quinta-feira, 28 de março de 2024

BICENTENÁRIO DE ITUMBIARA, HISTÓRIAS RECONTADAS - PARTE 2 - O PORTO DO RIO PARANAÍBA

 REGULAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DE PORTOS E ESTRADAS PELO GOVERNO IMPERIAL OCORREU EM 1828


         Carta ao Juiz de Paz de Morrinhos em 1835 - Cartório de Registro de Goiás 


A história de Itumbiara está ligada a construção de uma Estrada Nova de Uberaba para Anicuns e de um porto em sua passagem pelo Rio Paranaíba, onde hoje está localizado Itumbiara. Na história oficial do município, consta que esta estrada teria sido sugerido pelo governador das Armas de Goiás em 1824, mas pesquisa de historiadores como Antônio César Caldas Pinheiro e Josmar Divino Ferreira fizeram a desconstrução desta narrativa com base em documentos e que consta da obra "Santa Rita do Paranaíba, origem e desenvolvimento - História de Itumbiara". É deles a obtenção do primeiro documento sobre Santa Rita do Paranaíba sobre a arrematação do Porto do Rio Paranaíba em 1835. Outro historiador que pesquisou sobre o assunto na obra "Nas Barrancas de Santa Rita do Paranaíba" traz a discussão nesta data em que se comemoraria 200 anos da fundação do hoje, chamado município de Itumbiara. 

Que existiu uma estrada nova de Uberaba para Anicuns no inicio do 1830 e a construção de um porto no ponto do Rio Paranaíba, onde hoje se situa Itumbiara, documentos do município de Santa Cruz de Goiás, a qual pertenceu Santa Rita do Paranaíba quando era Arraial e Distrito, assim como a carta de arrematação do porto por Cândido Rodrigues em 1835, estão comprovados. O Que não se comprova é a data de fundação de Santa Rita do Paranaíba em 1824 e também a autoria da fundação, atribuída ao governador das armas Raimundo José da Cunha Mattos, deputado imperial pela provincia de Goiás entre 1826 e 1836.

Quando teria sido autorizado a construção da Estrada e do Porto

Com base em documentos do governo imperial, o Diário de Itumbiara apresenta a Lei de 29 de agosto de 1828, que foi o marco para construção de estradas e portos no primeiro reinado do Brasil:

Uma nova estrada de Uberaba para Anicuns e um novo porto no Rio Paranaíba

 

1828 Marco legal

O mais importante documento sobre o problema de vias de comunicações e transportes do Primeiro Reinado, foi a Lei de 29 de agosto de 1828. Este diploma legal regulava a competência dos governos Imperial, Provincial e Municipal de proverem a navegação dos rios, abrir canais, construir estradas, pontes, calçadas ou aquedutos, e admitia a concessão a nacionais ou estrangeiros, “associados em companhias ou sobre si”. Acatando os dispositivos dessa lei muitas obras foram planejadas e algumas executadas nas províncias.

LEI DE 29 DE AGOSTO DE 1828

Estabelece regras para a construcção das obras publicas, que tiverem por objecto a navegação de rios, abertura de canaes, edificação de estradas, pontes, calçadas ou aqueductos.

D. Pedro I, por Graça de Deus, e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléa Geral decretou, e Nós queremos a Lei seguinte:

     Art. 1º As obras, que tiverem por objecto promover a navegação dos rios, abrir canaes, ou construir estradas, pontes, calçadas, ou aqueductos, poderão ser desempenhadas por emprezarios nacionaes, ou estrangeiros, associados em companhias, ou sobre si.

     Art. 2º Todas as obras especificadas no artigo antecedente, que forem pertencentes á provincia capital do Imperio, ou mais de uma provincia, serão promovidas pelo Ministro e Secretario do Estado dos Negocios do Imperio; as que forem privativas de uma só provincia, pelos seus Presidentes em Conselho; e as que forem do termo de alguma cidade, ou villa, pelas respectivas Camaras Municipaes.

     Art. 3º Logo que alguma das sobreditas obras fôr projectada, as autoridades, a que competir promovel-as, farão levantar a sua planta e plano, e operar a sua despeza por engenheiros, ou pessoas inteligentes, na falta destes.

