quarta-feira, 12 de outubro de 2022

SEM HEROIS E PRESERVAÇÃO, ITUMBIARA COMEMORA 113 ANOS DE INSTALAÇÃO

 PODERIAM SER 198 ANOS DE UMA ESTRADA, 180 ANOS DA IGREJA OU 170 ANOS DO DISTRITO, MAS O ANIVERSÁRIO FOI ESCOLHIDO EM 1909 NA DATA DA INSTALAÇÃO


             Pilares da ponte Afonso Pena - inaugurada em 15 de novembro de 1909


Prédio mais antigo no Centro Histórico, capela de Santa Rita iniciada em 1842, foi modificada e com frente alterada de lugar e forma


Ponte Afonso Pena - mudança de lugar para atender empresa estatal em 1974 - Furnas

Itumbiara poderia comemorar o seu aniversário em diferentes datas. Se levasse em consideração a uma possível data de fundação, que não se consegue provar, o aniversário a ser comemorado seria de 198 anos, após uma possível indicação em 1824 de construção de uma estrada por Marechal Cunha Mattos, que não ocorreu. Poderia também comemorar 189 da instalação do Porto do Paranaíba, arrematado em 1833. Caso se orientasse por documentos da Igreja Católica, o aniversário seria de 180 anos do início da construção da Capela de Santa Rita de Cássia, que deu origem a um povoado a partir de 1842. Com documentos, poderia também comemorar 170 anos, da transformação do povoado em um distrito de Santa Cruz de Goiás, em 1852. Mas a comemoração é de 113 anos da instalação e o que resta ainda intacto da história e preservado desta data em outubro de 1909, são as pilares da ponte Afonso Pena, inaugurado em 15 de novembro de 1909. Os demais marcos históricos, ou mudaram de lugar ou de forma ou foram destruídos. Itumbiara não preserva a sua história.

Entenda a emancipação

emancipação em 16 de julho de 1909 

Lei 349 - 16 de julho de 1909 - o Arrayal de Santa Rita do Paranahyba foi elevado a Villa. (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p 31)

 

Autógrafo de Lei nº 12

       CONGRESSO LEGISLATIVO DO ESTADO DE GOIÁS

O Arraial de Santa Rita do Paranaíba foi elevado à categoria de Villa

       Art. 1º -  Fica elevada à categoria de Villa, o Arrayal de Santa Rita do Paranahyba, constituindo município autônomo com as atuais linhas de seu território.

       Art. 2º - A Villa será instalada tão logo seus habitantes provem estarem preenchidas as condições essenciais de que acata a Lei Orgânica dos Municípios sob nº 205 de 7 de agosto de 1908.

       Art. 3º - Revogão-se as disposições em contrário.

Paço do Senado do Estado de Goiás, 15 de julho de 1909.

       Joaquim Ruffino Ramos Jubé

       Luiz Medeiros – 1º secretário

       Sanciono. Publique-se

       Goyas, 16 de julho de 1909

       José  da Silva Baptista (Presidente do Estado em exercício)

 A designação da data de 12 de outubro para instalação do município

Decreto 2518 de 18 de setembro de 1909

                       O Presidente do Estado, considerando que, pela Lei 349, de 16 de julho          findo, foi o distrito de Santa Rita do Paranaíba elevado a município.                       DECRETA:

                       Art. 1 – Fica nomeada uma Intendência composta dos cidadãos coronel          Jacintho Brandão, capitão Joaquim Thimóteo de Paula, Antônio Joaquim da Silva, Francisco Carneiro de Castro, Joaquim Firmo de Velasco,           Olegário Herculano de Aquino e Josino Antônio de Gusmão, o primeiro           como presidente e os demais como membros, para instalar o município          de Santa Rita do Paranaíba e administra-lo provisoriamente.

                        § único. O presidente e os membros da Intendência prestação o                     compromisso de seus cargos e exercerão as suas funções e, de acordo         com a Lei n. 129, de 23 de junho de 1897;

 Art. 2 – É designado o dia 12 de outubro, para ter lugar a instalação do          município e o dia 16 de dezembro, tudo do corrente ano,  a fim de se             proceder a eleição de intendente, vice-intendentes e conselheiros                             municipais.

                       Art. 3 – Revogam-se as disposições em contrário.

                        O Secretário do Interior, Justiça e Segurança Pública expeça as         necessárias                                       comunicações.

                       Palácio da Presidência do Estado de Goiás, 18 de setembro de 1909. 21º da   República.

                       Urbano Coelho de Gouvea.

                        (Semanário Oficial, 25 de setembro de 1909. Número 479)


A instalação do Município de Santa Rita do Paranaíba ocorreu em 12 de outubro de 1909, conforme a Ata (ALMEIDA NETO, 1997, p.10-11).

ATA DE INSTALAÇÃO DE SANTA RITA DO PARANAÍBA

Aos doze dias  do mês de outubro do ano de Um mil, novecentos e nove, 21º da República dos Estados           Unidos do Brasil, neste arraial de Santa Rita do Paranaíba, pelas doze horas do dia, na sala das sessões do Conselho Municipal, ali presentes os cidadãos: Coronel Jacintho Brandão, Joaquim Timóteo de Paula, Joaquim Firmo de Velasco, Antonio Joaquim da Silva, Olegário Herculano de Aquino, Josino de Gusmão e Coronel Sidney Pereira de Almeida, o primeiro como presidente e os demais como membros do Conselho Municipal Provisório de Santa Rita do Paranaíba, nomeados por Decreto nº 2.518 de 18 de setembro de 1909, para instalar o município e administrá-lo provisoriamente. O Sr.  Presidente levantou-se e deferiu o compromisso e os demais membros, conforme consta no termo lavrado em livro especial da seguinte forma: “por minha honra e pela Pátria, prometo solenemente preencher com toda exatidão e escrúpulo os deveres inerentes do cargo de conselheiros provisórios (…) nesse desempenho quando em mim couber a bem do Município, do Estado e de seus concidadãos.” Este compromisso foi prestado por todos os membros do Conselho Municipal perante o Presidente. Declarando em seguida o Sr. Presidente em voz alta: “instalo o Município de Santa Rita do Paranaíba, criado pela Lei nº 349 de 16 de julho de 1909.” Após estas palavras do  Senhor Presidente, a banda local ai presente executou o Hino Nacional que foi ouvido com o devido respeito. Em seguida tomando a palavra, produziu em nome do diretório do Partido Democrata local, brilhante oração alusiva ao ato, o cidadão Joaquim Firmo de Velasco ao terminar brindou o Dr. Urbano Coelho de Gouveia, DD. Presidente do Estado. O Sr. Coronel Antonio Xavier Guimarães em nome do Sr. Presidente do Estado agradeceu a saudação. O Revmo Padre Teófilo José de Paiva, ai presente orou […] O Sr. Pretextato Marques da Silva fez um belo discurso mostrando que  a prosperidade e o engradecimento que ora se instalava, devia somente ter por base a união de todo o povo. Também fez uma pequena locução, a interessante menina Gersomilda Santos, sendo em seguida cantado por um grupo de senhoritas o Hino Nacional. Terminando desta forma o ato de instalação da Vila de Santa Rita do Paranaíba ao qual assistiu grande número de         populares, o Sr. Presidente mandou lavrar esta ata que assina comigo Coronel Sidney Pereira de Almeida, secretário e demais membros do Conselho,como todas as pessoas presentes, que quiserem. Coronel Jacintho Brandão, Presidente, Coronel Sidney Pereira de Almeida, Secretário, Josino Antonio de Gusmão, Joaquim Firmo de Velasco, Joaquim Timótheo de Paula, Olegário Herculano de Aquino e Antonio Joaquim da Silva.

