
Assim, Amélia teve, por primeiro professor particular, o Mestre Idelfonso, com
quem ela aprendeu Português, Francês, Geografia, Aritmética e História. Seu
primeiro livro de Francês foi “Uma tradução francesa para a infância, de
Robinson Crusoé, trazendo no fim uma antologia de poetas Gauleses”.
Iniciado deste modo seu curso primário em Morrinhos, segui mais tarde para o
Colégio Nossa Senhora das Dores, de Uberaba, dirigido por irmãs dominicanas,
onde cursou até o segundo ano normal (BRITTO, 1974, p. 298).
Hermenegildo
Lopes de Moraes, o filho, José Xavier de Almeida e Alfredo Lopes de Moraes
fizeram parte de uma turma de liberais católicos que cursaram Direito na
Faculdade do Largo do São Francisco em São Paulo; José Leopoldo de Bulhões
também fez a mesma faculdade, mas firmou-se contrário à igreja católica nos
primeiros anos da República em Goiás.
A escola
deveria ser o caminho para a civilidade, e aquelas de primeiras letras, na
Primeira República, funcionavam em casas improvisadas, sob o comando de um
professor e com método de ensino individualizado. O Liceu, na capital, era a
escola para o secundário.
Criada em
1898, a Academia de Direito de Goiás foi instalada em 1903 e foi fechada em
1910. Foi mais uma instituição a serviço da dominação dos homens, apesar de que
uma mulher esteve entre as turmas. Durante seu funcionamento entre 1904 e 1910,
foram formadas quatro turmas de bacharéis em direito, sendo a primeira com
dezesseis formandos e a última com quatro. Apenas uma mulher se matriculou na
última série em 1908, Rosa Godinho de Oliveira.
Como formar
uma sociedade civilizada e moderna? Os homens faziam as primeiras letras no
próprio município, separados das turmas de mulheres. Para fazer o secundário ou
normal, iam os homens para o Lyceu na capital e as mulheres para uma escola
confessional católica. Os homens iam fazer a faculdade de Direito no Largo do
São Francisco em São Paulo e as mulheres, o curso normal em Uberaba. Foi assim
que se deu na família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes.
No Arraial
de Santa Rita do Paranaíba, o primeiro professor, foi José Fleury Alves do
Amorim, irmão do Padre Félix Fleury Alves do Amorim, pároco da igreja local;
era pai natural do coronel Pacífico do Amorim, que se casou com uma das filhas
de Dona Francisca de Nazareth de Mores, e foi o primeiro professor por volta de
1871, com a missão ensinar as primeiras letras.
As escolas
de direito de ensino superior estavam reservadas aos homens. Os grandes
fazendeiros enviavam seus filhos para fazer o curso superior em São Paulo e retornar
para ocupar espaço na política federal como deputados e senadores. As mulheres,
o máximo que conseguem é fazer o ensino normal em escolas católicas.
Enquanto a família de Hermenegildo Lopes de Moraes foi estudar em São
Paulo, as famílias locais não evoluíram nos estudos, condições essenciais para
ascender ao poder na esfera federal naquele período; nem mesmo ocuparam cargos
de destaques em Goiás, tanto no Senado Estadual como na Câmara Estadual.
Enfim, a escola permitiu a uma das mulheres da casa de Francisca
Carolina ir além da representação dos papéis de mãe, esposa e dona de casa,
sendo um avanço no período. Não se pode falar que a escola levou essa mulher à
emancipação, mas permitiu que ela fosse além do lar e no caminho da escola
conhecesse o futuro esposo, como ocorreu com Amélia Augusta de Moraes, que
fugiu aos padrões utilizados para a educação no período. Não estudou para o
lar, mas para obter conhecimento.
2.3.4 A Família
Quando se
estuda a família procura-se responder como foram construídas, legitimadas e até
as relações de Gênero na política de Goiás no início do século XX, a partir
principalmente da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, emancipada
juridicamente a partir de 1905 com a morte do esposo coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes.
Em relação
aos dois grupos políticos que lideraram os embates, observa-se, nas posições
ocupadas pelos homens, que os pais estão separados em dois grupos, sendo um
composto por intelectuais não católicos, que ocupam cargos nos governos e
fizeram curso superior nas escolas de direito, destacando-se o líder José
Leopoldo de Bulhões Jardim, que induz o casamento civil endogâmico; do outro
lado estão os coronéis fazendeiros, católicos, que constituíram riquezas desde
o tempo do império e têm em Hermenegildo Lopes de Moraes, o referencial que,
com a morte, deixa a riqueza para administração de sua esposa Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, que também
forma seus filhos homens nas escolas superiores e prepara as filhas mulheres
para o casamento civil e religioso.
Ao se analisar o aspecto da
emancipação, pode-se observar nestas famílias que as mulheres não se
emanciparam em suas relações de poder em Goiás no início da Primeira República,
mas participam de um jogo de maneira consciente que legitima o discurso
masculino em relação à política e avançam tanto na escola, com Amélia Augusta
de Almeida, como na administração da herança, com Francisca Carolina de
Nazareth de Moraes.
Fazendo
uma rápida análise sobre a constituição das famílias através dos matrimônios
contraídos pelas mulheres que são estudadas nesta pesquisa, percebem-se várias
peculiaridades. Em Santa Rita do Paranaíba, o casamento de Messias Alexandrina
Marquez com Jacintho Luiz da Silva Brandão se deu mais pelo motivo da
convivência da família Marquez, através de Manoel Martins Marquez, Damaso
Martins Marquez e Galdino de Oliveira Marquez com o noivo, já que eram
frequentes os encontros em eventos políticos, do que qualquer arranjo político
propriamente dito.
O casamento de Jacintho e Messias foi
realizado em 30 de janeiro de 1900, em Santa Rita do Paranaíba, primeiro por ato civil, como era disciplinado
na Primeira República, e após por ato religioso, por tradição da família.
Antônio Xavier Guimarães, futuro líder na região norte do Movimento de 1909, e
Galdino da Silveira Marquez, filho de Francisca Carolina de Nazareth Moraes,
foram paraninfos (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 59).
Quanto a
Hermenegildo Lopes de Moraes e Francisca Carolina de Nazareth Moraes, os
encontros foram frequentes na Paróquia da cidade desde a chegada do coronel a
Santa Rita do Paranaíba, mesmo quando a sua futura esposa ainda era casada com
Alcebíades José da Silveira.
Já em Morrinhos, a união de José
Xavier de Almeida e Amélia Augusta de Moraes também deve ser creditada aos
constantes encontros dos dois, que tiveram como origem as viagens do então
deputado federal para o Rio de Janeiro, passando por Morrinhos e Uberaba em
Minas Gerais, locais onde a noiva passava a adolescência na casa da família e
era estudante do curso normal.
Em relação a essas famílias da
casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, observam-se algumas
características de superação do discurso de dominação, principalmente através
da herança, já que com a morte do coronel Hermenegildo, Dona Francisca herdou
metade de todos os bens e administrou juridicamente com a capacidade
proporcionada pela Legislação do período.
Embora voltadas para a dominação,
principalmente nas escolas, na família e nas igrejas, as mulheres da casa de
Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes conseguiram, com estratégias
específicas, superar o discurso de dominação e conquistar certo grau de
emancipação, mesmo nos espaços privados.
3
NOVOS PROTAGONISTAS, GOLPE POLÍTICO E EMANCIPAÇÃO
Os vários embates e arranjos
políticos ocorridos em Goiás durante a Primeira República foram descritos como
grandes feitos de coronéis na conquista do poder político do Estado de Goiás e
nos municípios. Nesses tempos, o coronelismo prevaleceu e utilizou-se da
história tradicional e descritiva.
Trata-se nesta parte dos eventos de forma
analítica, dentro de um processo que vai
da Proclamação da República até a
realização do Movimento golpista de 1909, marcado pela mudança do controle
político no Estado e pela imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba,
colocando em evidência vários protagonistas como bacharéis, funcionários
públicos, fazendeiros, políticos, homens e mulheres, em especial da família de
Francisca Carolina de Nazareth Moraes, referência a partir do sul de Goiás.
Entre os vários protagonistas,
têm-se os bacharéis que lideraram os processos políticos junto com os
fazendeiros e comerciantes que deram sustentação econômica para a vitória dos
grupos vencedores, assim como os funcionários públicos que ocuparam os cargos e
influenciaram em suas localidades nos processos eleitorais e na formação das
famílias.
A novidade na abordagem desses
eventos políticos é justamente
tratá-los de forma diferente,
mostrando as relações que mudaram um governo a partir de múltiplas disputas de
poder e que resultou na emancipação de Santa Rita do Paranaíba com novos
protagonistas em evidência.
É importante também ressaltar a nova
face das instituições políticas e religiosas, considerando a mudança do regime
monarquista para República e a separação entre a Igreja e o Estado a partir de
1889, afetando a própria formação da família.
Em
relação à nomenclatura dos cargos políticos, há uma diferença em relação ao
tratamento dado aos ocupantes dos poderes executivos e legislativos nos estados
e municípios, razão pela qual faz-se necessário contextualizar os termos
daquele período.
Após a proclamação da República, no período de 24 de fevereiro de 1890 a 17 de julho de
1892, os chefes do poder executivo no Estado eram chamados de
governadores. Após 18 de julho de 1892,
passaram a ser chamados de presidentes do Estado, denominação que seguiu até a
Revolução de 1930, quando termina a República Velha e dá-se início a um período
de intervenções (FERREIRA, 1980, p. 69).
Nos municípios tinham-se no período a figura do intendente municipal e
dos conselhos municipais de intendência, sendo que estes, além das funções do
poder legislativo, exerciam também funções do executivo, já que as câmaras
municipais do período colonial foram dissolvidas. Até 1905 em alguns casos
coincidia que o presidente do conselho fosse também o chefe do poder
executivo. O presidente do conselho era
eleito pelos conselheiros e nomeado intendente pelo presidente no Estado. A
partir de 1905 criou-se a figura do intendente, chefe do poder executivo,
correspondente à figura do prefeito nos dias atuais, separando-se assim do
poder legislativo, que era chamado de conselho municipal de intendência,
correspondente ao que hoje são chamadas de câmaras municipais (FREIRE, 2009, p.
49).
O
poder legislativo estadual funcionava através do congresso estadual com
deputados e senadores, no período de 1891 até a reforma constitucional de 1898,
sendo composto de uma câmara de deputados com trinta membros, mudando a partir
de 1901, quando o congresso legislativo goiano se tornou bicameral, ficando
composto o senado com doze membros e a câmara com vinte e quatro membros, com
funcionamento apenas dois meses por ano entre maio e julho (CAMPOS, 2003, p.
67).
Ao dar um tratamento diferente aos
acontecimentos políticos ocorridos no
período, colocam-se novas hipóteses e
parte-se de uma nova denominação em relação ao acontecimento político no estado
de Goiás, que foi sempre tratado como um simples “Movimento”, atribuído
pela historiografia goiana, que agora
ganha a dimensão de um golpe político, pois foi utilizado à força para se retirar um governador eleito pelas regras
vigentes, fato que inviabilizou que o filho de Francisca Carolina de Nazareth
de Moraes, o bacharel e então deputado federal Hermenegildo Lopes de
Moraes assumisse o governo do Estado a partir de julho de
1909.
As múltiplas relações que envolvem o
processo do Golpe Político de 1909 e da emancipação de Santa Rita do Paranaíba
são das mais variadas formas, envolvendo famílias, políticos, personagens
religiosas, fazendeiros, funcionários públicos e não podem se resumir em ações
dos coronéis da época, como enfatiza também a historiografia preponderante.
Os primeiros embates envolvem o clero ultramontano, assim chamado por seguir orientações da Igreja Romana para uma centralização e uniformização da vida
eclesial e eclesiástica da Igreja, e são liderados,
de um lado, pelo bispo Dom Eduardo Duarte e Silva e do outro lado pelos liberais goianos, que tinham na figura do
liberal José Leopoldo de Bulhões Jardim a referência.
Enquanto o catolicismo pretendia “moralizar” a
vida privada dos fiéis, que na maioria das vezes eram amancebados e não
realizavam o casamento na Igreja, também pretendia evitar a adesão ao casamento
civil após a edição do Decreto número 181 de 24 de janeiro de 1890, que só
considerava válido o casamento feito no regime civil; por outro lado os liberais, liderados por intelectuais que
estudaram ciências políticas e Direito em São Paulo, organizaram-se através do Partido Republicano
e defendiam a liberdade de culto, a secularização dos cemitérios e os registros
e casamento civil (SILVA, 2003, p. 126).
Coube ao bispo Dom Eduardo Duarte e
Silva a liderança da Igreja Católica até 1896 quando, após vários embates com o
opositor José Leopoldo Bulhões Jardim, sentiu-se derrotado e com a anuência do
Vaticano, mudou a sede da diocese da cidade de Goiás para a cidade mineira de
Uberaba.
Esvaziado na capital do Estado,
também em Santa Rita do Paranaíba nos primeiros dez anos da República, o culto
católico era insignificante, como demonstram as visitas do bispo Dom Eduardo
Duarte e Silva ao Arraial nos anos de 1892 e 1895, quando não conseguiu reunir
mais que doze pessoas na primeira missa e pouco mais de vinte alguns anos
depois. Denunciou o bispo o pouco interesse das autoridades do Arraial e o alto
número de mancebias e concubinatos. Ou seja, as pessoas não realizavam o
casamento católico como pretendia a Igreja (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Diferentemente da casa de José
Leopoldo de Bulhões Jardim, há de se destacar nesse aspecto a força das
mulheres da casa de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, pois todas se
casaram através dos ritos católicos, começando pela própria esposa do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, assim como suas três filhas, Maria Carolina, Anna
Theodora e Amélia Augusta. Destaca-se ainda o casamento de Messias Alexandrina
Marquez que, embora afilhada de batizado católico do seu futuro esposo, coronel
Jacintho Luiz da Silva Brandão, fez questão de realizar o casamento na igreja
de Santa Rita do Paranaíba, mesmo com oposição do pároco local.
Ainda pelo lado dos republicanos
liberais, além de José Leopoldo de Bulhões Jardim, não se encontraram registros de casamento
religioso de seu cunhado Joaquim Xavier de Guimarães Natal, casado com Ângela
de Bulhões e também formado na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco
em São Paulo, e logo, fortes opositores
da posição católica naquele momento.