     Art. 4º A planta, e orçamento da despeza da obra, se affixarão nos logares publicos mais vizinhos della, por um a seis mezes; convidando-se os cidadãos a fazerem as observações, e reclamações, que convierem.

     Art. 5º Approvado o plano de alguma das referidas obras, immediatamente será a sua construcção offerecida a emprezarios por via de editaes publicos; e havendo concurrentes, se dará a preferencia a quem offerecer maiores vantagens.

     Art. 6º No contracto com os emprezarios se expressará, além das mais condições que se convencionarem: Primeiro, o tempo, dentro do qual a obra deverá ser principiada, e acabada; segundo, o interesse, que os emprezarios devem perceber em compensação das suas despezas: e este poderá consistir no direito exclusivo da taxa de navegação dos rios, ou canaes, que se abrirem; na acquisição dos terrenos alagadiços, que, por beneficio de taes obras, se aproveitarem; não sendo de propriedade particular; ou no direito de cobrar e determinada taxa de uso da obra, que fizer o objecto da empreza por certo numero de annos, que se entender necessario para a amortização do capital empregado na obra, com os seus competentes interesses.

     Art. 7º A somma do capital, que pelo orçamento da despeza se calcular ser necessario para a construcção da obra, servirá de base para se fixar o quantitativo da taxa.

     Art. 8º Ao fixar-se o quantitativo da taxa cobravel de cada pessoa, que usar da obra, haverá a necessaria diferença, quanto ás estradas, pontes, e calçadas, entre pedestres, e cavalleiros, as diferenças especies de animaes, e os differentes vehiculos, que por ellas passarem; quanto aos rios, e canaes, entre barcos maiores e menores; e quanto aos aqueductos das aguas para uso das povoações (cuja taxa se cobrará por fogos), entre o maior, e menor consumo, que cada fizer, tendo-se sobretudo em vista as possibilidades em vista as possibilidades, e circumstancias dos moradores.

     Art. 9º Os emprezarios serão obrigados a desempenhar, as emprezas, de que se encarregarem, segundo o plano approvado, e dentro do tempo, que se ajustar, debaixo da pena de pagarem uma multa, que será estipulada nos contractos.

     Art. 10. Os mesmos emprezarios só poderão principiar a cobrar a taxa do uso, e de passagem, depois que a obra estiver concluida; mas se a mesma taxa se dever cobrar em diversos pontos, ou barreiras determinadas, poderão receber as quotas respectivas a estas, logo que as partes da obra relativas aos mesmos lugares ficarem ultimadas, principiando a contar-se o tempo, neste caso, desde que começar a cobrança, e cessando esta, ainda que não tenha cessado a das outras partes da obra.

     Art. 11. O direito de cobrar as taxas de uso, e de passagem, prescreve a favor das pessoas, que as deverem pagar, no mesmo momento em que se tiverem posto fóra do alcance da vista das barreiras, aonde as mesmas taxas se cobrarem, excepto se tiverem passado por força, porque neste caso serão comndenadas a pagar o duplo da importancia da taxa imposta no Juizo dos Juizes de Paz; além das acções, ou correcções criminaes, que podem, e deverem Ter.

     Art. 12. As obras depois de concluidas serão entretidas em estado de perfeita conservação á custa dos emprezarios todo o tempo, que durar o direito de cobrar a taxa de uso, e de passagens das mesmas obras.

     Art. 13. Findo o prazo do contracto, as autoridades, a quem competir, poderão contractar a conservação das obras, reduzindo as taxas do uso, e de passagem, com quem offerecer melhores vantagens.

     Art. 14. Serão isentas de pagar as taxas do uso, e de passagem, as pessoas que das obras fizerem uso em acto do serviço nacional, e bem assim todos, e quaesquer generos, e effeitos da nação, que por ella passarem: e disto se fará expressa menção nos contractos.

     Art. 15. No caso de não apparecerem emprezarios com quem se contractem as referidas obras, serão estas feitas por conta dos rendimentos dos Conselhos, havendo-os, ou da Fazenda Publica; e para indemnização destas despezas, que se fizerem por conta da Fazenda Publica, se imporá o mesmo direito de uso, e de passagem, que deveria Ter lugar, se a obra se contractasse.