 

SEM HERÓIS, EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE SANTA RITA DO PARANAÍBA (1943 Itumbiara), nasce de golpe político em  1909

 O “GOLPE POLÍTICO”  DE 1909 EM GOIÁS

 

            O processo que se torna o “golpe político” de 1909 em Goiás tem relações que podem estar ligadas ao ano de 1869, em pleno desenrolar da Guerra do Paraguai, com o casamento de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, que construiu uma família que mudou os rumos políticos de Goiás.  Podem também apontar desdobramentos a partir de 1901, com  a chegada de Amélia Augusta de Moraes ao Palácio Conde dos Arcos, na capital do Estado, quando assume a presidência do Estado o bacharel José Xavier de Almeida, até concluir com o evento da emancipação de Santa Rita do Paranaíba, sempre passando pela casa de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, mesmo a partir de 1905 com a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, quando a casa de Morrinhos tem uma mulher como protagonista a partir de seu ambiente privado.

            Além dos casamentos, da formatura dos bacharéis, das viagens e da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, outros embates políticos que ocorreram a partir de 1904 fazem parte do processo que vai resultar no golpe político de 1909 e na emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

            Outras relações além de políticas, religiosas e familiares também fazem parte do processo, como a política fiscal dos governos Xavier de Almeida e Miguel Rocha Lima, que influíram na eclosão do Movimento golpista de 1909, colocando em evidência e ao lado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, os fazendeiros descontentes  no Estado, responsáveis pela principal atividade  da economia goiana entre 1901 e 1909.

A eleição de 1908 para deputados e senadores estaduais também influenciou  no Movimento golpista  de 1909, já que  aliados de José Leopoldo de Bulhões elegeram maioria, fato que  possibilitou não reconhecer o presidente eleito, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1909.

            Devido à crise econômica e arrocho fiscal, e tendo ainda o deslocamento do poder da capital para o interior, com o fortalecimento do grupo político de Morrinhos,  o bacharel Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado, e o engenheiro e militar Eugênio Jardim  lideraram o movimento golpista ao lado  de fazendeiros, que cercaram a capital de Goiás em 13 de março de 1909 e forçaram a saída de Miguel da Rocha Lima do governo e a retirada da vida política do bacharel José Xavier de Almeida.

            Além de não reconhecer a vitória de Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho, como presidente de Goiás a partir de 1909, não foram reconhecidos também deputados e senadores eleitos. O perdedor Urbano Coelho de Gouveia, cunhado de José Leopoldo de Bulhões Jardim, assumiu o poder em 24 de julho de 1909, após o golpe político iniciado em março do mesmo ano.

            O Congresso Legislativo Estadual, composto por doze senadores e vinte e quatro deputados estaduais, reunia-se duas vezes por ano, entre maio e julho, ocasião em que votou a Lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba, que foi sancionada em 15 de julho de 1909 pelo presidente do Estado em exercício, José Baptista, terceiro vice-presidente.

            O enfraquecimento de Morrinhos ocorre entre 13 de março, quando Miguel da Rocha Lima é obrigado a abandonar o governo pelo golpe de 1909, passa pela mudança do poder para o primeiro vice-presidente Francisco Bertoldo e em seguida para o presidente do Senado  Joaquim Ruffino Ramos Jubé, chegando até ao coronel anapolino  José da Silva Baptista, antes de assumir definitivamente o engenheiro Urbano Coelho de Gouveia em 24 de julho de 1909, derrotado nas urnas e elevado presidente através de golpe político.

            Quando parte da família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes está fora da política com a volta para casa do genro José Xavier de Almeida e da filha Amélia Augusta de Moraes, Morrinhos está fora do poder e Santa Rita do Paranaíba está emancipada.

            Alguns nomes aparecem na emancipação de Santa Rita do Paranaíba, como do coronel José da Silva Batista, o Zeca Batista, terceiro vice-presidente do Estado, que estava exercendo a presidência até 23 de julho de 1909.      Liderou parte do “golpe” de 1909 a partir de Anápolis e assumiu o governo de Goiás a partir de primeiro de maio de 1909. Sancionou a Lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba em 16 de julho de 1909.

            Antônio Xavier Guimarães, irmão de Guimarães Natal, ligado aos Bulhões, foi para Santa Rita do Paranaíba para exercer o cargo público de Administrador da Recebedoria. Padrinho de casamento de Jacintho Luiz da Silva Brandão, cedeu sua fazenda para reunião de pessoas que participaram do Movimento golpista de 1909 a partir do norte e fez a intermediação política quando da emancipação entre os políticos de Santa Rita do Paranaíba e o então governo golpista que assumiu em 1909.

Outro líder do Movimento de 1909, Eugênio Rodrigues Jardim, ao se tornar delegado geral de Polícia de Goiás, nomeou o major  Militão Pereira de Almeida para delegado em Santa Rita do Paranaíba, dando início a um novo ciclo de poder no município emancipado através golpe político de 1909.

            Nas eleições de 1909 a coligação republicana acabou levando ao poder, através do “golpe político”, José Leopoldo de Bulhões para senador federal e Antônio Ramos Caiado, Marcelo Francisco da Silva e Padre Trajano Balduíno como deputados federais, embora não fossem os mais votados. Na mesma eleição para presidente do Estado foi reconhecido o engenheiro Urbano Coelho de Gouvêa, que havia perdido as eleições no voto para o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes.