Para comprovar a forte oposição ao
catolicismo, percebe-se no casamento de
José Leopoldo de Bulhões Jardim, que ele foi realizado apenas por ato civil,
como destacado em reportagem do jornal GOYAZ em 1890:
Realizou-se
no dia 12, ao meio dia, em casa do falecido Major Ignácio de Bulhões, o casamento do nosso chefe
político Dr. Leopoldo de Bulhões com a
Exma. Sra. D. Cecília Adelaide Felix de Sousa. Foram padrinhos os Srs. Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim e
Dr. Urbano Coelho de Gouvea. Presidindo
o acto o juiz dos casamentos Dr. Ramiro Pereira de Abreu. (…) a noite a banda de música Alliança Goyana veio
cumprimentar o Dr. Bulhões, mas
achado-se ainda de luto o felicitado, os distintos artistas o brindaram e retiraram-se [...] (GOYAZ, 17/10/1890 –
Edição 265).
Por outro lado e comprovando a
influência da mulher na vida de José Xavier de Almeida, embora também formado
com ideias liberais e republicanas, cedeu à vontade da mulher e se casou na igreja em 1901 na cidade de
Morrinhos, conforme relato de Célia Coutinho Seixo de Britto:
[…] Casaram-se a 27 de junho de 1901. O ato civil realizou-se na
hospitaleira residência dos pais da noiva, onde se deram três fatos marcantes
de sua vida: seu batismo, seu casamento e sua morte. O casamento religioso
efetuou-se na Igreja Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Morrinhos (BRITTO,
1974, p. 299).
Já em Santa Rita do Paranaíba,
apesar de não ser tão religioso, o
coronel e funcionário público da recebedoria de Santa Rita de Cássia, cedeu aos
desejos de Messias Alexandrina Marquez, sobrinha de Francisca Carolina de
Nazareth Moraes, o que fez com que o
futuro esposo fosse foi até Abadia do Bonsucesso, hoje Tupaciguara em Minas
Gerais buscar um padre para realizar a cerimônia religiosa, já que era padrinho
da noiva na Igreja Católica e o pároco local não aceitou realizar a cerimônia,
que assim foi descrita em reportagem do jornal GOYAZ:
Santa Rita do Paranaíba, 30 de Janeiro de 1900
Como admirador da
hospitaleira terra Goiana, e dando ostentação ao meu internado reconhecimento,
peço-vos dar inserção desta alinhada linha no vosso conceituado, quão criterioso “Goyaz”. Cheio, como se diz, e
realmente pomposo, acrescento eu este dia trinta
de janeiro neste arraial sempre merecedor das boas graças da situação
dominante. É o caso, Sr. Redator, que jamais se apagará da memória dum
Santarritense criterioso e agradecido. Todos unicorde,
anima,festejamos o enlace do nosso chefe político o Sr. Jacintho Brandão
com a senhorita D. Messias Marquez, predileta filha do nosso amigo, o Sr. Damaso Marquez e a Senhora Dona Filomena
Alexandrina da Silveira. Teve lugar o acto civil com todas as formalidades da
lei, em casa da residencia do nubente, em seguida, o acto religioso. Não sei o
que mais admirar, Sr. Redator, se o escrupulo na observação a Lei do nosso regime
Republicano ou no restrito cumprimento às leis eclesiásticas, já que católicos
somos, todos nós. Na ocasião do acto
religioso, o Vigário da vizinha freguezia da Abadia do Bom Sucesso, que para
administrar sacramentos nesta freguezia
obtivera licença, em palavras repassadas
de unção explicando o grande sacramento, saudou calorosamente aos nubentes.
Servio-se em seguida profuso copo de cerveja, levantando-se diversos brindes:
do Reverendo Vigário, fazendo interessante paradoxo entre as flores naturais e artificiais que
embelezavam a sala de festim e os futuros dias de encantos e harmonia que
desejava aos noivos [...]. Em seguida […] Mais uma vez, Sr. Redator tivemos
ocasião de admirar prendados distintivos do nosso chefe. Pois em linguagem
limitada e significativa pediu a todos
que o acompanhasse em uma saudação a seus velhos amigos que não puderam atender
a seu convite. Terminou se finalmente, Sr. Redator, esta festa realmente de
família com as emocionantes expressões do Reverendo Vigário, saudando na pessoa
do nosso chefe a todos os goianos e na pessoa de sua então digna consorte o
sexo que em todas as esposas se impõe, com uma coroa de virgem, ou com a
dúplice aureola de esposa e mãe. Sim, Sr. Redator, o dia trinta jamais se
apagará de nossa memória, e assim rendemos um pleito alias mereceo ao Coronel
Jacinto e a distinta família Marquez (um santaritense) (GOYAZ, 1900).
Assim, constata-se que o bacharel, senador e então ministro da Fazenda
José Leopoldo de Bulhões Jardim e seu grupo político a partir da capital
federal e da capital do Estado de Goiás foram fiéis aos ideais liberais e
atuaram em oposição à Igreja, enquanto as pessoas da família de Dona Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, desde o
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, as filhas e filhos procuraram atuar ao
lado da Igreja e fizeram questão de
realizar as cerimônias do casamento por ato religioso, além do ato civil
obrigatório naquele período.
Além dos embates religiosos, foram
os políticos que movimentaram o sul de Goiás, a capital do Estado e a capital
federal. Por um lado o grupo de políticos
da casa de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, representados pelos
bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes e do outro
lado, mesmo ausente da capital de Goiás para ocupação de cargos como deputado
federal, senador e ministro de Estado,
José Leopoldo de Bulhões Jardim, que liderou os processos eleitorais,
seja através da eleição do presidente, seja através da eleição de deputados e
senadores até 1901, mas essa ausência foi utilizada pelo ex-aliado José Xavier de Almeida, que fez um novo
grupo político e maioria no congresso
goiano, condição essencial para reconhecimento de seus candidatos nos pleitos
de 1904 e 1905.
O primeiro distanciamento entre os
líderes políticos surge justamente com o casamento de José Xavier de Almeida
com Amélia Augusta de Moraes, da região de Morrinhos, que possibilitou a
aproximação com o capital econômico através do capitalista, o coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, antigo aliado também de José Leopoldo de bulhões
Jardim. Soma-se também com o capital político através do também bacharel em
direito e deputado federal Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho.
O que era para ser uma demonstração
de mudança nos rumos políticos de Goiás, que ocorreria através da exclusão da
familiocracia exercida por José Leopoldo de Bulhões Jardim, que recebia
críticas da opinião pública no início do século XX, já que exercia o poder em
Goiás através de seus cunhados, Guimarães Natal, Francisco Leopoldo Rodrigues
Jardim e Eugenio Jardim, acabou tendo efeitos contrários, pois o bacharel José
Xavier de Almeida uniu-se a outra família e formou um núcleo de poder próprio,
que acabou rompendo com seu antigo chefe político.
Antigos aliados de José Leopoldo de
Bulhões Jardim mudaram de grupo político e seguiram José Xavier de Almeida;
entre esses antigos aliados se destacaram João Alves de Castro e o bacharel em
direito Antônio Ramos Caiado, nomeados secretários, fato que desagradou o então
ministro da fazenda e provocou o rompimento definitivo com José Xavier de
Almeida em 1904.
As divergências ajudaram no
rompimento entre os líderes, mas o fato decisivo estava no domínio por José
Xavier de Almeida do processo eleitoral, desde as juntas apuradoras até a
eleição de deputados e senadores estaduais que reconheciam os eleitos.
José Leopoldo de Bulhões Jardim
apelou para a intervenção e foi derrotado, assim estavam lançados os motivos
para os embates que se realizariam em 1908 e que começaram a reverter a
situação a favor de José Leopoldo de Bulhões Jardim, quando ele elege um grupo
de deputados e senadores estaduais que lhe dá maioria e que culminaria com o
não reconhecimento dos eleitos para o Senado e a presidência do Estado em 1909.
Os arranjos familiares permitiram o
grande embate que resultou no golpe político e na emancipação de Santa Rita do
Paranaíba. Enquanto o bacharel José Leopoldo de Bulhões Jardim reuniu ao seu
lado um grupo fechado, através de vínculos obtidos através do casamento,
começando pelo seu próprio que foi realizado com a sobrinha, e passando por
outros cunhados que assumiriam o poder, como o engenheiro Eugênio Jardim, o
bacharel Guimarães Natal, a família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes
tinha o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão ocupando cargo de funcionário
público em Santa Rita do Paranaíba, o filho e bacharel Hermenegildo Lopes de
Moraes exercendo mandato de deputado federal, assim como o genro e também
bacharel José Xavier de Almeida.
Por outro lado, a partir de
Francisca Carolina de Nazareth Moraes iniciou o processo através do casamento
com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o casamento das filhas com coronéis
locais no sul do Estado e também o casamento de Amélia Augusta com o Presidente
do Estado, formando a base para o grande embate que terminou com a emancipação
de Santa Rita do Paranaíba.
Estas são algumas das relações
religiosas, políticas e familiares, que se tornaram o caminho para a emancipação de Santa Rita do
Paranaíba do município de Morrinhos em
1909, o que colocou mulheres em evidência, como Francisca Carolina de
Nazareth Moraes e Amélia Augusta de
Moraes, mas que fez nascer novos protagonistas em lugar dos coronéis, que foram
os bacharéis em Direito, formados em São Paulo e que fizeram arranjos desde a
capital federal com outros bacharéis que viraram presidentes da República,
passando pela capital de Goiás com bacharéis que se tornaram presidentes do
Estado.
Assim, além da mudança de
terminologia do principal embate do período em 1909 para Golpe Político, também
mudam-se os protagonistas para dar visibilidade às mulheres nas relações de
poder e à liderança dos bacharéis nos principais embates políticos de Goiás na
Primeira República.
3.1 O
BACHARELISMO EM GOIÁS
O Bacharelismo pode ser considerado
como resultado também das relações de dominação dos homens na Primeira
República, considerando que somente a eles estava reservada essa possibilidade
de formação educacional para ocupação dos cargos políticos na esfera do governo
federal, enquanto as mulheres poderiam apenas obter um diploma de professora no
curso normal.
Foi assim que este sistema tornou-se
evidente nas relações de poder nos espaços públicos de Goiás no período que vai
da Proclamação da República ao Movimento golpista de 1909.
Ao examinar a historiografia goiana
existente sobre os embates políticos desse espaço de tempo em Goiás,
encontra-se nas obras de historiadores como Nasr Fayad Chaul, Itami Campos e
Luís Palacin a figura do coronel com destaque como sujeito dessas relações de
poder. Porém, através de um novo olhar procurando pistas, sinais e vestígios
nas fontes, ousam-se acrescentar os sujeitos denominados como bacharéis em Direito, formados na Faculdade
do Largo do São Francisco em São Paulo no final do século XIX, os quais, ao
lado de suas mulheres, tornaram-se novos
protagonistas dessas relações nos lugares antes reservados aos coronéis.
Na análise é possível ver uma divisão
entre o bacharelismo ateu de José Leopoldo de Bulhões Jardim, por suas
desavenças com o clero católico e até pelo seu próprio casamento só por ato
civil e o bacharelismo católico de José Xavier de Almeida, que sofreu
influência de sua esposa tanto ao casar por ato religioso além do civil, como
ao participar junto com a esposa, mesmo não sendo um católico fervoroso, de
todos os eventos religiosos que eram
realizados por onde passavam, seja em Morrinhos, na capital federal como
deputado, seja na capital do Estado como
presidente.
Os bacharéis da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth quebraram uma
lógica de relações de poder que estava em funcionamento no Estado de Goiás
desde a Proclamação da República e que se concentrava, através da liderança do
bacharel e ministro da Fazenda José
Leopoldo de Bulhões Jardim, a partir do Rio de Janeiro, contando com o auxílio
de seus cunhados, o bacharel Joaquim Xavier Guimarães Natal e o engenheiro
Eugênio Jardim na capital de Goiás.
A partir de Morrinhos e através do também
bacharel em Direito e deputado José Xavier de Almeida, que ao fazer seu caminho
a cavalo até o primeiro trem em Uberaba e daí até a capital federal Rio de
Janeiro, conheceu a futura esposa em 1900, a que se tornaria a primeira-dama e
companheira de todos os momentos das relações políticas, e que tornou-lhe
possível aliar-se a outra bacharel, o cunhado Hermenegildo Lopes de Moraes, e
assim realizar grandes embates a partir de 1904.
Através do casamento, José Xavier de
Almeida encontrou o apoio econômico do sogro, coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, enquanto em vida até 1905, depois o
aliado político Hermenegildo Lopes de Moraes, para fazer da casa de
Morrinhos o espaço privado e politizado para construir as condições através do
sistema eleitoral e partidário e de novas alianças políticas e assim fazer
frente a José Leopoldo de Bulhões Jardim, senador e ministro da
Fazenda.
É assim que se dá o processo de
deslocamento do poder político da capital para o interior no sul do Estado em
Morrinhos, por meios de relações protagonizadas por homens e mulheres nos
ambientes públicos e privados, colocando
dois bacharéis no ambiente público através de José Xavier de Almeida e
Hermenegildo Lopes de Moraes de um lado na luta pelo poder, contra a família
dos bacharéis José Leopoldo de Bulhões Jardim e Guimarães Natal e depois, após
1912, contra o também bacharel Antônio
Ramos Caiado.
Todos esses homens que foram
conduzidos por seus pais coronéis ao Estado de São Paulo após os estudos das
primeiras letras, para buscar o diploma de bacharel em Direito, condição
indispensável para ocupar os postos mais importantes na política goiana nos
primeiros anos da República, obtiveram sucesso em seus pleitos e protagonizaram
as principais relações de poder no período. Aos coronéis estavam reservados os
cargos de menor expressão no Estado, como intendentes, deputados e senadores
estaduais. Se o diploma de bacharel era a porta de entrada para ser presidente
do Estado, senador ou deputado federal, quem não obtinha, mas era filho ou
protegido do coronel, ganhava um cargo público. Mas nesse espaço não tinha nada
reservado às mulheres.
Figura 7
– Diploma de Bacharel em Direito – Faculdade de São Paulo
Fonte: Museu Municipal de Morrinhos
O bacharel José Xavier de Almeida
quebrou a estrutura política criada pelo também bacharel José Leopoldo de
Bulhões Jardim. Nascido em 1871, formou-se
em Direito na Faculdade do Largo do São Francisco em 1894. Foi secretário do
Interior e Justiça entre 1898 e 1899, secretário geral do Partido Republicano,
deputado federal em 1900, presidente de 1901 a 1905 e novamente deputado
federal até 1908. Foi eleito senador em 1909, mas não foi reconhecido e não
assumiu, tendo em vista também o Movimento golpista de 1909.
