domingo, 24 de março de 2024

BICENTENÁRIO DE ITUMBIARA, HISTÓRIAS RECONTADAS - PARTE 1 - A NOVA ESTRADA DE UBERABA PARA ANICUNS


            Monumento a Cunha Mattos - Avenida Beira Rio - Itumbiara

O jornalista Moisés Santana, que morava em Santa Rita do Paranaíba entre 1918 e 1920, atribuiu a fundação de Itumbiara ao Marechal Raimundo José da Cunha Matos, que teria aprovado projeto para construção de uma estrada entre Uberaba – Minas Gerais e Anicuns – Goiás, passando pelo Sertão da Farinha Podre, abaixo da foz do Rio das Velhas.

O IBGE reproduziu a informação na Enciclopédia dos municípios brasileiros e assim por 105 anos e  desde 1919 tem sido considerado.

Em pesquisa realizada no ano de 2009, quando do centenário do aniversário de emancipação de Itumbiara, os historiadores Antônio César Caldas Pinheiro e Josmar Divino Ferreira, após ampla pesquisa, publicaram o livro “Santa Rita do Paranahyba: origem e desenvolvimento. História de Itumbiara- 1909”, que leva a conclusão de que não ocorreu tal fundação em 1824 e que a autoria da construção da Estrada de Uberaba para Anicuns, passando pelo Sertão da Farinha Podre, também não é comprovada. Para fundamentar as conclusões, os autores utilizaram as obras do próprio Marechal Cunha Mattos que registrou sua passagem pela província de Goiás entre 1823 e 1826.

 

A  atribuição de fundador, que foi assumida pelo IBGE em sua Enciclopédia, teria como origem um informação do jornalista Moisés Santana em 1919 na Revista Paranaíba, atribuindo a Cunha Matos o papel de fundador de Santa Rita do Paranaíba. Em 200 anos, após a data de 1824, sugerida como fundação, nenhum documento foi encontrado que confirme a fundação, mas que segue como verdadeira pelo município de Itumbiara. A data não é celebrada, pois se comemora o aniversário somente 12 de outubro de 1909, dia  instalação, definida por Decreto Estadual em setembro de 1909.

 

Mas quem foi Cunha Mattos e o que fez entre 1817 e 1839, no período em que ficou no Brasil?

 

Em biografia resumida, Raimundo José da Cunha Matos, nasceu em Faro – Portugal em 2 de novembro de 1776  e faleceu no Rio de Janeiro, 1839. foi um militar e historiador luso-brasileiro. Entre suas obras, que ajudam a entender sua passagem por Goiás, está “Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas provincias de Minas Gerais e Goias – 1823-1826 (publicado em 1836). Filho de Alexandre Manuel da Cunha Matos e Isabel Teodora Cecília de Oliveira Fontes, casou-se com sua prima Maria Venância de Fontes Pereira de Melo. Sentou praça em 1790, no regimento de artilharia do Algarve, em que seu pai era furriel. Combateu na Catalunha e Roussillon. Passou para a marinha em 1796, onde continuou seus estudos de artilharia. Em 1797 foi nomeado comandante da guarnição de São Sebastião, na Ilha de São Tomé, onde foi ajudante de ordens do governador, provedor da fazenda e feitor da alfândega. Em 1814, major, foi, em licença, ao Rio de Janeiro, onde foi nomeado tenente-coronel, retornando as ilhas como governador. Retornou ao Rio, onde depois deslocado à Pernambuco, combateu a Revolução Pernambucana, em 1817. Em 1818 foi encarregado de organizar a 1a brigada miliciana, pelo general Luís do Rego, assim como a organização das baterias de defesa da costa. Retornou ao Rio, onde em 1819 foi nomeado vice-inspetor do arsenal. Em 1823 foi nomeado comandante de armas de Goiás, donde regressou em 1826 como deputado e foi promovido a brigadeiro. Passou pelo Rio Grande do Sul, como recrutador, nomeado pelo Marquês de Barbacena. Inspetor do arsenal do Exército em 1831, foi a Europa de licença, onde no Porto foi testemunha do Cerco do Porto, a respeito do qual escreveu um livro que editou no Brasil, episódio da Guerra Civil Portuguesa. Retornou ao Brasil, antes do final do cerco, em 1833, para assumir o cargo de diretor da Academia Militar. Propôs, em 1838, junto com o cônego Januário da Cunha Barbosa a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, numa assembléia composta por vinte e sete membros fundadores. Foi agraciado oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro e comendador da Imperial Ordem de Avis.

 

O que era o cargo de Governador das Armas – exercido por Cunha Mattos entre 1823 e 1825 na província de Goiás?

 

Cargo criado por meio do decreto de 1º de outubro de 1821, após a Revolução do Porto, pelas Cortes portuguesas, a fim de melhor administrar e controlar a Colônia. Cada província deveria ter um governador das armas, submetido às ordens do reino e independente das Juntas provisórias. As juntas eram eleitas na localidade e exerciam o Poder Executivo com todas as suas atribuições, exceto a autoridade militar, da qual ficou encarregado o governador das armas, cargo subordinado diretamente a Portugal. Normalmente, o cargo era ocupado por generais que deveriam controlar e organizar as tropas, aplicar a justiça militar, bem como executar quaisquer outras atividades de âmbito militar. Estavam impedidos, porém, de interferir em outros assuntos da província e até mesmo nas eleições de soldados por ordenança. A função foi substituída pelo título comandante das armas em 1830, e no ano seguinte, extinta dos cargos militares. (Glossário de História Luso-Brasileira)

 


Referências bibliográficas

RODRIGUES, Neuma Brilhante Rodrigues. Nos caminhos do Império: a trajetória de Raimundo José da Cunha Mattos. Tese de Doutorado. Brasília – julho 2008 – Universidade de Brasília - Instituto de Ciências Humanas Departamento de História.