            Na fazenda Quinta, de propriedade de Eugênio Rodrigues Jardim, o Movimento golpista foi organizado entre abril e maio, para derrubada do presidente eleito, quando mais de mil homens foram arregimentados.

            Os fazendeiros descontentes com a política fiscal do grupo político de José Xavier de Almeida, no poder desde 1901, uniu até aqueles que estavam separados,  como o bacharel e fazendeiro Antônio Ramos Caiado, que  se uniu ao grupo de José Leopoldo de Bulhões Jardim  para ajudar no Movimento golpista de 1909, mesmo tendo sido companheiro do bacharel José Xavier de Almeida em seu governo.

            Até a morte do Presidente Afonso Pena, em 14 de junho de 1909, também ajudou no fortalecimento dos Bulhões, pois tendo como amigo de Nilo Peçanha, o vice que se tornou presidente, levou José Leopoldo de Bulhões Jardim a assumir novamente o cargo de ministro da Fazenda e assim se tornar novamente um dos protagonistas da política em Goiás, pelo menos até 1912, quando será derrotado por outros, até então aliados no golpe político de 1909, como o bacharel Antônio Ramos Caiado.

            Derrubado o grupo político da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, a partir de maio de 1909 começou a gestação da emancipação com a votação no Congresso Goiano e que foi concretizada no dia 16 de julho de 1909 pelo então presidente do Estado em Exercício, José da Silva Baptista.

 

 

 

 

 

3.2  A EMANCIPAÇÃO DE SANTA RITA DO PARANAÍBA

 

            Até culminar com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, ocorreram várias relações políticas e acontecimentos, que têm início quarenta e seis anos antes, com a chegada de Hermenegildo Lopes de Moraes a Santa Rita do Paranaíba como funcionário público da Recebedoria em 1863.

            A construção da riqueza e da família que deram origem ao poder político exercido por Morrinhos na Primeira República tem seu início no Arraial de Santa Rita do Paranaíba, quando o coronel Hermenegildo, possuidor de tropas de burros e de um comércio no povoado, consegue abastecer as tropas que iam para a Guerra do Paraguai, período em que também casou-se com Francisca Carolina de Nazareth Moraes, cuja família era de fazendeiros bem sucedidos em Santa Rita do Paranaíba. É ainda em Santa Rita do Paranaíba que nasce o primogênito de Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1870, e que irá sucedê-lo na liderança das relações de poder a partir de 1905 com a morte do pai coronel.

            Morrinhos aparece nessas relações de poder a partir de 1871, quando Hermenegildo Lopes de Moraes se muda para o município, que logo se emancipa em 1872. Para alguns, o motivo da mudança seria uma doença de Francisca Carolina de Nazareth, mas Hermenegildo sempre antecipava as grandes mudanças e foi para Morrinhos, onde foi o primeiro intendente e consolidou-se como fazendeiro adquirindo mais de vinte e sete fazendas, consolidando o comércio entre Santa Rita do Paranaíba, Morrinhos, Pouso Alto e outras vilas com o sudeste do Brasil.

 Inicialmente chamada de Vila Bela de Morrinhos em 1845, quando então era   distrito da Vila de Santa Cruz, Morrinhos conseguiu sua primeira emancipação em 05 de novembro de 1855 com a denominação de Vila Bela do Paranaíba, tendo como distrito Santa Rita  do Paranaíba. Após quatro anos, retorna à condição de Distrito de Santa Cruz, tendo sido suprimida sua condição de Vila independente administrativamente. Em 1871 o município é restabelecido com o nome de Vila Bela de Morrinhos e reinstalado em  03 de fevereiro de 1872. No ano de 1882 é elevado à categoria de cidade, com o nome de Morrinhos, que prevalece até os dias atuais.

            Nascimentos, casamentos e mortes foram eventos que antecederam os principais embates que resultaram na emancipação de Santa Rita do Paranaíba em julho de 1909.

Os nascimentos das jovens primeiras-damas de Santa Rita do Paranaíba e do Estado de Goiás se deram no início da década de 1880, sendo que  Amélia Augusta de Moraes nasceu em Morrinhos, no dia 27 de agosto de 1884, e Messias Alexandrina Marquez  em Santa Rita do Paranaíba, no dia 13 de outubro de 1883. A mesma sequência foi observada em relação aos casamentos, sendo que ambas contraíram matrimônio ainda menores de dezoito anos, sendo a primeira em 27 de julho de 1901, quando tinha dezessete anos e a outra em outubro de 1900, com apenas dezesseis anos.

            A morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em maio 1905, também foi um acontecimento que antecedeu a emancipação de Santa Rita do Paranaíba e consolidou a presença da mulher e herdeira Francisca Cândida de Nazareth Moraes, cuidando dos netos e dos bens.

A morte do presidente Afonso Pena, em junho de 1909, também influenciou a emancipação de Santa Rita do Paranaíba, fato que possibilitou mais poder a José Leopoldo de Bulhões, que voltou a ser ministro da Fazenda do sucessor Nilo Peçanha.

Enfim, as relações de poder que levaram à emancipação de Santa Rita do Paranaíba e que se deram através de nascimentos, casamentos e mortes, estiveram sempre ligadas a uma série de processos políticos, que vão desde a eleição de José Xavier de Almeida, em 1901, para presidente do Estado, ao seu rompimento com Leopoldo de Bulhões, em 1904, o que levou ao pedido de intervenção por Leopoldo de Bulhões em 1905. Passaram pelas vitórias de José Xavier de Almeida, que homologou as eleições de 1904, mas que começou a se inverter em 1908, ocasião que o grupo de José Leopoldo de Bulhões fez a maioria de deputados e senadores, condição que levaria ao não reconhecimento das eleições para deputados federais, senador e presidente do Estado para 1909, e que dá origem ao Movimento de 1909,  que tem como primeiro resultado a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

               A imagem que se tem do sul de Goiás no início do século XX  é de um espaço de carência geral de seus moradores, diferenciando-se em poucas coisas os homens que tinham comércio e cargos públicos, em especial os coletores, que trabalhavam nas recebedorias fiscais de Santa Rita do Paranaíba.

              O quadro da vida, das casas, das vestimentas e da própria alimentação, narrado por (FRANCO, 1997 p. 119), mostra um lugar onde predominavam moradias simples, e alimentação à base de feijão preto, farinha de mandioca e um pedacinho de carne salgada ou toucinho para todos os moradores.