O rompimento dos bacharéis José
Xavier de Almeida e José Leopoldo de Bulhões Jardim se deu em 1904 com a
aproximação de Gonzaga Jayme, João Alves de Castro e do bacharel Antônio Ramos
Caiado, por motivo de nomeações dos mesmos
para o governo na condição de
secretários no Estado (CAMPOS, 2003, p. 86).
As relações políticas do bacharel
José Xavier de Almeida foram iniciadas no fim do século XIX no grupo de José
Leopoldo de Bulhões Jardim, ao ocupar cargos públicos no governo apoiado por
este, mas que se intensificou com seu casamento com Amélia Augusta de Moraes, e
se consolidou, em julho de 1905, com a não aceitação do pedido de intervenção
federal em Goiás feita pelo também bacharel e ex-aliado José Leopoldo de
Bulhões Jardim.
Os processos eleitorais de 1905
levaram ao reconhecimento em 1906 dos candidatos a deputados federais,
bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes, e ainda de
Eduardo Sócrates e Braz Abrantes para o Senado. Miguel Rocha Lima, cunhado e
apoiado por José Xavier de Almeida se tornou o presidente do estado de julho de
1905 até março de 1909, quando se iniciou o Golpe político de 1909. O mandato
deveria ir até julho de 1909.
Além do casamento, outra maneira
utilizada para manutenção do poder se deu através do preenchimento dos cargos
públicos. Os filhos dos coronéis, quando não eram os bacharéis, a quem estavam
reservados os cargos políticos federais, tinham à disposição um cargo público
para ocupar no Estado e nos municípios.
Esses cargos eram preenchidos por aqueles que tinham as primeiras letras
e atendiam às famílias que tinham relações com o Poder. As mulheres não eram
lembradas para ocupar os cargos públicos e no máximo estudavam o curso normal e
poderiam ser professoras.
Cargos políticos como intendentes,
vice-intendentes, delegados de higiene, membros do conselho municipal,
administradores das Recebedorias, todos ocupados pelo mesmo grupo. Nomeações de
juiz de paz, juiz de direito, promotor, delegado, subdelegado e professores
completavam o quadro de dominação dos homens nas relações do Poder em Goiás na
Primeira República (CAMPOS,2003, p. 57). Recursos
públicos foram usados para fins privados e através de um partido dominante
maximizaram e preservaram interesses pessoais e dos grupos políticos.
É possível que os bacharéis José
Xavier de Almeida, José Leopoldo de Bulhões Jardim, Hermenegildo Lopes de
Moraes e Antônio Ramos Caiado tenham sofrido influências de uma sociedade
secreta da Faculdade de Direito, a “Bucha”, do alemão “Burschenschaft”
ou simplesmente “Bucha”, que era uma sociedade criada em 1830 na Faculdade de
Direito de São Paulo e promovia a aproximação entre os antigos alunos. Sua origem
vem da ordem dos iluminados Alemã e tinha como ideias marcantes o
antimonarquismo, o anticatolicismo, o anticlericalismo, antiescravismo;
era republicana, além de ser liberal e
abolicionista (SIMÕES, 1983, p. 252).
Segundo
Osvald de Andrade, essa associação secreta dirigia os destinos políticos e
financeiros de São Paulo e até do Brasil, já que o grupo era destinado a
funcionar na vida pública e depois de terminados os estudos de seus membros e
por isso também é possível que os presidentes Rodrigues Alves, Prudente de
Moraes, Nilo Peçanha e Afonso Pena, amigos dos dois bacharéis adversários,
prestigiando-os quando presidentes, seja através do Ministério da Fazenda para
José Leopoldo de Bulhões Jardim, seja através da construção da Ponte Afonso Pena
em Santa Rita do Paranaíba em atendimento do pedido do bacharel José Xavier de
Almeida, pertencessem à associação ( SIMÕES, 1983, p. 252).
Tanto José Leopoldo de Bulhões Jardim, quanto José Xavier de Almeida
participaram da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e possivelmente
estiveram entre os pouco mais de trinta
bacharéis formados que participaram ativamente na política da Primeira
República.
Tem-se posturas diferentes dos bacharéis em relação a igreja, porque
enquanto José Leopoldo de Bulhões Jardim teve grandes desavenças com o Bispo
Dom Eduardo Duarte, José Xavier de Almeida, mesmo tendo ideias não católicas
por influência de seu tempo de bacharelado, preferiu agradar à esposa e por
isso não deixou de participar em eventos católicos, tendo como mais marcante
seu casamento em junho de 1901 em Morrinhos.
O homem que liderava as relações de poder nos
anos iniciais da República foi José Leopoldo de Bulhões Jardim, um bacharel
formado em direito na Faculdade do Largo do São Francisco, em São Paulo, e que
desde cedo participava dos processos eleitorais, como deputado geral em 1881 e
depois reeleito, constituinte em 1891, eleito presidente do Estado entre 1892 e
1895, período em que não tomou posse, mas colocou no poder em seu lugar o primo
e militar Ignácio Xavier de Brito e prosseguiu mandando em Goiás depois, de
1895 até 1898 com o outro primo e
cunhado Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim. De 1898 a julho de 1901,
outro cunhado, o militar e engenheiro
Urbano Coelho de Gouveia tornou-se presidente, o último antes da chegada de
José Xavier de Almeida e o primeiro após o Movimento Golpista de 1909.
José Leopoldo de Bulhões Jardim consolidou sua carreira política longe
de Goiás, duas vezes como ministro da Fazenda, primeiro de 1902 a 1906, no
Governo Rodrigues Alves, e de 1910 a 1911 no governo Nilo Peçanha, mas sempre
teve um grupo de seguidores em Goiás para ocupar cargos de deputados,
senadores, governadores e outros não eletivos nas Vilas do Estado naquele
período (CAMPOS, 2003, p.81).
Bulhões, foi casado com uma prima. Ateu convicto, formou seu grupo
político essencialmente familiar através
dos cunhados Joaquim Xavier Guimarães Natal, Francisco Leopoldo Rodrigues
Jardim e Urbano Coelho de Gouvêa.
Esteve sempre atuando dentro de partidos políticos ligados à luta pela
abolição dos escravos, mas longe de Goiás, ora como deputado, ora como
ministro, uma das razões que levaria seu aliado predileto e depois adversário
José Xavier de Almeida a ter o domínio político dos processos eleitorais a
partir de 1901 até nova mudança que ocorreu com o Movimento Golpista de 1909.
Na turma dos bacharéis com
influência católica e no grupo de José Xavier de Almeida, tem-se o bacharel
Hermenegildo Lopes de Moraes, o primeiro filho do segundo casamento de
Francisca Carolina de Nazareth Moraes, nascido em Santa Rita do Paranaíba no
dia 06/10/1870, com formação em Direito no final de 1890 na Faculdade de
Direito em São Paulo e tornado deputado federal em 1894, 1901 e 1905 e 1908.
Foi eleito ainda presidente de Goiás em 1909, mas não teve reconhecido o
resultado e que acabou com o movimento golpista de 1909, liderado por José
Leopoldo de Bulhões Jardim.
Depois da queda do grupo político de José Leopoldo de Bulhões Jardim, o
bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes retorna em alta com a vitória para o
Senado Federal em 1918. Foi o principal articulador político da família após o
ano de 1905, com a morte de seu pai, que tinha o mesmo nome. Casado com a
também católica Maria Amambini Paranhos, foi o primeiro filho ilustre de Santa Rita
do Paranaíba a se tornar deputado e senador federal, além da eleição para
presidente do Estado.
Apoiando os bacharéis, primeiro José Leopoldo
de Bulhões Jardim até 1904, tem-se a figura do coronel e esposo de Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, o capitalista,
fazendeiro e comerciante, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.
Nestas relações de poder não se
pode conceber a figura do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes como figura
autêntica do coronelismo. As suas ações desde a saída de Curralinho, hoje
Itaberaí, pode ser interpretada como a de um empreendedor que viu na Guerra do
Paraguai a primeira grande oportunidade, já que Santa Rita do Paranaíba estava
no caminho das tropas brasileiras que se dirigiam para o Paraguai e
necessitavam de mantimentos como sal e tropas para transportes.
Após estudar no Liceu, na capital
do Estado, Hermenegildo foi para Santa Rita do Paranaíba em 1863, contando com
tino comercial e tropas de burros. Logo
tratou de articular-se com a Igreja local e principais lideranças,
através do padre Félix Fleury do Amorim e do fazendeiro Manoel Martins Marquez,
figuras de destaque no pequeno arraial, e foi nesse ambiente que constituiu
família em 1869, quando era inspetor paroquial, aliando-se à família Marquez,
que também possuía razoável situação financeira, através do casamento com a
viúva Francisca Carolina de Nazareth Moraes. Não se pode falar em casamento
arranjado, pois ambos possuíam boa situação financeira.
Tão logo casou em 1869,
vislumbrando a emancipação de Morrinhos, que ocorreria em 1872, mais uma vez o
coronel Hermenegildo viu uma chance de crescimento político e comercial e
então, já contando com boa situação financeira, foi crescendo cada vez mais,
aumentando os estabelecimentos comerciais e adquirindo fazendas na região de
Morrinhos.
Utilizou como base de sustentação política o capital econômico e a
formação dos filhos homens na Faculdade do Largo do São Francisco, onde
Hermenegildo, o filho, e Alfredo concluíram o curso de direito e alcançaram os
principais cargos políticos do Estado. A sua filha caçula casou-se com José
Xavier de Almeida, mas não existem provas de que tenha sido um casamento
arranjado, assim como ocorreu com as duas enteadas, Anna Theodora e Maria
Carolina, que se casaram com os sócios Pacífico do Amorim da região de
Piracanjuba e Pedro Nunes da Silva, seu sucessor na intendência de Morrinhos.
A riqueza do coronel Hermenegildo foi construída a partir de Santa Rita
do Paranaíba, com o fornecimento de mantimentos e tropas de burros para o
exército brasileiro na Guerra do Paraguai em Santa Rita do Paranaíba até 1870 e
depois através de empréstimos de recursos aos fazendeiros e até políticos,
quando já morava em Morrinhos e até a sua morte em 1905. Na medida em que seus
credores não conseguiam honrar os compromissos acabava recebendo em pagamento
outros bens dos mesmos.
Foi o anfitrião dos políticos que se deslocavam para o Rio de Janeiro e
numa dessas viagens, o então deputado federal José Xavier de Almeida conheceu
sua filha de dezesseis anos, Amélia Augusta de Moraes que estava estudando em
uma escola católica em Uberaba-MG, local de onde partiam os trens para a
capital federal. Foi ali que aconteceram os primeiros encontros e que levariam
Amélia Augusta a se tornar primeira-dama no Estado de Goiás.
Entre os bacharéis que tiveram influência da “Bucha”, destacam-se os Presidentes da
República Rodrigues Alves e Afonso Pena, da
turma de 1870, os goianos da década de 1880, José Leopoldo de Bulhões, formado em 1880, e
Guimarães Natal, em 1882. Na turma da década de 1890, Hermenegildo Lopes de
Moraes é o primeiro a se formar em 1890, José Xavier de Almeida em seguida, no
ano de 1894 e Antônio Ramos Caiado, que sucedeu José Leopoldo de Bulhões Jardim
no poder e teve sua formatura em 1895.
O líder político sucessor de José Leopoldo de Bulhões Jardim no poder a
partir de 1912, Antônio Ramos Caiado, foi casado inicialmente com Iracema de
Carvalho Caiado, que nasceu em 24 de agosto de 1877 e faleceu com apenas trinta
anos, após mudar-se do Rio de Janeiro para a capital de Goiás. Filha de
pernambucano e oficial da Marinha Brasileira, morou na Itália com a família,
quando o pai ocupou cargo de Comissário Geral de Emigração para o Brasil.
Iracema fez seus estudos no Internato da Societá Educativa Marcelline e
o italiano era a língua que aprendeu na infância. Ao retornar ao Brasil, voltou
para o Rio de Janeiro. Conheceu Antônio Ramos Caiado em uma das visitas dele à
irmã Terezinha Caiado de Castro, que residia no Rio de Janeiro. Relata Célia Coutinho de Britto sobre o encontro com
Iracema: “ dos casuais encontros de Antônio Ramos Caiado com Iracema nasceu um
romance de amor, seguido de noivado. Ele havia concluído o curso de Direito na
Metrópole” (BRITTO, 1974, p. 271).
Conta ainda Célia que todos os preparativos para o casamento foram
feitos na Itália, inclusive a compra do vestido de noiva. O casamento foi
realizado em 29 de setembro de 1898 no Rio de Janeiro, ela com vinte e um anos
e Antônio com vinte e quatro anos.
Relata ainda Célia que Iracema e Antônio se mudaram para Goiás e ela
trouxe seu luxuoso guarda-roupa. Ela deixou sua vida cheia de eventos no Rio de
Janeiro como chás, saraus, teatro, praia, bondes, carruagens e não gostou da
mudança para Goiás, caindo em enfermidade e retornando à capital federal, onde
faleceu (BRITTO, 1974, p. 271).
Célia Britto que Antônio Ramos afirma em sua obra que Antônio Ramos
Caiado ficava em constantes viagens e atividades políticas, pois foi
vice-presidente do Estado, deputado provincial e senador da República. Grande
fazendeiro, dedicava-se a visitar também suas fazendas e, faltando tempo, não
acompanhava a realidade da esposa (BRITTO, 1974, p. 273).
Seu primeiro filho faleceu, mas em seguida teve mais três filhos:
Consuelo, Comari e Cori. Após nove anos em Goiás, a doença de Iracema foi
agravada e ela foi fazer o tratamento no Rio de Janeiro, levando os filhos que
foram matriculados no Colégio Sion, onde estudaram por quatro anos e retornaram
para estudar na capital de Goiás.