     Art. 16. Para este fim serão apresentados ao conhecimento da Assembléa Geral Legislativa pelo Ministro dos Negocios do Imperio os planos das obras sobreditas, acompanhadas da sua planta, e orçamento de despezas, de uma talella das taxas, que convirá estabelecer sobre o seu uso, e passagem, e por quantos annos, e de certidão legal por onde conste das deligencias, que se praticaram para obterem emprezarios. Se a Assembléa Geral approvar a obra será incluida a sua despeza nos orçamentos da receita e despeza dos annos futuros em prestações annuaes; e se determinará o quantitativo da taxa do uso, e passagem, que se houver de cobrar, e por quantos annos.

     Art. 17. Os proprietarios, por cujos terrenos se houverem de abrir as estradas, ou mais obras, serão attendidos em seus direitos nos termos da Lei de 9 de Setembro de 1826, e indemnizados não só das bemfeitorias, mas até do sólo, quando á vista dos seus titulos se mostre que devam ser isentos de os dar gratuitamente.

     Art. 18. Ficam revogadas todas as leis, alvarás, decretos, e mais resoluções em contrario. Mandam portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento, e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém. O Secretário de Estado dos Negocios do Imperio a faça imprimir, publicar e correr.

Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos 29 dias do mez de Agosto de 1828, 7º da Independencia e do Imperio.

     IMPERADOR com a rubrica e guarda.

José Clemente Pereira.

     Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Imperial Manda executar o Decreto da Assembléa geral Legislativa, que houve sanccionar, sobre as obras, que promoveram a navegação de rios, aberturas de canaes, e construcção de estradas, pontes, calçadas, ou aqueductos, tudo na fôrma acima declarada.

Para Vossa Magestade Imperial ver.

Albino dos Santos Pereira a fez.

Registrada a fl. 42 do L 5º de leis, alvarás e cartas.

Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio em 10 de Setembro de 1828. - João Baptista de Carvalho.

Monsenhor Miranda.

     Foi publicada esta Carta de Lei nesta Chancellaria - mór da Corte e Imperio do Brazil. Rio de Janeiro, 11 de Setembro de 1828. - Francisco Xavier Rapozo de Albuquerque.

     Registrada na Chancellaria - mór da Côrte e Imperio do Brazil a fl. 125 v. do L. 1º de cartas, leis e alvarás.
Rio de Janeiro em 11 de Setembro de 1828. - Manoel de Azevedo Marques.

 

Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1828



Publicação:

  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1828, Página 24 Vol. 1 pt I (Publicação Original)

 Fontes de pesquisa:

“Visão Histórica e Análise Conceitual dos Transportes no Brasil”, de Créso Coimbra, 1974;
“Ministérios dos Transportes -Planos de Viação-Evolução Histórica”;
“Breve Histórico Sobre a Evolução do Planejamento Nacional de Transportes”, de Marco Antônio Leite Sandoval (Consultor – COPLAN/CGPLAN/DPP/DNIT).
Outros autores citados/pesquisados: Carlos Seman; Dilma Andrade de Paula.

Veja mais detalhes sobre estes primeiros anos da Estrada Nova de Uberaba e do Porto do Rio Paranaíba na futura Itumbiara. Da obra "Nas Barrancas de Santa Rita do Paranaíba"

O Brasil está independente de Portugal desde 1822 e tem sua primeira Cons- tituição promulgada em 1824. Nesse ambiente, trava-se um embate entre as classes dominantes da sociedade política pelo controle do Poder, que desestabiliza o reinado de Dom Pedro I. uma disputa de correntes no governo imperial, na qual um grupo defende a Monarquia com o Poder centralizado em detrimento de uma maior autono- mia político-administrativa das Províncias.

Na Província de Goyaz, os presidentes são impostos pelo Poder central e inicialmente ela é governada por uma junta com  sete mem- bros, com Poder administrativo, enquanto o Po- der militar é exercido através do governador das armas, na época atribuído ao Marechal de Armas Cunha Mattos (Figura 1), que chegou à região em 1823 e voltou para o Rio de Janeiro em 1825.

O Brasil ganhava sua primeira Constitui- ção, outorgada ao povo brasileiro por D. Pedro I, jurada em 25 de março de 1824. Nela destacava-se a divisão dos Poderes políticos, através do Poder Moderador, função exclusiva do Imperador para garantir a manutenção da independência e a har- monia entre os demais Poderes políticos: o Poder Executivo, o Poder Legislativo (composto por duas Câmaras dos deputados e senadores com mandato de quatro anos) e o Poder Judicial.