              Uma das características marcantes da região é o seu destaque como posto de fiscalização do Estado, em um período em que se travou um grande arrocho fiscal provocado pelo grupo dominante do período no Estado, que estava bastante ligado à cidade de Morrinhos, cidade-mãe de Santa Rita do Paranaíba, que teve sua fundação ligada a um porto e criação  da Recebedoria tributária no período anterior à República, por volta de 1834, quando se consolidava a primeira organização fiscal do Brasil Independente de Portugal.

              As atividades comerciais predominantes no período estavam ligadas à pecuária e em especial ao comércio, que eram as principais fontes de tributação na região.

              Relacionando à cidade pesquisada, é possível imaginar  a mistura que se fazia através de uma administração pública deficiente, com funcionários desqualificados, que misturava o público com o privado e que estava mais sujeita ao controle dos costumes locais e do mando de seus coronéis, do que aos regulamentos tributários, como pode ser notado nos embates entre o Ministério Público e coletores públicos, que faziam uso particular dos recursos arrecadados dos impostos.

              Com a ausência do Estado, uma justiça sem poder e dominada pelas autoridades locais, municípios pobres e sem fonte de recursos,  o local vai se constituir em um espaço perfeito para o domínio dos coronéis e seu fortalecimento, o que pode ter ocorrido com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que fez fortuna com a Guerra do Paraguai e ocupou cargos públicos, chegando no início do século XX com condições  de fazer aliança com os governos devido sua situação econômica abastada.

              O período de emancipação mostra um Estado com estruturas arcaicas, com os grupos dominantes dos coronéis detendo os meios de administração na nomeação de delegados, coletores e outras autoridades, proporcionando um desencontro entre as aspirações dos cidadãos e a possibilidade do Estado de provê-las.

              As cidades não tinham recursos para investimentos menores, como cuidar de suas ruas, ocorrendo em muitos casos o investimento privado com posterior indenização do Estado, quando era possível, e assim foi se institucionalizando o poder dos coronéis nas cidades.

              Cabe aos que têm recursos econômicos, como os fazendeiros e comerciantes, exercerem funções do Estado ausente, como as policiais e judiciárias, o que se faz através de capangas, já que tais funções não eram supridas por pessoas especializadas.

              É dentro desse quadro de pobreza do poder público local, de uso do aparelho do governo como propriedade privada e de dominação pessoal sem separação do público com o privado, com o grupo de coronéis locais ligados aos presidentes da província que vai ocorrer a emancipação de Santa Rita do Paranaíba.

              É a imagem de uma cidade que vai ter dono por muitos anos, desde sua fundação, onde o coletor, o delegado, o conselho de Intendência e a própria intendência vão ser uma extensão das famílias de comerciantes locais, o que vai ocorrer pela escassez de funcionários qualificados e ausência do exercício despersonalizado das funções públicas, com o grupo dominante utilizando o aparelho estatal para atingir interesses particulares.

              A formação dos coronéis de Santa Rita do Paranaíba a partir da Primeira República pode ser vislumbrada nas obras “Os donos do Poder” (FAORO, 1989), assim como a maneira como funcionava o sistema eleitoral, baseado na política dos governadores que sustenta todo o período.

              Nas palavras de Rui Barbosa (apud FAORO, 1989, p.569), “substitui-se os principais interesses, o povo pelas facções e os Estados pelos seus governos.”

              A política dos governadores tinha como características o apoio dos presidentes dos Estados ao Governo Federal, recebendo poderes e privilégios, que por sua vez formavam suas bases nos municípios, que deviam obediência aos coronéis que governavam o Estado. Enquanto fossem aliados, poderiam utilizar as estruturas no Estado no exercício dos poderes locais.

              Verifica-se na Primeira República uma pequena participação política da população, como se observa nos números apresentados entre 1870 e 1890, quando o percentual de votantes no período variava de 2,3% a 3.4% da população, que girava em torno de 10 milhões em 1872 e que atingiu 14 milhões em 1889, sendo que apenas 24% moravam na zona urbana.

              A República Velha, período em que nasceu Santa Rita do Paranaíba caracteriza-se pela pouca participação da população na vida política, que era para poucos, decorrente do sistema eleitoral altamente restritivo, com uma população pouco alfabetizada, contando com cerca de 14,8% por volta de 1890, e um sistema eleitoral viciado, que dava sustentação à política dos governadores e  à afirmação do coronelismo.

              O sistema eleitoral permitia a qualificação dos eleitores, que era feita pelos coronéis ou por seus indicados, assim como a tomada e apuração dos votos, tendo o presidente do conselho de intendência ou o intendente municipal a supremacia do controle, às vezes feito nas próprias casas das autoridades.

              Era utilizada uma forma de controle que ficava na mão do coronel do Estado e para o comando eleitoral ser efetivo, o sistema deveria ser estrangulado no município e tudo isso era garantido pelas milícias estaduais e por instrumentos financeiros.

              Prevalecia o sistema de partido único, do presidente da província ao coronel no município, e as despesas eleitorais locais cabiam ao coronel local que, em troca, tinha os empregos na sua região, que seriam ocupados por pessoas indicadas por ele. É um sistema de reciprocidade, onde o Estado dá os empregos, os favores, tendo a força policial através de seus capangas, nomeando o delegado, o coletor de impostos, o juiz, o promotor, e prevalecendo os laços de amizade e compadrio.

              A obra de Faoro (1989), permite entender a figura do coronel que assume o poder local, onde alguns receberam o nome da antiga Guarda Nacional criada em 1831 e que recaiu também sobre pessoas detentoras de riquezas, que podiam comprar as patentes.

              O coronelismo penetra de tal maneira nas atividades políticas, constituindo-se no primeiro degrau dessa estrutura. Ele não manda só porque tem a riqueza, mas há pela população um reconhecimento de seu poder, sem necessidade de um pacto escrito. É um poder que se consolida com o aliciamento e preparo de seus eleitores, bem como o amplo número de cargos locais que terá a sua disposição para fazer suas indicações.

              A política dos governadores e seu criador, Campos Sales, aconselhando aos presidentes dos Estados a dissolverem as câmaras municipais e nomear os intendentes, são reflexões tratadas por Faoro, (1989), que permitem entender os primeiros embates e arranjos que ocorrem em Santa Rita do Paranaíba. É a política que atrelará os chefes políticos ao governo estadual, atrofiando os núcleos locais, como ocorreu com Santa Rita do Paranaíba.

              Nos capítulos estudados é possível entender o uso do poder político como extensão da família e o coronel Sidney Pereira de Almeida é fruto dessa construção política, havendo historicamente uma mistura do particular com os bens do Estado.