[...] o perfil de Totó Caiado: “Nunca promete o que não tem intenção de
cumprir e age sempre às claras, num desassombro pouco comum nos tempos que
correm”.Antonio Ramos Caiado, figura polêmica da historia de Goiás, nasceu em
15 de maio de 1874 na Cidade de Goiás, filho de Torquato Ramos Caiado e Claudina
Fagundes Caiado. Fez seus estudos secundários no tradicional Lyceu de Goiás
(fundado em 1846 pelo Barão de Ramalho) e o curso de Direito em São Paulo, onde
se graduou em 1895. Por ocasião da “Revolta da Armada”. em setembro de 1893,
alistou-se no Batalhão Acadêmico de São Paulo, defendendo o governo
constituído. Depois de formado, retornou
à velha Capital de Goiás onde iniciou sua trajetória política, combatendo a
oligarquia dos Bulhões. Em 1897, foi eleito deputado estadual pelo Círculo de
Pirenópolis e, no ano seguinte, em 29/09/ 1898, contraiu matrimônio com Iracema
de Carvalho Caiado (1877-1907), moça educada na Itália e residente na capital,
o Rio de Janeiro. Tiveram seis filhos: os dois primeiros, nascidos em Goiás,
morreram recém-nascidos, seguindo-se Consuelo, Comary e Cory, também nascidas
na velha capital; o último nasceu no Rio de Janeiro, onde faleceu com poucos
dias de vida. Antônio Ramos Caiado lutava no centro das lutas políticas em que
empregava o seu vigor, com o qual formaria sua futura liderança. Em 1903,
assumiu a Secretaria do Interior no governo Xavier de Almeida; no seguinte, de
Miguel da Rocha Lima, exerceu a Secretaria de Finanças. Em 1908, por discordar
da situação política, rompeu com o governo. Na oposição, então arregimentada por
Gonzaga Jayme, Leopoldo de Bulhões, Sebastião Fleury Curado e Eugênio Jardim;
tornou-se líder inconteste. Com Gonzaga Jayme e Eugenio Jardim, chefiou a
“Revolução Branca” ou “Revolução da Quinta”, ocorrida em maio de 1909, que
obtém êxito derrubando o governo constituído. Nesse ano, Antônio Ramos Caiado elegeu-se Deputado
Federal por Goiás, posto para o qual foi reconduzido sucessivamente ate1920,
quando passou a Senador. Nesse mesmo ano de 1909, contraiu segundas núpcias com
Maria Aldagisa de Amorim Caiado (1888-1984), filha de Luis Astholpho de Amorim
e Rosa Amélia Sócrates de Amorim. Desse novo matrimônio teve dez filhos [...] ( O Democrata, ano VI, n°366, pagina 01, edição de 15
maio 1923).
Outro bacharel, militar e engenheiro Eugênio Jardim fez parte da família
Caiado através da união com Diva Caiado em 1909, vindo do Rio de Janeiro
para auxiliar no golpe político e
casar-se no mesmo ano.
Os bacharéis tinham suas ligações com Santa Rita do Paranaíba através do
preenchimento de cargos públicos, sendo o mais importante o de administrador da
Recebedoria do Arraial, ocupado por exemplo por Antônio Xavier Guimarães, irmão
de Joaquim Xavier Guimarães Natal, que representava os vitoriosos do Golpe
político de 1909, inclusive cedendo sua fazenda para organização do golpe a
partir do Norte ao lado do anapolino José
Baptista, o coronel Zeca
Batista, que assinou em 16 de julho de 1909 a lei de emancipação de Santa Rita
do Paranaíba.
A família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes colocou como
funcionário público de confiança o coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão,
inicialmente escrivão da Recebedoria em
1873 (Cachoeira Dourada), e depois de 1880 a 1899, delegado literário em
1906,1908 e 1911, administrador da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba em 1898,
1903, 1906, 1907 1908 e 1909 e ainda subdelegado de polícia em 1892.
Estavam colocados os principais protagonistas
dos embates e arranjos políticos de Goiás na Primeira República: bacharéis e
suas mulheres, coronéis, fazendeiros e funcionários públicos ocupando espaços e
disputando relações de poder nas diversas instituições como, Município, Estado,
União, além das casas das famílias envolvidas com a política e o poder, onde
ocorreu o fenômeno da politização dos espaços privados.
Assim que caiu o grupo político do
bacharel José Xavier de Almeida, imediatamente o grupo político do bacharel
José Leopoldo Bulhões Jardim separou o distrito de Santa Rita do Paranaíba de
Morrinhos, como medida imediata de enfraquecimento político de Morrinhos. Neste
caso, a opinião pública e as mulheres não participaram, ficando como
protagonistas os bacharéis, fazendeiros, comerciantes e funcionários públicos.
Mais que coronéis, o golpe político foi idealizado e executado por bacharéis em
Direito.
3.2 O “GOLPE POLÍTICO” DE 1909 EM GOIÁS
O
processo que se torna o “golpe político” de 1909 em Goiás tem relações que
podem estar ligadas ao ano de 1869, em pleno desenrolar da Guerra do Paraguai,
com o casamento de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que construiu uma
família que mudou os rumos políticos de Goiás.
Podem também apontar desdobramentos a partir de 1901, com a chegada de Amélia Augusta de Moraes ao
Palácio Conde dos Arcos, na capital do Estado, quando assume a presidência do
Estado o bacharel José Xavier de Almeida, até concluir com o evento da
emancipação de Santa Rita do Paranaíba, sempre passando pela casa de Francisca
Carolina de Nazareth de Moraes, mesmo a partir de 1905 com a morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, quando a casa de Morrinhos tem uma mulher como
protagonista a partir de seu ambiente privado.
Além
dos casamentos, da formatura dos bacharéis, das viagens e da morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, outros embates políticos que ocorreram a partir
de 1904 fazem parte do processo que vai resultar no golpe político de 1909 e na
emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
Outras
relações além de políticas, religiosas e familiares também fazem parte do
processo, como a política fiscal dos governos Xavier de Almeida e Miguel Rocha
Lima, que influíram na eclosão do Movimento golpista de 1909, colocando em
evidência e ao lado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, os fazendeiros
descontentes no Estado, responsáveis
pela principal atividade da economia
goiana entre 1901 e 1909.
A eleição de 1908 para deputados e senadores estaduais também
influenciou no Movimento golpista de 1909, já que aliados de José Leopoldo de Bulhões elegeram
maioria, fato que possibilitou não
reconhecer o presidente eleito, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1909.
Devido
à crise econômica e arrocho fiscal, e tendo ainda o deslocamento do poder da
capital para o interior, com o fortalecimento do grupo político de
Morrinhos, o bacharel Antônio Ramos
Caiado, o Totó Caiado, e o engenheiro e militar Eugênio Jardim lideraram o movimento golpista ao lado de fazendeiros, que cercaram a capital de
Goiás em 13 de março de 1909 e forçaram a saída de Miguel da Rocha Lima do
governo e a retirada da vida política do bacharel José Xavier de Almeida.
Além
de não reconhecer a vitória de Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho, como
presidente de Goiás a partir de 1909, não foram reconhecidos também deputados e
senadores eleitos. O perdedor Urbano Coelho de Gouveia, cunhado de José
Leopoldo de Bulhões Jardim, assumiu o poder em julho de 1909, após o golpe
político iniciado em março do mesmo ano.
O
Congresso Legislativo Estadual, composto por doze senadores e vinte e quatro
deputados estaduais, reunia-se duas vezes por ano, entre maio e julho, ocasião
em que votou a Lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que foi
sancionada em 15 de julho de 1909 pelo presidente do Estado em exercício, José
Baptista, terceiro vice-presidente.
O
enfraquecimento de Morrinhos ocorre entre 13 de março, quando Miguel da Rocha
Lima é obrigado a abandonar o governo pelo golpe de 1909, passa pela mudança do
poder para o primeiro vice-presidente Francisco Bertoldo e em seguida para o
presidente do Senado Joaquim Ruffino
Ramos Jubé, chegando até ao coronel anapolino
José da Silva Baptista, antes de assumir definitivamente o engenheiro
Urbano Coelho de Gouveia em 24 de julho de 1909, derrotado nas urnas e elevado
presidente através de golpe político.
Quando
parte da família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes está fora da
política com a volta para casa do genro José Xavier de Almeida e da filha
Amélia Augusta de Moraes, Morrinhos está fora do poder e Santa Rita do
Paranaíba está emancipada.
Alguns
nomes aparecem na emancipação de Santa Rita do Paranaíba, como do coronel José
da Silva Batista, o Zeca Batista, terceiro vice-presidente do Estado, que
estava exercendo a presidência até 23 de julho de 1909. Liderou parte do “golpe” de 1909 a partir de Anápolis e assumiu
o governo de Goiás a partir de primeiro de maio de 1909. Sancionou a Lei de emancipação
de Santa Rita do Paranaíba em 16 de julho de 1909.
Antônio
Xavier Guimarães, irmão de Guimarães Natal, ligado aos Bulhões, foi para Santa
Rita do Paranaíba para exercer o cargo público de Administrador da Recebedoria.
Padrinho de casamento de Jacintho Luiz da Silva Brandão, cedeu sua fazenda para
reunião de pessoas que participaram do Movimento golpista de 1909 a partir do
norte e fez a intermediação política quando da emancipação entre os políticos
de Santa Rita do Paranaíba e o então governo golpista que assumiu em 1909.
Outro líder do Movimento de 1909, Eugênio Rodrigues Jardim, ao se tornar
delegado geral de Polícia de Goiás, nomeou o major Militão Pereira de Almeida para delegado em
Santa Rita do Paranaíba, dando início a um novo ciclo de poder no município
emancipado através golpe político de 1909.
Nas
eleições de 1909 a coligação republicana acabou levando ao poder, através do
“golpe político”, José Leopoldo de Bulhões para senador federal e Antônio Ramos
Caiado, Marcelo Francisco da Silva e Padre Trajano Balduíno como deputados
federais, embora não fossem os mais votados. Na mesma eleição para presidente
do Estado foi reconhecido o engenheiro Urbano Coelho de Gouvêa, que havia
perdido as eleições no voto para o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes.
Na
fazenda Quinta, de propriedade de Eugênio Rodrigues Jardim, o Movimento
golpista foi organizado entre abril e maio, para derrubada do presidente
eleito, quando mais de mil homens foram arregimentados.
Os
fazendeiros descontentes com a política fiscal do grupo político de José Xavier
de Almeida, no poder desde 1901, uniu até aqueles que estavam separados, como o bacharel e fazendeiro Antônio Ramos
Caiado, que se uniu ao grupo de José
Leopoldo de Bulhões Jardim para ajudar
no Movimento golpista de 1909, mesmo tendo sido companheiro do bacharel José
Xavier de Almeida em seu governo.
Até
a morte do Presidente Afonso Pena, em 14 de junho de 1909, também ajudou no
fortalecimento dos Bulhões, pois tendo como amigo de Nilo Peçanha, o vice que
se tornou presidente, levou José Leopoldo de Bulhões Jardim a assumir novamente
o cargo de ministro da Fazenda e assim se tornar novamente um dos protagonistas
da política em Goiás, pelo menos até 1912, quando será derrotado por outros,
até então aliados no golpe político de 1909, como o bacharel Antônio Ramos
Caiado.
Derrubado
o grupo político da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, a
partir de maio de 1909 começou a gestação da emancipação com a votação no
Congresso Goiano e que foi concretizada no dia 16 de julho de 1909 pelo então
presidente do Estado em Exercício, José da Silva Baptista.
3.2 A EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA
DO PARANAÍBA
Até
culminar com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, ocorreram várias
relações políticas e acontecimentos, que têm início quarenta e seis anos antes,
com a chegada de Hermenegildo Lopes de Moraes a Santa Rita do Paranaíba como
funcionário público da Recebedoria em 1863.
A
construção da riqueza e da família que deram origem ao poder político exercido
por Morrinhos na Primeira República tem seu início no Arraial de Santa Rita do
Paranaíba, quando o coronel Hermenegildo, possuidor de tropas de burros e de um
comércio no povoado, consegue abastecer as tropas que iam para a Guerra do
Paraguai, período em que também casou-se com Francisca Carolina de Nazareth
Moraes, cuja família era de fazendeiros bem sucedidos em Santa Rita do
Paranaíba. É ainda em Santa Rita do Paranaíba que nasce o primogênito de
Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1870, e que irá sucedê-lo na liderança das
relações de poder a partir de 1905 com a morte do pai coronel.
Morrinhos
aparece nessas relações de poder a partir de 1871, quando Hermenegildo Lopes de
Moraes se muda para o município, que logo se emancipa em 1872. Para alguns, o
motivo da mudança seria uma doença de Francisca Carolina de Nazareth, mas
Hermenegildo sempre antecipava as grandes mudanças e foi para Morrinhos, onde
foi o primeiro intendente e consolidou-se como fazendeiro adquirindo mais de
vinte e sete fazendas, consolidando o comércio entre Santa Rita do Paranaíba,
Morrinhos, Pouso Alto e outras vilas com o sudeste do Brasil.
Inicialmente chamada de Vila Bela de Morrinhos em
1845, quando então era distrito da Vila
de Santa Cruz, Morrinhos conseguiu sua primeira emancipação em 05 de novembro
de 1855 com a denominação de Vila Bela do Paranaíba, tendo como distrito Santa
Rita do Paranaíba. Após quatro anos,
retorna à condição de Distrito de Santa Cruz, tendo sido suprimida sua condição
de Vila independente administrativamente. Em 1871 o município é restabelecido
com o nome de Vila Bela de Morrinhos e reinstalado em 03 de fevereiro de 1872. No ano de 1882 é
elevado à categoria de cidade, com o nome de Morrinhos, que prevalece até os
dias atuais.
Nascimentos,
casamentos e mortes foram eventos que antecederam os principais embates que
resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba em julho de 1909.
Os nascimentos das jovens primeiras-damas de Santa Rita do Paranaíba e
do Estado de Goiás se deram no início da década de 1880, sendo que Amélia Augusta de Moraes nasceu em Morrinhos,
no dia 27 de agosto de 1884, e Messias Alexandrina Marquez em Santa Rita do Paranaíba, no dia 13 de outubro
de 1883. A mesma sequência foi observada em relação aos casamentos, sendo que
ambas contraíram matrimônio ainda menores de dezoito anos, sendo a primeira em
27 de julho de 1901, quando tinha dezessete anos e a outra em outubro de 1900,
com apenas dezesseis anos.
A
morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em maio 1905, também foi um
acontecimento que antecedeu a emancipação de Santa Rita do Paranaíba e
consolidou a presença da mulher e herdeira Francisca Cândida de Nazareth
Moraes, cuidando dos netos e dos bens.
A morte do presidente Afonso Pena, em junho de 1909, também influenciou
a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, fato que possibilitou mais poder a
José Leopoldo de Bulhões, que voltou a ser ministro da Fazenda do sucessor Nilo
Peçanha.