Cunha Mattos foi um dos primeiros deputados imperiais, escolhido em 1825 para representar a Província de Goyaz em 1826 na Câmara dos Deputados, sendo re- conduzido para um segundo mandato em 1830. Assim, acredita-se que nessa ocasião ele poderia ter sugerido a construção de uma estrada nova passando pelo Porto de Santa Rita, e não em 1824, como afirmam alguns livros sobre sua autoria na fundação de Santa Rita do Paranahyba.

O Porto de Santa Rita foi implantado pelo Governo Imperial a partir de 1830, para fiscalizar e arrecadar tributos pela passagem de pessoas, animais e mercadorias na travessia do Rio Paranaíba, na divisa das Províncias de Minas Gerais e Goyaz, sendo o primeiro ponto de povoamento da região, quando presume-se que, devido ao costume da época de se apoderar da terra por meio da posse, teriam chegado fazendeiros vin- dos principalmente de Minas Gerais e São Paulo.

Em meados de 1830, Itumbiara certamente foi habitada no início de seu po- voamento por um número reduzido de pessoas, formado por funcionários do império trabalhando no Porto, posseiros e escravos nas grandes fazendas da região, os quais constituíam a sociedade da época, resumida possivelmente a um barco, canoas e al- guns ranchos cobertos de capim.

Nesta época o Porto de Santa Rita do Paranahyba estava ligado à Villa de Santa Cruz, que possuía uma Câmara Municipal, composta por vereadores eleitos, com competência para captar, manter e aplicar suas rendas no governo municipal. Podemos perceber então que o Império foi a primeira força organizada por meio do Poder fiscalizatório do trânsito de mercadorias, animais e pessoas na travessia do Rio Paranaíba. Todavia, em 1835, o governo imperial faz a concessão do Poder sobre o Porto para um civil, através do arrendamento.

 

A data de 1830 como de instalação do Porto do Rio Paranaíba é citada pelo Padre Florentino Bermejo, que foi pároco da Igreja de Santa Rita de Cassia entre 1917 e 1965 no município de Itumbiara, em pesquisas de documentos da Igreja:

“- A cidade de Santa Rita do Paranahyba é situada á margem direita do Rio Paranahyba que a separa do estado de Minas Gerais é banhada pelos córre- gos das pombas, da Trindade e da água Suja.

No ano de 1824 foi por estas paragens passou o primeiro ser humano civiliza- do Antônio José Leite embarcou no Rio dos Bois, perto da capital de Goyaz, descendo até a sua foz no Paranahyba, subio por Esse em viagem de explora- ção, tocando no local onde se acha hoje situada esta florescente cidade.

Em 1830 o deputado Cunha Mattos reresentado Goyaz na Camara Federal propôs que o governo fizesse abrir uma estrada que partindo da Farinha Po- dre (hoje Uberaba) em Minas, viesse em direção a Anicuns, Goyaz, atraves- sando o Paranahyba entre as emborcaduras dos Rios Corumbá e Meia Ponte no ponto mais conveniente. O governo imperial mandou abrir a referida es- trada e o porto escolhido na passagem do Paranahyba, foi justamente onde se acha colocada a cidade de Santa Rita, por esta estrada transitaram forças imperiais com demanda o Theatro da Guerra do Brasil com o Paraguai (1865 a 1870)”.

Cronologia de acontecimentos sobre o Porto, A estrada de Uberaba para Anicuns e a criação do distrito de Santa Rita do Paranaíba:

·   Em 11 de agosto de 1835 o Porto, que pertencia ao governo imperial, foi arrematado por Cândido Rodrigues de Paiva, morador de Aplicação da Se- nhora do Carmo dos Morrinhos. Pela primeira vez é citada a estrada nova pelo escrivão. O arrematante pagava ao governo imperial uma quantia anu- al e cobrava taxas de passagem de cargas, passageiros e animais. A partir de 1837, é possível que tenha havido uma migração maior de mineiros, que fugiam do recrutamento militar;

·   Em 1844 o Porto de Santa Rita do Paranahyba é arrematado para explora- ção por um triênio por Pedro Maciel da Silva;

·   Em 1848 nasce o povoado; há uma citação pela Câmara da Villa de Santa Cruz descrevendo o povoado de Santa Rita do Porto do Rio Paranaíba e afirmando que a principal causa de fundação do povoado seria o Porto, onde residia um grande número de gente sem polícia, que vivia da pesca e da caça, inclusive alguns criminosos.