              Nessa obra têm-se os fundamentos do sistema coronelista que já está imposto desde a fundação da cidade e manifesta-se com intensidade em sua emancipação, prevalecendo as escolhas e indicações de cargos públicos de acordo com a confiança e o compadrio, e não com a capacidade dos escolhidos.

              As oligarquias que nascem no século XIX, o jeito personalista de governar e a própria impregnação do coronelismo como forma de governo vêm  dos tempos da fundação da cidade.

              Este estudo permite uma reflexão sobre as origens da população que formaria a cidade de Santa Rita do Paranaíba, onde prevalecia o comércio e a pecuária. No trabalho percebem-se as raízes dos trabalhadores, que se dá através de aventureiros que vieram em maior parte de Minas Gerais e dos próprios coronéis que vão governar a cidade em seus primeiros anos de existência.

              Enfim, essa obra permite refletir sobre o urbano e o rural no período de emancipação, o funcionamento do poder público nas mãos dos coronéis, a emancipação da cidade como instrumento de dominação e um povo constituído por aventureiros assentados em sua maioria na zona rural e os poucos que habitavam o centro urbano, numa cidade com forte influência ibérica na sua arquitetura, com uma praça central, duas grandes ruas em duas direções e uma Igreja em sua parte central. Essas são as raízes dessa cidade do interior do Estado de Goiás, com seu povo, seus costumes, seus governantes e suas práticas políticas.

O primeiro documento localizado no primeiro ofício da cidade de Goiás e que trata de Santa Rita do Paranaíba descreve a arrematação do Porto da Fazenda Nacional por Cândido Rodrigues de Paiva, em 1835, que fazia parte de uma estrada nova construída até Uberaba-MG (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p.23).

Inicialmente o Distrito do Arraial de Santa Rita do Paranaíba foi criado como parte da Vila de Santa Cruz, em 1849, perdurando essa situação até 1855, quando então passa a pertencer a Morrinhos, que na época se denominava Vila Bela do Paranaíba. De 1859, quando é suprimida Vila Bela do Paranaíba, até 1871 quando novamente ocorre a emancipação de Vila Bela de Morrinhos, Santa Rita do Paranaíba fez parte da Vila de Santa Cruz (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p. 25-29).

Nas relações de poder em Santa Rita do Paranaíba, destacam-se Jacintho Luiz da Silva Brandão, casado com Messias Alexandrina Marquez, em 1900, e que não teve nenhum filho; Major Militão Pereira de Almeida, casado pela primeira vez com Ermelinda Borges de Almeida, em 1883, tendo 10 filhos, sendo o primeiro o coronel Sidney Pereira de Almeida.  Viúvo em 1903, Major Militão casou-se pela segunda vez em 1905 com Laudelina Mendes de Almeida, com quem teve nove filhos. Filho de Major Militão, o coronel Sidney Pereira de Almeida casou-se em 1909 com Maria Clarinda Cotrim, com quem teve seis filhos.

Qual a relação de Messias Alexandrina Marquez, Laudelina Mendes de Almeida e Maria Clarinda Cotrim com a emancipação de Santa Rita do Paranaíba? São as mulheres presentes na vida privada dos homens que faziam política  quando da emancipação de Santa Rita do Paranaíba e depois nos primeiros anos da Vila emancipada.

Como Villa Bela de Morrinhos exercia um poder político na região sul do Estado de Goiás, desde 1895, quando Hermenegildo Lopes de Moraes era vice-presidente do Estado, até 1905 com sua morte, e após este período, o poder continuou a ser exercido por José Xavier de Almeida, genro de Hermenegildo Lopes de Moraes, ex-presidente do Estado e deputado federal em exercício, entrava na cena política outro filho de Hermenegildo Lopes, também deputado federal e homônimo do pai,  Santa Rita do Paranaíba não tinha nenhuma esperança de emancipação.

            O principal líder local, Jacintho Luiz da Silva Brandão era do grupo de Morrinhos, tanto é que assumia os principais postos no Arraial de Santa Rita do Paranaíba, como Administrador da Recebedoria.

            Como principal oponente de Jacintho Luiz da Silva Brandão, apareceu a figura do coronel  Sidney Pereira de Almeida, filho do maior comerciante do Arraial em 1909.

            O sistema político local tinha no comando o intendente geral, que era figura escolhida pelo presidente do Estado. O poder legislativo, escolhido pelo povo, era o conselho Municipal de Intendência.

Nos primeiros anos de governo, os membros do primeiro Conselho Municipal vão se revezar no poder como intendentes, ora aderindo aos Bulhões, que mandavam no Estado, quando da emancipação, e depois com o alinhamento do grupo de Sidney Pereira de Almeida com os Caiado, até 1927.

A Lei de emancipação é o principal documento que corrobora a hipótese de que a emancipação de Santa Rita do Paranaíba foi o primeiro ato do grupo dos Bulhões, que assumiu o governo do Estado de Goiás a partir do Movimento de 1909, no mês de maio, quando o poder foi passado ao primeiro vice-presidente e após ao segundo vice-presidente, que sancionou a lei de emancipação de Santa Rita do Paranaíba em julho de 1909.

            Da publicação da lei de emancipação à efetiva instalação do município levaram cerca de dois meses. No mês de setembro, foi nomeado o Conselho Municipal Provisório, tendo Jacintho Luiz da Silva Brandão sido escolhido presidente provisório e a missão também de governar o município até a escolha do Intendente Geral, que ocorreu em dezembro de 1909.

Existiam em Santa Rita do Paranaíba cercam de 83 estabelecimentos comerciais, figurando como maior, segundo pagamento de impostos, o comerciante Jacintho Luiz da Silva Brandão, com sete unidades e pagamento de 360$000 réis (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

Havia uma escola com cerca de sessenta alunos. Enquanto o chefe político de Morrinhos mandou os filhos para estudar em São Paulo, os filhos da família de Militão estudavam em Santa Rita do Paranaíba. Mas os primeiros anos iniciais das filhas de Francisca foram feitos na escola da Vila de Morrinhos, conforme aparece na relação de alunas matriculadas por volta de 1873.

Enquanto as crianças da família de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes estudavam e viajavam, as crianças das famílias que moravam na zona rural viviam do pastoreio e de vigiar plantações (FERREIRA e PINHEIRO, 2009, p 117).

O então Arraial de Santa Rita do Paranaíba se destacava por algumas casas comerciais e a família de Major Militão Pereira de Almeida era a segunda maior comerciante, com dois estabelecimentos, enquanto o filho de Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, o Major Galdino da Silveira Marquez também tinha comércio no Arraial. No ano da emancipação, em 1909, a família de Major Militão era a maior pagadora de impostos no então Arraial de Santa Rita do Paranaíba.