Enfim, as relações de poder que levaram à emancipação de Santa Rita do Paranaíba
e que se deram através de nascimentos, casamentos e mortes, estiveram sempre
ligadas a uma série de processos políticos, que vão desde a eleição de José
Xavier de Almeida, em 1901, para presidente do Estado, ao seu rompimento com
Leopoldo de Bulhões, em 1904, o que levou ao pedido de intervenção por Leopoldo
de Bulhões em 1905. Passaram pelas vitórias de José Xavier de Almeida, que
homologou as eleições de 1904, mas que começou a se inverter em 1908, ocasião
que o grupo de José Leopoldo de Bulhões fez a maioria de deputados e senadores,
condição que levaria ao não reconhecimento das eleições para deputados
federais, senador e presidente do Estado para 1909, e que dá origem ao
Movimento de 1909, que tem como primeiro
resultado a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
A imagem que se tem do
sul de Goiás no início do século XX é de
um espaço de carência geral de seus moradores, diferenciando-se em poucas
coisas os homens que tinham comércio e cargos públicos, em especial os coletores,
que trabalhavam nas recebedorias fiscais de Santa Rita do Paranaíba.
O quadro da vida, das casas, das
vestimentas e da própria alimentação, narrado por (FRANCO, 1997 p. 119), mostra
um lugar onde predominavam moradias simples, e alimentação à base de feijão
preto, farinha de mandioca e um pedacinho de carne salgada ou toucinho para
todos os moradores.
Uma das características marcantes
da região é o seu destaque como posto de fiscalização do Estado, em um período
em que se travou um grande arrocho fiscal provocado pelo grupo dominante do
período no Estado, que estava bastante ligado à cidade de Morrinhos, cidade-mãe
de Santa Rita do Paranaíba, que teve sua fundação ligada a um porto e
criação da Recebedoria tributária no
período anterior à República, por volta de 1834, quando se consolidava a
primeira organização fiscal do Brasil Independente de Portugal.
As atividades comerciais
predominantes no período estavam ligadas à pecuária e em especial ao comércio,
que eram as principais fontes de tributação na região.
Relacionando à cidade pesquisada,
é possível imaginar a mistura que se
fazia através de uma administração pública deficiente, com funcionários
desqualificados, que misturava o público com o privado e que estava mais sujeita
ao controle dos costumes locais e do mando de seus coronéis, do que aos
regulamentos tributários, como pode ser notado nos embates entre o Ministério
Público e coletores públicos, que faziam uso particular dos recursos
arrecadados dos impostos.
Com a ausência do Estado, uma
justiça sem poder e dominada pelas autoridades locais, municípios pobres e sem
fonte de recursos, o local vai se
constituir em um espaço perfeito para o domínio dos coronéis e seu
fortalecimento, o que pode ter ocorrido com o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, que fez fortuna com a Guerra do Paraguai e ocupou cargos públicos,
chegando no início do século XX com condições
de fazer aliança com os governos devido sua situação econômica abastada.
O período de emancipação mostra um
Estado com estruturas arcaicas, com os grupos dominantes dos coronéis detendo
os meios de administração na nomeação de delegados, coletores e outras
autoridades, proporcionando um desencontro entre as aspirações dos cidadãos e a
possibilidade do Estado de provê-las.
As cidades não tinham recursos
para investimentos menores, como cuidar de suas ruas, ocorrendo em muitos casos
o investimento privado com posterior indenização do Estado, quando era
possível, e assim foi se institucionalizando o poder dos coronéis nas cidades.
Cabe aos que têm recursos
econômicos, como os fazendeiros e comerciantes, exercerem funções do Estado
ausente, como as policiais e judiciárias, o que se faz através de capangas, já
que tais funções não eram supridas por pessoas especializadas.
É dentro desse quadro de pobreza do
poder público local, de uso do aparelho do governo como propriedade privada e
de dominação pessoal sem separação do público com o privado, com o grupo de
coronéis locais ligados aos presidentes da província que vai ocorrer a
emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
É a imagem de uma cidade que vai
ter dono por muitos anos, desde sua fundação, onde o coletor, o delegado, o
conselho de Intendência e a própria intendência vão ser uma extensão das
famílias de comerciantes locais, o que vai ocorrer pela escassez de
funcionários qualificados e ausência do exercício despersonalizado das funções
públicas, com o grupo dominante utilizando o aparelho estatal para atingir
interesses particulares.
A formação dos coronéis de Santa
Rita do Paranaíba a partir da Primeira República pode ser vislumbrada nas obras
“Os donos do Poder” (FAORO, 1989), assim como a maneira como funcionava o
sistema eleitoral, baseado na política dos governadores que sustenta todo o
período.
Nas palavras de Rui Barbosa (apud FAORO, 1989, p. 569), “substitui-se
os principais interesses, o povo pelas facções e os Estados pelos seus
governos.”
A política dos governadores tinha
como características o apoio dos presidentes dos Estados ao Governo Federal,
recebendo poderes e privilégios, que por sua vez formavam suas bases nos
municípios, que deviam obediência aos coronéis que governavam o Estado.
Enquanto fossem aliados, poderiam utilizar as estruturas no Estado no exercício
dos poderes locais.
Verifica-se na Primeira República
uma pequena participação política da população, como se observa nos números
apresentados entre 1870 e 1890, quando o percentual de votantes no período
variava de 2,3% a 3.4% da população, que girava em torno de 10 milhões em 1872
e que atingiu 14 milhões em 1889, sendo que apenas 24% moravam na zona urbana.
A República Velha, período em que
nasceu Santa Rita do Paranaíba caracteriza-se pela pouca participação da
população na vida política, que era para poucos, decorrente do sistema
eleitoral altamente restritivo, com uma população pouco alfabetizada, contando
com cerca de 14,8% por volta de 1890, e um sistema eleitoral viciado, que dava
sustentação à política dos governadores e
à afirmação do coronelismo.
O sistema eleitoral permitia a
qualificação dos eleitores, que era feita pelos coronéis ou por seus indicados,
assim como a tomada e apuração dos votos, tendo o presidente do conselho de
intendência ou o intendente municipal a supremacia do controle, às vezes feito
nas próprias casas das autoridades.
Era utilizada uma forma de
controle que ficava na mão do coronel do Estado e para o comando eleitoral ser
efetivo, o sistema deveria ser estrangulado no município e tudo isso era
garantido pelas milícias estaduais e por instrumentos financeiros.
Prevalecia o sistema de partido
único, do presidente da província ao coronel no município, e as despesas
eleitorais locais cabiam ao coronel local que, em troca, tinha os empregos na
sua região, que seriam ocupados por pessoas indicadas por ele. É um sistema de
reciprocidade, onde o Estado dá os empregos, os favores, tendo a força policial
através de seus capangas, nomeando o delegado, o coletor de impostos, o juiz, o
promotor, e prevalecendo os laços de amizade e compadrio.
A obra de Faoro (1989), permite
entender a figura do coronel que assume o poder local, onde alguns receberam o
nome da antiga Guarda Nacional criada em 1831 e que recaiu também sobre pessoas
detentoras de riquezas, que podiam comprar as patentes.
O coronelismo penetra de tal
maneira nas atividades políticas, constituindo-se no primeiro degrau dessa
estrutura. Ele não manda só porque tem a riqueza, mas há pela população um
reconhecimento de seu poder, sem necessidade de um pacto escrito. É um poder
que se consolida com o aliciamento e preparo de seus eleitores, bem como o
amplo número de cargos locais que terá a sua disposição para fazer suas
indicações.
A política dos governadores e seu
criador, Campos Sales, aconselhando aos presidentes dos Estados a dissolverem
as câmaras municipais e nomear os intendentes, são reflexões tratadas por
Faoro, (1989), que permitem entender os primeiros embates e arranjos que
ocorrem em Santa Rita do Paranaíba. É a política que atrelará os chefes
políticos ao governo estadual, atrofiando os núcleos locais, como ocorreu com
Santa Rita do Paranaíba.
Nos capítulos estudados é possível
entender o uso do poder político como extensão da família e o coronel Sidney
Pereira de Almeida é fruto dessa construção política, havendo historicamente
uma mistura do particular com os bens do Estado.
Nessa obra têm-se os fundamentos
do sistema coronelista que já está imposto desde a fundação da cidade e
manifesta-se com intensidade em sua emancipação, prevalecendo as escolhas e
indicações de cargos públicos de acordo com a confiança e o compadrio, e não com
a capacidade dos escolhidos.
As oligarquias que nascem no
século XIX, o jeito personalista de governar e a própria impregnação do
coronelismo como forma de governo vêm
dos tempos da fundação da cidade.
Este estudo permite uma reflexão
sobre as origens da população que formaria a cidade de Santa Rita do Paranaíba,
onde prevalecia o comércio e a pecuária. No trabalho percebem-se as raízes dos
trabalhadores, que se dá através de aventureiros que vieram em maior parte de
Minas Gerais e dos próprios coronéis que vão governar a cidade em seus
primeiros anos de existência.
Enfim,
essa obra permite refletir sobre o urbano e o rural no período de emancipação,
o funcionamento do poder público nas mãos dos coronéis, a emancipação da cidade
como instrumento de dominação e um povo constituído por aventureiros assentados
em sua maioria na zona rural e os poucos que habitavam o centro urbano, numa
cidade com forte influência ibérica na sua arquitetura, com uma praça central,
duas grandes ruas em duas direções e uma Igreja em sua parte central. Essas são
as raízes dessa cidade do interior do Estado de Goiás, com seu povo, seus
costumes, seus governantes e suas práticas políticas.
O primeiro documento localizado no primeiro ofício da cidade de Goiás e
que trata de Santa Rita do Paranaíba descreve a arrematação do Porto da Fazenda
Nacional por Cândido Rodrigues de Paiva, em 1835, que fazia parte de uma
estrada nova construída até Uberaba-MG (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 23).
Inicialmente o Distrito do Arraial de Santa Rita do Paranaíba foi criado
como parte da Vila de Santa Cruz, em 1849, perdurando essa situação até 1855,
quando então passa a pertencer a Morrinhos, que na época se denominava Vila
Bela do Paranaíba. De 1859, quando é suprimida Vila Bela do Paranaíba, até 1871
quando novamente ocorre a emancipação de Vila Bela de Morrinhos, Santa Rita do
Paranaíba fez parte da Vila de Santa Cruz (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p.
25-29).
Nas relações de poder em Santa Rita do Paranaíba, destacam-se Jacintho
Luiz da Silva Brandão, casado com Messias Alexandrina Marquez, em 1900, e que
não teve nenhum filho; Major Militão Pereira de Almeida, casado pela primeira
vez com Ermelinda Borges de Almeida, em 1883, tendo 10 filhos, sendo o primeiro
o coronel Sidney Pereira de Almeida.
Viúvo em 1903, Major Militão casou-se pela segunda vez em 1905 com
Laudelina Mendes de Almeida, com quem teve nove filhos. Filho de Major Militão,
o coronel Sidney Pereira de Almeida casou-se em 1909 com Maria Clarinda Cotrim,
com quem teve seis filhos.
Qual a relação de Messias Alexandrina Marquez, Laudelina Mendes de
Almeida e Maria Clarinda Cotrim com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba?
São as mulheres presentes na vida privada dos homens que faziam política quando da emancipação de Santa Rita do
Paranaíba e depois nos primeiros anos da Vila emancipada.
Como Villa Bela de Morrinhos exercia um poder político na região sul do
Estado de Goiás, desde 1895, quando Hermenegildo Lopes de Moraes era
vice-presidente do Estado, até 1905 com sua morte, e após este período, o poder
continuou a ser exercido por José Xavier de Almeida, genro de Hermenegildo
Lopes de Moraes, ex-presidente do Estado e deputado federal em exercício,
entrava na cena política outro filho de Hermenegildo Lopes, também deputado federal
e homônimo do pai, Santa Rita do
Paranaíba não tinha nenhuma esperança de emancipação.
O
principal líder local, Jacintho Luiz da Silva Brandão era do grupo de
Morrinhos, tanto é que assumia os principais postos no Arraial de Santa Rita do
Paranaíba, como Administrador da Recebedoria.
Como
principal oponente de Jacintho Luiz da Silva Brandão, apareceu a figura do
coronel Sidney Pereira de Almeida, filho
do maior comerciante do Arraial em 1909.
O
sistema político local tinha no comando o intendente geral, que era figura
escolhida pelo presidente do Estado. O poder legislativo, escolhido pelo povo,
era o conselho Municipal de Intendência.
Nos primeiros anos de governo, os membros do primeiro Conselho Municipal
vão se revezar no poder como intendentes, ora aderindo aos Bulhões, que
mandavam no Estado, quando da emancipação, e depois com o alinhamento do grupo
de Sidney Pereira de Almeida com os Caiado, até 1927.
A Lei de emancipação é o principal documento que corrobora a hipótese de
que a emancipação de Santa Rita do Paranaíba foi o primeiro ato do grupo dos
Bulhões, que assumiu o governo do Estado de Goiás a partir do Movimento de
1909, no mês de maio, quando o poder foi passado ao primeiro vice-presidente e
após ao segundo vice-presidente, que sancionou a lei de emancipação de Santa
Rita do Paranaíba em julho de 1909.
Da
publicação da lei de emancipação à efetiva instalação do município levaram
cerca de dois meses. No mês de setembro, foi nomeado o Conselho Municipal
Provisório, tendo Jacintho Luiz da Silva Brandão sido escolhido presidente
provisório e a missão também de governar o município até a escolha do
Intendente Geral, que ocorreu em dezembro de 1909.
Existiam em Santa Rita do Paranaíba cercam de 83 estabelecimentos
comerciais, figurando como maior, segundo pagamento de impostos, o comerciante
Jacintho Luiz da Silva Brandão, com sete unidades e pagamento de 360$000 réis
(FERREIRA e PINHEIRO, 2009).
Havia uma escola com cerca de sessenta alunos. Enquanto o chefe político
de Morrinhos mandou os filhos para estudar em São Paulo, os filhos da família
de Militão estudavam em Santa Rita do Paranaíba. Mas os primeiros anos iniciais
das filhas de Francisca foram feitos na escola da Vila de Morrinhos, conforme
aparece na relação de alunas matriculadas por volta de 1873.
Enquanto as crianças da família de Francisca Carolina de Nazareth de
Moraes estudavam e viajavam, as crianças das famílias que moravam na zona rural
viviam do pastoreio e de vigiar plantações (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 117).
O então Arraial de Santa Rita do Paranaíba se destacava por algumas
casas comerciais e a família de Major Militão Pereira de Almeida era a segunda
maior comerciante, com dois estabelecimentos, enquanto o filho de Francisca
Carolina de Nazareth de Moraes, o Major Galdino da Silveira Marquez também
tinha comércio no Arraial. No ano da emancipação, em 1909, a família de Major
Militão era a maior pagadora de impostos no então Arraial de Santa Rita do
Paranaíba.