·   Em 1849 nasce o Arraial de Santa Rita do Paranahyba;

·   Em 1853, o governo da Província de Goyaz assume o controle do Porto de Itumbiara, tendo como comandante o Sargento Salvador Honorato da Fonseca;

·   Segundo José Antônio Pereira, fundador de Campo Grande-MS, a travessia do rio Paranaíba, àquela época, era através de uma pequena balsa, formada por duas canoas unidas por tábuas grosseiras, com capacidade para levar 10 animais em cada viagem, com duração de cerca de 40 minutos, de uma margem à outra, sendo cobrada uma taxa de 700 réis por pessoa.

·   O Porto de Santa Rita do Paranahyba era inicialmente propriedade do go- verno imperial e foi arrematado pela primeira vez em 1835 por Cândido Rodrigues de Paiva, como comprovam documentos de Morrinhos, e posteriormente em 1844, por Pedro Maciel da Silva.

·   Presume-se então que Santa Rita do paranahyba não tenha surgido a partir de 1824 e sim a partir de 1830 que a partir de documentos encontrados, como a lei que autorizou a criação de portos e estradas a partir de 1828 e a arrematação, registrada no Cartório da Capital de Goiás e que data de 1835.


NILSON FREIRE - Advogado

É mestre em História pela PUC GO

Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela Universidade de Coimbra - Portugal

Especialista em Política e Administração Tributária pela FGV

Graduado em Direito pela UFG e Administração de Empresas pela Fesit

Licenciado em História pela UEG e Ciências Físicas e Biológicas pela Fesit

 




domingo, 24 de março de 2024

BICENTENÁRIO DE ITUMBIARA, HISTÓRIAS RECONTADAS - PARTE 1 - A NOVA ESTRADA DE UBERABA PARA ANICUNS


            Monumento a Cunha Mattos - Avenida Beira Rio - Itumbiara

O jornalista Moisés Santana, que morava em Santa Rita do Paranaíba entre 1918 e 1920, atribuiu a fundação de Itumbiara ao Marechal Raimundo José da Cunha Matos, que teria aprovado projeto para construção de uma estrada entre Uberaba – Minas Gerais e Anicuns – Goiás, passando pelo Sertão da Farinha Podre, abaixo da foz do Rio das Velhas.

O IBGE reproduziu a informação na Enciclopédia dos municípios brasileiros e assim por 105 anos e  desde 1919 tem sido considerado.

Em pesquisa realizada no ano de 2009, quando do centenário do aniversário de emancipação de Itumbiara, os historiadores Antônio César Caldas Pinheiro e Josmar Divino Ferreira, após ampla pesquisa, publicaram o livro “Santa Rita do Paranahyba: origem e desenvolvimento. História de Itumbiara- 1909”, que leva a conclusão de que não ocorreu tal fundação em 1824 e que a autoria da construção da Estrada de Uberaba para Anicuns, passando pelo Sertão da Farinha Podre, também não é comprovada. Para fundamentar as conclusões, os autores utilizaram as obras do próprio Marechal Cunha Mattos que registrou sua passagem pela província de Goiás entre 1823 e 1826.

 

A  atribuição de fundador, que foi assumida pelo IBGE em sua Enciclopédia, teria como origem um informação do jornalista Moisés Santana em 1919 na Revista Paranaíba, atribuindo a Cunha Matos o papel de fundador de Santa Rita do Paranaíba. Em 200 anos, após a data de 1824, sugerida como fundação, nenhum documento foi encontrado que confirme a fundação, mas que segue como verdadeira pelo município de Itumbiara. A data não é celebrada, pois se comemora o aniversário somente 12 de outubro de 1909, dia  instalação, definida por Decreto Estadual em setembro de 1909.

 

Mas quem foi Cunha Mattos e o que fez entre 1817 e 1839, no período em que ficou no Brasil?