FERREIRA, Josmar Divino; PINHEIRO, Antônio César Caldas. Santa Rita do Paranahyba: origem e desenvolvimento. História de Itumbiara. v. 1 Itumbiara, Edição Independente, 2009.

QUEIRÓS, Bianca Martins. Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839) A pena e a espada a serviço da pátria. UFJF – 2009

 

Nilson Freire em sua obra “Nas Barrancas de Santa Rita do Paranaíba” – assim descreve a passagem de Cunha Mattos pela província de Goyás entre 1823 e 1826:

A PASSAGEM DE CUNHA MATTOS PELA PROVÍNCIA DE GOYAZ

A Doutoranda em História, Neuma Brilhante Rodrigues19, fez um estudo sobre a passagem de Cunha Mattos por Goiás no período imperial. Segundo ela, o Marechal serviu como governador de armas na Província entre os meados de 1823 e início de 1826. Ele teria saído do Rio de Janeiro numa viagem por cerca de 2 meses chegando à cidade de Goiás em 15 de julho de 1823.

Na época, a Província de Goyaz contava com um governo civil composto por uma junta provisória com 5 a 7 membros eleitos entre os cidadãos mais célebres por conhecimento, probidade e fidelidade à causa constitucional. O Poder militar era exercido pelo Marechal das Armas.

Segundo Rodrigues, o modelo de Poder imposto pela Corte enfraquecia os Poderes das Províncias. É nesse cenário que Cunha Mattos toma posse como governa dor das armas no dia seguinte à sua chegada, tendo como local o Palácio Conde dos Arcos. O ato foi oficializado pelo presidente da Junta, Álvaro José Xavier Guimarães.

Em 23 de junho de 1823, o Marechal Raimundo José da Cunha Mattos escrevia à Secretaria de Negócios da Guerra, manifestando sua disposição para ajudar a Junta Provisória, destacando entre outras coisas: examinar minas, consertar, cobrir novas estradas, reparos de pontes e braços de rios, entre outros.

O período em que o Marechal de Armas esteve na Província foi marcado por intensos atritos com o governo civil, inicialmente com a Junta, que considerava o marechal arrogante, soberbo e prepotente, e depois com o primeiro presidente da Província.

Cunha Mattos esteve na região Sul da província de Goiás (sem qualquer referência sobre a sugestão da estrada Uberaba – Anicuns), em agosto de 1823, pois relata Rodrigues que, em 25 de agosto de 1823, Cunha Mattos encontrava-se numa viagem pelo sul da Província. Ele estaria desde o início do mês inspecionando as condições das tropas, quando foi avisado pela Junta provisória que o norte da Província, hoje estado do Tocantins, corria risco de ser invadido pelas tropas portuguesas do Maranhão, o que obrigou o governador das armas a retornar e seguir para combater.

Diante desse fato, em 19 de setembro, Cunha Mattos reuniu o Conselho de Guerra, composto por Sargentos-mores, Capitães e oficiais subalternos da tropa de linha e partiu no dia 20 de setembro para uma viagem de mais de 300 léguas rumo ao norte, ficando por aqueles lados por quase um ano. Os invasores portugueses foram vencidos antes da chegada de sua tropa, fato do qual se aproveitou para escrever o itinerário de sua viagem.

As desavenças entre os governos civil e militar na Província se acentuaram, quando chegou em Goyaz, em fevereiro de 1824, a Lei de 20 de outubro de 1823, aprovada pela Assembleia Constituinte, dando nova organização à administração da Província . Pelo novo modelo, cada uma seria administrada por um presidente, com características de executor e administrador, auxiliado por um conselho provincial eletivo.

Embora conservasse a separação dos governos civil e militar, diminuiu bastante a autonomia do comandante militar em relação ao presidente da Província. Cunha Mattos tomou conhecimento desta Lei em 09 de fevereiro de 1824, quando estava na Villa de Cavalcante (Tocantins).

Assim, em setembro de 1824, a Junta Provisória foi substituída pelo presidente da Província, Caetano Maria Lopes Gama e em fevereiro de 1825, Cunha Mattos foi      eleito deputado da Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil, e novamente escreve ao Ministro de Negócios da Guerra deixando a Província de Goyaz em 03 de maio de 1825, substituído por Luiz da Costa Freire de Freitas. Nota-se que contava com muito prestígio e influência junto ao Conselho Militar e ao Imperador.

Posteriormente, Cunha Mattos volta à Goyaz em maio de 1826, com a patente de Brigadeiro efetivo do Exército Brasileiro e Oficial da Ordem do Cruzeiro. Ainda foi reeleito deputado da Província no período de 1830 a 1833, sendo que licenciou-se para ir a Portugal de 1831 e 1833. A partir de 1833 tomou o caminho das letras, vindo a falecer na Corte do Império do Brasil em 1839, como Marechal de Campo do Exército    Brasileiro.

 


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