O ano de 1909 vai marcar o aparecimento da família do coronel Sidney
Pereira de Almeida e o afastamento do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão,
então aliado da família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes. O que segurou
alguns dias a presença de Jacintho Brandão na política da emancipada Santa Rita
do Paranaíba foi a presença de Antônio Xavier Guimarães, padrinho de casamento
e aliado do grupo vencedor do golpe político de 1909.
O Arraial de Santa Rita do
Paranaíba começou com um porto e uma estrada, cresceu com a família de
Francisca Carolina de Nazareth Moraes, emancipou-se com o golpe político de
1909 em Goiás e tem na Ponte Afonso Pena o símbolo desse momento, que marcou a
passagem da família pela política de Goiás como protagonistas das relações de
poder que colocaram a região sul em evidência.
3.3 AS MULHERES DA CASA DE DONA FRANCISCA
Dona Francisca Carolina de
Nazareth Moraes tornou-se capitalista e fazendeira após a morte do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes em maio de 1905. A legislação brasileira que
disciplinava a herança nos primeiros anos da República manteve a proteção dos
direitos das mulheres previstos nas leis civis de Portugal e que foram adotadas
após a independência do país até 1916, reservando a elas a metade dos bens
deixados quando da morte dos esposos. Um terço dos bens podia ser disposto através de testamento e dois
terços eram divididos entre os filhos
nascidos do matrimônio e de uniões anteriores
(MELO e MARQUES, 2001 p. 03).
O volume de riqueza deixado como herança era muito
significativo, conforme resume o presidente da Academia de Letras de Morrinhos,
José Afonso Barbosa:
[…] O coronel deixou um império econômico de fazer inveja aos homens
mais ricos do País (oitenta e dois mil alqueires de chão, cinquenta mil cabeças de gado vacum, três
mil e quinhentos equinos, cem contos de réis em caderneta de poupança, uzentos
contos de réis em títulos da dívida pública,lojas comerciais em Morrinhos,
Santa Rita do Paranaíba, Caldas Novas e Pouso Alto, uma infinidade de imóveis
urbanos e uma montanha de dinheiro em
empréstimos a particulares.[...](BARBOSA, 2013).
Os indícios de que ela assumiu a
condição de herdeira em relação a sua meação podem ser vistos nas publicações
do Almanak Laemmert, conhecido como Almanaque Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro, que colhia
dados das áreas comerciais, sociais e financeiros das cidades naquele período
através das intendências. Dona Francisca aparece no rol dos agricultores e de
capitalistas, ao lado de seus filhos e genros na cidade de Morrinhos.
Como capitalista da cidade de Morrinhos, Dona Francisca
é relacionada nos Almanaques dos anos de 1919, 1921 e 1922, ao lado do filho
Francisco Lopes de Moraes e do genro Pedro Nunes da Silva (ALMANAK
LAEMMERT, ed. 76, 77 e 78). Nessas edições
aparecem como agricultores ao lado do outro genro José Xavier de Almeida. O
nome de Dona Francisca foi grafado incorretamente como Francisco C. de Nazareth Moraes. O filho
bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes e o genro José Xavier de Almeida são relacionados
como exportadores de gado.
Na edição 78-79 do Almanak Laemmert do ano de 1922,
Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes aparece na relação de criadores de
gado da região de Santa Luzia, hoje denominada de Luziânia (AMANAK LAEMMERT,
1922, ed. 78-79).
Outros documentos que mostram a participação de Dona
Francisca Carolina de Nazareth de Moraes são petições dirigidas a juízes de
várias comarcas através de editais por condôminos que solicitam citação
pessoalmente ou por carta precatória para Dona Francisca, que morava em
Morrinhos, para demarcação e medição de terras em outros municípios, por
condôminos que não desejavam continuar com as terras comuns a vários
proprietários.
O primeiro Edital que pede a citação de Dona Francisca foi
publicado em 1906 na edição 373 do Semanário Official, similar ao Diário
Oficial publicado nos dias atuais. Na Comarca de Morrinhos, o agricultor
Antônio Ventura da Costa Coutinho, informa que comprou parte dos imóveis
contíguos e comuns denominados “Fazendas Vinagre e Três Barras” e que seja
feita a divisão para formar o quinhão de cada um (SEMANÁRIO OFFICIAL, 1906, Ed.
373).
No ano de 1918, através do jornal Correio Official de
Goiás, na edição 157 de janeiro de
1918, ela é citada por edital para
acompanhar divisão da Fazenda Vargem das Flores, no município de Santa Rita do
Paranaíba, como condômina, ao lado dos filhos Alfredo Lopes de Moraes e
Francisco Lopes de Moraes, além do genro Pedro Nunes da Silva (CORREIO
OFFICIAL, 1918, ed. 157).
Em abril de 1919, o mesmo jornal Correio Official faz
citação para que Dona Francisca Carolina
de Nazareth Moraes acompanhe medição e demarcação da Fazenda Camarão, na região
de Palmeiras de Goiás (CORREIO OFFICIAL, 1919, ed. 218). No mesmo ano, em maio,
novo edital é publicado, para que Dona Francisca na condição do condômina,
acompanhe a demarcação e medição da Fazenda Boa Vista, também localizada em Palmeiras de Goiás (
CORREIO OFICIAL, 1922, ed. 222).
Era tão rara a presença das mulheres como
proprietárias, que na seção de agricultores o nome de Dona Francisca Carolina
de Nazareth Moraes foi digitado como Francisco, possivelmente por erro na
digitação e pela raridade de haver mulheres naquele período como agricultoras
(ALMANAK LAEMMERT, 1919, ed. 77).
Os bacharéis unidos aos fazendeiros mudaram o governo
do Estado de Goiás em 1909 através de um golpe político que resultou na
imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba, mas foram as mulheres da casa
de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes que, a partir de Morrinhos, ganharam presença e visibilidade nas relações
de poder ocorridas naquele período.
Os
homens foram para as melhores escolas e se tornaram bacharéis, mas as mulheres
da casa de Francisca puderam desempenhar mais do que se esperava delas na
criação dos filhos e administração da casa, contando com o privilégio de serem
chamadas de "Dona” , fazendeira, capitalista e primeira-dama através do
casamento e de eventos como da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e
sua herança.
As
relações das mulheres da casa de Dona Francisca foram além dos bordados, das
visitas às igrejas e das criações dos filhos, ampliaram-se para a politização
do espaço privado, viagens para a capital do país e exterior, atividades
filantrópicas nos palácios e sociais nas festas, e principalmente no caso de
Dona Francisca, a administração de fazendas e a condição de capitalista, pois
herdou uma significativa soma de valores em depósitos e empréstimos.
Dona
Francisca Carolina de Nazareth Moraes e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes
não costumavam viajar muito, tanto que até a assinatura da Constituição de 1891
foi realizada em sua casa na cidade de Morrinhos, trazida pelo então líder
político José Leopoldo de Bulhões Jardim. Este é um exemplo da politização do
espaço privado.
Além da casa da família,
outro espaço em que se verificou a presença de Dona Francisca foi a Igreja
Católica nos eventos de batizados e casamentos, tanto em Santa Rita do
Paranaíba, quanto em Morrinhos. Registros da igreja de Santa Rita de Cássia
mostram a presença de Dona Francisca em batizados a partir de 1863, período da
chegada do coronel Hermenegildo a Santa Rita do Paranaíba, o seu casamento em
1869 e no casamento de Damaso Martins Marquez em 1873 (FERREIRA e PINHEIRO,
2009).
Apesar de reproduzir os discursos de dominação dos
homens em relação às mulheres, a Igreja foi um espaço público que permitiu às
mulheres saírem de suas casas e frequentarem espaços públicos. Foi assim que
Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, através de batizados e casamentos,
conheceu o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que levou as relações
políticas para dentro de sua casa.
O casamento de Dona Francisca foi a porta de entrada
nas relações políticas, já que a partir
de Morrinhos passaram a fazer articulações para eleição de deputados
federais, senadores, intendentes e até de governador do Estado. Entretanto,
foram as mortes dos coronéis, tanto o pai em 1886, como o esposo em 1905, que
possibilitaram relações comerciais e a emancipação jurídica de Dona Francisca.
Pertencente a
uma família de cinco irmãos, com a mãe já falecida em 1886, a morte do seu pai
capitão Manoel Martins Marquez proporcionou à Dona Francisca Carolina de
Nazareth de Moraes alguns bens como herança e que foram mantidos em seu nome
mesmo após o casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.
Com o falecimento do coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, assumiu a posição de representante legal da família, o que possibilitou
à Dona Francisca ampliar sua participação em relações econômicas, já que
administrou a parte que lhe coube por herança. Ressalta-se que, apesar da
morte, a política continuou presente em sua casa, já que os filhos e os genros
continuaram ativos nas disputas eleitorais, até 1930, quando finalmente o filho
caçula Alfredo Lopes de Moraes renunciou à presidência do Estado após assumi-la
em julho de 1929.
Embora contasse com muitos filhos e genros, as
atividades políticas dos bacharéis Hermenegildo Lopes de Moraes Filho e José
Xavier de Almeida os levaram a ficar ausentes da casa de Dona Francisca, já que
residiam na capital do país para o
exercício do mandato de deputado federal. As suas presenças em Morrinhos após
1905 davam-se nos recessos parlamentares.
Entre os demais filhos, destaca-se que Galdino da Silveira Marquez, filho do primeiro
casamento, preferiu ficar na região de Santa Rita do Paranaíba, onde exercia
alguns cargos públicos e foi também fazendeiro.
Francisco Lopes de Moraes,
que não se casou e não terminou o curso superior em direito, foi deputado
estadual entre 1905 e 1908. Alfredo Lopes de Moraes deve ter seguido o caminho do irmão
Hermenegildo e assim que terminou as primeiras letras foi para São Paulo fazer
o ensino secundário e cursar direito na Faculdade do Largo de São Francisco,
onde deve ter concluído o curso nos primeiros anos do início do século XX.
Nascido em 1880, só foi desempenhar cargos importantes a partir de 1917, como
secretário do Estado, deputado federal e finalmente presidente do Estado em
1929.
Para descrever a vida de Francisco Lopes de Moraes e
reforçar que Dona Francisca assumiu o controle e exerceu o papel de herdeira, o
acadêmico de Morrinhos José Afonso Barbosa assim comenta sobre a ausência da
casa por um dos filhos:
[…] Francisco Lopes de Moraes
(09/05/1873-20/07/1958), fazendeiro, industrial,
super-rico, boa-vida, preferindo sempre o conforto, os prazeres que o dinheiro dá as portas que ele vai
abrindo, as lindas mulheres, sempre passeando;
de Morrinhos a Araguari no lombo de mula. De Araguari a Uberaba, São Paulo, Rio de Janeiro, de trem. De navio. França,
Espanha, Inglaterra, Portugal, Itália,
Grécia... Pois bem, coronel Chiquinho, como era conhecido, nessas alturas já avançado em dias, levando a vida na
folga, surpreende os familiares e
começa também a aparecer na política. Elege-se Conselheiro
(1904-1908). Em 1907 preside o Conselho Municipal. Elege-se também deputado a Câmara Estadual, na 5ª
Legislatura (1905-1908). Mas não
passa de fogo de palha. De novo volta ao ócio, aos encantos que o dinheiro dá e de novo ganha o mundo.
Foi viver sua vida de playboy [...] (BARBOSA,
2013).
Entre as enteadas do coronel Hermenegildo, a primeira a
exercer a função de primeira-dama foi Maria Carolina da Silveira Nunes, entre
1893 e 1896, ocasião em que seu esposo foi intendente em Morrinhos. Suas ações
ficaram restritas aos limites de Morrinhos, mas continuou a estar presente nas
lutas políticas locais travadas pelo esposo, que se tornou várias vezes
intendente de Morrinhos e substituiu o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes na
liderança política local e também como capitalista e fazendeiro.
A atuação de Anna Theodora da Silveira Amorim foi
limitada a Piracanjuba como primeira-dama,
para onde seguiu com o esposo Pacífico Alves do Amorim, que havia sido
sócio do seu padrasto e se tornou intendente daquele município a partir de
1913.
Quanto aos genros, os antigos sócios do coronel
Hermenegildo, Pacifico Alves do Amorim e
Pedro Nunes da Silva estavam mais ligados aos negócios comerciais, destacando
que as relações políticas locais em Morrinhos foram assumidas pelo coronel
Pedro Nunes da Silva, que, inclusive, substituiu o coronel na chefia da Guarda
Nacional na Região do Rio Piracanjuba, enquanto Pacífico Alves do Amorim foi
administrar sua riqueza e exercer a política em Pouso Alto, hoje Piracanjuba.
Entre as noras de Dona Francisca Carolina, que não lhes
proporcionou netos, destaca-se Maria Amabini Paranhos, esposa do bacharel
Hermenegildo Lopes de Moraes, que era bastante ligada às atividades da Igreja
Católica e se destacava em ações sociais na cidade de Morrinhos, ganhando
inclusive o apelido de “Mãe da pobreza”.
Outra nora, a viúva de um espanhol, Maria Marquez Otero realizou o
segundo casamento com o filho Alfredo
Lopes de Moraes, ocasião em que tinha um filho do primeiro casamento, chamado
Gumercindo Marquez, que se tornou deputado estadual (FONSECA, 1998, p.
185).
Entre todas as mulheres da casa de Dona Francisca
Carolina de Moraes, foi Amélia Augusta de Moraes Almeida, a mais jovem
primeira-dama que o governo de Goiás teve no início do século XX, que se
destacou pela presença nas relações de poder ligadas à política.
A entrada nessas relações de poder também se deu
através do casamento. Não seria bom para a imagem do recém-presidente do Estado
eleito em março de 1901, José Xavier de Almeida, ocupar o cargo sem uma
primeira-dama. A cerimônia foi realizada em 27 de julho de 1901
Assim como a mãe, era católica participante e também
viveu relações a partir da Igreja e da Família. Mas sua presença foi marcada
nos embates e arranjos políticos ao lado do esposo desde 1901, quando ele
ocupou o cargo de presidente, até a derrota política do bacharel José Xavier de
Almeida em março de 1909, fato que o afastou dos embates políticos; a partir
daí ele passou a viver as relações de família, primeiro em Juiz de Fora, Minas Gerais, por alguns anos e depois em
Morrinhos, onde era grande fazendeiro e exportador de gado.