 

Em biografia resumida, Raimundo José da Cunha Matos, nasceu em Faro – Portugal em 2 de novembro de 1776  e faleceu no Rio de Janeiro, 1839. foi um militar e historiador luso-brasileiro. Entre suas obras, que ajudam a entender sua passagem por Goiás, está “Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas provincias de Minas Gerais e Goias – 1823-1826 (publicado em 1836). Filho de Alexandre Manuel da Cunha Matos e Isabel Teodora Cecília de Oliveira Fontes, casou-se com sua prima Maria Venância de Fontes Pereira de Melo. Sentou praça em 1790, no regimento de artilharia do Algarve, em que seu pai era furriel. Combateu na Catalunha e Roussillon. Passou para a marinha em 1796, onde continuou seus estudos de artilharia. Em 1797 foi nomeado comandante da guarnição de São Sebastião, na Ilha de São Tomé, onde foi ajudante de ordens do governador, provedor da fazenda e feitor da alfândega. Em 1814, major, foi, em licença, ao Rio de Janeiro, onde foi nomeado tenente-coronel, retornando as ilhas como governador. Retornou ao Rio, onde depois deslocado à Pernambuco, combateu a Revolução Pernambucana, em 1817. Em 1818 foi encarregado de organizar a 1a brigada miliciana, pelo general Luís do Rego, assim como a organização das baterias de defesa da costa. Retornou ao Rio, onde em 1819 foi nomeado vice-inspetor do arsenal. Em 1823 foi nomeado comandante de armas de Goiás, donde regressou em 1826 como deputado e foi promovido a brigadeiro. Passou pelo Rio Grande do Sul, como recrutador, nomeado pelo Marquês de Barbacena. Inspetor do arsenal do Exército em 1831, foi a Europa de licença, onde no Porto foi testemunha do Cerco do Porto, a respeito do qual escreveu um livro que editou no Brasil, episódio da Guerra Civil Portuguesa. Retornou ao Brasil, antes do final do cerco, em 1833, para assumir o cargo de diretor da Academia Militar. Propôs, em 1838, junto com o cônego Januário da Cunha Barbosa a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, numa assembléia composta por vinte e sete membros fundadores. Foi agraciado oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro e comendador da Imperial Ordem de Avis.

 

O que era o cargo de Governador das Armas – exercido por Cunha Mattos entre 1823 e 1825 na província de Goiás?

 

Cargo criado por meio do decreto de 1º de outubro de 1821, após a Revolução do Porto, pelas Cortes portuguesas, a fim de melhor administrar e controlar a Colônia. Cada província deveria ter um governador das armas, submetido às ordens do reino e independente das Juntas provisórias. As juntas eram eleitas na localidade e exerciam o Poder Executivo com todas as suas atribuições, exceto a autoridade militar, da qual ficou encarregado o governador das armas, cargo subordinado diretamente a Portugal. Normalmente, o cargo era ocupado por generais que deveriam controlar e organizar as tropas, aplicar a justiça militar, bem como executar quaisquer outras atividades de âmbito militar. Estavam impedidos, porém, de interferir em outros assuntos da província e até mesmo nas eleições de soldados por ordenança. A função foi substituída pelo título comandante das armas em 1830, e no ano seguinte, extinta dos cargos militares. (Glossário de História Luso-Brasileira)

 


Referências bibliográficas

RODRIGUES, Neuma Brilhante Rodrigues. Nos caminhos do Império: a trajetória de Raimundo José da Cunha Mattos. Tese de Doutorado. Brasília – julho 2008 – Universidade de Brasília - Instituto de Ciências Humanas Departamento de História.

FERREIRA, Josmar Divino; PINHEIRO, Antônio César Caldas. Santa Rita do Paranahyba: origem e desenvolvimento. História de Itumbiara. v. 1 Itumbiara, Edição Independente, 2009.