O ano de 1909 vai marcar o aparecimento da família do coronel Sidney Pereira de Almeida e o afastamento do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, então aliado da família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes. O que segurou alguns dias a presença de Jacintho Brandão na política da emancipada Santa Rita do Paranaíba foi a presença de Antônio Xavier Guimarães, padrinho de casamento e aliado do grupo vencedor do golpe político de 1909.

             O Arraial de Santa Rita do Paranaíba começou com um porto e uma estrada, cresceu com a família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes, emancipou-se com o golpe político de 1909 em Goiás e tem na Ponte Afonso Pena o símbolo desse momento, que marcou a passagem da família pela política de Goiás como protagonistas das relações de poder que colocaram a região sul em evidência.

3.3  AS MULHERES DA CASA DE DONA FRANCISCA

                        

             Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes tornou-se capitalista e fazendeira após a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em maio de 1905. A legislação brasileira que disciplinava a herança nos primeiros anos da República manteve a proteção dos direitos das mulheres previstos nas leis civis de Portugal e que foram adotadas após a independência do país até 1916, reservando a elas a metade dos bens deixados quando da morte dos esposos. Um terço dos bens podia  ser disposto através de testamento e dois terços  eram divididos entre os filhos nascidos do matrimônio  e de uniões anteriores (MELO e MARQUES, 2001 p. 3).

               O volume de riqueza deixado como herança era muito significativo, conforme resume o presidente da Academia de Letras de Morrinhos, José Afonso Barbosa:

 

[…] O coronel deixou um império econômico de fazer inveja aos homens mais ricos do País (oitenta e dois mil alqueires de chão,   cinquenta mil cabeças de gado vacum, três mil e quinhentos equinos, cem contos de réis em caderneta de poupança, uzentos contos de réis em títulos da dívida pública,lojas comerciais em Morrinhos, Santa Rita do Paranaíba, Caldas Novas e Pouso Alto, uma infinidade de imóveis urbanos     e uma montanha de dinheiro em empréstimos a particulares.[...](BARBOSA, 2013).

 

 

             Os indícios de que ela assumiu a condição de herdeira em relação a sua meação podem ser vistos nas publicações do Almanak Laemmert, conhecido como Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial  do Rio de Janeiro, que colhia dados das áreas comerciais, sociais e financeiros das cidades naquele período através das intendências. Dona Francisca aparece no rol dos agricultores e de capitalistas, ao lado de seus filhos e genros na cidade de Morrinhos.

              Como capitalista da cidade de Morrinhos, Dona Francisca é relacionada nos Almanaques dos anos de 1919, 1921 e 1922, ao lado do filho Francisco Lopes de Moraes e do genro Pedro Nunes da Silva (ALMANAK LAEMMERT,  ed. 76, 77 e 78). Nessas edições aparecem como agricultores ao lado do outro genro José Xavier de Almeida. O nome de Dona Francisca foi grafado incorretamente como  Francisco C. de Nazareth Moraes. O filho bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes e o genro José Xavier de Almeida são relacionados como exportadores de gado.

               Na edição 78-79 do Almanak Laemmert do ano de 1922, Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes aparece na relação de criadores de gado da região de Santa Luzia, hoje denominada de Luziânia (AMANAK LAEMMERT, 1922, ed. 78-79).

              Outros documentos que mostram a participação de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes são petições dirigidas a juízes de várias comarcas através de editais por condôminos que solicitam citação pessoalmente ou por carta precatória para Dona Francisca, que morava em Morrinhos, para demarcação e medição de terras em outros municípios, por condôminos que não desejavam continuar com as terras comuns a vários proprietários.

              O primeiro Edital  que pede a citação de Dona Francisca foi publicado em 1906 na edição 373 do Semanário Official, similar ao Diário Oficial publicado nos dias atuais. Na Comarca de Morrinhos, o agricultor Antônio Ventura da Costa Coutinho, informa que comprou parte dos imóveis contíguos e comuns denominados “Fazendas Vinagre e Três Barras” e que seja feita a divisão para formar o quinhão de cada um (SEMANÁRIO OFFICIAL, 1906, Ed. 373).

               No ano de 1918, através do jornal Correio Official de Goiás, na  edição 157 de janeiro de 1918,  ela é citada por edital para acompanhar divisão da Fazenda Vargem das Flores, no município de Santa Rita do Paranaíba, como condômina, ao lado dos filhos Alfredo Lopes de Moraes e Francisco Lopes de Moraes, além do genro Pedro Nunes da Silva (CORREIO OFFICIAL, 1918, ed. 157).

              Em abril de 1919, o mesmo jornal Correio Official faz citação  para que Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes acompanhe medição e demarcação da Fazenda Camarão, na região de Palmeiras de Goiás (CORREIO OFFICIAL, 1919, ed. 218). No mesmo ano, em maio, novo edital é publicado, para que Dona Francisca na condição do condômina, acompanhe a demarcação e medição da Fazenda Boa Vista,  também localizada em Palmeiras de Goiás ( CORREIO OFICIAL, 1922, ed. 222).

               Era tão rara a presença das mulheres como proprietárias, que na seção de agricultores o nome de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes foi digitado como Francisco, possivelmente por erro na digitação e pela raridade de haver mulheres naquele período como agricultoras (ALMANAK LAEMMERT, 1919, ed. 77).

               Os bacharéis unidos aos fazendeiros mudaram o governo do Estado de Goiás em 1909 através de um golpe político que resultou na imediata emancipação de Santa Rita do Paranaíba, mas foram as mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes que, a partir de Morrinhos,  ganharam presença e visibilidade nas relações de poder ocorridas naquele período.

            Os homens foram para as melhores escolas e se tornaram bacharéis, mas as mulheres da casa de Francisca puderam desempenhar mais do que se esperava delas na criação dos filhos e administração da casa, contando com o privilégio de serem chamadas de "Dona” , fazendeira, capitalista e primeira-dama através do casamento e de eventos como da morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e sua herança.

            As relações das mulheres da casa de Dona Francisca foram além dos bordados, das visitas às igrejas e das criações dos filhos, ampliaram-se para a politização do espaço privado, viagens para a capital do país e exterior, atividades filantrópicas nos palácios e sociais nas festas, e principalmente no caso de Dona Francisca, a administração de fazendas e a condição de capitalista, pois herdou uma significativa soma de valores em depósitos e empréstimos.

            Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes não costumavam viajar muito, tanto que até a assinatura da Constituição de 1891 foi realizada em sua casa na cidade de Morrinhos, trazida pelo então líder político José Leopoldo de Bulhões Jardim. Este é um exemplo da politização do espaço privado.

            Além da casa da família, outro espaço em que se verificou a presença de Dona Francisca foi a Igreja Católica nos eventos de batizados e casamentos, tanto em Santa Rita do Paranaíba, quanto em Morrinhos. Registros da igreja de Santa Rita de Cássia mostram a presença de Dona Francisca em batizados a partir de 1863, período da chegada do coronel Hermenegildo a Santa Rita do Paranaíba, o seu casamento em 1869 e no casamento de Damaso Martins Marquez em 1873 (FERREIRA e PINHEIRO, 2009).

              Apesar de reproduzir os discursos de dominação dos homens em relação às mulheres, a Igreja foi um espaço público que permitiu às mulheres saírem de suas casas e frequentarem espaços públicos. Foi assim que Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes, através de batizados e casamentos, conheceu o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que levou as relações políticas para dentro de sua casa.

              O casamento de Dona Francisca foi a porta de entrada nas relações políticas, já que a partir  de Morrinhos passaram a fazer articulações para eleição de deputados federais, senadores, intendentes e até de governador do Estado. Entretanto, foram as mortes dos coronéis, tanto o pai em 1886, como o esposo em 1905, que possibilitaram relações comerciais e a emancipação jurídica de Dona Francisca.

               Pertencente a uma família de cinco irmãos, com a mãe já falecida em 1886, a morte do seu pai capitão Manoel Martins Marquez proporcionou à Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes alguns bens como herança e que foram mantidos em seu nome mesmo após o casamento com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.

              Com o falecimento do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, assumiu a posição de representante legal da família, o que possibilitou à Dona Francisca ampliar sua participação em relações econômicas, já que administrou a parte que lhe coube por herança. Ressalta-se que, apesar da morte, a política continuou presente em sua casa, já que os filhos e os genros continuaram ativos nas disputas eleitorais, até 1930, quando finalmente o filho caçula Alfredo Lopes de Moraes renunciou à presidência do Estado após assumi-la em julho de 1929.

              Embora contasse com muitos filhos e genros, as atividades políticas dos bacharéis Hermenegildo Lopes de Moraes Filho e José Xavier de Almeida os levaram a ficar ausentes da casa de Dona Francisca, já que residiam  na capital do país para o exercício do mandato de deputado federal. As suas presenças em Morrinhos após 1905 davam-se nos recessos parlamentares.

              Entre os demais filhos, destaca-se que Galdino  da Silveira Marquez, filho do primeiro casamento, preferiu ficar na região de Santa Rita do Paranaíba, onde exercia alguns cargos públicos e foi também fazendeiro.

               Francisco Lopes de Moraes, que não se casou e não terminou o curso superior em direito, foi deputado estadual entre 1905 e 1908. Alfredo Lopes de Moraes  deve ter seguido o caminho do irmão Hermenegildo e assim que terminou as primeiras letras foi para São Paulo fazer o ensino secundário e cursar direito na Faculdade do Largo de São Francisco, onde deve ter concluído o curso nos primeiros anos do início do século XX. Nascido em 1880, só foi desempenhar cargos importantes a partir de 1917, como secretário do Estado, deputado federal e finalmente presidente do Estado em 1929.

              Para descrever a vida de Francisco Lopes de Moraes e reforçar que Dona Francisca assumiu o controle e exerceu o papel de herdeira, o acadêmico de Morrinhos José Afonso Barbosa assim comenta sobre a ausência da casa por um dos filhos:

 

 

 

                                     […] Francisco Lopes de Moraes (09/05/1873-20/07/1958), fazendeiro, industrial, super-rico, boa-vida, preferindo sempre o conforto, os prazeres      que o dinheiro dá as portas que ele vai abrindo, as lindas mulheres, sempre           passeando; de Morrinhos a Araguari no lombo de mula. De Araguari a Uberaba, São Paulo, Rio de Janeiro, de trem. De navio. França, Espanha,     Inglaterra, Portugal, Itália, Grécia... Pois bem, coronel Chiquinho, como era      conhecido, nessas alturas já avançado em dias, levando a vida na folga,          surpreende os familiares e começa também a aparecer na política. Elege-se    Conselheiro (1904-1908). Em 1907 preside o Conselho Municipal. Elege-se        também deputado a Câmara Estadual, na 5ª Legislatura (1905-1908). Mas      não passa de fogo de palha. De novo volta ao ócio, aos encantos que o          dinheiro dá e de novo ganha o mundo. Foi viver sua vida de playboy [...]               (BARBOSA, 2013).

 

 

              Entre as enteadas do coronel Hermenegildo, a primeira a exercer a função de primeira-dama foi Maria Carolina da Silveira Nunes, entre 1893 e 1896, ocasião em que seu esposo foi intendente em Morrinhos. Suas ações ficaram restritas aos limites de Morrinhos, mas continuou a estar presente nas lutas políticas locais travadas pelo esposo, que se tornou várias vezes intendente de Morrinhos e substituiu o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes na liderança política local e também como capitalista e fazendeiro.

              A atuação de Anna Theodora da Silveira Amorim foi limitada a Piracanjuba como primeira-dama,  para onde seguiu com o esposo Pacífico Alves do Amorim, que havia sido sócio do seu padrasto e se tornou intendente daquele município a partir de 1913.

              Quanto aos genros, os antigos sócios do coronel Hermenegildo,  Pacifico Alves do Amorim e Pedro Nunes da Silva estavam mais ligados aos negócios comerciais, destacando que as relações políticas locais em Morrinhos foram assumidas pelo coronel Pedro Nunes da Silva, que, inclusive, substituiu o coronel na chefia da Guarda Nacional na Região do Rio Piracanjuba, enquanto Pacífico Alves do Amorim foi administrar sua riqueza e exercer a política em Pouso Alto, hoje Piracanjuba.

              Entre as noras de Dona Francisca Carolina, que não lhes proporcionou netos, destaca-se Maria Amabini Paranhos, esposa do bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes, que era bastante ligada às atividades da Igreja Católica e se destacava em ações sociais na cidade de Morrinhos, ganhando inclusive o apelido de “Mãe da pobreza”.  Outra nora, a viúva de um espanhol, Maria Marquez Otero realizou o segundo casamento com o filho  Alfredo Lopes de Moraes, ocasião em que tinha um filho do primeiro casamento, chamado Gumercindo Marquez, que se tornou deputado estadual (FONSECA, 1998, p. 185). 