Amélia Augusta de Moraes, delimitou presença nos
espaços públicos desde a frequência de um curso normal entre os anos de 1899 e
1900, mas foi principalmente como primeira-dama do Estado de Goiás, a partir de
1901, quando desempenhava atividades filantrópicas e sociais no palácio do
governo goiano, que marcou presença nas relações de poder, especialmente a
partir dos espaços privados, já que não ocupou formalmente nenhum cargo
público.
Apesar de ser deísta e de ter formação liberal por ter
estudado na Faculdade de Direito de São Paulo, o bacharel José Xavier de
Almeida sofreu influências da mulher Amélia Augusta de Moraes Almeida,
participando dos eventos religiosos na Igreja Católica, tais como batizados,
casamentos e missas, para agradar a esposa.
A filha mais jovem de Dona Francisca Carolina de
Nazareth esteve presente em todas as viagens, seja a passeio para o exterior,
quando trazia vestidos de Paris ( FONSECA, 1998, p. 185), seja para os eventos
políticos em Goiás, até março de 1909, quando houve o golpe político de 1909 e
a saída de cena política, para viver a vida no espaço privado da família, sem
as disputas políticas que marcaram os anos de 1901 a 1909.
Os indícios dessa presença e visibilidade de Amélia
Augusta de Moraes estão descritos na
obra de Célia Coutinho Seixo de Britto, que narra a chegada da primeira-dama no
Palácio Conde dos Arcos, sua vida ao lado do esposo, mesmo depois que deixou a
presidência do Estado, suas viagens para reuniões políticas na capital do
Estado e finalmente a saída de cena, quando ocorreu o Movimento golpista de
1909.
A casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes
foi, durante toda a Primeira República em Goiás um centro de poder político que
elegeu presidentes do Estado, senadores da República, deputados federais,
intendentes e deputados estaduais. A partir dessa casa formaram-se bacharéis,
as mulheres foram instruídas e construíram-se riquezas de fazendeiros,
comerciantes e capitalistas.
Mudaram-se governos em Goiás, emancipou-se Santa Rita
do Paranaíba, mas o maior feito foi revelar a presença e visibilidade de
mulheres, que mesmo não ocupando os cargos públicos da República reservados aos
homens, souberam e exerceram a partir de outros ambientes funções e posições
relevantes, que nos espaços privados foram iguais e até superiores em algumas
situações, como na da herança, que proporcionou a emancipação e a participação
das mulheres como protagonistas em um tempo em que tudo foi atribuído aos
homens e aos coronéis.
Desde
o começo do século XX, a casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes
praticamente só ficava movimentada durante os processos eleitorais. Conclui-se
que apenas o casal e seus empregados passavam ali nos dias normais, já que os
filhos crescidos e criados tinham tomados outros rumos.
A
caçula Amélia Augusta de Moraes Almeida
mudara para a capital de Goiás em 1901, quando
se casou e acompanhou o esposo, José Xavier de Almeida, gerando vários
netos para Dona Francisca. O filho Hermenegildo Lopes de Moraes, como deputado
federal e sem geração de filhos, passava maior parte do tempo onde morava, no
Rio de Janeiro, vindo para Morrinhos nas férias parlamentares. Francisco e Alfredo, ainda solteiros,
viajavam muito pelo país e exterior.
Percebe-se
uma maior proximidade da casa de Dona Francisca de suas duas filhas do primeiro
casamento, Maria Carolina e Anna Theodora, casadas com os sócios do coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes, Pedro Nunes da Silva e
Pacífico Alves do Amorim que ficaram na região sul de Goiás. Logo, deviam
frequentar constantemente a casa com seus filhos.
Eram
intensas as relações comerciais, sociais e políticas durante todos estes primeiros
anos do século XX na casa de Dona Francisca. Discutia-se compra de fazendas, os
negócios do comércio e empréstimos e até
guardava-se dinheiro.
Na
política foram tantas eleições vividas a partir da casa de Dona Francisca, que
se tornou primeira-dama de Morrinhos a partir de 1890 até 1893, quando o
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes se tornou primeiro intendente de Morrinhos
e retornou ao mesmo cargo de 1899 até 1903. Seguiu em 1894, quando o bacharel Hermenegildo Lopes
de Moraes se elegeu deputado federal naquele ano e foi se reelegendo em 1897,
1900, 1903, 1906, 1909 e 1912.
Ainda
em 1894, o genro de Dona Francisca, Pedro Nunes da Silva se tornou intendente
de Morrinhos até 1896, ocasião em que Maria Carolina Silveira Nunes se tornou primeira-dama
da cidade.
No
início do século XX, em 1901, José Xavier de Almeida quando ainda namorava com
Amélia Augusta de Moraes, foi eleito
presidente do Estado de Goiás, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes deputado
federal, em 1903, Francisco Lopes de Moraes disputou e ganhou mandato de
deputado estadual, em 1905.
Após
a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1905, um ano depois foi
novamente eleito o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes para deputado federal, acompanhado de seu cunhado
José Xavier de Almeida, que havia deixado o governo do Estado.
Em 1908, como liderança política e chefe do
diretório do Partido Republicano, José Xavier de Almeida veio para Goiás
organizar o partido para as eleições de 1908. Em 1909, o bacharel Hermenegildo
Lopes de Moraes foi eleito deputado federal e também presidente do Estado, mas
só assumiu o mandato de deputado federal. José Xavier de Almeida chegou a ser
eleito senador federal em 1909, mas não assumiu devido ao golpe político de
1909.
As mulheres da casa de
Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes não ocuparam o espaço público da
política, mas a politização constante de sua casa trouxe a política para suas
relações do dia a dia.
CONCLUSÃO
O estudo
das mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes em Morrinhos
mostra como elas se tornaram presentes e visíveis em um momento de muitos
discursos de dominação dos homens na sociedade. Para quem foram reservado os
papéis de mães, filhas e esposas, ir além através da ocupação de funções como primeiras-damas, fazendeiras,
capitalistas e parceiras dos homens, foi um marco que foi possível através do
processo de politização dos espaços privados e privatização dos espaços
públicos em Goiás na Primeira República.
Constatou-se
que os homens utilizaram todos os instrumentos de dominação em todas as
instituições, desde o parlamento para discussão e aprovação de leis que
excluíram as mulheres dos partidos
políticos, dos cargos públicos e dos processos eleitorais, até na escola, na
Igreja e na família, onde foram reforçados os
papéis destinados aos homens de bacharéis, coronéis, funcionários
públicos, deputados, senadores e presidentes.
As
mulheres aceitam a dominação, quando se postaram nas diversas situações em
posição de obediência aos discursos na família, na Igreja e em suas casas.
Conseguiram avanços através das escolas, das heranças e do exercício de
primeira-dama nos palácios. Pode-se afirmar que houve uma superação parcial dos
discursos de dominação dos homens, mas não foi possível avançar nos espaços políticos através de eleições e
ocupação de cargos públicos.
Quanto à
emancipação política de Santa Rita do Paranaíba do município de Morrinhos,
observou-se que as ações e relações de poder que envolveram as mulheres e os homens
da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, resultou em participações ativas nos embates
e arranjos políticos que se travaram, embora não tenham conseguido a
emancipação e participação nos processos eleitorais, assim como a ocupação de cargos
públicos.
As
mulheres não contestaram o discurso de dominação dos homens na política,
legitimados pela legislação eleitoral, mas souberam articular para estarem
presentes nas decisões, desde o distrito de Santa Rita do Paranaíba, em
Morrinhos até a capital do Estado e o Rio de Janeiro, fenômeno que ocorreu com
a politização dos espaços privados na ocasião que seus esposos foram
intendentes, presidente do Estado, deputados e senadores.
Várias
categorias utilizadas pelas ciências sociais foram historicizadas, desde
Gênero, política e poder, passando pela Experiência e também em relação ao
público e privado.
Metodologicamente
fez-se uma conexão com outras correntes históricas, colocando a política com a
nova história cultural para analisar as práticas e representações do período a
partir de vestígios e sinais, revelando novas interpretações em relação aos
sujeitos homens e mulheres, assim como as novas instituições políticas,
religiosas e sociais que se transformaram após a proclamação da República.
As vivências
políticas na casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes deram
visibilidade e presença às mulheres nas Igrejas através de eventos religiosos,
em especial casamentos e batizados. Elas
entraram no campo econômico com a partilha
das heranças, que lhe deram poder e também foram presentes nos eventos sociais onde as primeiras-damas e
suas festas nos palácios e sedes dos governos chegaram perto das relações
políticas.
Mas foi
também na vida privada das famílias, com a politização desses espaços, o exercício do poder político na capital de
Goiás e na capital federal, tendo como ponto de partida a cidade de Morrinhos
que as mulheres marcaram presença e se revelaram em um processo que teve como
pano de fundo a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
A
evidência da participação das mulheres se deu com maior ênfase com Francisca
Carolina de Nazareth Moraes e suas
filhas Amélia Augusta de Moraes, Maria Carolina Silveira Nunes e Anna Theodora
Silveira do Amorim, todas a partir de Morrinhos e com menor intensidade em
relação à sobrinha Messias Alexandrina Marquez Brandão, cujas relações foram restritas ao distrito de Santa Rita do
Paranaíba.
Todas
tiveram em comum a origem em Santa Rita do Paranaíba, a relação com
comerciantes, fazendeiros e políticos e seus casamentos na Igreja Católica, em um momento em que se
travavam debates ideológicos e políticos entre liberais e o clero católico,
processos eleitorais entre os grupos dos bacharéis José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida.
Notaram-se
também relações de poder na convivência entre os homens e mulheres no ambiente
da Igreja Católica, em um momento em que proclamada a República e a laicidade
do Estado, a Igreja lutou contra a obrigatoriedade do casamento apenas no civil
e essas mulheres souberam contestar seus maridos liberais, conseguindo a adesão
ao discurso do clero de que seus casamentos fossem feitos também na Igreja,
embora não produzissem efeitos legais.
Apesar de
não ter sido objeto de estudo deste trabalho, os estudos permitem novos
desdobramentos na busca da presença e visibilidade das mulheres, como o fato de
no decorrer da pesquisa ter sido observado que outras mulheres também buscaram
ocupar espaços nos anos iniciais da República em Goiás em outros campos que
foram sempre reservados aos homens.
Destacam-se
a formação da Academia Goiana de Letras, criada em 1904 e que teve como
primeira presidente Euridice Natal,
assim como também a formação da primeira bacharel em Direito por Goiás, na
Academia de Direito em 1908, Rosa Godinho de Oliveira, em um tempo que esses
papéis estavam reservados aos homens.
Com a
utilização da categoria Gênero e dentro do
campo casamento, foi possível
fazer uma análise e concluir que esses eventos não foram arranjados para fins
políticos na família estudada, contrariando o que atribuíram alguns
historiadores desse período, pois constatou-se, a partir da vida de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que a aproximação se dá no ambiente
da própria Igreja através de casamentos e batizados e devido à proximidade de pessoas em
condições econômicas semelhantes.
O estudo mostrou, em relação a Amélia Augusta
de Moraes, que as relações políticas do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes
influenciaram na aproximação entre ela e José Xavier de Almeida, pois encontraram-se
evidências de que o relacionamento se deu inicialmente com as passagens do
bacharel por Morrinhos e Uberaba, em Minas Gerais, quando ele exercia o mandato
de deputado federal por Goiás e obrigatoriamente para se deslocar para a
capital federal tinha que passar pelo sul de Goiás e por Uberaba, onde ela
fazia o curso Normal.
Esses
tipos de relações levaram ao casamento típico do período, quando homens
situados na meia idade conheceram jovens mulheres nas conversas políticas,
eventos religiosos e relações comerciais e estas se desdobraram em casamentos.
Em Santa
Rita do Paranaíba, o relacionamento de Messias Alexandrina Marquez de Moraes
com o futuro marido surgiu a partir dos encontros políticos do coronel,
fazendeiro e comerciante Jacintho Luiz da Silva Brandão com o pai dela, Damaso
Martins Marquez.
A relação
teve inicio em uma fazenda da região e
mostrou a influência da mulher em se casar também na Igreja
Católica, realizando o matrimônio em
1900, destacando-se o fato de a noiva
contar então com apenas dezesseis anos e ser católica fervorosa, além de
afilhada de batizado do noivo. O apadrinhamento provocou a negativa de um padre
local para fazer o casamento, mas que foi superado pela escolha de outro padre
para realizar a cerimônia.
Não se pode
atribuir também o interesse de José Leopoldo de Bulhões Jardim em ter em sua
família, por laços matrimoniais, o então aliado, que se tornaria adversário, José Xavier de Almeida, porque as
cinco irmãs de Bulhões já estavam casadas e contando com faixa etária com idade
superior a quarenta anos, pois nasceram na década de 1850. Pelo contrário, José
Xavier de Almeida foi escolhido para ser o presidente do Estado justamente por
críticas à utilização da familiocracia na escolha dos presidentes anteriores por
José Leopoldo de Bulhões Jardim.
A relação
entre os líderes políticos estavam mais fundadas nos fatos de serem bacharéis
em direito, com boa situação econômica, por serem fazendeiros e comerciantes,
além do fato de suas relações políticas, que já duravam alguns anos, desde a
proclamação da República, o que lhes permitiu conhecer as futuras esposas.
É possível
até deduzir que José Leopoldo de Bulhões Jardim escolheu José Xavier de Almeida
para disputar a presidência do Estado pelo seu grupo político, o Centro
Republicano, justamente para desvincular a imagem já desgastada de
familiocracia, pois sempre colocava para ocupar o poder nas instituições
políticas, seus cunhados, fato que já contava com muitas criticas no meio
político.
Em relação
às mulheres da família Bulhões,
verificou-se que o bacharelismo e a política as aproximaram dos futuros governantes, como ocorreu com Ângela de
Bulhões, que contraiu matrimônio com o
bacharel Joaquim Xavier Guimarães Natal.
As demais irmãs casaram-se com outros
aliados políticos de José Leopoldo de Bulhões Jardim, destacando-se Maria
Nazareth de Bulhões, que realizou matrimônio com Francisco Leopoldo Rodrigues
Jardim, irmão de Eugênio Rodrigues Jardim. Outra irmã de José Leopoldo de
Bulhões, Adelaide Emilia de Bulhões, também se tornou sogra, já que do
casamento com o desembargador Benedito Felix de Bulhões nasceu sua futura
esposa Cecília Adelaide.
Fora da regra de uniões que resultaram em cargos públicos e políticos,
Josefina de Bulhões Jardim contraiu matrimônio com Jacome Martins Baggi, cuja
origem era de fazendeiros baianos. A irmã
Leonor Adelaide Bulhões Jardim
casou-se com Urbano Coelho de Gouvêa, governante de Goiás antes da
chegada e saída de José Xavier de Almeida do poder nos anos de 1900 e 1909 .