QUEIRÓS, Bianca Martins. Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839) A pena e a espada a serviço da pátria. UFJF – 2009

 

Nilson Freire em sua obra “Nas Barrancas de Santa Rita do Paranaíba” – assim descreve a passagem de Cunha Mattos pela província de Goyás entre 1823 e 1826:

A PASSAGEM DE CUNHA MATTOS PELA PROVÍNCIA DE GOYAZ

A Doutoranda em História, Neuma Brilhante Rodrigues19, fez um estudo sobre a passagem de Cunha Mattos por Goiás no período imperial. Segundo ela, o Marechal serviu como governador de armas na Província entre os meados de 1823 e início de 1826. Ele teria saído do Rio de Janeiro numa viagem por cerca de 2 meses chegando à cidade de Goiás em 15 de julho de 1823.

Na época, a Província de Goyaz contava com um governo civil composto por uma junta provisória com 5 a 7 membros eleitos entre os cidadãos mais célebres por conhecimento, probidade e fidelidade à causa constitucional. O Poder militar era exercido pelo Marechal das Armas.

Segundo Rodrigues, o modelo de Poder imposto pela Corte enfraquecia os Poderes das Províncias. É nesse cenário que Cunha Mattos toma posse como governa dor das armas no dia seguinte à sua chegada, tendo como local o Palácio Conde dos Arcos. O ato foi oficializado pelo presidente da Junta, Álvaro José Xavier Guimarães.

Em 23 de junho de 1823, o Marechal Raimundo José da Cunha Mattos escrevia à Secretaria de Negócios da Guerra, manifestando sua disposição para ajudar a Junta Provisória, destacando entre outras coisas: examinar minas, consertar, cobrir novas estradas, reparos de pontes e braços de rios, entre outros.

O período em que o Marechal de Armas esteve na Província foi marcado por intensos atritos com o governo civil, inicialmente com a Junta, que considerava o marechal arrogante, soberbo e prepotente, e depois com o primeiro presidente da Província.

Cunha Mattos esteve na região Sul da província de Goiás (sem qualquer referência sobre a sugestão da estrada Uberaba – Anicuns), em agosto de 1823, pois relata Rodrigues que, em 25 de agosto de 1823, Cunha Mattos encontrava-se numa viagem pelo sul da Província. Ele estaria desde o início do mês inspecionando as condições das tropas, quando foi avisado pela Junta provisória que o norte da Província, hoje estado do Tocantins, corria risco de ser invadido pelas tropas portuguesas do Maranhão, o que obrigou o governador das armas a retornar e seguir para combater.

Diante desse fato, em 19 de setembro, Cunha Mattos reuniu o Conselho de Guerra, composto por Sargentos-mores, Capitães e oficiais subalternos da tropa de linha e partiu no dia 20 de setembro para uma viagem de mais de 300 léguas rumo ao norte, ficando por aqueles lados por quase um ano. Os invasores portugueses foram vencidos antes da chegada de sua tropa, fato do qual se aproveitou para escrever o itinerário de sua viagem.

As desavenças entre os governos civil e militar na Província se acentuaram, quando chegou em Goyaz, em fevereiro de 1824, a Lei de 20 de outubro de 1823, aprovada pela Assembleia Constituinte, dando nova organização à administração da Província . Pelo novo modelo, cada uma seria administrada por um presidente, com características de executor e administrador, auxiliado por um conselho provincial eletivo.

Embora conservasse a separação dos governos civil e militar, diminuiu bastante a autonomia do comandante militar em relação ao presidente da Província. Cunha Mattos tomou conhecimento desta Lei em 09 de fevereiro de 1824, quando estava na Villa de Cavalcante (Tocantins).

Assim, em setembro de 1824, a Junta Provisória foi substituída pelo presidente da Província, Caetano Maria Lopes Gama e em fevereiro de 1825, Cunha Mattos foi      eleito deputado da Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil, e novamente escreve ao Ministro de Negócios da Guerra deixando a Província de Goyaz em 03 de maio de 1825, substituído por Luiz da Costa Freire de Freitas. Nota-se que contava com muito prestígio e influência junto ao Conselho Militar e ao Imperador.

Posteriormente, Cunha Mattos volta à Goyaz em maio de 1826, com a patente de Brigadeiro efetivo do Exército Brasileiro e Oficial da Ordem do Cruzeiro. Ainda foi reeleito deputado da Província no período de 1830 a 1833, sendo que licenciou-se para ir a Portugal de 1831 e 1833. A partir de 1833 tomou o caminho das letras, vindo a falecer na Corte do Império do Brasil em 1839, como Marechal de Campo do Exército    Brasileiro.