              Entre todas as mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Moraes, foi Amélia Augusta de Moraes Almeida, a mais jovem primeira-dama que o governo de Goiás teve no início do século XX, que se destacou pela presença nas relações de poder ligadas à política.

              A entrada nessas relações de poder também se deu através do casamento. Não seria bom para a imagem do recém-presidente do Estado eleito em março de 1901, José Xavier de Almeida, ocupar o cargo sem uma primeira-dama. A cerimônia foi realizada em 27 de julho de 1901

              Assim como a mãe, era católica participante e também viveu relações a partir da Igreja e da Família. Mas sua presença foi marcada nos embates e arranjos políticos ao lado do esposo desde 1901, quando ele ocupou o cargo de presidente, até a derrota política do bacharel José Xavier de Almeida em março de 1909, fato que o afastou dos embates políticos; a partir daí ele passou a viver as relações de família, primeiro em Juiz de Fora,  Minas Gerais, por alguns anos e depois em Morrinhos, onde era grande fazendeiro e exportador de gado.

               Amélia Augusta de Moraes, delimitou presença nos espaços públicos desde a frequência de um curso normal entre os anos de 1899 e 1900, mas foi principalmente como primeira-dama do Estado de Goiás, a partir de 1901, quando desempenhava atividades filantrópicas e sociais no palácio do governo goiano, que marcou presença nas relações de poder, especialmente a partir dos espaços privados, já que não ocupou formalmente nenhum cargo público.

               Apesar de ser deísta e de ter formação liberal por ter estudado na Faculdade de Direito de São Paulo, o bacharel José Xavier de Almeida sofreu influências da mulher Amélia Augusta de Moraes Almeida, participando dos eventos religiosos na Igreja Católica, tais como batizados, casamentos e missas, para agradar a esposa.

               A filha mais jovem de Dona Francisca Carolina de Nazareth esteve presente em todas as viagens, seja a passeio para o exterior, quando trazia vestidos de Paris ( FONSECA, 1998, p. 185), seja para os eventos políticos em Goiás, até março de 1909, quando houve o golpe político de 1909 e a saída de cena política, para viver a vida no espaço privado da família, sem as disputas políticas que marcaram os anos de 1901 a 1909.

               Os indícios dessa presença e visibilidade de Amélia Augusta de Moraes estão descritos  na obra de Célia Coutinho Seixo de Britto, que narra a chegada da primeira-dama no Palácio Conde dos Arcos, sua vida ao lado do esposo, mesmo depois que deixou a presidência do Estado, suas viagens para reuniões políticas na capital do Estado e finalmente a saída de cena, quando ocorreu o Movimento golpista de 1909.

               A casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes foi, durante toda a Primeira República em Goiás um centro de poder político que elegeu presidentes do Estado, senadores da República, deputados federais, intendentes e deputados estaduais. A partir dessa casa formaram-se bacharéis, as mulheres foram instruídas e construíram-se riquezas de fazendeiros, comerciantes e capitalistas.

               Mudaram-se governos em Goiás, emancipou-se Santa Rita do Paranaíba, mas o maior feito foi revelar a presença e visibilidade de mulheres, que mesmo não ocupando os cargos públicos da República reservados aos homens, souberam e exerceram a partir de outros ambientes funções e posições relevantes, que nos espaços privados foram iguais e até superiores em algumas situações, como na da herança, que proporcionou a emancipação e a participação das mulheres como protagonistas em um tempo em que tudo foi atribuído aos homens e aos coronéis.

            Desde o começo do século XX, a casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes praticamente só ficava movimentada durante os processos eleitorais. Conclui-se que apenas o casal e seus empregados passavam ali nos dias normais, já que os filhos crescidos e criados tinham tomados outros rumos.

            A caçula  Amélia Augusta de Moraes Almeida mudara para a capital de Goiás em 1901, quando  se casou e acompanhou o esposo, José Xavier de Almeida, gerando vários netos para Dona Francisca. O filho Hermenegildo Lopes de Moraes, como deputado federal e sem geração de filhos, passava maior parte do tempo onde morava, no Rio de Janeiro, vindo para Morrinhos nas férias parlamentares.  Francisco e Alfredo, ainda solteiros, viajavam muito pelo país e exterior.

            Percebe-se uma maior proximidade da casa de Dona Francisca de suas duas filhas do primeiro casamento, Maria Carolina e Anna Theodora, casadas com os sócios do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes,  Pedro Nunes da Silva e Pacífico Alves do Amorim que ficaram na região sul de Goiás. Logo, deviam frequentar constantemente a casa com seus filhos.

            Eram intensas as relações comerciais, sociais e políticas durante todos estes primeiros anos do século XX na casa de Dona Francisca. Discutia-se compra de fazendas, os negócios do comércio e empréstimos e até  guardava-se dinheiro.

            Na política foram tantas eleições vividas a partir da casa de Dona Francisca, que se tornou primeira-dama de Morrinhos a partir de 1890 até 1893, quando o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes se tornou primeiro intendente de Morrinhos e retornou ao mesmo cargo de 1899 até 1903. Seguiu  em 1894, quando o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes se elegeu deputado federal naquele ano e foi se reelegendo em 1897, 1900, 1903, 1906, 1909 e 1912.

            Ainda em 1894, o genro de Dona Francisca, Pedro Nunes da Silva se tornou intendente de Morrinhos até 1896, ocasião em que Maria Carolina Silveira Nunes se tornou primeira-dama da cidade.

            No início do século XX, em 1901, José Xavier de Almeida quando ainda namorava com Amélia Augusta de Moraes, foi eleito  presidente do Estado de Goiás, o bacharel  Hermenegildo Lopes de Moraes deputado federal, em 1903, Francisco Lopes de Moraes disputou e ganhou mandato de deputado estadual, em 1905.

            Após a morte do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, em 1905, um ano depois foi novamente eleito o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes  para deputado federal, acompanhado de seu cunhado José Xavier de Almeida, que havia deixado o governo do Estado.

             Em 1908, como liderança política e chefe do diretório do Partido Republicano, José Xavier de Almeida veio para Goiás organizar o partido para as eleições de 1908. Em 1909, o bacharel Hermenegildo Lopes de Moraes foi eleito deputado federal e também presidente do Estado, mas só assumiu o mandato de deputado federal. José Xavier de Almeida chegou a ser eleito senador federal em 1909, mas não assumiu devido ao golpe político de 1909.

                         As mulheres da casa de Dona Francisca Carolina de Nazareth de Moraes não ocuparam o espaço público da política, mas a politização constante de sua casa trouxe a política para suas relações do dia a dia.

 


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