É interessante ressaltar as características de proximidade e rompimento
entre José Leopoldo de Bulhões Jardim, nascido em 1856 e que se casou em 1890
com sua sobrinha Cecília Adelaide de Sousa, então com dezessete anos, e José
Xavier de Almeida, nascido em 1870 e que também se casou
com uma jovem, Amélia Augusta de Almeida, também com dezesseis anos em julho de 1901.
As relações de proximidade entre
ambos podem ser atribuídas ao fato de serem bacharéis em direito, maçons e
membros da Associação da Faculdade de Direito da “Bucha”, que mais influenciou
na ocupação do poder. O rompimento deve ser atribuído à formação de outros
grupos políticos e pela ausência de José Leopoldo de Bulhões da política
goiana. Quando novamente aproximou-se de Goiás,
tomou o poder através das regras eleitorais vigentes, por ter maioria em
1908 no Congresso goiano de deputados e senadores.
As mulheres que se tornaram visíveis neste trabalho tiveram intensa
participação nas relações de poder, seja nos ambientes familiares quando
administraram as riquezas herdadas tais como fazendas e comércios, ou nos
eventos sociais como primeiras-damas nos palácios dos governos, assim como nas
viagens para participar das eleições; mesmo que lhes tenha sido negado a
participação nos partidos políticos e cargos públicos, elas souberam utilizar
formas de driblar a dominação dos homens nos seus mais variados órgãos e
instituições.
Mesmo que
não se fale em emancipação das mulheres, porque a elas foram negados
alistamento eleitoral, elegibilidade e ocupação de cargos públicos, não se pode
deixar de notar a sua visibilidade, pois
estiveram presentes nos arranjos e embates políticos ao lado dos homens,
através da politização dos espaços privados. Como foi negada às mulheres a
participação nos espaços públicos da política, elas souberam usar estratégias
com a entrada da política nos espaços privados em suas famílias, nas viagens,
nos comércios, nas fazendas e na Igreja.
Especialmente
em Goiás, embora tenham conseguido certa
liberdade, seja pela herança, seja pela família e educação, as mulheres conseguiram espaço nos jogos políticos, mas
mesmo assim acabaram legitimando a
dominação dos homens, sem indícios de contestação dessa situação. Foram
parceiras, aceitando pacificamente as regras colocadas pelos homens.
Verificou-se
com a pesquisa que várias instituições foram utilizadas neste processo de
dominação dos homens, contraditoriamente em um momento em que o discurso era de
liberalismo e modernidade. A Igreja queria manter a sua posição em que
favorecia o domínio dos homens, o Estado não proporcionou leis e interpretação
favoráveis à participação das mulheres no processo político e as famílias
simplesmente reproduziam as relações de poder.
As
mulheres tiveram condições de influir no processo de emancipação de Santa Rita
do Paranaíba, uma vez que irmãos e até o filho de Dona Francisca estavam no
então distrito de Morrinhos, mas elas não defenderam em momento algum a
emancipação. Nem Francisca
Carolina de Nazareth Moraes, que comandava a fortuna herdada do coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes, nem Amélia Augusta de Moraes, que era esposa do presidente do
Estado, moveram qualquer ação pela emancipação de Santa Rita do Paranaíba.
A relação
que demonstra maior participação
política foi de Amélia Augusta de Moraes
Almeida, que esteve presente com o presidente do Estado José Xavier de Almeida
na chegada ao poder em 1901 e na saída, com o movimento de 1909. Francisca
Carolina de Nazareth de Moraes pode ser colocada como referência na emancipação
provocada pelo motivo de herança, quando da morte do coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes. Ambas, contribuíram de maneira significativa para a presença e
visibilidade das mulheres nas relações de poder em Goiás.
Em um
momento em que o discurso era da mulher, mãe e esposa dedicadas ao lar, Messias Alexandrina Marquez Brandão
em Santa Rita do Paranaíba não seguiu esse padrão, pois ao casar-se com
Jacintho Luiz da Silva Brandão, filho de um padre e primeiro presidente do
Conselho Provisório de Intendência do Município, não se tornou mãe e sua
participação se reduziu à família e à Igreja local. Alguns acontecimentos de
natureza religiosa, como o fato de o coronel ser filho de um padre, assim como
sua esposa ser afilhada através de batizado católico, podem ter contribuído
para que a família não tivesse filhos.
Em relação
à participação política, as mulheres que tiveram visibilidade neste trabalho
aceitaram o discurso de dominação dos homens nas relações de poder em relação
ao voto, à ocupação de cargos públicos e aos cursos superiores nas escolas. Mas
elas não se contentaram só com o que lhes era reservado nos papéis de mãe,
filhas e dona de casa. Influíram nos espaços privados, especialmente como
primeiras-damas.
Os
primeiros anos da República deram às mulheres condições para contestação da
dominação dos homens, porque obtiveram heranças, influência das famílias e da
própria condição intelectual, e poderiam ir mais além da condição de parceiras
nas viagens, nos palácios, nos eventos festivos e políticos.
Até que
surgiram alguns espaços para participação, como ocupar uma vaga na Academia,
onde até então só os homens se tornavam bacharéis, pois em Goiás nos Primeiros
anos da Republica foi criada a Academia de Direito e somente uma mulher,
em 1908, concluiu o curso de direito. Poderiam ter lutado pelo voto e
poderiam ter contribuído para a emancipação de Santa Rita do Paranaíba e
principalmente delas mesmas.
Estas
mulheres foram excluídas da participação do voto e da ocupação de cargos
públicos, funções atribuídas aos homens. Essa exclusão não se deu por vedação
literal da legislação no período, mas sim pela interpretação e dominação dos
homens neste sentido, através de seus discursos.
Fez-se a
desconstrução de certas abordagens, como
a que considerava o coronelismo como principal modelo político e realizador dos
embates políticos nesses primeiros anos da República, pois conclui-se que os
embates políticos de Goiás na Primeira República se deram entre os bacharéis em
direito José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida, que utilizaram
estratégias políticas que inclusive atenderam
à legislação eleitoral vigente no período como quando foi possível
reconhecer os eleitos e quando foi necessário, em 1909, fazer a degola e
colocar nos poder os perdedores das eleições de
1909.
Ao
fazer uma nova interpretação das representações dos coronéis no período,
analisaram-se suas práticas e, através da nova história cultural, verificou-se
que esta figura tinha uma imagem bem diferente daquela do período imperial até
a Proclamação da República. Já não tinham as mesmas forças e não foram
exclusivamente os protagonistas das relações de poder.
Criados
pelos coronéis com o papel de serem os grandes representantes no Estado e no
país, foram os bacharéis que protagonizaram, ao lado de suas mulheres, as
principais relações de poder até o golpe político de 1909.
É possível afirmar que a emancipação de Santa Rita do Paranaíba não
passou de um ato político do grupo vencedor, dos bacharéis liderados por José
Leopoldo de Bulhões Jardim, para enfraquecer e retornar o poder político para a
capital do Estado de Goiás que, por quase uma década, se deslocou para
Morrinhos. Assim, os embates que
nasceram com a chegada ao governo de Goiás por José Xavier de Almeida, em 1901,
e terminaram em março de 1909 com o golpe político que não reconheceu a vitória
na eleição do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, levaram à emancipação de Santa Rita do
Paranaíba, como uma das primeiras medidas do grupo vencedor para
enfraquecimento político do grupo até então majoritário, que deslocou para
Morrinhos o centro provisório do poder
político em Goiás.
Em relação à emancipação de Santa Rita do Paranaíba, assim como os
homens locais, não tiveram as mulheres intensa participação nas relações de
Poder. A jovem Messias viveu em seu ambiente do Arraial, enquanto Dona
Francisca Administrava as riquezas herdadas. Amélia Augusta acompanhava José
Xavier de Almeida nos embates políticos no Rio de Janeiro, em Morrinhos e na
cidade de Goiás. As outras duas filhas de Dona Francisca ocuparam espaços como
primeiras-damas em Morrinhos e Piracanjuba.
Pode-se
concluir que os embates e arranjos políticos em Goiás nos primeiros anos da
República emanciparam Santa Rita do Paranaíba, mas não conseguiram o mesmo resultado em relação às mulheres, que
estavam bem perto destas relações de poder, e que, embora pudessem contestar a
situação de dominação, apenas a legitimaram.
Em um
ponto se consegue atingir o objetivo de dar visibilidade às mulheres, pois é
possível comprovar esta presença, porque os homens não fizeram política
sozinhos e as mulheres estiveram juntas em todos os processos políticos, com
condições de irem além, mas sucumbiram na intensa massificação da dominação
exercidas pelo Estado, pela Igreja e pela Família, sempre tendo os homens atrás
destas instituições.
Mesmo que limitadas pelas condições impostas pelos
homens e a sociedade, verificou-se a saída das mulheres do espaço da casa, seja
para a rua ou outros lugares através de viagens e eventos políticos. Para
Michelle Perrot ( apud SANTOS, 1994, p. 503), as mulheres saíram moralmente
dos papéis que lhes foram atribuídos pelos homens e manifestarem sua opinião,
passando de um estado de submissão para independência, tanto no espaço público
como no privado.
E foi assim que, seja pela filantropia praticada por Amélia
Augusta de Moraes Almeida no Palácio do governador ou pelas suas viagens ao Rio
de Janeiro e Europa, seja em outras esferas, como na administração das heranças
por Francisca Carolina de Nazareth
Moraes, essas mulheres ocuparam espaços além daqueles impostos pela
dominação dos homens e marcaram as suas influências nas relações de poder
dentro da sociedade.
Como bem sintetizou Michele
Perrot: “as mulheres souberam
apoderar-se dos espaços que lhes eram deixados ou confiados para alargar a sua
influência até as portas do poder” (apud
SANTOS,1994, p.503). Mas elas poderiam ter ido mais longe.
Santa Rita do Paranaíba foi
emancipada, as mulheres não. Os acontecimentos de 1909 em Goiás foram os
primeiros sinais de uma luta que estava começando.
Depois de 1909, novos grupos
políticos surgiram, sempre com homens e mulheres bem perto. Foi assim com José Xavier de Almeida, o bacharel da turma
de 1894 e sua mulher, Amélia Augusta,
que estavam no centro do poder nos primeiros anos do século XX e ao sair de
cena, o grupo de José Leopoldo de
bulhões Jardim também saiu para a chegada de Antônio Ramos Caiado com sua
esposa Maria Adalgisa, seguindo um
ritual onde mais um bacharel da turma de 1895 do Largo de São Francisco,
acompanhado por uma mulher com quem se
casara em 1909, foi comandar as relações
de poder em Goiás nas próximas duas décadas.
O Bacharel José Leopoldo de
Bulhões Jardim comandou Goiás através de seu cunhado Urbano Coelho de Gouveia
nos primeiros anos da República, que foi sucedido por José Xavier de Almeida,
que se casou com Amélia Augusta de Moraes Almeida em 1901, que teve como
sucessor Miguel da Rocha Lima, que se casou com a irmã de José Xavier de
Almeida, que elegeu seu cunhado e bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes para o
governo em 1909 e não sendo reconhecida sua eleição voltou ao poder em 1909
Urbano Coelho de Gouveia, o cunhado de Bulhões.
Houve sempre uma mulher e um bacharel nas
relações do poder nos primeiros anos da República em Goiás até a emancipação de
Santa Rita do Paranaíba. Como não foi possível as mulheres entrarem nos espaços
públicos delimitados para e pelos homens em suas ações e discursos de
dominação, coube às mulheres da casa de Dona Francisca tornarem-se presentes e
visíveis em todas as relações de poder que levaram senão à emancipação das
mulheres, pelo menos à de Santa Rita do Paranaíba.
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ANEXO A
DECRETO
SOBRE CASAMENTO CIVIL NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Decreto Federal nº 181, de 24 de Janeiro de 1890
Disponível em<
www.planalto.gov.br/cccivil-03/decreto/1851-1899/D181.htm> Acesso em
09/12/2013.
Promulga a lei sobre o casamento civil.
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca,
Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil,
constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, tendo ouvido o Conselho
de Ministros, resolve decretar a lei seguinte:
[...] CAPITULO VII
DOS EFFEITOS DO CASAMENTO
Art. 56. São
effeitos do casamento:
§ 1º
Constituir familia legitima e legitimar os filhos anteriormente havidos de um
dos contrahentes com o outro, salvo si um destes ao tempo do nascimento, ou da
concepção dos mesmos filhos, estiver casado com outra pessoa.
§ 2º Investir
o marido da representação legal da familia e da administração dos bens communs,
e daquelles que, por contracto ante-nupcial, devam ser administrados por elle.
§ 3º Investir
o marido do direito de fixar o domicilio da familia, de autorizar a profissão
da mulher e dirigir a educação dos filhos.
§ 4º Conferir
á mulher o direito de usar do nome da familia do marido e gozar das suas honras
e direitos, que pela legislação brazileira se possam communicar a ella.
§ 5º Obrigar
o marido a sustentar e defender a mulher e os filhos.
§ 6º
Determinar os direitos e deveres reciprocos, na fórma da legislação civil,
entre o marido e a mulher e entre elles e os filhos.
Art. 57. Na
falta do contracto ante-nupcial, os bens dos conjugues são presumidos communs,
desde o dia seguinte ao do casa mento, salvo si provar-se que o matrimonio não
foi consummado entre elles.
Paragrapho
unico. Esta prova não será admissivel quando tiverem filhos anteriores ao
casamento, ou forem concubinados antes delle, ou este houver sido precedido de
rapto.
Art. 58.
Tambem não haverá communhão de bens:
§ 1º Si a
mulher for menor de 14 annos, ou maior de 50.
§ 2º Si o
marido for menor de 16, ou maior de 60.
§ 3º Si os
conjuges forem parentes dentro do 3º gráo civil ou do 4º duplicado.
§ 4º Si o
casamento for contrahido com infracção do § 11 ou do § 12 do art. 7º, ainda que
neste caso tenha precedido licença, do presidente da Relação do respectivo
districto.
Art. 59. Em
cada um dos casos dos paragraphos do artigo antecedente, todos os bens da
mulher, presentes e futuros, serão considerados dotaes, e como taes garantidos
na fórma do direito civil.
Art. 60. A
faculdade conferida pela segunda parte do art. 27 do codigo commercial á mulher
casada para hypothecar ou alhear o seu dote é restricta ás que, antes do
casamento, já eram commerciantes.[...]